Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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28 de março de 2022

Os Lusíadas - 450 anos da sua Publicação


Moeda de 50$00 em prata editada em 1972



Eu não consegui, ainda (pode ser que lá chegue), ver qualquer beneficio na velhice. A minha geração e a anterior vêm nisso muita, muita "coisa positiva", falamos assim, sentem-se lindamente na sua, deles, pele, agora é que se sentem eles próprios, nunca estiveram melhor, bla, bla, bla, mas cá para mim, coitados, isso é maleita que lhes deu, assim como lhes dão outras trazidas pela idade, mas que a mim, graças à minha proverbial ruindade filha da minha lucidez, não me atacou.
Uma das famigeradas e proclamadas vantagens é a sempiterna sabedoria, que será superior nos mais velhos, o que, aparentemente, não merece contestação pois que até a simples aritmética está com ela. Se adquirimos uns tantos conhecimentos por ano, assim como adquirimos quilos, rugas, rendimentos ou não rendimentos, pontos para subir na carreira, etc. ,etc.,contas feitas, quem mais anos tem, mais conhecimentos abriga (de abrigar, dentro da cabeça). Até aí concedo. Mas terão também de conceder que se o dito abrigo (o continente) falha, como diabo fica e se publicita o conteúdo? Ah pois é, e estes continentes não costumam ser muito de fiar com o passar dos anos.
Isto tudo para dizer que eu sabia, ora se sabia, que em Março deste ano se assinalavam os 450 anos da publicação de Os Lusíadas. Sabia mas esqueci-me. O que só prova a minha tese, pelo menos quanto à minha pessoa ela está certa. Tenho conhecimentos mas não me lembro deles, coisa que à humanidade se torna muito útil. Adiante, também não é preciso juntar a neura à deslembrança.
E, como sempre sucede nestes casos, se não me lembrei do que se passaria amanhã recordo-me lindamente do que aconteceu há cinquenta anos. Nos 400 anos da publicação, nos idos de 1972, não se falou de outra coisa. Houve até uma Comissão Executiva do IV Centenário da Publicação de Os Lusíadas, a imprensa, a rádio, a televisão única, para já não falar em multiplas comemorações culturais, encarregaram-se de dar a conhecer, ou lembrar, aos portugueses quem era Camões, o seu poema épico e do que tratava. E foi tão vivo e intenso o acontecimento que ninguém dividava que no exame nacional de português desse ano sairiam Os Lusíadas. E assim foi. Lá estava um Canto para a gente identificar, as estrofes para interpretar porque, não, não havia só orações para dividir, embora a gramática fosse exigente dizer isso é (era) desculpa para quem não sabia nem queria saber nada sobre as intervenções dos deuses do Olimpo nas desgraças e prazeres da viagem, da admiração do poeta pelo povo português e da forma poetica de conhecer a História.
Este ano, sinal dos tempos, o que aconteceu, se aconteceu, quanto a celebrações, foi nos nichos habituais de gente que troca o que investiga e publica entre si sem se preocupar em divulgar para o grande público ou sem que os meios de comunicação os façam chegar ao grande público.
De uma dessas situações tive conhecimento através de Francisco José Viegas no seu blog A Origem das Espécies (sapo.pt), que dá conta da tradução para indonésio de Os Lusíadas e de um prodigioso (digo eu!) congresso sobre o tema realizado nas Molucas! (MFM)

"Os Lusíadas em Jacarta 

 Por FJV, em 14.03.22

Uma das razões por que gosto de Os Lusíadas tem a ver com o halo de doidice que percorre o poema épico. O que ali está é um grupo de estouvados que vai pelo mundo fora a desafiar os deuses, os Elementos e a ordem das coisas – o que irrita muito as pessoas que deve irritar. Como poema, é uma construção quase perfeita; como leitura do mundo, é de um atrevimento notável. No sábado passado assinalámos os 450 anos sobre aquele momento em que o impressor António Gonçalves, a 12 de março 1572, em Lisboa, deve ter folheado o primeiro exemplar. Não abriu nenhum telejornal, claro, mas hoje gostava de vos falar de Danny Susanto (professor na Universitas Indonesia, em Jacarta) que falou de Camões e de Os Lusíadas num congresso sobre o tema; tudo online, organizado na Ásia, mas virtualmente em Ternate, no arquipélago das Molucas, lugar essencial dos roteiros camonianos – onde Camões teria começado (ninguém garante) o poema. Foi um belo dia para Danny Susanto: cumpriu um dos objectivos da sua vida – traduzir Os Lusíadas para indonésio. Saiu agora e está disponível. Um abraço para Jacarta."

                                                      Francisco José Viegas Da coluna diária do CM. em 14.03.2022