Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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21 de abril de 2021

Silvestre e a Fundação da sua Freguesia da Beselga



S. Silvestre, 33.º Papa.

Amorim Rosa conta-nos que no reinado de D. João III, mais precisamente no regulamento de 4 de Março de 1530, se procedeu à reforma e reorganização paroquial do Isento de Tomar sendo criadas várias paróquias, com rendimentos próprios e pároco residente, entre elas a de Santa Maria Madalena na freguesia de Marmeleiro e Cem Soldos e a de S.Miguel de Porrais que incluía aquelas que viriam a ser as freguesias de Carregueiros e  S.Silvestre da Beselga. Acrescentava aquele autor não se saber em que data se autonomizara esta última freguesia, presumindo que só o teria sido no sec. XVIII.
Desconheço se esta dúvida se mantém ainda entre os académicos ou se já se descortinou a data precisa da fundação da freguesia (que já não é, faz parte daquela invenção altamente criativa da ...União de freguesias de ...) que tinha como patrono o Santo que foi Papa e cuja celebração litúrgica ocorre em 31 de Dezembro (lembram-se das corridas de S. Silvestre nas noites de fim de ano? são por causa dele). Abro aqui um parêntesis para fazer notar que não é por S. Silvestre ter sido o mais alto representante de Cristo na Terra, de ter a provecta idade de quem nasceu em 285 D.C. e de ter subido aos altares, que é tratado com mais aquelas no local de que é padroeiro. Não senhor, parece que por ali a proximidade afectiva impera, é tudo tu cá, tu lá, oh Silvestre, nada de distâncias, muito menos "distanciamentos", que no caso dele nem seriam precisos por já não habitar este mundo da peste há uns bons anos. Naquela conformidade, todas as cerimónias, títulos e deferências foram apagados, a fazer fé na tabuleta.



Adiante, voltando à data do inicio da freguesia, tendo ou não sido já encontrada certo é que, pelo que pesquisei  nos roteiros civis e nos religiosos, neles ainda consta a versão de Amorim Rosa.
Atrevo-me, portanto, a dar o meu contributo para a resolução desta questão que, não sendo de monta nem vá melhorar a vida de ninguém, sempre mostra que este blog também se ocupa de coisas sérias.

Vejamos então. Tanto quanto a caligrafia do Vigário Frei Simão Lousado me deixa perceber, fiquei a saber que no casamento ocorrido em 1567 na Igreja da Madalena entre António Fernandes e Margarida Jorge, filha de Jorge Anes e Margarida Vaz, já defunta, é referido que estes são moradores no lugar da  Ponte da Beselga, ao lado da Igreja de S. Silvestre, Freguesia de S. Miguel, sendo o celebrante o cura de S. Miguel.

Já em  24 de Outubro de 1574, casa-se João Roiz morador no lugar da Longra Freguesia de S.Silvestre e, em 2 de Novembro,  Catarina Gonçalves, moradora na mesma Freguesia de S. Silvestre, no casal da Ponte, casa com João Fernandes, sendo celebrante o cura da Igreja de S. Silvestre António Fernandes.

Verifica-se, assim, que algures entre 1567  e 1574 as coisas mudam quanto à denominação administrativa/religiosa do território onde se situa a Igreja de S. Silvestre e o lugar da Ponte, que deixa de ser Freguesia de S. Miguel (de Porrais?) e passa a ser Freguesia de S. Silvestre. Penso que fica assim esclarecido o período temporal da fundação da ex- Freguesia de S. Silvestre da Beselga. (MFM)





10 de abril de 2021

Santa Bárbara - protectora de tempestades, raios e trovões.


                     

Santa Bárbara (1736-40), Vieira Lusitano



Na secção especializada de uma grande superfície (também especializada):
- Oh menina desculpe, não estou a encontrar produto para tirar o caruncho, pode ajudar-me, por favor.
- Siga-me - dirige-se para uma prateleira onde se perfilam muitos frascos e latas - tem aqui, vários tipos, de diferente intensidade, consoante o local de onde quer fazer a remoção, e a vários preços.
- Mas isto são anti-fungos!
- Exactamente, para remover o bolor, que é o que a senhora pretende!- tem ela, pacientemente, a bondade de me recordar.
- Mas eu queria era remover, já que é assim que se diz, o caruncho.
- Oh minha senhora, caruncho e bolor são a mesma coisa!- Esclarece-me, sem perder a calma com a minha ignorância.


