Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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30 de agosto de 2013

Recordar é Matar Saudades 5


                                                              Varejo Doutrinal




Escola Primária de Cem Soldos



Havia noutros tempos uma tradição praticada pela rapaziada de Cem Soldos. Já no alvorecer do sec. XX quando a minha mãe lá frequentava a escola primária – parece que a “mestra” era uma D. Júlia – contaria ela nove ou dez anos, à hora que as crianças grandes ou pequenas desciam a ladeira de regresso a casa a rapaziada local vinha para as terras mais elevadas frente à estrada e mandava pedras e torrões para fazer perseguição aos que não eram de lá. Isto manteve-se durante décadas.
Quando da doutrina de 1944 ainda mantinham essa antipática tradição. Ora aconteceu que a falecida Helena Leonardo era a mais alta do grupo e apanhou com um torrão nas costas.
A Helena participou o acontecido ao sr. Prior, ele ouviu e disse:
- Está bem!
Na aula da doutrina seguinte, já estávamos todos na sacristia quando chegou o sr. Prior com uma vara disfarçada com a batina.
- Olha lá menina, qual destes rapazes mandou o torrão?
A Helena apontou o tal rapaz. O sr. Prior chamou-o:
- Anda cá!
O rapaz levou uma sova com a vara que até fez xixi pelas pernas abaixo.
Se o rapaz ainda for vivo terá talvez 82 anos, será que ele ainda se lembra?
(Dulcinda Mota Teixeira)




29 de agosto de 2013

Recordar é Matar Saudades 4

                                                Comunhão do ano de 1944

Vou recordar o ano de 1944. As crianças dessa data eram: Marília Reis, Maria do Rosário Vasconcelos, Maria de Lurdes Nunes, Maria do Rosário Batista, Maria Helena Leonardo, Maria Filomena Narciso, Dulcinda Teixeira, penso que a Silvina e a Celeste Sousa também iam no grupo.
Rapazes: Henrique João, Henrique António, Mário Reis.
Ora este ranchinho ia todos os dias à tarde para Cem Soldos, quase 3 km, para a doutrina com o Prior.
Nesse ano havia um menino de Cem Soldos com sete anos, de nome António Mourão Corte Real que ia fazer a primeira comunhão.
A mãe do menino quis fazer a festa toda à sua custa. Ao aproximar-se o dia grande havia ensaios com a criançada. A senhora, mãe do menino, mandou vir não sei de onde alguns fatos de anjo para dar mais solenidade à festa.
Dois ou três dias antes havia montes e braçadas de verduras de mato para engalanar as portas e arcos da velha igreja de S. Sebastião (finais do sec. XVI) e atapetar as ruas da aldeia para passar a procissão (faz lembrar o João Villaret).
 Eram homens e rapazes com escadas para colocar as grinaldas verdes e as colchas adamascadas das famílias ricas de Cem Soldos. A igreja ficou muito bonita.
No dia da festa os pais do menino Corte Real serviram o pequeno-almoço depois da comunhão a todas as crianças presentes. Mais tarde, não sei a que horas, serviram o almoço: sopa e carne não sei de quê, muitos meninos e meninas comeram que se regalaram mas outros (eu) não apreciaram muito o banquete.

 retirado daqui
À tarde formou-se a procissão, os anjinhos de asas brancas, as raparigas da JACF, os seminaristas do seminário de Tomar, os homens da Confraria de capas vermelhas, o Prior e mais um ou dois padres, debaixo do pálio.
Foguetes e mais foguetes, uma menina a chorar por causa dos foguetes, etc.
Ora aconteceu que com os fatos de anjo de asas brancas veio um fato de S. João Batista destinado a um rapazinho filho de uma professora da terra.
O nosso Augustito Carmona da Mota nessa data teria 5 anos e a avó Conceição Carmona mandou, para o seu neto vestir, um fato de anjo de asas brancas. Quando as senhoras de Cem Soldos começaram a vestir os anjinhos, o filho da professora negou-se a vestir o fato de S. João Batista. As senhoras, então, resolveram, sem pedir opinião à mãe, vestir o Motinha de São João. O fato de anjo que era para o neto da D. Conceição Carmona vestiram-no a outra criança.


