Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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31 de março de 2013

Boa Páscoa




Um dá o mote: "Ressuscitou como disse?" ao que os restantes
 respondem - ALeluia! Aleluia! Aleluia!
Festa das Tochas Floridas de São Brás de Alportel
Minha aldeia na Páscoa...                                      
Infância, mês de Abril!                                      
Manhã primaveril!
A velha igreja.
Entre as árvores alveja,
Alegre e rumorosa
De povo, luzes, flores...
E, na penumbra dos altares cor-de-rosa .
Rasgados pelo sol os negros véus.
Parece até sorrir a Virgem-Mãe, das Dores.


                                                

                                                

                                                

                                                 Ressurreição de Deus! (...)
                                                 Em pleno azul, erguida
                                                 Entre a verde folhagem das uveiras.
                                                 Rebrilha a cruz de prata florescida...
                                                 Na igreja antiga a rir seu branco riso de cal.
                                                 Ébrias de cor, tremulam as bandeiras...
                                                 Vede! Jesus lá vai, ao sol de Portugal!
                                                 Ei-lo que entra contente nos casais;
                                                 E, com amor, visita as rústicas choupanas.
                                                 É ele, esse que trouxe aos míseros mortais
                                                 As grandes alegrias sobre-humanas.
                                                 Lá vai, lá vai, por íngremes caminhos!
                                                 Linda manhã, canções de passarinhos!
                                                 A campainha toca: Aleluia! Aleluia! (...)
                                                 Velhos trabalhadores, por quem sofreu Jesus.
                                                 E mães, acalentando os filhos no regaço.
                                                 Esperam o Compasso...
                                                 E, ajoelhando com séria devoção.
                                                 Beijam os pés da Cruz.


                                                 Teixeira de Pascoaes (1877-1952)

26 de março de 2013

Semana Santa

  A Meritocracia Tuga e a Felicidade na Repartição



Lisboa, 1700

Sermão da Primeira Oitava
da Páscoa* (1647)
Duo ex Discipulis Jesu ibant ipsa die in castellum
nomine Emaus. Luc., XXIV.

IV
[...] Os que se contentam, como S. Pedro, só com ver, são finos. Os que se contentam, como a Madalena, só com que lhes saibam o nome, são honrados. Os que se não contentam, como S. Tomé, senão com o lado, são ambiciosos. Os que se não contentam, como os de Emaús, senão depois de lhes darem o pão, são interesseiros. E os que com todas estas cousas ainda se não contentam? São portugueses.
Verdadeiramente, que se os Portugueses se contentaram, como os Discípulos, não houvera reino de mais contentes que Portugal. Eu já me contentara que fôramos como os que nesta ocasião fiaram menos delgado. Os Discípulos que nesta ocasião andaram menos finos, foram os de Emaús, que não conheceram senão quando lhes deram: Porrigebatillis; mas ainda estes nos levaram muita vantagem. Porquê? Porque se contentaram com o Senhor lhes partir o pão: In fractione panis. Os Portugueses não se contentam com se lhes dar o pão partido; há-se-lhes de dar todo o pão, sob pena de não ficarem contentes. Daqui se segue que nunca é possível que o estejam.
 
As vestiduras de Cristo, que era o manto, e a túnica, dividiram-nas entre si os soldados que o crucificaram: mas com esta diferença: Os quatro soldados, a quem coube o manto, partiram-no em quatro partes, e ficaram contentes todos quatro. Os quatro, ou fossem os mesmos ou diferentes, a quem coube a túnica, não a quiseram partir, jogaram-na; levou-a um, e ficaram descontentes três. Pois porque razão descontentou a túnica a três, se o manto contentou a quatro? É bem fácil a razão. Os quatro a quem coube o manto, acomodaram-se com que o manto se partisse. E quando os homens se acomodam a que as cousas se partam, e se repartam; com o que se cobre um se podem contentar quatro. Os soldados a quem coube a túnica, não trataram deste acomodamento; cada um quis toda a túnica para si: Non scindamus eam, sed sortiamur de illa.
 
