Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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15 de outubro de 2013

A Velha do Chá




Pelos anos finais de 1930 e alguns de 1940*, aparecia em Porto da Lage uma senhora, de quem não se sabia a idade mas que não aparentava ser idosa. Vinha por períodos curtos com uma pequena trouxa à cabeça, de aspecto andrajoso e refugiava-se em qualquer recanto que lhe parecesse mais abrigado. De noite, acendia uma pequena fogueira com pequenos garavetos para se acompanhar e aquecer. Ali estava sentada, espevitando a pequena fogueira, balbuciando palavras imperceptíveis. Durante o dia mantinha-se no mesmo local, na mesma posição, a cozinhar, não se sabia o quê, em pequenos recipientes recolhidos de algum lado.
A boa gente de Porto da Lage conhecia-a por "velha do chá", baptismo que terá sido sugerido pelo chás variados que ela preparava e bebia.
A pobre senhora não importunava ninguém a esmolar. Quando se socorria de um auxílio, era sempre como um empréstimo; era um ovo, uma colher de açúcar, uma chávena de arroz. Quando se dirigia às pessoas para contrair empréstimo, usava de palavras e tom de voz que acreditassem o favor. Se não era atendida no seu pedido, que acontecia com frequência, lastimava-se com palavras de resignação.
Nestas tristes condições, esta pobre senhora por aqui viveu, vagabundando, durante alguns anos. Desconhecia-se a sua origem e a identidade. Não terá sido uma vagabunda qualquer. A sua fisionomia ainda delicada, comportamento e modo de se expressar, denunciavam alguma educação cuidada.
A história desta mulher fica por contar. É desconhecida. Seria dramática? Desditosa ou simplesmente uma vagabunda?(Ilídio Mota Teixeira)

As Papas, 1898, José Malhoa, 

* Ainda me lembro de a ver de pés descalços e pernas nuas, envolta em sacas de sarapilheira, cerca de 1966.(MFM)