A D. Maria José Carmona da Mota quando viu o filho vestido de São João não fez escândalo porque era uma senhora. Chorou, protestou, desabafou com o marido: “ o meu filho ia vestido de palhaço”.
A festa acabou ao fim da tarde, julgo que era dia de Corpo de Deus. Nunca mais esqueci os pormenores deste dia.
Hoje ainda lá está a igreja com algumas alterações no altar, assim como em todas as igrejas depois do Concilio Vaticano II. O menino Corte Real faleceu novo, assim como os pais. A herdeira do menino vendeu a moradia cinzenta, no adro. Dos que em 1944 assistiram à festa já quase todos partiram e das crianças do grupo de Porto da Lage já partiram 2 raparigas e o resto estão com 75, 76, 77 e 80 anos.
Recordar é matar saudades.
9-07-2013 (Dulcinda Mota Teixeira)



28 de agosto de 2013

Recordar é Matar Saudades 3



                                                        O Padre Nicolau
                       
                                                                                              (continuação)
Em maio de 1954 a nossa freguesia foi percorrida pela imagem de N.S de Fátima, mas como a nossa casa tinha muitas janelas e poucas colchas eu tinha exposta uma toalha de linho bordada com motivos azuis. O prior observou e gostou.
Quando me encontrou pediu-me a toalha para mandar colocar no púlpito no dia 15 de agosto - a grande festa dele era o dia 15 de agosto, dia da Assunção de Nossa Senhora. Tive muito gosto em ouvir o sermão a olhar para a minha toalha. Já lá vão 59 anos e ainda a tenho. Não sei se a minha filha ou netos a mandarão para o contentor da Cruz Vermelha.
Lembro-me de ele ter uma empregada a quem chamavam “a panela”. O Prior andava saturado de a aturar não me lembro porquê e ela foi-se embora.
Mais tarde, já eu tinha uns vinte anos, o prior parou aqui à porta e falando com a minha mãe queixava-se de não ter quem o servisse. Eu, sabendo que ele não podia ouvir falar nela atrevi-me a propor-lhe “a panela”. Resposta:
- Menina, se quer ganhar o céu leve-a para sua casa!

Teve também a viver e a tomar conta do serviço da casa uma tia dele. Queixava-se que a tia para cozinhar galinha tinha que juntar vaca e para cozinhar vaca tinha que juntar galinha – ficava caro.
Quando tinha festas de igreja e convidava um ou dois padres para ajudarem, a tia cozinhava pouca comida, então sem a tia perceber pedia à esposa do médico para lhe fazer uma panela de sopa a título de oferta.