E quando os homens são de tal condição, que cada um quer tudo para si, com aquilo com que se pudera contentar a quatro, é força que fiquem descontentes três. O mesmo nos sucede. Nunca tantas mercês se fizeram em Portugal, como neste tempo; e são mais os queixosos, que os contentes.
Porquê? Porque cada um quer tudo. Nos outros reinos com uma mercê ganha-se um homem; em Portugal com uma mercê, perdem-se muitos. Se Cleofas fora português, mais se havia de ofender da ametade do pão que Cristo deu ao companheiro, do que se havia de obrigar da outra ametade, que lhe deu a ele. Porque como cada um presume que se lhe deve tudo, qualquer cousa que se dá aos outros, cuida que se lhe rouba. Verdadeiramente, que não há mais dificultosa coroa que a dos reis de Portugal: por isto mais, do que por nenhum outro empenho.
Quando Josué houve de entrar à conquistada Terra de Promissão, disse-lhe Deus desta maneira: Confortare, et esto robustus, tu enim divides populo huic terram. Josué, esforçai-vos, e tende grande valor, porque vós haveis de repartir a terra a esse povo. Notáveis palavras na ocasião em que se disseram! Quando Deus disse estas palavras a Josué, foi quando ele estava com as armas vestidas para passar da banda dalém do Jordão a conquistar a Terra de Promissão. Pois porque não lhe diz Deus, esforçai-vos, e tende valor, porque haveis de conquistar esta terra aos inimigos, senão, esforçai-vos, e tende valor, porque haveis de repartir esta terra ao povo de Israel? Ambas as cousas havia de fazer Josué; havia de conquistar a terra aos Amorreus, e havia de repartir a terra aos Israelitas; mas Deus esforça-o, diz-lhe que tenha valor, porque havia de repartir e não porque havia de conquistar a terra; porque muito maior empresa, e muito mais arriscada batalha era haver de repartir a terra aos vassalos que haver de conquistar a terra aos inimigos.
Em nenhuns reis do mundo se vê isto mais claramente que nos de Portugal. Conquistar a terra das três partes do mundo a nações estranhas, foi empresa que os reis de Portugal conseguiram muito fácil e muito felizmente; mas repartir três palmos de terra em Portugal aos vassalos com satisfação deles, foi impossível, que nenhum rei pôde acomodar, nem com facilidade nem com felicidade jamais. Mais fácil era antigamente conquistar dez reinos na Índia, que repartir duas comendas em Portugal.
Isto foi, e isto há-de ser sempre: e esta, na minha opinião, é a maior dificuldade que tem o governo do nosso reino. Tanto assim, que se pode pôr em problema na política de Portugal, se é melhor que os reis façam mercês, ou que as não façam?
Não se fazerem mercês, é faltar com o prémio à virtude: fazerem-se, é semear benefícios para colher queixas. Pois que hão-de fazer os reis? A questão era para maior vagar. Mas porque não fique indecisa, digo entretanto, que um só meio acho aos reis para salvarem ambos estes inconvenientes. E qual é? Não dar nada a ninguém, e premiar a todos. Pois como? Premiar a todos sem dar nada a ninguém? Sim: o dar e o premiar são cousas mui diferentes. Dar aos que merecem, ou não merecem, é dar; dar só aos que merecem, é premiar. Não fazerem mercês os reis, seria não serem reis: mas hão-de fazê-las de maneira que as mercês não sejam dádivas, sejam prémios.  Dêem os reis só aos beneméritos, e fecharão as bocas a todos. Quando os prémios se dão aos que merecem, os mesmos que os murmuram com a boca, os aprovam com o coração. Murmurais do que está bem dado? Apelo da vossa língua para vossa consciência. Este é o único remédio que têm os reis para salvarem a opinião naquele tribunal, onde só neste mundo podem ser julgados, que é o coração dos vassalos.
Enfim sejam os príncipes como Cristo no repartir, e sejam os vassalos como os Discípulos no contentar-se, e cessarão as queixas.
 
