Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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19 de junho de 2023

Carlos Reis

O autor deste post é descendente de gente de Porto da Lage. Um seu bisavô, Aurélio de Sousa Vasconcellos, natural das Moreiras Grandes casado com Maria José Motta, das Sobreiras, era em 1895 empregado de telégrafo na estação dos caminhos de ferro de Paialvo, tendo este casal tido numerosos filhos portodalegenses de que alguns leitores deste blog, porventura ainda se lembrarão. Mostrou Freire da Paz vontade em publicar neste blog a sua admiração pelo pintor naturalista português Carlos Reis assim como a possibilidade de este estar ligado à sua família. As imagens são também pertença do autor. (MFM)

Autoretrato de Carlos Reis



Asas, de Carlos Reis. Exposto no Museu do mesmo 
em Torres Novas.
Nasceu Carlos António Rodrigues dos Reis a 21 de Fevereiro de 1863 na Vila de Torres-Novas, na casa que seus pais possuíam na calçada do Amparo, que do sul faz esquina para a travessa do Prior, pertencente à freguesia de Santiago, em cuja matriz foi batizado a 9 de Março do mesmo ano, conforme consta do respetivo assento, lavrado sob o n.°23 fls, 12 do livro batismos nº 24.

Um dos 8 Filhos, dos quais sobreviveram quatro, entre eles duas mulheres, vindo a ser violinista de renome, D. Elisa Reis, a filha de um deles, do João Reis, oficial do Exército. O mestre em questão, Carlos Reis era filho do conceituado cirurgião do partido municipal, o Dr. João Rodrigues dos Reis, nascido em 1806 e falecido em 12 de julho de 1881 e de sua mulher, D. Maria de Jesus Nazaré Reis, ele natural do lugar da Mata, Santa Eufémia, freguesia de Chancelaria, concelho de Torres Novas e ela do Pedrógão, deste mesmo concelho. Foram seus avós paternos, João Rodrigues Cabeleira e Joana do Carmo dos Reis Cabeleira, maternos o Dr. Carlos António dos Reis Godinho, natural da Chancelaria, também deste concelho, que veio a ser médico em Leiria e muitos anos Diretor do Hospital desta cidade, e D. Maria de Jesus Nazaré.

Verifiquei por curiosidade algumas correspondências que muito provavelmente ligam o bisavô da minha avó materna, a Irene de Sousa Vasconcelos nascida em Nisa concelho de Crato por mera casualidade, devido a seu pai, ter sido chefe de estação dos C.F.P no Alentejo, pois a sua vida até casar veio a ser a terra da sua mãe, Maria José Mota, nas Sobreiras, em Tomar. Ela, a minha avó acompanhou o seu avô em criança até à sua última morada, o seu avô paterno João de Sousa Vasconcelos, que incluía o seio da sua família nestas andanças, e nesta altura por já estar muito debilitado, tendo vindo a ficar sepultado no cemitério de Vale de Peso, concelho do Crato. Ele, “o chinês” como era conhecido em Paialvo e arredores, deve ter falecido próximo da data histórica da nossa implantação da República, pelas minhas contas.

Fiquei muito feliz dado ser um grande apreciador da obra do Carlos Reis, quando deduzi que ele deve estar ligado na ascendência familiar ao pintor aqui apresentado, pois o meu antepassado teve um avô, o João Rodrigues Doutor nascido na mesma povoação natal do pintor, Mata, Santa Eufémia, Chancelaria, apenas estando separado cerca de três décadas no nascimento, antes do pai do pintor na mesma povoação da Mata e como se vê, ambos João Rodrigues. Pude também constatar, devido às minhas investigações genealógicas que a avó paterna da minha avó, a mulher do “chinês”, a Soledade Laranjeira era também descendente de Maria Ignácia dos Reis que nasceu nas proximidades.  (Renato Paulo Correia Freire da Paz, 17.06.23) 

João de Sousa Vasconcelos, o Chinês
Soledade Laranjeira

18 de maio de 2023

Carta de Pura e Irrevogável Venda

 

Continuando o assunto do post anterior vejamos agora neste a forma prática da sua aplicação.

                                                                           
Foto retirada da net.

Em 10 de Dezembro de 1918 o presidente da República Sidónio Pais, eleito por sufrágio directo (ele não quer que se esqueçam disso, ora leiam abaixo) passa uma Carta de pura e irrevogável venda, carta que ele proprio assina (verdade que de chancela, ainda bem para ele, que se o fizesse por sua mão, a esta e a milhares iguais a esta, a causa da sua morte quatro dias depois talvez fosse outra e muito antes) a António Augusto Mota *, morador em Porto da Lage, que adquirira em 20 de Abril do mesmo ano um lote de oliveiras que tinham pertencido à Confraria de S.Braz da Freguesia da Madalena, Concelho de Tomar.