A localidade de Cem Soldos não tinha padaria. Ia para lá o pão da padaria do sr. Jorge e era o filho – Artur – que ia lá vender o pão. Nessa altura o Artur era rapazola e ia à porta do Prior entregar o pão. Então o Prior que tinha sempre assunto para brincar dizia-lhe:
- Quando fores à confissão a penitência consiste em comer pão duro. O pão macio sabe muito bem, tens que fazer sacrifícios.
Estas passagens do dia-a-dia nas aldeias passariam despercebidas se não fossem observadas por um padre. Uns achavam graça, outros nem tanto.
Havia até paroquianos que o acusavam de não ser igual para todos.
Quando o Manuel e eu nos casámos o meu sogro convidou o Prior Nicolau para ir a Lisboa realizar o nosso enlace na igreja de S. João de Deus, em plena praça de Londres. Foi um bocado complicado, os casamentos ao domingo. Aqui tinha que celebrar três missas e a viagem. Tentou demover o meu sogro, acabou por aceitar mas teve que falar a outro sacerdote para o substituir aqui. Não sei se o prior foi com o amigo Dr. Henrique se com alguém da minha família. Chegou a comentar que a igreja de S. João de Deus não era para padres da aldeia. Mas foi depois ao casamento do irmão do Manuel, voltou para casar a 1.º filha deles e em 1963 no dia 10 de junho foi batizada a minha filha.
Despedi-me dele quando fui para Lourenço Marques, ainda lhe enviei um cartão de boas festas. Quando eu fiz anos agradeceu e retribuiu as BF e cumprimentou pelo aniversário.
Não sei ao certo em que data o prior ao subir as escadas, 1.º andar, da sua residência se desequilibrou, caiu, veio pelas escadas e bateu com a cabeça num vaso. Foi para o hospital, do hospital para um lar e nunca mais recuperou. Eu estava em Moçambique.
Viveu não sei se três ou quatro anos sem consciência de quem era.
A notícia da sua morte em 1971 sensibilizou-me tanto como se fosse um elemento da família. Hoje, sempre que vou ao cemitério de Cem Soldos paro uns minutos junto da sua sepultura.

Paz à sua alma,

9.07-2013(Dulcinda Mota Teixeira)

27 de agosto de 2013

Recordar é Matar Saudades 2

                                                                          O Padre Nicolau                   (continuação)


Eu era garota quando um dia indo eu e uma rapariga a atravessar uma propriedade de meus pais – Casal Negro – o Prior passou por nós na sua montada. Deu os bons dias e perguntou-me:
- Olha lá, de quem é esta fazenda?
Eu, um pouco tímida respondi – É dos meus pais.
Vim a saber mais tarde que ele pensava que eu respondia – É minha!
Lembro-me que quando os jovens resolviam contrair matrimónio iam ao domingo à missa e procuravam o prior para dar início ao processo. Uma ocasião, talvez há setenta anos, um rapaz que pretendia casar foi ter com o prior. Às primeiras perguntas do questionário o padre percebeu que o pretendente ao casamento não estava sóbrio. Disse-lhe:
- Olhe sr. João, para a semana venha cá outra vez mas não vá à taberna do Cartaxo, venha primeiro falar comigo.
Aqui nesta região quando as mães tinham os bebés em casa eram acompanhadas por uma mulher curiosa que ajudava ao parto. Essa mulher é que por norma levava a criança ao colo à Igreja para batizar. Ia o pai, o padrinho, a madrinha e mais quem queria ir. Durante o batismo era sempre a parteira que segurava a criança. Ora tinha acontecido que em determinado batizado essa mesma senhora parteira tinha posto na boca de um bebé um pedacinho de coscorão (massa frita). O bebé engasgou-se. O Prior sabia da estória e quando estava a decorrer o ritual do batismo doutra criança o neófito começou a chorar e não se calava. O prior então lembrou-se do outro e disse:
- …se lhe dessem um bocadinho de coscorão ….?
Outra vez ouvi eu o Prior a comentar o estado em que uma noiva levava as unhas para o altar: “…parecia que tinha andado a cavar com as mãos antes de ir para a Igreja”.
Quando eu e o meu marido namorávamos, durante a colheita da azeitona o Manuel tirou uns dias de férias (na tropa) e veio à Fonte da Longra passar uns dias. Dirigiu-se ao olival onde o pai andava a ajudar a colheita. O Manuel teve o cuidado de por umas luvas para trabalhar melhor. O meu sogro era muito amigo do Prior. Sabendo o Prior que o amigo andava perto da povoação e vindo ele da capela de celebrar missa encaminhou-se para ir ao encontro do amigo. O Manuel quando percebeu que o prior ia ao encontro deles tirou logo as luvas. Mas mesmo assim o Prior viu as luvas a serem retiradas das mãos.
Passados dois ou três dias o prior passou por Porto da Lage e ao cruzar-se com uma prima minha que ia de luvas informou-a de que tinha passado a um olival e andava um homem a apanhar azeitona de luvas. Claro que nomeou quem era o homem. A minha prima assim que pode veio contar-me a estória das luvas.
O padre Nicolau não gostava de casamentos por procuração nem de casamentos com noivos demasiado jovens. Quando lhe aparecia um casamento por procuração em que a rapariga nem sequer conhecia o futuro marido punha todas as dificuldades.
Na época de 40 a 45 as saias das mulheres e raparigas usavam-se por cima do joelho, o prior não suportava tal moda. Na paróquia havia um pequeno ramo da Juventude Agrária Católica Feminina (JACF), quando o grupo se reunia para a celebração da eucaristia ou outras atividades, todas vestiam a saia azul escura e a blusa azul clara. Houve um ano em que a JACF quis festejar o dia do padroeiro S. Sebastião, o prior concordou que faria a festa mas com a condição que quem usava a saia curta teria que descer a bainha. Não sei se desceram, eu nessa época teria nove ou dez anos.(Dulcinda Mota Teixeira)                              