Padre António Vieira

25 de março de 2013

Frases a Metro

O que se ouve nos metropolitanos de Lisboa e de Londres, exactamente com o mesmo fim.


Em Lisboa:
- Senhor passageiro, para sua segurança não ultrapasse ou pise a faixa amarela junto ao bordo do cais!

Em Londres:
- Mind the Gap!


Os linguistas têm, com certeza, uma explicação para isto. Mas, seja ela qual for, cá para mim só pode ser parente daquela [explicação] que leva o metro de Londres a ter completado agora 150 anos e o nosso 50, que os mapas respectivos sejam os que seguem e a muitas, muitas mais coisas, que não têm nada a ver com metros, mas que me estão agora a ocorrer, a mim e a quem me está a ler, ou não?
Metro de Lisboa

Metro de Londres

20 de março de 2013

Quem é Quem I ?



Esta fotografia, muito popular em PL pois chegou-me através de várias mãos, terá mais vinte/vinte e cinco anos que a outra, alguma desta juventude portalagense dos anos quarenta será filha  daquelas jovens. Desta feita, porém, já sabemos quem eles são, graças à Dulcinda Teixeira (a terceira linda rapariga a contar da esquerda na última fila, em pé), a quem agradeço, que identificou toda a gente.





Em cima da esquerda para a direita: E.Teixeira, M.Mourão, M.R.Vasconcelos, D. Teixeira, H.A.Narciso, L.Nunes, M.F.Narciso, R.Mota, M.R.Teixeira, C.Mota, A.Simões, H.Carmona da Mota, L.Sousa, A.Carmona da Mota, A.Sousa, M.L.Escudeiro


Em memória de Arminda Mota Teixeira que estava presente enquanto a irmã identificava esta fotografia, interrogando-se sobre o motivo por que lá não constava. Era uma portalegense (n.30.03.1926) conhecida e muito querida de todos em PL. Deixou-nos o mês passado, que descanse em paz. (MFM)

17 de março de 2013

Maracujás na Estefânea

 
 
 
No Verão passado escrevi o post abaixo mas não o publiquei.  Ponho-o agora aqui como tentativa de anatematizar os infortúnios anunciados, neste fim de Inverno em que só a terra se apresenta cheia de promessas de fertilidade, húmida e a brotar de verde. Num tempo em que nada promete, só nos resta agarrar-nos ao que é perene e já não se fabrica mais. Ámen.



















 
















Tenho que dizer isto aqui: já tenho maracujás no meu quintal, cá nascidos e criados!
Há meia dúzia de anos experimentei pôr as mãos na terra e descobri, tarde e a más horas, a minha vocação agrícola! Que desperdício! O que eu poderia ter feito e o que o país teria ganho! (como estamos no mundo das suposições, vale dizer tudo, até que a agricultura portuguesa teria um passado glorioso!).
Mas é que é agricultura mesmo, como diz alguém  la-vou-ra! Nada da mariquice da jardinagem. Com um bocadinho de esforço chegava à silvicultura mas já me informei e as árvores de fruto não se englobam aí. Mas não está mal assim.
Comecei com nespereiras (no capítulo dos pomares, entendamo-nos, porque horta? não vos digo nada! ficará para outra ocasião), mas tenho que reconhecer que aí não tive grande mérito. É certo que ninguém produz tantas por metro quadrado, tão coloridas, doces e carnudas, como precisamente os meus três metros quadrados! Mas não posso negligenciar as condições do solo e do clima (vêm como eu falo?) que não há terra como a de Lisboa para fazer crescer nespereiras em tudo quanto é canto, dos contrafortes do castelo às linhas do comboio em Marvila e até em vasos de trapeiras altíssimas!
Tenho depois as ameixas, maravilhosas, amarelinhas. O pior é quando dá na árvore o piolho, mosquito ou lá que verme é aquele que me enquerquilha as folhas todas e chama as formigas, pensava eu que as culpadas eram as formigas mas afinal estava a ser injusta. As pobres trabalhadoras  estão inocentes, até conseguiriam acabar com os ditos, que para isso é que elas lá estão, não fossem as condições ecológicas o que são e não andasse tudo de pernas para o ar nestes tempos pós buraco de ozónio. Isto requer muito conhecimento! É uma Ciência, sem dúvida nenhuma!