Este lote de "oliveiras em terra" consta de dezoito oliveiras (não afianço esta minha contagem, aceito correcções) distribuídas por doze proprietários de terras em outros tantos sitios: Ribeira de Porto da Lage, Paço, Venda do Seixo, Bouça, Bica, Serrada de Galegos, Vale de Prisco, Pereiro, Bregil, Outeiro, Fonte do Mocho e Valinho, que foram vendidas por dezanove escudos e quarenta e um centavos (19$41 para quem ainda se lembra) após arrematação. Esta importância foi paga na Agência do Banco de Portugal em Santarém, a que se acrescentaram 1$18 de contas de contribuição de registo e emolumentos a serem pagos na tesouraria do indicado Concelho, supõe-se que Tomar.

A Carta determina ainda que se transmite na irrevogável e pura venda toda a posse e domínio que nas referidas oliveiras tinha a Corporação para o arrematante, seus herdeiros e sucessores]?] as gozem, possuam e desfrutem como próprias.

Este negócio do Estado é o exemplo do que acontece quando os regimes mudam e, cheios de "generosidade" retiram bens a quem está, no momento, do lado errado da história. Fora assim em Portugal no Liberalismo com os bens das extintas ordens religiosas, os quais foram vendidos ao desbarato a capitalistas pouco preocupados em cultivar terras, deixando de fora quem efectivamente as cultivava. Foi assim no fim da União Soviética e no início de países ex-colónias onde, alimentada com os despojos do passado, nasceu de imediato uma classe de oligarcas, havendo pouco ou nenhum beníficio para as populações. Em Portugal, à nossa medida quase anã, passou-se o mesmo neste micro-mundo da expropriação dos bens religiosos, sendo exemplo uma pequena freguesia rural com incidência especial nas "oliveiras em terra". 

Senão vejamos, expropriadas que foram as oliveiras, por uma razão ideológica que impedia que um "Culto" detivesse bens materiais (os outros acho que deixava) o que poderia o Estado fazer com elas?  A medida que pareceria mais justa seria dá-las aos donos das terras onde estavam plantadas, por um lado porque o mais certo seria as ditas oliveiras lhes terem pertencido algum dia e terem sido oferecidas a um Santo ou Santa em paga de algum milagre e aí o papel do Estado seria o de as restituir ao dono inicial, que fora lesado pela "falsa doutrina" do clero que o enganara, pelo que ajudaria a reparar um erro e ficaria bem visto; por outro lado porque, em boa verdade, o Estado não perdia nada, as oliveiras nunca tinham sido suas e faria uma excelente figura. Esta medida teria  sido uma boa forma de propaganda política.

Mas como é dos livros que o Estado não nasceu para dar nada a ninguém (nem, no caso do nosso, primar pela inteligência), dou de barato que  não desse as oliveiras, mas que as vendesse aos mesmos de que falei atrás. Ninguém se escusaria a comprar, ninguém gosta de ter na sua propriedade algo que não é seu, de lá ver entrar quem não quer quando quer, ninguém, enfim, quer ter problemas escusados. Seria então criada uma tabela de preços por oliveira a que se juntaria a respectiva e competente conta de contribuição de registo e emolumentos, que cada cidadão proprietário de pequenos olivais pagaria todo contente e aliviado. E uma vez que o inventário estava feito, nada disto encareceria o processo, pelo contrário, pois se, suponhamos, fosse fixado 1$50 por oliveira, seriam arracadados na operação 24$00 a que se acrescentariam as taxas, aplicando a cada uma $09, seriam 1$62. O Estado ganharia então 25$62, face ao que ganhou na realidade com a arrematação - 20$59. Multipliquemos agora a diferença por todas as outras "oliveiras em terra" da Freguesia, depois do Concelho, do Pais. Façamos a mesmo exercício para outros bens e produtos análogos..., não, não vale a pena, You got the idea.

Não, o governo da República não tem que me agradecer a assessoria económica e política retroactiva, foi um gosto. Sou uma patriota (republicana até). Mas já não fomos a tempo. A especulação e a ganância já começaram. O Estado tratou de arranjar intermediários que farão o que ele poderia ter feito, mas pelo preço máximo, e perdendo dinheiro com isso.