                                                                                       (continua)

26 de agosto de 2013

Recordar é Matar Saudades 1

                                                                 O Padre Nicolau


O nosso saudoso Reverendo padre António Joaquim Nicolau chegou às freguesias da Madalena e Beselga no ano de 1933. Eu tinha nascido há poucos meses por tal razão só quando atingi os meus sete anos é que comecei a ter a imagem deste sacerdote. Quando fiz a minha primeira comunhão já tinha feito sete anos e meio. A igreja de Cem Soldos era engalanada com colchas e verduras. Geralmente o dia escolhido era o de Corpo de Deus, em maio ou junho. Com aquela idade já via na sua figura um homem forte, alto e considerava-o muito bem-parecido.
Era originário do concelho de Torres Novas, de uma povoação que se chama Ribeira Branca.
Este padre, ao contrário do que se passava na época, entrou para o seminário já depois de ser maior de idade. O pai era contra a vocação do filho e para a contrariar mandou-o para Lisboa empregado numa mercearia – marçano – como se designavam estes rapazolas que entregavam as encomendas nas moradas dos fregueses.
Era um padre pobre, não tinha transporte próprio. Deslocava-se nas duas freguesias montado num cavalito que o médico Dr. Henrique Gonçalves, morador e proprietário da sua quinta em Cem Soldos, pôs à sua disposição quando da chegada à freguesia.
Nunca passava pelo mais humilde e pobre paroquiano sem lhe dar a salvação.
O Padre Nicolau era uma pessoa que não pedia nada de material aos paroquianos. Ele tinha direito a receber daqueles modestas quantias (estipêndio) para se manter economicamente, mas só pedia a cada família por ano o equivalente à jorna de um trabalhador rural. Quando era a visita pascal o Patriarcado de Lisboa não o dispensava de calcorrear as povoações e casalejos das duas freguesias. Mas acontecia por vezes receber numa família cinco escudos e na porta a seguir, em vez de receber, deixar a moeda que tinha recebido.
Era uma pessoa culta que ansiava recolher-se a uma comunidade onde pudesse dedicar-se aos estudos.
Paroquiou quase quarenta anos estas duas freguesias, deixou saudades a muitos, mas as pessoas que não estavam ao alcance das suas homilias não o recordam como ele merecia.
Até ao Concílio Vaticano II as celebrações eram todas em latim, grande parte do povo rural que frequentava a igreja saía da missa sem saber o que o celebrante falara.
O Padre Nicolau quando começava a homilia falava qualquer coisa do Evangelho mas havia sempre qualquer facto passado que o tirava do Evangelho do dia. Enervava-se, gesticulava e por vezes excedia-se em assuntos que o povo não gostava.
Ora o resto das povoações das duas freguesias não tinham paroquianos com quem o reverendo Prior cavaqueasse ao seu nível. Quando ele passava por Porto da Lage detinha-se alguns minutos com o Dr. Henrique Mota, médico, ou na farmácia.
A farmácia de Porto da Lage era um ponto de encontro. Uma ocasião nos anos 50 e pouco chega lá o Prior Nicolau e o dono da farmácia sr. Oliveira estava muito constipado. O Prior comenta:
- Parece impossível, o dono da farmácia estar assim tão constipado.
- Pois é, sr. Prior, parece impossível como é que também vão padres para o inferno.
Em Cem Soldos havia casas de Senhores com quem se dava, o professor, o advogado, todos parentes. O Dr. Libério Mourão tinha um filho engenheiro, o professor Mário Mourão era viúvo pai de três senhoras e um rapaz que frequentou o seminário quase até ao fim do curso. Deixou o seminário e casou com uma senhora que era professora do ensino primário. O Dr. Henrique Gonçalves era o médico dos pobres, natural das Moreiras Grandes casou com uma senhora de Cem Soldos. Foram pais de oito filhos. Dois médicos, um engenheiro, o qual nasceu quando da chegada do padre Nicolau em 1933 e foi afilhado do prior. As senhoras estudaram em Coimbra e penso que se formaram em assistentes sociais.
Não convivia o dia-a-dia em Cem Soldos mas as poucas vezes que passei umas horas a ouvir as conversas do Prior Nicolau todas as pessoas estavam animadas. Crentes ou não crentes, todos o respeitavam.
Hoje quando passo à porta da residência paroquial sinto sempre a falta daquela pessoa com a sua batina preta, ar sisudo, a olhar por cima dos óculos bifocais, careca com um resto de cabelo mais branco que preto, não era magro, antes senhor de uma grande barriga. Gostava muito q o visitassem, tinha sempre a porta da entrada para o escritório aberta para quem quisesse entrar.(Dulcinda Mota Teixeira)                                                           
                                                                                                         (continua)