Por fim, depois de muita insistência de terceiros, lá iniciei a cultura maracujazeira. Muito contrariadamente, diga-se,  plantei-os; achava eu, e ainda acho, que não tem nada que se andar atrás do que é diferente só porque sim,  a menos que acrescente alguma coisa à nossa vida. Para que raio preciso eu de uma exotice qualquer se já tenho o que gosto!? Francamente até achei a coisa parola, e só a pena de ver a planta a definhar no vaso me fez pô-la na terra.
E não é que ela me brinda agora com um "carregamento" formidável de frutos? E não é que eu estou toda orgulhosa disso (ok, também estou um bocadinho arrependida de, ao principio, não a ter levado a sério)? E não é, também, que estou a vislumbrar perspectivas económicas positivas (?!) nestes tempos difíceis? Estou mesmo a pensar contactar os outros "produtores" aqui do bairro, já me constou que há mais, para, rapidamente, exigirmos uma região demarcada, proponho entre o Saldanha e a Almirante Reis, para evitarmos as contrafacções e similares que se aproveitam  logo, mal surgem produtos genuínos.

Bom, felicitações dadas e aceites, muito obrigada, perguntarão: para que conto eu isto aqui? E o que é que os maracujás têm a ver com Porto da Lage?

Pois têm tudo! Quer dizer, têm a ver com Porto da Lage e muito mais.  Muito mais longe que Porto da Lage, muito mais para trás que Porto da Lage. O  espaço do tempo longínquo onde viveram aqueles que me transmitiram o gosto e a apetência por mexer na terra e ver crescer as plantas fluiu por quilómetros quadrados até se concentrar duas gerações antes da minha em Porto da Lage. Só pode ter sido essa fila de gente, que, durante séculos,  enfrentou a dureza da terra por obrigação para prover ao seu sustento e se reproduzir, que, entranhada em mim, me faz saber como cuidar de um maracujá. E fico contente por eu, pequeno-burguesa até ao tutano, ter ainda, lá pelo meio das moléculas cheias daqueles pequenos valores que nos infernizam a vida,  outras, perdidas, que transportam as qualidades antigas de gentes que não conheciam as conveniências mas sabiam sobreviver. Eles, que nunca se devem ter cruzado com esta Passiflora edulis  nem em sonhos, souberam cuidar do seu canteiro tão bem que, prometo, daqui para a frente, sempre que alguém se deliciar com estes frutos roxos daqui, do meu quintal, vai ter que lhes prestar homenagem. Ora se vai! (MFM)

 

