Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

Si hortum in biblioteca habes deerit nihil
Todos os textos aqui publicados podem ser utilizados desde que se mencione a sua origem.

30 de janeiro de 2013

Porto da Lage nas Memórias Paroquiais


Padre Luís Cardoso [entre 1700 e 1750?]. -Colecção de
 Pintura da BNP. Galeria dos Padres Oratorianos

O Padre Luís Cardoso é o precursor no sec.VXIII (c.1732) de estudos de caracterização do território português, fundamentadas em inquérito, que dão origem à publicação entre 1747 e 1751 de dois volumes do seu Dicionário Geográfico, o qual ficou incompleto.

Após o Terramoto de Lisboa, o seu projecto é retomado em 1758, agora com iniciativa estatal, e o questionário de base (destinado a ser respondido pelos párocos) ampliado e dividido em três grandes partes: a paróquia, a serra e o rio.
Sobre a primeira gizaram-se 27 perguntas. Queria-se saber, por exemplo, onde ficava situada, de quem era a jurisdição da localidade, qual a sua população, que título tinha o pároco e que rendas tinha a igreja; se havia conventos, hospitais, misericórdias, ermidas e romarias; se tinha alguma feira, privilégios e antiguidades, fontes ou lagoas, ou muralhas e castelo, bem como personagens ilustres. Perguntava-se também pelos serviços de correio, pelas produções da terra e pelos danos do sismo de 1755.
No respeitante às serras, o objectivo seria conhecer o nome, dimensões, cursos de água ou minas que ali nascessem,   plantas, tipo de clima, gado ou caça que ali existissem.
                                                                                                                                                                   
Sobre os rios apurava-se o nome, o fluxo e volume das águas, a navegabilidade, bem como as pescarias, o cultivo das margens e o aproveitamento e propriedades das águas. Inquiria-se também sobre a existência de pontes e se em algum tempo se retirou ouro de aluvião das suas areias.De notar que qualquer uma das partes encerrava com a recomendação: “E qualquer outra coisa notável que não vá neste interrogatório”.
Ao todo, a Torre do Tombo guarda 44 volumes de Memórias Paroquiais, todos manuscritos e disponíveis online  http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4241804 . As paróquias apresentam-se, de modo geral, ordenadas alfabeticamente, embora algumas vezes apareçam na letra do actual concelho, ou antiga comarca, como é o caso das de Tomar, que aparecem em T(a quem interessar, as paróquias de Tomar fazem parte do n.º52, constante do tomo 36).


 A forma da resposta dada pelos párocos varia,  podendo constituir um excelente repositório sobre a zona, dependendo da prolixidade do pároco. Enquanto uns copiaram de novo as questões, outros limitaram-se a responder de forma ordenada, mantendo o número da pergunta no seu texto. Outros redigiram um texto compacto sobre o inquérito sem assinalar as perguntas.

Três exemplos desta circunstância estão muito próximos de Porto da Lage – os párocos de Assentis, Cem Soldos e Beselga (imagens dos manuscritos representadas abaixo). Este último colocado aqui apenas a título de exemplo (cópia da pergunta seguida da resposta) pois infelizmente pouco mais se pode concluir dado que só esta página se encontra legível.
Os dois primeiros, duas almas desconhecidas que nos deixaram há muito mas sobre as quais não nos será difícil, sem inventar muito, dizer que não devem ter tido muito em comum, salvo os respectivos cargos. Enquanto num ressalta o empenho, a vontade de mostrar o que se passa na sua jurisdição, o outro dá a impressão que despachou (despachou é como quem diz) a obrigação mal e porcamente e depois de muito instado.Basta olhar para as datas, enquanto um escrupulosamente respondeu logo no ano em que recebeu as perguntas, quiçá no próprio mês, o outro esperou por...1762, só quatro anos depois.  Feitios. Dou de barato que o primeiro seria um manga de alpaca “avant la lettre”, um coca-bichinhos chato, sempre a cumprir e a querer agradar aos superiores e o segundo um rebelde que "se estava nas tintas" para as modernices iluminadas vindas da capital. Talvez no seu tempo este suscitasse mais simpatias que aquele, mas, duzentos anos depois, como dá jeito aquele padre ... certinho e cumpridor.
Só mais uma achega (especulativa)  para ajudar a compreender o comportamento dos dois párocos. O de Assentiz, sendo esta uma paróquia de Torres Novas, estava na dependência do patriarca de Lisboa, poder da capital e portanto mais próximo da tutela do poder central. Por outro lado, o da Madalena pertencia à Prelazia de Tomar, território canonicamente independente dos bispados portugueses, cujo Prior era frei da Ordem de Cristo e só respondia perante o Papa. Talvez em 1758 a Ordem ainda estrebuchasse perante as ordens do Marquês de Pombal!

Esta "arrogância" dos freis de Cristo continuará talvez ainda, nos dias de hoje, nos responsáveis tomarenses. As "memórias paroquiais" são verdadeiras fontes históricas populares em quase todos os concelhos portuguesas. Remotas freguesias conhecem a sua história de há duzentos anos graças às "memórias" que as suas Câmaras Municipais em boa hora editaram, exemplo disso é Assentiz que popularizou as suas "memórias". Em Tomar nada disto sucede. Nem digitalizadas existem na Biblioteca Municipal! É um facto que são, a maioria delas, a de Santa Maria dos Olivais incluida, pouco informativas, mas sempre dizem alguma coisa sobre a terra de cada um e as pessoas ligam mais importância a isso do que, à primeira vista, se julgará. mas outras há, como Asseiceira e Paialvo que mereceriam publicação! 








Assentiz







Madalena (documentos aparentemente misturados com Casais)

Beselga