19.01.1896 |
João de Deus de Nogueira Ramos (1830-1896), mais conhecido por João de Deus, um eminente poeta lírico, considerado à época o primeiro do seu tempo, foi uma das figuras mais populares do último quartel do século XIX português, autêntico fenómeno de culto, alvo das maiores homenagens ainda em vida. Na sua morte assistiu-se "à maior manifestação de dor dada por um país inteiro à memória do seu mais ilustre filho", como refere a notícia acima.
Poeta romântico, as suas poesias são de um lirismo encantador, cheias de ritmo e de musicalidade. Quem não acha maravilhoso, e não sente, na sua simplicidade e no seu significado este Sempre?
Nem te vejo por entre a gelosia
Nunca no teu olhar o meu repousa
Nunca te posso ver, e todavia
Eu não vejo outra cousa!
João de Deus escreveu também lírica satírica de intervenção social e política. Eu sabia de cor, nos tempos de liceu ...com que então caiu na asneira/ de fazer na quinta-feira/ vinte e seis anos, que tolo/, ainda se os desfizesse/,mas fazê-los não parece/de quem tem muito miolo/ etc
Na mesma linha humorística, é o seguinte:
Mal de Pés
Certo patrício nosso brasileiro,
Depois de ter corrido o mundo inteiro
Ao voltar de Paris desenganado
Dos médicos, que tinha consultado,
Achou-se num wagon com um inglês,
O desgraçado tinha mal de pés.
E a última palavra da ciência
Era ir vivendo e tendo paciência!
Mostrou-se o bife incomodado,
Fungando para um e outro lado…
Como quem busca o foco de infecção;
Diz-lhe o nosso infeliz compatriota,
A apontar-lhe com o dedo a bota
E exalando um suspiro de paixão:
– Eis a causa, senhor, eis o motivo!…
O que eu não sei é como ainda vivo!
Tenho gasto rios de dinheiro,
E sempre, sempre, sempre o mesmo cheiro!
E isto por ora vá!… mas alto dia
Quando aperta o calor… Virgem Maria!…
“E diga-me: em lavando os pés refina,
Ou sente algum alívio?”
– “Isso não sei,
Sei que tenho exaurido a medicina;
mas lavar é que nunca experimentei.”
Às vezes dá-se ao médico o dinheiro
Que se devia dar ao aguadeiro.
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