Intermediários que fizeram o raciocínio simples e sensato que eu fiz. Que concretizaram o negócio ideal,  um investimento limpo e sem riscos - compra-se sabendo haver clientes certos e dispostos a pagar tudo. Só quem não podia é que não se metia nele, só não via quem não queria - O Estado! Será que não via mesmo? (MFM)

PS - Em Junho de 1929 foi publicada a Portaria n.º 6259 que permitia manifestações públicas do culto católico, com procissões e toques de sinos, o que conduziu a que o ministro da guerra Júlio Morais Sarmento comandasse protestos anticlericais sendo a portaria  anulada em Conselho de Ministros (mesmo depois do 28 de Maio a senha anti-clerical continuou mesmo entre ministros). Perante isto, o ministro da Justiça e dos Cultos, Mário de Figueiredo, que tinha publicado a portaria, demitiu-se no que foi acompanhado por Salazar, então ministro das Finanças. 
Mais tarde, a Constituição de 1933  mantém a separação entre Estado e Igreja mas uma revisão constitucional em 1935 já declara que o ensino público fica submetido aos «princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais do País» e no ano seguinte a Lei de Bases do Ensino estabelece que «em todas as escolas públicas do ensino primário infantil e elementar existirá, por detrás e acima da cadeira do professor, um crucifixo, como símbolo da educação cristã determinada pela Constituição».
Em 1937 o próprio Salazar começa a negociar a Concordata com a Santa Sé, que será assinada em 7 de Maio de 1940, recusando então que os bens da Igreja que tinham sido nacionalizados em 1911 lhe viessem a ser devolvidos  ou que fosse paga qualquer indemnização pela sua nacionalização. Esta concordata vigorou na íntegra até 2004, com excepção da alteração feita em 1975 sobre a possibilidade do divórcio civil em casamentos católicos. 





*António Augusto Mota nasceu em Porto da Lage em 25 de Junho de 1897 filho de Augusto Pereira da Mota e Maria José de Sousa Rosa, de quem já temos falado neste blog. Foi uma figura social e economicamente proeminente em Porto da Lage, destacando-se a sua ligação à fábrica de Alcool.

Nota: Agradeço a H.C.M. a disponibilização dos documentos acima.

13 de maio de 2023

O Artigo 62.º na Freguesia da Madalena

Nota prévia: A 24 de Dezembro último o Pai Natal (eu, o menino Jesus da minha infância não me atrevo a chamar aqui) pôs uma prenda no sapatinho deste blog (por meio de um comentário) a qual, depois de devidamente desembrulhada, ainda não tinha tido, até hoje, oportunidade de ser mostrada. Cá vai agora, espero que o resultado agrade e aí chegue, à Lapónia ouço dizer, em condições.(MFM)


A 21 de Abril de 1911 o Governo Provisório da República Portuguesa publica a Lei da Separação do Estado e das Igrejas. Definia esta nos seus primeiros artigos os principios  da liberdade de consciência e liberdade religiosa para todos os cidadãos, determinava o fim do Catolicismo como religião oficial do Estado, explicitando que "A República não reconhece, não subsidia nem custeia culto algum" colocando em pé de igualdade todos os credos e todas as igrejas. Apartava, deste modo, a organização do Estado e a política do campo de atuação próprio das organizações religiosas, quaisquer que elas fossem. 
 Os louváveis avanços civilizacionais preconizados  nos principios da Lei  acabaram por não ter os significado e resultado relevantes que mereceriam devido ao restanto articulado daquela e, sobretudo, à sua execução, que conduziram à  despropositada, selvagem e carnicenta perseguição de que a Igreja Católica foi alvo depois.
Pois que esta medida de Afonso Costa, suportada no Republicanismo anti-clerical que  culpava a influência da Igreja Católica de todos os males da vida social portuguesa, visando  assim restringi-la, acabou por não trazer nenhum bem nem à República nem, como é costume, a Portugal. A proibição do ensino religioso a um povo maioritariamente católico assim como das ordens religiosas, que na época se dedicavam sobretudo à providência social a um povo também faminto, a fiscalização do culto religioso (o culto público necessitava de prévia autorização, foram proibidos o uso de hábitos ou vestes talares fora dos templos, bem como as procissões religiosas e o toque de sinos nas igrejas), a nacionalização de todos os bens e rendimentos da Igreja deram origem ao descontentamento de grande parte do país. 
A esta decisão peregrina o partido no poder  juntou outras duas de igual vulto, mandar milhares de jovens camponeses analfabetos serem assassinados na Flandres e não atender as reivindicações e reprimir violentamente as lutas do operariado urbano. Foram estas, em suma, cumulativamente, as três principais razões que levaram o movimento republicano a perder toda a sua base de apoio e a tornar bem vindo o regime que lhe sucedeu.
Mas não é para discutir a bondade ou falta dela da primeira República que este post se destina. Desculpem o desvio da conversa. Voltemos à  Lei da Separação do Estado e das Igrejas e a um artigo da mesma que está relacionado, já adivinharam claro, com o que a dita prenda nos trouxe. Trata-se do famoso artigo 62.º que determinava que todos os bens até aí afectos à Igreja Católica passariam a ser pertença do Estado e como tal deveriam ser arrolados e inventariados, sem necessidade de avaliação remetendo-se os bens móveis de valor "cujo extravio se recear" ou às Juntas da Paróquia ou a museus. Com vista a essa inventariação o diploma prevê a criação em cada Concelho de uma Comissão Concelhia de Inventário.


