Declaração de interesses:
1- Eu gosto do regime em que vivo. Reconheço que passo os olhos, de vez em quando, pela Holla, que me deixo encantar, às vezes, pelas toilettes, que as critico inexoravelmente, outras tantas, que até vou sabendo quem se foi casando, baptizando e mesmo, não me orgulho disso, mas o que é que eu hei de fazer, é mais forte do que eu!?,tomo partido como quando vejo o safado do rei andar a divertir-se lá com os elefantes e não só, enquanto a pobre da Sofia aguentava galhardamente o lugar e aturava a pindérica e plebeia da nora (plebeia, apesar de não achar bem- que mania que deu agora na realeza de misturar-se com todo o gato sapato!- enfim, concedo, mas uma flausina!?) - bem feita que ficou coxo e sem reino, o da caçada aos elefantes, claro! Aguenta-te Sofia! E aproveita os anos que te restam sem o estronço do Bourbon!
Pois, apesar deste entretenimento inocente e decorativo, dispenso-o no meu país. Prefiro a D.Maria em Belém, que é mulher simples e bem casada, quanto mais não seja porque o seu excelso esposo se vai embora daqui a dias, à semelhança de todos os antecedentes que lá estiveram e se foram, e virá outro com outra Maria, ou então virá uma Maria e trará o seu Manel (e se for outro casal com outra composição, também já estou por tudo) mas também porque, além de não ficarmos à mercê desse mistério insondável que é o nascimento de criancinhas filhas de antecessores perpétuos, sempre dizemos, os portugueses, alguma coisa sobre o assunto. É que, para mim, poderá ser displicente nestes tempos de democracia entendida à vontade do freguês e de quem berra mais, antiga como sou, ainda acho importante os portugueses pronunciarem-se.
2- Sendo portanto a favor do regime político chamado República não acho graça nenhuma, para não dizer que repudio veementemente, a demagogia em que vamos sendo alimentados de sacralização da primeira República. A coisa correu mal, mesmo muito mal, veja-se abaixo a lúcida análise de Fernando Pessoa, a falta de democracia e de liberdade, as perseguições e a constante desordem (já não falo da crise económica que vinha de trás, continuou e parece que é endémica)levaram ao regime que se seguiu, plenamente consentido por quem o viveu (tu sabes lá o desassossego em que se vivia filha!? - passámos a viver no Céu, calava-me a minha avó perante qualquer contestação minha, perdoável devido à minha tenra idade) e que deu o resultado que sabemos!
3- Quero lá saber da contradição face ao atrás dito: Em defesa da minha saúde, do meu relógio biológico que, nesta idade, não está cá para acertos ao segundo quanto mais aos dias, quero de volta o meu FERIADO DO 5 DE OUTUBRO em que nasci e fui criada. Todo o meu corpo se rebelou hoje ao ser obrigado a vir apresentar-se ao trabalho.Estou aqui contrariadissima! quero ir para a Praça do Municipio festejar a República com ou sem Presidente da dita, ou então fazer outra coisa qualquer como sempre fiz!!! (MFM)
«...O observador imparcial chega a uma conclusão inevitável: o país estaria preparado para a anarquia; para a República é que não estava. Grandes são as virtudes (de) coesão nacional e de brandura particular do povo português para que essa anarquia que está nas almas não tenha nunca verdadeiramente transbordado para as coisas!
Bandidos da pior espécie (muitas vezes, pessoalmente, bons rapazes e bons amigos – porque estas contradições, que aliás o não são, existem na vida), gatunos com seu quanto de ideal verdadeiro, anarquistas-natos com grandes patriotismos íntimos, de tudo isto vimos na açorda falsa que se seguiu à implantação do regime a que, por contraste com a Monarquia que o precedera, se decidiu chamar República.
A Monarquia havia abusado das ditaduras; os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo em ditadura as suas leis mais importantes, e nunca as submetendo a cortes constituintes, ou a qualquer espécie de cortes. A lei do divórcio, as leis de família, a lei de separação da Igreja do Estado — todas foram decretos ditatoriais, todas permanecem hoje, e ainda, decretos ditatoriais.
A Monarquia havia desperdiçado, estúpida e imoralmente, os dinheiros públicos. O país, disse Dias Ferreira, era governado por quadrilhas de ladrões. E a República que veio multiplicou por qualquer coisa - concedamos generosamente que foi só por dois (e basta) - os escândalos financeiros da Monarquia.
A Monarquia, desagradando à Nação, e não saindo espontaneamente, criara um estado revolucionário. A República veio e criou dois ou três estados revolucionários. No tempo da Monarquia, estava ela, a Monarquia, de um lado; do outro estavam, juntos, de simples republicanos a anarquistas, os revolucionários todos. Sobrevinda a República, passaram a ser os republicanos revolucionários entre si, e os monárquicos depostos passaram a ser revolucionários também. A Monarquia não conseguira resolver o problema da ordem; a República instituiu a desordem múltipla.
É alguém capaz de indicar um benefício, por leve que seja, que nos tenha advindo da proclamação da República? Não melhorámos em administração financeira, não melhorámos em administração geral, não temos mais paz, não temos sequer mais liberdade. Na Monarquia era possível insultar por escrito impresso o Rei; na República não era possível, porque era perigoso insultar até verbalmente o Sr. Afonso Costa.
O sociólogo pode reconhecer que a vinda da República teve a vantagem de anarquizar o país, de o encher de intranquilidade permanente, e estas coisas podem designar-se como vantagens porque, quebrando a estagnação, podem preparar qualquer reacção que produza uma causa mais alta e melhor. Mas nem os republicanos pretendiam este resultado nem ele pode surgir senão como reacção contra eles.
E o regime está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados morais, nos serve de bandeira nacional – trapo contrário à heráldica e à estética porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português – o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que por direito mental devem alimentar-se.
Este regime é uma conspurcação espiritual. A Monarquia, ainda que má, tem ao menos de seu o ser decorativa. Será pouco socialmente, será nada nacionalmente. Mas é alguma coisa em comparação com o nada absoluto que a República veio (a) ser.»
Fernando Pessoa
Da República, Editora Ática, Lisboa, 1978
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