14 de março de 2013

Lances de Fé I

Papa Francisco I
Ontem coloquei  aqui um post sobre o meu avô, exemplo de crente que subordinou toda a sua vida, silenciosamente, ao amor a Deus e à Sua vontade, em contraponto com aqueles que querem fazer da sua religião  o centro do esplendor, do poder e do mediatismo. E não me refiro só à Igreja (aquela estrutura cem por cento humana que sobrevive há 2000 anos, no meio dos maiores martírios infligidos a si e por si, hoje personificada pelo Vaticano) e que está agora a viver o protagonismo máximo com a eleição do novo papa, refiro-me também aos seus detractores, principalmente aos que vivem no seu seio. A agressividade e o ressentimento com que oiço falar alguns católicos exigindo “mudanças” e “aproximação aos novos tempos” como se se tratasse de uma sociedade recreativa, clube desportivo ou de um partido político em risco de perder associados, perturba-me. Esta mundanização de que a Igreja Católica é alvo em que o que parece ser importante é torná-la “moderna e arejada” é, ou me engano muito, a razão que leva ao tal afastamento das pessoas. No mundo ocidental onde, Deus seja louvado, a Igreja já não goza de qualquer poder secular, quem se aproxima dela procura espiritualidade e encontro com algo superior, não reivindicações sociais. Para isso existem outros fóruns. É claro que não estou a falar da dimensão social da igreja, isso são outros contos.
Por isso, ontem à noite, fiquei muito impressionada com a actuação do novo papa. Não foi um estadista nem um sumo pontífice que se apresentou à varanda da Praça usando palavras grandiloquentes de ocasião, foi um homem que rezou e pediu para rezarem por ele. O Pai Nosso brotou então de milhares de bocas, acredito com a fé verdadeira com que Jesus o ensinou e milhões o repetem e repetiram ao longo dos séculos por toda a Terra. Esta dimensão de espiritualidade e encontro com Deus fez-me lembrar o meu avô. Talvez seja bom sinal.(MFM)

13 de março de 2013

Lances de Fé


Em época em que o Catolicismo anda nas bocas do mundo pelas razões mundanas que o poder e o pecado obrigam, achei que seria bom esquecermo-nos das entronizações de chefes (mesmo da igreja) e dos  desvarios humanos dos candidatos a estes (e outros) cargos e lembrarmo-nos daquele pó seco e denso que, dizem, move montanhas e, digo eu, mantém felizes e pacificados os seres que venturosamente o aspiram - A Fé!

Eu tive a graça de conhecer um deles - o meu avô João. Cristão por dentro e por fora. Nunca vi ninguém rezar tanto mas também nunca vi ninguém procurar imitar tão esforçadamente aquilo que o seu Salvador ensinara como ele.
Praticou a liturgia e as obras que a sua fé recomendavam com a discrição e a modéstia com que passou por esta vida. Não fazia alardes das penitências e  sacrifícios efectuados no cumprimento dos ritos da sua religião, que outros costumam fazer objecto de vaidades e destaques, da mesma forma que  não divulgava os actos, produto da sua rectidão de consciência e sã moral, que ele justificava como a vontade do Senhor.

Ao longo de quase sessenta anos redigiu, diariamente, o resumo das suas tarefas e as ocorrências familiares. O relato começava invariavelmente por Eu, seguia-se o nome de um ou mais trabalhadores que tinham estado consigo na lide diária, vinha depois a descrição do que tinham feito.

No dia 12 de Setembro de 1959 (faltava uma semana para completar 67 anos), um sábado, trabalhou todo o dia acompanhado da empregada Celeste, que terá lavado roupa de tarde e apanhado os tomates que estavam a apodrecer, enquanto ele despontava o milho para o gado e tratava do mesmo. Ao fim do dia foi ao barbeiro e passava meia hora da meia noite quando se pôs a caminho.
Após quase seis horas da caminhada solitária entrou na igreja de Fátima, rezou, "toda a noute se lá rezou", e confessou-se.  Às oito horas assistiu à missa, em que comungou.
Despediu-se de Fátima, depois de participar na "missa dos doentes", pelas duas horas da tarde. Não refez a pé, totalmente, o regresso a casa, porque o filho o surpreendeu saindo-lhe ao caminho, de carro. "Chegámos aqui pelas cinco horas muito bom". Assim termina este homem simples a exposição deste lance de fé. (MFM)




11 de março de 2013

Mata-Borrão ou Os Bons Ares de Uma Estância de Repouso








O Blog Meu Vidago  (extraordinário de informação e beleza, que recomendo vivamente) diz-nos isto acerca  do Mata-Borrão "apareceu para acompanhar os aparos, tintas e canetas de tinta permanente. Estava assim directamente ligado à escrita. Servia para "chupar" a tinta que ficava no papel e deixou de ser utilizado quando apareceu as esferográficas nas escolas e nos escritórios. Eram conhecidos dois modelos diferentes, mata-borrão de duas faces iguais e os publicitários numa das faces ..."

