Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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4 de dezembro de 2019

As Senhoras Mouzinho


A minha mãe, nascida e criada no Bairro das Flores (o que ela referia com todo o orgulho mas que era motivo de brincadeiras para os filhos, como se tal fosse uma fantasia dela, pois, nas nossas vidas aquele nome já não constava da giria tomarense) costumava dizer quando alguém mostrava dúvidas sobre a sua própria aparência, para a convencer do contrário, que não, que até estava muito bem:
- Ora essa, até estás capaz de ir à mostra às senhoras mozinhas!
Para mim aquilo era um "dito" da minha mãe, coisa antiga, de Tomar concerteza pois nunca o ouvira noutro lado qualquer, e estava acabado. 
Mas, deparei com este opúsculo de Amorim Rosa, do qual extraí o que vai abaixo. Afinal o Bairro das Flores existiu mesmo (quer dizer, ainda lá está mas - desculpe mãe, a incredulidade desta filha parva! - só agora eu confirmo o nome) que tinha como limite a norte " a linda estrada do Prado, por entre um túnel de folhagem verdejante das copadas árvores que a extremam", passando pelas encostas da Senhora da Piedade e da Anunciada Nova, e terminava como diz o autor "em apoteose, perante a trindade que foi pelos séculos fora, o farol que ilumina a senda do progresso da nossa querida terra" que seriam a Igreja, o Municipio e Gualdim Pais.
Fiquei também a saber que as senhoras Mouzinho tinham sido ilustres habitantes do bairro. E assim comprendi que, por ser dali, a minha mãe conhecera,  por tradição, o legado da importância das "senhoras mozinhas" (com a alteração lexical que o tempo sempre opera) na apresentação do outfit (isto é para mostrar que sou actual e sei actualizar) das tomarenses e dos tomarenses (mais outro sinal do mesmo). 
Está tudo explicado! (MFM)


A casa das senhoras Mouzinho, à direita.


«Na segunda metade do Sec.XIX viviam naquela casa duas jovens senhoras que, ricas, nobres e prendadas, constituiam o que se chama um bom partido - talvez o melhor partido da terra.
Mas, apesar da concorrência de pretendentes, as duas senhoras continuaram solteiras e solteiras morreram de provecta idade.
Na sua juventude, todo o moço ansiava por lhes ser apresentado e, conseguindo, e a muito custo, tal desideratum, vestia-se a primor para tão grata visita. E o mesmo sucedia com as damas; que ser visita das senhoras Mouzinhos, não era para todos; e era de tom, nessa época!
Por isso, durante muito tempo - e não sei se ainda existem reminiscências desse hábito, quando se via alguém, janota e aperaltado, soia dizer-se-lhe:
- Vais à amostra às senhoras Mouzinhos?...»

(Amorim Rosa, Uma volta pelo Bairro das Flores, palestra realizada na Sociedade Nabantina em 18.11.1961 )


                                               
 Uma das senhoras em causa , em destaque na imprensa, recebendo "srªs hespanholas a 
tocarem piano e cantarem admiravelmente" em sua casa. A Verdade, 16.08.1885



P.S- As senhoras Mouzinho eram ascendentes da mulher do dr. João Maria de Sousa, Maria Ezequiel de Sousa Mouzinho.