Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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13 de dezembro de 2019

Virginia de Castro e Almeida, o Nabão e a Ribeira da Beselga



Continuação das cartas de Virginia de Castro e Almeida, desta feita com a acção a passar-se em localidades junto à quinta, Santa Cita, Asseiceira, e, sobretudo, nas margens do Nabão. E, como estamos em Porto da Lage, vemos, com agrado, que a nossa ribeira da Beselga também foi imortalizda pela pena desta escritora (MFM).


.....e ali, naquele cantinho de terra à beira do rio, podíamos bem julgar-nos as únicas criaturas vivas no mundo inteiro....(1)






...Ontem meti-me no meu carro com a Cristina e abalei, para Santa Cita.Levava uma saqueta de bolos para os meus fregueses que os comeram todos que foi um regalo. 


Antigo convento e igreja de Santa Cita, existenes à época

E de Santa Cita fui ao Moinho Novo onde ambas nos apeámos atravessando o Rio sobre uma ponte carunchosa e embrenhando-nos depois no choupal que se estende pela margem fora. Andámos, andámos até chegar a um ponto onde o Nabão é cortado por um grande açude de pedra e cal, já antigo, de muitos e muitos anos e sentámo-nos ali no chão muito caladas. 


......até chegar a um ponto onde o Nabão é cortado por um grande açude (5)


Porque o silencio e sossego à roda de nós era absoluto, e ali, naquele cantinho de terra à beira do rio, podíamos bem julgar-nos as únicas criaturas vivas no mundo inteiro. Por diante de nós o rio estendia-se tão sereno que parecia nem ter corrente e perdia-se lá muito longe, entre as suas margens verdes riquíssimas, que àquela hora o cobriam de sombra. 

.......diante de nós o rio estendia-se tão sereno que parecia nem ter corrente e perdia-se....


E os choupos levantavam-se orgulhosamente, e o sol quase escondido, doirava-lhes ainda os ramos mais altos enquanto os chorões tristíssimos mergulhavam desalentados os seus braços no Rio. Perto das margens saíam da água juncos e outras plantas de folhas largas, muito verdes, onde uns tiraolhos pequenitos e azuis gostavam de poisar.  Por trás de nós estava um choupo onde há 3 anos, de uma vez que ali fizemos um picnic, o Bartolomeu escreveu o meu nome. Em três anos o choupo e o meu nome está lá muito alto e tão marcado que a mais do 6 metros se pode ler. Desde esse dia eu nunca mais ali tinha tornado. Três anos! Estive para riscar aquelas letras, depois, deixei ficar! Mas a este tempo o sol escondera-se de todo e a tristeza serena da paisagem que uma roda aumentava gemendo lamentavelmente a meio quilómetro talvez, a baixo no rio, ia pouco a pouco, descendo em mim.
A Cristina estava entregue aos seus pensamentos e não falava. E eu, por um momento, entreguei-me também aos meus que não me largavam.


.....e a tristeza serena da paisagem que uma roda aumentava gemendo lamentavelmente a meio quilómetro talvez .....  (6)

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Fomos, eu e a Cristina dar um passeio lindo. Fomos a Santa Cita e depois pela estrada de Tomar, até Marianaia, onde nos apeámos. Atravessamos a pé a ponte sobre o Nabão e por tal maneira nos encantou a serenidade das suas margens lindas e a poesia dos seus juncos nascendo à sombra dos 

            A Fábrica de papel de Marianaia na época da autora
O que resta da antiga fábrica de papel.










tristes chorões e a roda da fábrica e o barco amarrado no fim de uma vereda misteriosa, tanto e por tal maneira nos encantou tudo isso que, esquecidas do tempo, nos deixámos ficar um grande bocado encostadas ao parapeito da ponte sem falar a ver no fundo do rio a areia muito clara e os seixos polidos da água e as sombras cada vez maiores que o pôr do sol dava à paisagem. Senti-me tão bem, tão descansada, tão feliz! Uma paz absoluta e profunda. Como se respirava ali bem a felicidade serena que, no fim de contas, é a melhor, e a maior de todas….


........e o barco amarrado no fim de uma vereda misteriosa...(7)

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Está hoje um dia lindo, o céu azul e o sol tão brilhante. Já quase ao sol posto apareceu-me cá a Luiza Quintela e o irmão. Saí com eles no carro. Daqui à Asseiceira pelo pinhal. Íamos a descer a azinhaga quando vimos passar em baixo na estrada, como um raio, o tibury do Frank Quintela e com ele um tenente Pessoa de Tomar. Chegando ao fim da azinhaga toquei o Ali e durante uns 5 minutos voamos positivamente.

...A tarde estava encantadora.(2)
Alcançámos o tibury e fomos um pedacito a par pela estrada fora a meio trote, de conversa. A tarde estava encantadora. 
Era já muito depois do sol posto e fomos encontrando muitos rebanhos que recolhiam e grupos de gente do serviço que voltava a suas casas. Uma rapariga ia a cantar! e que bem se respirava! 


...  fomos encontrando muitos rebanhos que recolhiam e grupos de
 gente do serviço que voltava a suas casas.(3)

Depois segui pela estrada até Santa Cita e o Frank voltou para a Quinta do Valle. Ainda andámos um pedaço no pinhal a passo; era já escurito e os pinheiros tinham um aspecto todo solene! Afinal fui deixar os meus companheiros no pateo de sua casa e voltei para a Quinta a toda a pressa por já ser noite.

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Esta manhã fui à horta dar um passeio. À ida para baixo comemos amoras apanhadas "a dente" da própria árvore. Não imaginas como sabem bem assim.
Fica a gente com os beiços ensanguentados e a cara marcada como se se tivesse morto alguém à dentada ... Eu gosto muito de ir à horta num dia de calor. As ruas muito sombrias cobertas com arvores de frutas, os encaniçados de feijões em flor, as latadas de aboboras e até as melancias à torreira do sol têm um aspecto fresco.



Eu gosto muito de ir à horta num dia de calor....(4)


Sente-se correr a água das biqueiras para os tanques das regas e as regueiras cheias de água muito clara correndo entre as bordas batidas da enxada fazem sede. Depois o Luís e a Rosa foram apanhar morangos e trouxeram-nos numa folha de couve que puseram num instante dentro de agua. Por isso vinham entre os morangos gotinhas que pareciam de orvalho e que eram como brilhantes. E os morangos souberam-nos pela vida ..
E fomos até à ribeira [da Beselga] dar banho ao Tritão [cão] e sentámo-nos a sombra de uma azinheira ao pé do açude a escutar os gemidos e as lamentações do engenho. Estava tao bom! Para baixo do açude andam os patos num cerrado que se lhes armou com mato. E a ribeira ali leva a agua tão clara que se lhe podem contar os seixos do fundo e é toda assombreada pelos choupos e freixos que lhe crescem pelas margens.


e é toda assombreada pelos choupos e freixos que
 lhe crescem pelas margens
Fontes:-Imagens de pinturas de Maria de Lurdes de Mello e Castro (1e2), Silva Lopes (3) e Malhoa (4);
-Imagens do livro Coisas Simples da Terra Tomarense O Rio, os Açudes e as Rodas, Fernando Ferreira, edição da junta Distrital de Santarém, 1976-5 e 6
- Imagem do livro Tomar, pag.123, José - Augusto França, Editorial Presença, Lda, Lisboa, 1994.-7
-Outras - Fotos do blog e retiradas da net, sem identificação.