A Augusta
Ao lado da casa da tia Anita morava a D. Elisa. Entrava-se para casa dela subindo as mesmas escadas do pátio da tia e passando pelo alpendre de que já falei. Se havia outra entrada não conheci, foi sempre este caminho que tomámos quando ia provar os vestidos lá a casa - um deles o de risquinhas cor- de- rosa, com peitilho de botõezinhos, que eu adorava e que estreei no exame da 4.ª classe. A D. Elisa, além de costureira, era senhora também de uma figura impressionante, daquelas que é suposto na tradição, nos livros infantis e no cinema, im-pre-ssio-nar mesmo as criancinhas, não me metia medo porque era afável e delicada e também porque, diga-se a bem da verdade, nunca estive sozinha com ela, mas o seu físico desmedido e as suas feições - era altíssima e espadaúda, tinha um grande nariz e o rosto cheio de pelos e verrugas - deixavam-me .... bem, não vale a pena entrar em detalhes, já viram muitos filmes e sabem como ficam os miúdos quando vêm as gémeas da D.Elisa.
Mas, vá-se lá saber porquê, havia mais gente de Estarreja em Porto da Lage. Uma delas a Augusta, que fora pequena lá para casa, lá crescera e de lá casara, tendo os avós por padrinhos. Eu só me lembro dela já como vizita, a viver em Moscavide e a trabalhar numa fábrica da Nestlé. A avó gostava dela e orgulhava-se do seu percurso. Penso que se orgulhava, mais ainda, do que ela própria tinha feito pela Augusta.A Augusta não era, portanto, burra, pensava com os instrumentos que conhecia e, mais do que isso, era como deve ser, quer dizer, distinguia o bem do mal, tinha valores. Faltava-lhe o conhecimento e o sotaque exigido, pois falava com o assento particular da sua gente que troca os b pelos v e o inverso, diz avelhas e obelhas e que bai ber e oubir as vandas de música, o que a avó considerarava muito feio. Mas tudo se compôs, aprendeu a falar, a estar e tirou a 3.ª classe nocturna, faltando-lhe a 4.ª por não ter sido leccionada em Porto da Lage.