Aquele, que a imagem mostra, é um dos publicitários, que publicita exactamente Alcool Puro e Desnaturado de Dupla Rectificação fabricado na Fábrica de Porto da Lage, em 1939.

Atente-se ao número de telefone (o 74 !), ao único dia a vermelho, Domingo, e aos seis (seis!) dias úteis da semana! (oh tempos antigos cada vez a aproximarem-se mais das nossas vidas de hoje!), mas atente-se, sobretudo, à deliciosa descrição de PL na coluna da direita! À excelência  do texto (seria um portalagense a escrevê-lo?) alia-se a maravilha do conteúdo informativo! Dá vontade de lá ter vivido naqueles tempos! - ligado à rede telefónica e o correio levado ao domicílio duas vezes por dia! Uma estação de caminho de ferro no seu seio! Que bela imagem de progresso e conforto! O que se podia querer mais? Nem os bons ares lhe faltavam para, quem sabe, ser uma nova Vidago à beira da Beselga?



9 de março de 2013

Meu Senhor, tende piedade

Meu Senhor, tende piedade dos que andam de bonde

O Grito, Edvard Munch, 1893
E sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos...
Mas tende piedade também dos que andam de automóvel
Quantos enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção.

Tende piedade das pequenas famílias suburbanas
E em particular dos adolescentes que se embebedam de domingos
Mas tende mais piedade ainda de dois elegantes que passam
E sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina

Tende muita piedade do mocinho franzino, três cruzes, poeta
Que só tem de seu as costeletas e a namorada pequenina
Mas tende mais piedade ainda do impávido forte colosso do esporte
E que se encaminha lutando, remando, nadando para a morte.

Tende imensa piedade dos músicos de cafés e de casas de chá
Que são virtuoses da própria tristeza e solidão
Mas tende piedade também dos que buscam o silêncio
E súbito se abate sobre eles uma ária da Tosca.

Não esqueçais também em vossa piedade os pobres que enriqueceram
E para quem o suicídio ainda é a mais doce solução
Mas tende realmente piedade dos ricos que empobreceram
E tornam-se heróicos e à santa pobreza dão um ar de grandeza.

Tende infinita piedade dos vendedores de passarinhos
Quem em suas alminhas claras deixam a lágrima e a incompreensão
E tende piedade também, menor embora, dos vendedores de balcão
Que amam as freguesas e saem de noite, quem sabe onde vão...

Tende piedade dos barbeiros em geral, e dos cabeleireiros
Que se efeminam por profissão mas são humildes nas suas carícias
Mas tende maior piedade ainda dos que cortam o cabelo:
Que espera, que angústia, que indigno, meu Deus!

Tende piedade dos sapateiros e caixeiros de sapataria
Que lembram madalenas arrependidas pedindo piedade pelos sapatos
Mas lembrai-vos também dos que se calçam de novo
Nada pior que um sapato apertado, Senhor Deus.

Tende piedade dos homens úteis como os dentistas
Que sofrem de utilidade e vivem para fazer sofrer
Mas tente mais piedade dos veterinários e práticos de farmácia
Que muito eles gostariam de ser médicos, Senhor.

Tende piedade dos homens públicos e em particular dos políticos
Pela sua fala fácil, olhar brilhante e segurança dos gestos de mão
Mas tende mais piedade ainda dos seus criados, próximos e parentes
Fazei, Senhor, com que deles não saiam políticos também.
...

Tende piedade, Senhor, das santas mulheres
Dos meninos velhos, dos homens humilhados — sede enfim
Piedoso com todos, que tudo merece piedade
E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim!



