Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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23 de dezembro de 2012

Coisas de que eu gosto



Machado de Castro, Presépio da Sé de Lisboa
 Nada mais encantador que um presépio. Nada mais inesperado e educativo que perscrutá-lo e encontrar-lhe a luz, a cor, e, sobretudo, os pormenores, os pormenores são a riquesa de um presépio! O anacronismo da realidade (passe o termo) plasmada, que representa a Galileia à luz da época em que o construtor do presépio viveu, é uma delicia. As situações recriadas são extraordinárias.

No presépio da casa dos meus pais, enorme, sempre acrescentado anualmente pela minha mãe com o seu fascínio  pelas populares e coloridas figuras de barro que a levava a comprar sempre mais e mais; pois, no lá de casa, no penhasco mais alto, todo alcatifado de musgo, erguia-se, imponente e inatingível, um granítico castelo medieval em cuja torre tremeluzia, orgulhosa, a bandeira verde e rubra e que era escoltado, muito adequadamente, por um guarda-republicano todo postinho por ordem, de polainas e cinturão largo! Às vezes, nalguns natais, discutia-se  a tristeza e necessidade do pobre estar sozinho, lá no morro (nós tínhamos estas influências africanas), a guardar um castelo que ninguém queria roubar, e achava-se mais útil a sua presença na gruta, perto do menino. E lá ficava ele, respeitador e perfilado, sem nunca mostrar cansaço, entre o 1.º de Dezembro e o dia de reis, um soldado da república portuguesa a adorar e, a defender, com a própria vida se preciso fosse, nunca se sabe, o rei dos reis, nascido há dois mil anos!

O  presépio representado na imagem, acrescenta à ingenuidade dos congéneres populares, mantendo a cor e o absurdo dos personagens, a mão do mestre escultor que o impregna de vida; tudo ali se mexe, fala entre si e fala connosco.
Para mim, em quem o sec.XVIII exerce uma profunda atracção, é uma visita ao maravilhoso meter-me no meio daquela multidão e sentir e viver com eles.

Em época de prendas, esta é uma que dou a mim própria. Espero que partilhem comigo, pelo menos um bocadinho, o prazer desta viagem. Admiremos o  barroco vestido florido da Virgem, os frades capuchinhos ao lado dos pescadores nazarenos de  torsos nus, o entusiasmo do rapazinho que faz a oferta a Jesus e interroguemo-nos sobre se o que o pastor disse à rapariga da criancinha, e que a fez corar, teve alguma coisa a ver com as tropelias do miúdo das cambalhotas. E tudo ao  ao som celestial.da orquestra de anjos que nos forra o céu.









E é na companhia de algo de que gosto muito, como já disse, as gentes e hábitos setecentistas, a sua arte decorativa e músical e a inocência e nostalgia dos presépios, que vos desejo BOAS FESTAS, a todos os que tiveram a gentileza de acompanhar este blog, que me deram a honra de dizer que gostavam e que sentiram a sua falta.
MFM