Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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26 de outubro de 2018

S.Braz ou S.Paulo



Já agora, que estou em maré de descortinar (palavra que veio engrandecer ultimamente o nosso tão empobrecido léxico por razões militares localizadas muito próximo de Tomar) os desconsertos  da minha terra, cá vai mais um. E este em homenagem à minha avó Maria José, criatura anónima, séria, muito rigorosa, que lia tudo o que lhe aparecia à frente e tinha gosto em preservar memórias, coisas, e ... mais nada que vos interesse, era minha avó pronto, e eu aqui homenageio quem me apetece.
Pois essa minha avó, proprietária da edição original de Noticia descriptiva e histórica da cidade Thomar, de J.M.Sousa, sublinhou a lápis (porque o considerou muito importante, que ela não era pessoa para conspurcar um livro) as duas últimas linhas da pag. 66 e as cinco primeiras da página seguinte, desta forma:




E legendando a lápis, como se pode ver, ao cimo da segunda página " Estas casas a que se referem estas linhas sublinhadas pertencem a meu pae José do Coito (o pae deve-se à redacção ter acontecido antes do acordo de 1945, pois, para esta avó, erro ortográfico não era erro, era crime!).

As linhas em causa dizem textualmente, referindo-se a hospitais e albergues que viriam a integrar a confraria da Misericórdia instituída em 1510, "....tais como o de S.Braz, ao cimo da Rua da Graça, logo à entrada da villa para quem vinha pela estrada de Lisboa, cujas casas foram para esse fim deixadas em testamento por Constança Annes e que depois foram aforadas por 190 réis annuais e um frangão ou dez réis por ele, sendo feita a escritura no cartório do escrivão Gaspar Garro em 26 de abril de 1561."

E J.M.Sousa continua " O mesmo aconteceu com o hospital de S.Paulo, que ficava próximo a este, para o lado do Pé da Costa, em uma casa que ainda lá existe, com uma escada por fora uma varanda, a qual foi também aforada em 1561 a Simão Duarte, pedreiro, e passou depois para ....."

Da leitura destas linhas entende-se que o hospital de S.Braz ficava ao cimo da Rua da Graça, logo à entrada da villa para quem vinha pela estrada de Lisboa (a estrada de Lisboa, segundo J.M.Sousa passava em frente do Convento de S.Francisco e "vinha entrar na villa ao cimo da Rua da Graça", pag. 58 da obra citada), enquanto o hospital de S.Paulo, que ficava próximo a este, para o lado do Pé da Costa, em uma casa que ainda lá existe, com uma escada por fora uma varanda.

Afigura-se-me, portanto, não ser abusivo concluir, tal como a minha avó fez, que o hospital de S.Braz seria o que ficava ao cimo da rua da Graça e o de S.Paulo o que ficava para o lado do Pé da Costa, com uma escada por fora uma varanda.em uma casa que, felizmente e como a figura mostra,  ainda lá está.

"...o hospital de S.Paulo, que ficava para o lado do Pé da Costa, em uma casa que
 ainda lá existe, com uma  escada por fora uma varanda..."

Ora, não é isto que é divulgado nos roteiros turísticos e nos livros  recentes, sobre Tomar. O edifício da  imagem aparece sempre denominado como "Antigo hospital de S.Braz". Calculo que a origem deste engano (?) estará no livro "História de Tomar" de Amorim Rosa, o qual afirma (pag.87) que das gafarias e hospitais que se juntaram no tempo do Infante D.Henrique para fazer o hospital de Nossa Senhora da Graça constava o Hospital de S.Braz que dizem que estava na rua da Graça, e que, a seguir, na legenda do desenho desta casa (pag.88) refere "o antigo hospital de S.Braz, entre as Ruas de Pé da Costa de Cima e Rua da Graça, onde outrora findava a Várzea Grande". Se a Várzea Grande (vinda do lado esquerdo) terminava na rua da Graça, o referido hospital só podia ser o citado por J.M.Sousa. Não se percebe em que se fundamenta Amorim Rosa para dizer que o antigo hospital se situava entre as Ruas de Pé da Costa de Cima e Rua da Graça. A localização da casa da imagem pouco tem a ver com a Rua da Graça, se olharmos para a fotografia abaixo,  tirada antes do arranjo do largo da Cerca e do derrube de algumas casas, vimos que o edifício fica recuado em relação ao traçado que a rua da Graça tinha então e, aliás tem ainda, pois aquele fica situada no largo, não na rua referida. Concluindo, tanto J.M.Sousa como Amorim Rosa concordam que o Hospital de  S.Braz se localizava na Rua da Graça, só que este último, por um raciocínio confuso e que não fundamenta, entende que o hospital de S.Braz é o da figura, enquanto J.M.Sousa acha que é o outro, e ao da figura chama de S.Paulo. Não estou em condições de dizer qual dos dois tem razão, embora as apresentadas pelo avô (J.M.Sousa era avô de Amorim Rosa) me pareçam mais consistentes que as do neto. De qualquer forma, parece-me, pelo menos, haver motivos para dúvidas e, parece-me também, pelos dados expostos por ambos que bastará ir às fontes ver outra vez, e atribuir o nome correcto à casa, ou então, seria avisado que entidades com responsabilidades na historiografia se abstivessem de patrocinar declarações polémicas como esta. (MFM)


A casa em questão, antes das obras da Cerca.








                               

Estas duas imagens (recortes de fotografias separadas) -imaginem-nas coladas-
foi o que consegui arranjar sobre a antiga casa a que a minha avó se refere e que
representariam, essas sim, o hospital de S.Braz, segundo J.M.Sousa.





Os edifícios localizados no mesmo local, agora.

E até um dia destes ....

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