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De viagem numa "página" do face-book sobre Tomar encontro alusão a uma outra, que abro. Impressionada com o rigor, disciplina à séria mesmo, a que os membros daquele "grupo" são sujeitos proponho-me, logo, fazer parte do dito. Assim é que eu gosto: só fotos e curiosidades, sobretudo antigas, sobre Tomar, nada de "política", nada de "faltas de educação", sempre respeito "pelo outro", etc. etc. e quem prevaricar vai porta fora, digo eu, porque na linguagem do "grupo" , vou citar, "é removido de imediato". Reparo agora que o verbo remover me persegue, duas vezes no mesmo dia é obra, deve usar-se e eu andava distraída. Bom, lá trato de "aderir", sendo que a minha "adesão", vai depender de confirmação posterior, acho bem, e ainda de mais, de resposta a perguntas, acho lindamente, e seguem-se as tais. Não sei dizer quantas,  não passei desta:
- Diga se é, ou foi, natural de Tomar?
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Procurei, a sério que procurei, recorri primeiro a livros, eu sou assim, do tempo do papel corro logo aos velhos hábitos, como sabem burro velho ... , não encontrei, fui à esclarecida Wikipédia, a mesma coisa. Não existe, portanto, Santo padroeiro para a questão em causa (quando já não tiveres palavras recorre ao juridiquês, alguém me ensinou), pelo só me resta Santa Bárbara - protectora de tempestades, raios e trovões.(MFM)

7 de abril de 2021

Há duzentos anos: Fim da Inquisição










As Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa (o primeiro parlamento português no sentido actual do termo, instituído na sequência da Revolução Liberal do Porto de 1820, para elaborar e aprovar uma Constituição) extinguiu, em 31 de Março de 1821, o Tribunal do Santo Ofício, comummente conhecido como Inquisição, quase 300 anos depois da sua instituição em Portugal, pela bula "Cum ad nihil magis", de 23 de maio de 1536, do Papa Paulo III.

Foi autor do projecto de Decreto de extinção o deputado Francisco Simões Margiochi de cuja intervenção realço o parágrafo em que o autor expressa o imperativo desejo que, lamentavelmente, o nosso país, em diferentes épocas, e muito do resto do nosso mundo,   mesmo hoje duzentos anos volvidos, continua a não ouvir: voltou a consentir-se na "inquisição" política e, mesmo a religiosa voltou:
“...Lembro mais a este Congresso que já que a Inquisição entrou em Portugal com o pretexto da Religião, e da fé; que jamais se consinta outro igual instituto, por mais plausível que seja o pretexto que o encubra: isto é, que se não substitua a Inquisição Religiosa por Inquisição Política.”

Para além desta extraordinária determinação, os deputados produziram outra, que não se lhe compara, que não terá passado, na altura, de uma mera decisão logística, embora polémica, mas que ainda hoje é vital para compreender trezentos anos da vida portuguesa. Quando surgiu a necessidade de determinar o que fazer ao espólio do Tribunal findo, muitos deputados foram da opinião que tudo deveria ser destruído, edificios, arquivos, processos, livros, tudo arrasado e queimado, para que nada restasse de tão sinistra memória. Mas imperou a opinião contrária, havia que preservar património e registos, precisamente para que o povo conservasse na lembrança e podesse conhecer, sempre, aquela época negra. E assim ficou consagrado, no artigo 4.º do Decreto, o fim a dar a tudo o que existisse nos Cartórios da Inquisição. Depois de deixar a Biblioteca Pública de Lisboa, transitou para a Torre do Tombo, onde ainda se encontra, a documentação de todos os Tribunais do Santo Ofício: Lisboa, Coimbra, Évora e Goa.
Dada a riquesa, organização e classificação de todo o arquivo daquele tribunal, que tinha definidos núcleos documentais muito precisos ( livros de delações, decretos de prisão, listas de autos de fé, registros de diligências, livros de correspondências, livros de presos,  etc.) este constitui, ironia da história, um legado inegualável, deixado aos vindouros pela Inquisição, sendo uma das fontes documentais imprecindiveis para o estudo do Portugal do Antigo Regime. Até aqui, no blog, devemos ao Santo Oficio e à sua capacidade de "arrumação" a disponibilidade de consulta dos processos dos seus funcionários, que nos permitiu conhecer gente, costumes e territórios que já nos estavam distantes no tempo.
Quanto aos edifícios, os célebres Palácios da Inquisição, também em 1821 as autoridades determinaram que ficariam abertos para que as populações pudessem com os seus olhos constatar as condições em que tinham sido presos e supliciados inúmeros desgraçados ao longo de três séculos. Porém, a vandalização a que foram, de imediato, sujeitos, fez com que esta pedagógica e generosa decisão fosse revogada, ficando os palácios a ser utilizados como instalações de serviços públicos. Ainda persistem nos nossos dias o de Coimbra, parcialmente, e o de Évora, enquanto o de Lisboa vítima de um incêndio em 1846, foi completamente destruído, encontrando-se hoje no mesmo lugar o Teatro D.Maria II. (MFM)