Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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17 de junho de 2012

Flor da Murta



D.JoãoV, 1689-1750
Oh! flor da murta
Raminho de freixo



Deixar d'amar-te
É que t'eu não deixo.
Morrer sim

Mas deixar-te não
Oh! flor da murta
Amor do meu coração.
Oh! flor da murta
Do meu coração
Deixar d'amar-te
Ai não deixo, não





Estes são os versos de uma cantiga do sec. XVIII supostamente alusivos aos amores de D.João V com D.Luisa Clara de Portugal, cognominada Flor da Murta. Estes dramas amorosos e, neste caso, indutores de casos trágico-cómicos, como aquele em que o Duque de Lafões foi salvo de um destino pior do que a morte graças à miraculosa frase de  Frei Gaspar da Encarnação "Não queira meter-se Vossa Magestade no inferno !"podem ler-se na nova literatura portuguesa, que anda agora muito interessada nas novelas históricas, ou, para facilitar, num destes blogs



Mas é a flor da murta, literalmenta a flor que o arbusto murta (Myrtus communis, gentileza da wiquipédia) oferece, que nos faz continuar no século XVIII. Sabiam que nesta época, Tomar e arredores (quem sabe Porto da Lage) eram um grande produtor da água odorífica criada a partir daquela flor?  Vejamos o que conta sobre isso, a propósito da produção alimentar local, como agora se diz, o Padre António Carvalho da Costa:



É esta vila[Tomar] e todo o seu termo copiosamente abundante de azeite, bastante pão e bons vinhos, regaladas frutas, em que se singularizam as gamboas, marmelos, e romãs, que se produzem pelas hortas e pomares e quintas, de que há muita quantidade, de recreação e rendimento, com fontes, tanques e alegretes de muito custo e muito aprazíveis. Os valados dos olivais e matos são pela maior parte de murta, cujas flores destiladas dão tanta cópia de água hodorífica que não se pode crer a quantidade de almudes, que desta vila se mandam para a corte, de que se faz grande estimação. É também fértil de coelhos, lebres, perdizes e em extremo tordos. Bem provida de carne com cinco açougues, e de peixe, por ficar catorze léguas da costa da Pederneira, donde vem fresquíssimo, e três do Tejo, que a provê de mugens, fataças, sáveis, sabogas e lampreias, e do Zezere, ainda mais vizinha, com que participa de todo o pescado da água salgada e doce(1).



A colheita da flor da murta já não seria coisa
pouca cem anos antes, seria já então um bem com algum valor e sofreria protecção comercial, pois  nas Posturas camarárias de 1607, de que já se falou neste blog, se determinava o seguinte - "toda a pessoa que for à flor da murta a não poderá apanhar em valados de vinhas, hortas, cerradas, tapadas semeadas, pela banda de dentro, com pena de 500 réis, e só a poderá apanhar pela banda de fora, e subindo aos ditos valados ou destapando-os pagará a dita pena".(2)




1- Corografia Portuguesa e Descrição Topográfica do Famoso Reino de Portugal, do Padre António Carvalho da Costa, 1717, pag.162.

2- A.M.T pag. 62, vol. 1581-1700
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