Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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21 de abril de 2020

Correspondentes


O termo correspondente remete-me para um tempo, que conheço através da literatura e do cinema, o correspondente de guerra,  um misto de espião, detective, literato e aventureiro. Desde aqueles que estavam inquestionavelmente do lado do bem, como o heróico Miguel Strogoff que tudo enfrenta para cumprir a sua missão ao serviço do Czar e, noutro registo, os "eu diria mais" trapalhões Dupond e Dupont das Aventuras de Tintim, até aos protagonistas dos meus queridos filmes noires, almas de morais ambíguas, que circulam no clima perturbador das noites obscuras de cidades violentas, mulheres duvidosas e manipuladoras, herós ainda mais, frios, cínicos, até cruéis. Jóias e vestidos decotados cobertos com sofisticados casacos de peles; fatos completos e gravatas, chapéus e cigarros em bocas com batom ou com barba, eis o figurino das situações desesperadas, fruto das fraquezas humanas, cheias de intriga, assassinatos e máquinas de escrever, a que estes filmes nos transportam, e que nunca cessam de me encantar, encarnados pelas fíguras míticas de Bogart, Joseph Cotton, Rita Haywoord, Orson Welles, Bacall e muitos mais.

Numa versão doméstica e mais terra a terra (num país onde não existe gente equívoca, é tudo a preto ou a branco), os grandes jornais nacionais, os regionais, os semanários, tinham correspondentes espalhados por todo o território, os quais conseguiam, assim, que o acontecimento da mais pequena aldeia, desde que merecesse evidente interesse, chegasse a todo o país. Esses correspondentes, eram, geralmente, pessoas interessadas na sua terra ou região, que procuravam pugnar por ela e que, cada qual no seu estilo, mais gongórico, clássico ou coloquial, acarinhava e prezava a sua língua mãe o melhor que sabia e podia. Depois, com o declinio da imprensa e, dizem, por razões orçamentais, os correspondentes  foram desaparecendo, não tendo a televisão, depois,  suprido essa falta, mais preocupada que estava com os "grandes desígnios" do que com a falta de estrada ou de médico na remota província. 
Hoje assiste-se ao fulgurante regresso do correspondente. Rapazes e raparigas perfilados "em reportagem" de microfone em punho, de madrugada ou na noite escura, ao frio, vento ou sol tórrido, lá se apresentam eles, as mais das vezes em frente a coisa nenhuma. E falam, falam, falam ...e voltam a falar, repetindo até à nausea as mesmas palavras entremeadas por lúgubres soluços  (sobre o crime que..., o julgamento que não..., a cabeça decepada de ...o corpo que ...), utilizando uma língua que já não se ouvia desde que o homo sapiens ganhou este estatuto. Eu, como a maioria das pessoas sensatas e que tentam manter-se saudáveis, bem tentamos fugir deles, mas, a menos que nunca liguemos a televisão, é impossível que eles, nem que seja só por breves segundos, não nos apanhem! Mas, cada vez havendo mais e em mais canais, tirem-me desta inquietação, sou só eu que acho que a gente passava bem sem estes correspondentes actuais, ou há mais alguém? * (MFM)



* Não senhores, não os quero mandar para o desemprego. Acho apenas que estariam mais bem empregues numa ocupação em que não fosse preciso nem pensar nem verbalizar.








                           




                                                























                           

Correspondente Ilustre



Em post anterior ,por causa de um equívoco, uma notícia que de inicio  parecia não se confirmar, apresentei as minhas  desculpas ao correspondente portodalegense de O Século, fosse ele quem fosse, por ter duvidado da sua seriedade.Sei agora quem ele era, julgo também saber que estou desculpada. O texto abaixo, escrito por um dos seus filhos, mostra-nos um bocadinho dele, na sua qualidade de correspondente. Conhecido o autor, resta-nos encontrar mais notícias suas (ajudaria se a família tivesse, pelo menos, datas) (MFM)



          

             


Em Porto da Lage, havia dois correspondentes dos 2 grandes diários da capital, o "Diário de Notícias" e "O SÉCULO". O sr. da Farmácia era correspondente do primeiro e o Médico do segundo.

E assim Porto da Lage começou a aparecer no mapa. O Editor do Século na altura era pragmático se não gostava, não publicava, doutro modo a notícia era publicada tal como o correpondente tinha escrito. O Médico gostava de histórias humanas na falta delas uma vez ou outra eram os animais domésticos os heróis da fita.

Tudo correu sobre esferas até que apareceu um novo editor que começou a alterar tudo, género Laje por Lage...  atá que o Médico decreveu a epopeia da Ti Maria do Correio, que 6 dias na semana, 3 x por dia vinha de Cem Soldos a Porto da Lage ajoujada ao peso do saco do correio.

Ela tinha uma doença qualquer que a fazia arfar como uma locomotiva, mas nunca faltou ao seu dever. Claro que toda a gente lhe dava boleia, se possível. Havia poucos carros. O Médico, sabedor da sua condição, não a deixava falar até ela estar completamente descansada o que demorava. De qualquer maneira, ele antecipava as questões dela e ia dizendo que ele estava bem, a esposa tambem  e que os meninos continuavam a fazer das suas. Isto ia-se repetindo até sendo ela mais velha, só à chegada a Tomar é que estavajá serena e disse:
- Oh Sr. Dr. eu agora já estou descansada, mas eu queria apear-me em Cem Soldos! 
O Médico voltou atrás para corrigir a omissão e no regresso a Tomar resolveu escrever a história da abnegação da Ti Maria do Correio. A enfase era o cansaço, tão grande que precisava de 8 kilometros a 30 Km/hr para se restabelecer.

O tal editor truncou a história e o bom da fita era agora o Médico que saia do seu caminho para levar os conterrâneos a casa. O Médico ficou fulo e perdeu o entusiamo para enviar notícias. Nessa altura, tentou convencer os filhos a fazê-lo, com pouca sorte. recordo apenas o filho do meio ter escrito algo sobre a calçada romana descoberta em S. Silvestre e uma história do mais novo sobre a pobre cadela Jolly que recebeu ajuda dos leitores do Século. Eu ainda pensei em escrever sobre o "Pobre Alegre" mas desisti...


A ligação João Pereira da Rosa - dono do Século - e do Médico  tinha duas facetas: o Médico tinha sido Redactor dum periódico de Coimbra "O Ponney" que era respeitado pelo correspondente em Coimbra do Século. Daí ser correspondente.


A outra faceta era a Colónia Balnear Infantil de "O SÉCULO" , ideia do João Pereira da Rosa, que em S. Pedro do Estoril tinha instalações para receber crianças do interior que ali passavam 15 dias deliciosos a apanhar o iodo caracteristicos daquela paragem. A selecção da miudagem era delegada aos Médicos das regiões mais desfavorecidas.


                                                                                                        Augusto Carmona da Mota