Tenho observado por aí, em folhetos turísticos em papel
e na net, de que é exemplo este site, a casa dos tectos referida como um palácio do século XVII, afirmação que é tão mais curiosa quando, no caso do site citado, dois
parágrafos antes, se diz que o edifício no qual está instalado o Turismo "
não é bem aquilo que parece" , pois, explicam "à primeira vista,
olhando para os seus portais e janelas, parece-nos uma construção muito antiga,
mas o edifício data apenas de 1940", o que significa que quem o diz sabe a
diferença entre o que é verdadeiro e uma imitação! Eu quero querer que a
informação de se catalogar como seiscentista a casa dos tectos decorre da
ignorância e não do propósito de enganar turista, o que seria um crime, sendo
que a ignorância, não o sendo, é, neste caso, pouco compreensível, tanto mais
que, circulam pelo mesmo site, em roda-pé, alusões ao Instituto Politécnico de
Tomar, ao Ministério da Cultura, IGESPAR, etc., entidades que, tanto quanto parece
ao visitante desprevenido, devem ter alguma responsabilidade no que dizem e fazem e, portanto, no que por ali
aparece escrito (no site). Além de pouco compreensível, dizia eu, a ignorância é
atentatória, já não digo da inteligência mas, pelo menos, da memória dos
tomarenses! Não é preciso estar morto, é só preciso ter mais de cinquenta anos,
para ter acompanhado o chamado palácio a “vestir-se” à sec.XVII!
Qualquer pessoa que tenha passado nos anos setenta ao cimo
da Rua da Graça (eu sei que se chama Cândido Madureira, mas também sei que os
tomarenses sabem ao que me refiro) lembram-se não só de ver as eternas obras que serviriam para pintar os famigerados tectos, como de ouvir o “cântico” de uma
oficina de cantoneiros, situada mesmo em frente do dito palácio, que trabalhou
e trabalhou, durante anos e anos, para aparelhar a pedra (ao contrário da
cantaria da casa do turismo que é, de facto, de outras épocas, esta foi “construída”
de propósito) que veio a servir para decorar a fachada de uma casa, grande, é verdade, do
tamanho, altura, comprimento, largura e com o mesmo número de janelas daquela
que lá está, mas com uma fachada simples, com janelas de vidrinhos, ao gosto
dos burgueses abastados do fim do sec.XIX,. Não será difícil saber a data exacta
da construção da casa para quem quiser ser sério naquilo que vende a turistas,
bastará procurar nos arquivos da Câmara, pois pertence a uma época relativamente
recente, pouco mais de cem anos, em que tudo obedecia a licenças que estarão
devidamente arquivadas.
Mas eu não venho dizer isto para corrigir ninguém nem, tão
pouco, para educar os meus conterrâneos, há muito já, que perdi as ilusões da
possibilidade de ensinar quem não quer. Eu não detenho verdade de tipo nenhum e
a minha memória não é mais privilegiada do que a dos meus contemporâneos, sei
tanto como eles e se estes ficam calados não será, com certeza, por burrice ou
preguiça, é por terem chegado à mesma conclusão que eu.
A razão porque falo é porque ainda não abdiquei de me lembrar - e fazer pública essa memória – das pessoas.
A casa dos tectos ser ou não é do sec. XVII pouco me
interessa, interessa-me sim, ser a obra de alguém que a idealizou. O sonho, ou a
obsessão, de um homem cuja vida Camilo não desdenharia escrever. Conheci Augusto
Gonçalves, que a Fortuna (a deusa e
aquilo com que prosaicamente identificamos a palavra) escolheu, era da
criação do meu pai, do mesmo ano, vizinho de rua, colégio, tropa. A família
materna do meu pai conhecia-lhe a tragédia do nascimento, embora, curiosamente, se tornasse filho adoptivo de um primo do meu avô paterno. Não sei se a a realização
da obra chegou para o fazer feliz, mas quer o tenha ou não sido, sobretudo se o
não foi, merecia, da posteridade, o reconhecimento por ser um de nós que, como
diz o poeta, ouviu Deus, sonhou e fez nascer
a obra. Que existe, tem o seu valor artístico, utilidade, mas não faz referência ao seu
autor (porque a criatura ultrapassou o criador?)! Tenho muita pena, porque não se homenageia quem se deve e, já agora, embora eu não tenha nada com isso, porque se segue a via mais fácil, mesmo economicamente, preferindo-se enveredar pela aldrabice, facilmente detectável, em vez de, dizendo a verdade, contar a historia de um homem e do seu sonho, como se faz noutros lados, igualmente com edifícios revivalistas, e com bons proveitos. (MFM)
A casa mencionada, à esquerda a seguir ao Turismo, antes da intervenção na fachada. |