Desespero da Piedade
Vinicius de Morais



6 de março de 2013

Festa com Baile (mandado) em Assentis -1959


Assentis é assim  uma espécie de  avô de Porto da Lage , pelas causas que o link atrás explica e também por outras razões históricas e culturais. Ainda PL seria apenas um moinho e já Assentis  era uma localidade muto populosa e antiga, como vimos nas respectivas Memórias Paroquiais. Já mais recentemente (quer dizer, perto de cem anos) as crianças de PL iam a Assentis aprender a ler.Temos, portanto, além da geografia, mais bem dito, por causa dela, um passado comum. E Assentis sabe, na sua qualidade de avô, muita história e muita tradição. É o que a gente pode aprender em assentis.org, um site se calhar conhecido de muitos mas de que eu tomei conhecimento não há muito tempo. Recomendo-o a quem não o conheça e felicito vivamente o responsável. Pela iniciativa, naturalmente, e pela capacidade agregadora. Consegue colher contributos dos seus conterrâneos e engrandecer assim o espólio de memórias da sua terra. É verdade que também recebe críticas ..  pois...tudo tem o seu preço! Eu, como até agora só recebi elogios ... adiante!

Uma rubrica fantástica do site  é a das crónicas. Vale a pena lê-las. E já agora roubá-las. Não é bonito mas a causa é nobre! (palavra que diligenciei pedir autorização ao dono mas não consegui). E depois ninguém  tira nada do sitio, basta clicar em  http://www.assentis.org/cronicas/index.php? -escolher uma festa e um Padre...(por exemplo) e, talvez, alguns dos que lêm, possam recordar eventos passados. É provável que os ecos do acontecido tenham chegado a Porto da Lage e até  que alguns dos locais se tenham deslocado a Assentis nas tais excursões, para pisar a terra sitiada. (MFM)
.

4 de março de 2013

Hermenegildo

                                                                   
Numa noite de Verão do final dos anos quarenta do século passado,Hermenegildo Narciso saía de casa da irmã Luciana. Céu de trevas, nem um pirilampo no ar sem brisa. Mas dali até sua casa, no Paço, onde o esperavam já ceados a mulher e os filhos, com certeza não teriam esperado por ele como recomendara, era um salto. Luciana quisera acompanhá-lo com a lanterna, insistira até, pelo menos até à ponte, deixa lá! Mas ele não permitira, era o que faltava, conhecia de cor aquela meia dúzia de passos entre a casa e a ribeira, não aprendera ele ali a andar, brincara e se fizera homem? Até troçara - olha lá se a cheia me leva! E dera uma gargalhada a lembrar-se do fio de água que, nos últimos dias, mal dava para as crianças chapinharem. A irmã ia jurar que ainda o ouvia rir quando o baque surdo na escuridão prenunciou o silêncio seguinte. Silêncio logo cortado, ao ínicio pelo seu chamar ansioso, depois pelos gritos aflitos. Mas não houve resposta. Hermenegildo, por uma vez, a única, não acertara na ponte de olhos fechados. Falhara por um pé, caíra e batera com a cabeça numa das pedras onde, pelas tardes, as mulheres torciam a roupa enxaguada nas águas transparentes da ribeira. Morreu em frente à casa onde nascera.


Nota: Contaram-me a história como "um acidente"com nomes, local, noite escura, data aproximada. Não conheço, nem me lembro de ter conhecido nenhum dos personagens (verídicos) sobreviventes, não sei antecedentes nem de factos posteriores. Mas tocou-me esta tragédia, mansa, silenciosa e anónima, que não derivou de pavorosas borrascas humanas nem de invencíveis calamidades naturais e que, no entanto, resulta tão terrivelmente "trágica". Que deuses foram impotentes para impedir este sacríficio, que destino nefasto fora traçado à hora que a mãe deu à luz o pequeno Hermenegildo, à beira da ribeira da Beselga? (MFM)