22 de agosto de 2013

Recordar é Matar Saudades *

                                                                  Anita do Lagar



Ana de Jesus Motta (Anita do Lagar) com duas filhas e uma neta, à porta de casa.
                                                 

As minhas irmãs mais velhas, quando da inauguração do Grémio em 1933 eram jovens. Entre primos e não primos seriam talvez uns quinze rapazes e doze ou treze raparigas na época. Os mais velhos à volta dos 25 anos e os mais novos com 14 ou 15 anos. A grande loucura eram os bailaricos. De vez em quando juntavam-se e lá iam dançar.
Acontece que num belo e célebre dia de Ano Novo ou de Reis, era dia Santo, talvez em 1937 ou 1938, sei que fui testemunha, as cinco filhas da minha mãe, a mais velha com 17 ou 18 anos e eu com 5 ou 6 anos, fomos ao princípio da tarde à capela de S.ta Margarida participar num ritual religioso – Beijar o Menino Jesus.
Acabou a devoção e lá viemos ladeira abaixo a caminho de casa. Morávamos na casa da empresa, em frente ao açude. Quando atravessou a ponte sobre a ribeira, o rancho Teixeira parou em frente à casa dos primos Tomaz e à casa da tia Florência que tinha uma filha jovem mas um pouco oprimida pela família.
Essa prima estava à janela e deu-nos conhecimento que havia ajuntamento no Grémio. Ora as minhas irmãs, calculando que os namorados deviam lá estar, não resistiram e levam com elas as irmãs mais novas.
A minha mãe, a “Anita do Lagar”, tinha relógio em casa, era tarde de Inverno, entendeu que já era tempo de as filhas chegarem a casa. Nem pensou nos prós nem nos contras. Vem estrada fora. A primeira pessoa que encontrou foi a tal menina que estava à janela. Logo pediu informações:
- Viste as minhas filhas?
- Oh prima, as suas filhas foram todas para o Grémio! – respondeu maldosa.
Aí vai a prima Anita do Lagar de vara na mão. Entra a porta da sala do Grémio precisamente quando a música da grafonola começa a tocar e os pares de namorados davam os primeiros passos de dança.
Por motivos de força maior parou a música, parou o baile e lá vêm escada abaixo (1.º andar bem alto) as cinco Teixeiras à frente da mãe. Parece-me que a vara não funcionou mas a façanha nunca foi esquecida.
O meu pai é que não gostou nada da ação da sua esposa.
A minha mãe tinha pavor a bailaricos e namorados das filhas à porta. Todos os que por lá passaram ficaram com poucas recordações agradáveis. Esta estória do baile passou-se já lá vão 75 anos.(Dulcinda Mota Teixeira)**

