Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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25 de novembro de 2014

Sic transit gloria mundi

                                                            

Capela dos Ossos-Évora


«...Afora o círculo dos seus fiéis, era odiado [António Bernardo da Costa Cabral, primeiro-ministro de Portugal 1842-1846] de cima a baixo na escala social. O seu êxito político suscitou despeito generalizado. O seu rápido enriquecimento causou escândalo e também invejas inconfessáveis. Ninguém perdoava que o plebeu ainda há pouco conhecido por morar numa modesta casa a Buenos Aires e trajar um reles casaco com gola de chibo em breve habitasse um sumptuoso palácio na Calçada da Estrela, possuísse um castelo em Tomar e uma quinta na Mealhada. Subira ao poder em 1842, nada tendo de seu, e em 1845, apenas três anos depois, era já o que se via. Possuía equipagens e dava festas espaventosas; o recheio das suas casas era luxuoso; a mulher vestia-se na mais cara modista de Lisboa, a francesa Levaillant. Os jornais dissecavam os seus haveres, contabilizavam as luvas recebidas por contratos firmados pelo Estado com companhias particulares, calculavam o montante da sua fortuna e discutiam a origem dela. Os epítetos de «concussionário» e «ladrão» colaram-se à sua pessoa como a pele se cola ao corpo. Aparentemente, a sua notória e escandalosa corrupção não impressionava a rainha, de quem se tornara o favorito, que o elevou a conde em 1845 e que o honrava hospedando-se com a corte no castelo dele em Tomar.
O espectáculo do plebeu alcandorado aos píncaros do poder e da glória esporeava a verrina dos seus inimigos. A aristocracia, regra geral, envolveu- o num fundo desprezo. Costa Cabral parecia desafiar tudo e todos. Colocara o irmão João Rebelo na presidência da Câmara dos Deputados e em 1845 elevara outro irmão, o notório José Bernardo da Silva Cabral, a conselheiro de Estado e ministro da Justiça. Mais extremista, mais sectário e mais truculento do que o irmão António, foi este que passou à história como a verdadeira alma danada dos «Cabrais» e do cabralismo...»


Um aristocrata no cabralismo, M. Fátima Bonifácio, Análise Social, vol. XXXVII (165), 2003, pgs.1243-1257.