  

Artigo 62.º da Lei da Separação do Estado e das Igrejas

E chegamos finalmente ao momento, que já tarda, de abrirmos a nossa prenda. Consiste esta nos documentos que comprovam o inventário e arrolamento feitos ao abrigo do dito Artigo 62.º na freguesia da Madalena.

Referem aqueles que a 13 de Outubro de 1911, os cidadãos António Mathias de Araújo, administrador do Concelho de Tomar, José Gomes dos Santos Regueira membro da Junta da Paróquia e José da Silva Pereira d'Albuquerque, Secretário da Comissão Concelhia de Inventário para os fins previstos no Artigo 62.º, compareceram "nos edificios denominados" Igreja de Santa Maria Madalena, Capela de Santa Marta e Capela de Santa Margarida, principiaram e arrolaram "o inventário da forma seguinte" ...

 Descrevem depois todos os bens móveis existentes dentro dos tais "edifícios" e que constam das imagens abaixo (a abertura do link proporciona melhor leitura).

         

Igreja da Madalena









Capela de Santa Marta - Marmeleiro






Imagem de Sta Margarida.






Como podem ler, do inventário consta além do edificio de cada templo com as respectivas confrontações, todos os bens supostamente encontrados no interior, sendo naturalmente os da igreja matriz em maior número, e que variam desde as imagens dos santos, aos quadros com pinturas sem autor, até aos paramentos clericais, casulas, alvas e estolas, etc. passando pelas 17 copas da irmandade e acabando nos panos môscas de cobrir os santos. Tudo foi arrolado, pelos vistos bem guardado e conservado a ponto de ser impecavelmente devolvido  em 28 de Agosto do ano da Graça de Nosso Senhor de 1942. Afinal tudo acabou em bem, embora pela minhas contas um pouco tarde. Não acham? 1942, só? O homem era mesmo cuidadoso, safa!!
Esta devolução deve ter sido formal pois a própria Lei deixava, salvo excepções, à guarda de Confrarias, Irmandades,  Fábricas da Igreja, quer os templos usados em culto quer o que constava no interior.
O Inventário faz ainda menção aos rendimentos da Igreja católica provenientes da freguesia: terrenos arrendados ou aforados, os quais são depois vendidos, sendo-o também alguns foros, e às "oliveiras em terra", distribuídas por 196 parcelas de terra de particulares, numa média de uma a três oliveiras por parcela. Estas oliveiras serão também vendidas por grosso em hasta pública. "Puxando a brasa à nossa sardinha" verifiquei que Porto da Lage é mencionada através de dois proprietários, Augusto Pereira da Motta que tinha sete oliveiras nas suas terras que teriam pertencido anteriormente à Igreja, uma no Casal dos Pretos, três na Fonte do Picoto, duas no Casal do Negro e uma em Porto da Lage, enquanto que a viúva de Manuel de Sousa Rosa, também moradora em Porto da Lage, tinha três em Porto da Lage e uma na Ribeira (?). 

Por último, tenho de referir ainda a estranheza por não fazerem parte deste inventário as capelas de Cem Soldos e  de Porto Mendo. Ou houve extravio dos respectivos documentos ou seriam capelas cuja propriedade não era do patriarcado de Lisboa (então a autoridade eclesiastica local), situação que o artigo 62.º excepcionava da nacionalização. (MFM)



Capela de S.Sebastião, Cem Soldos
Capela da Senhora da Saúde - Porto Mendo













                                             

18 de abril de 2023

Para Memória Futura

 




Aqui ficam para registo histórico os arcos da Ponte de Pedra de Porto da Lage. Eu nunca os tinha visto e não acredito que o volte a fazer. O lado a montante já não está muito visivel (é certo que a fotografia feita com telemóvel também não ajuda) tal a velocidade a que a vegetação cresce, não permitindo chegar mais perto, para voltar a tudo tapar. (MFM)




13 de janeiro de 2023

Hoje, há Cem anos



                                       A Estrada de Paialvo e o Castelo lá ao fundo.


Publicação de 13 de Janeiro de 1923