* Expressão utilizada por Dulcinda Teixeira num texto que havemos de ler um dia destes.
** D.M.T escreve de acordo com  o novo AO (de facto não há bela sem senão).

20 de agosto de 2013

E no entanto ela vive!




Pois parece que afinal PL ainda não deu o último suspiro! Fico feliz, penso que ficamos todos! Sub-repticiamente, direi mesmo que subterraneamente, apercebemo-nos que o silêncio da rua bordejada pelos habituais automóveis estacionados (ainda um dia averiguarei a razão de tanto carro numa terra sem gente), as fachadas arruinadas e as janelas cerradas, ocultam frustradas tentativas progressistas e guerras intestinas que, não sendo embora sintomas risonhos mostram que o doente respira, deprimido mas respira.

Fotografia retirada da net
Descobri aqui  o motivo. Acho que percebi bem do que li: um grupo de pessoas, sócias e amigas da Associação (?), segundo dizem, querem revitalizar a dita que, também segundo dizem, está fechada há ano e meio (o período de tempo não sei precisar, mas sou testemunha do desarrumo que impera desde a última iniciativa ao ar livre que me obrigou a ter que dar um jeito no caos fim-de-festa que ninguém limpou, se quis  ter acesso a uma propriedade minha) não tendo tido, da parte de quem tem a chave, receptividade para lhes passar o testemunho, isto é, a dita chave. Acha o grupo que, uma vez que quem a tem (a chave) mantém as instalações fechadas e não promove iniciativas, então que a passe a quem lhe dê uso.

Confesso que não deixa de me parecer bizarra esta dança das chaves: trabalhas tens a chave, não trabalhas dá cá a chave. Será que foi sempre assim que funcionou a transferência de dirigentes  ao longo dos anos? Se foi, afigura-se que deixou de o ser pois os actuais detentores não querem dar a mão, perdão a chave, aos pretendentes.
Parece-me bem, eu cá também não dava.
Não me parece bem que se dê uma coisa que não é nossa.
Não me parece bem que, quando não  apetece fazer uma coisa, ou não se pode ou não se quer, não se deixe os outros fazerem, se quiserem, se lhes apetece e se têm uma vontade irreprimível. Sobretudo se essa  coisa é, em principio, para o bem público e decorre num local que não é   propriedade particular.
Finalmente, parecia bem a toda a gente sensata que se fizesse o que estipulam as regras, a instituição há-de ter estatutos ou,  não os tendo, a Lei geral determina procedimentos a adoptar nestas circunstâncias.
A resolução será facílima comparada  com o ridículo e a aparente mesquinhez da situação. Promover uma  assembleia geral de sócios honra a história da colectividade, agrega pessoas,  contribuí para manter a terra viva.
O provável sucessor não é do agrado de quem sai? Temos pena! Como dizia o outro, ainda não se arranjou nada melhor que a democracia!
Declaração de interesses (eu andava doida para usar esta expressão que está agora muito na moda): não sei quem são as pessoas que constituem os órgãos que “têm a chave” assim como não conheço  “aqueles que a pretendem”, mas quero muito que Porto da Lage tenha presente.(MFM)