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3 de maio de 2013

Recordações da Nossa Aldeia

                                                      (continuação)
                                                                          II
                                                                 ANOS CINQUENTA





A nossa aldeia era pequena mas muito beneficiada com o comboio, servida por duas empresas de camionagem “Os Claras” e “Cernache” todos os dias, incluindo sábados, domingos e feriados. Penso que durante os anos críticos da guerra de 1939 a 1945 não havia transportes todos os dias. Quase todos os comboios paravam, só não paravam os rápidos e o internacional. Poucos automóveis por aqui circulavam por isso os transportes públicos, as bicicletas e os fiéis burricos tinham muita procura.


Havia em Porto da Lage, médico, farmácia, mercearias, comércio geral, tabernas, costureiras, escola primária com duas professoras, uma fábrica de álcool onde trabalhavam vários operários, uma moagem a motor, outra mais pequena movida a água por uma vala (no principio eram duas que trabalhavam com a força da água). Havia talhos, padaria, sapateiro, dois barbeiros. Na época das matanças de porco havia depósito de sal. Tinhamos dois lagares de azeite públicos e três particulares e uma oficina de bicicletas onde se ia remendar a câmara-de-ar em vez de comprar uma nova. Todos os dias o comboio trazia o “Diário de Notícias” e “O Século”; a ambulância dos C.T.T. deixava o correio do Norte e Sul nos comboios da noite e outras tantas malas nos comboios de dia.
A nossa terra só em 1960 teve o privilégio de ver chegar a electricidade. A água canalizada chegou em 1950, o telefone público em 1954, a estrada alcatroada entre Tomar e Torres Novas talvez em 1956.



A água canalizada chegou a Porto da Lage no Verão de 1950. Nessa época o Dr. Henrique Mota era vereador na Câmara de Tomar, penso que seria Presidente o sr. Capitão Oliveira, mais tarde General Oliveira.
A água veio de uma propriedade situada na margem esquerda do ribeiro que nasce talvez no lugar da Longra, banha Porto Mendo, vem correndo chegando então à propriedade que em tempos remotos pertenceu ao proprietário Manuel de Sousa Rosa que foi dos primeiros habitantes de Porto da Lage. Havia nessa propriedade, chamada Azenha, uma mina cavada na rocha com a entrada em arco, da altura de uma pessoa de estrutura regular. Dessa mina saía sempre água, fosse Inverno ou pleno Verão. A água da mina vinha para um enorme tanque rectangular e daí iria alimentar a azenha e ainda regar as terras de cultivo. A propriedade foi herdada por uma filha de Manuel de Sousa Rosa de nome Soledade que, por sua vez teve os filhos António, Lúcia e Ana.  Quando o vereador Henrique Mota trouxe a água até Porto da Lage fez um agradecimento aos proprietários da mina mandando colocar no fontenário uma lápide com o nome daqueles: António Rosa Mota, Manuel Augusto Mota e Luís Pereira Teixeira, isto é, respectivamente António e os maridos de Lúcia e Ana.

Talvez esta mina da Azenha tivesse sido aberta no tempo dos frades do Convento de Cristo, quando o Infante D. Henrique viveu em Tomar e era dono dos grandes olivais à volta de Tomar. Hoje ainda há muitas oliveiras dessa época.
No Verão de 1950, férias grandes para as escolas, juntavam-se na terra natal alguns jovens. Penso que ainda consigo nomeá-los:
Armindo Cardoso, Ilídio Teixeira, Luís Dupont (vindo de Moçambique) Henrique António Narciso, Virgílio Cardoso, José Braz, José Vital, Henrique João Mota, Mário Reis, Artur Simões, Mário Nunes, Luis Filipe Sousa. Havia uns outros mais novos e ainda o Manuel Cordeiro que nunca se juntava.
As raparigas eram mais: Arminda, Maria do Rosário e Dulcinda Teixeira, três irmãs; Isaura e Georgina Silveira, duas irmãs; Ana e Mercedes Cordeiro, irmãs; Isaura e Luciana Rosa, irmãs; Celeste, Gracinda e Benvinda Rodrigues, três irmãs; Angelina e Deolinda Sousa, irmãs; Maria Augusta Simões, Maria Estela V. Taxa, Maria Filomena Narciso; Ilda e Maria Celeste Sousa, irmãs; Maria de Lurdes Nunes, Maria do Rosário Vasconcelos (casou em Outubro), ainda a Marília Reis.


Dos rapazes já faleceram seis, das raparigas também seis.
(continua)

16 de maio de 2012

Paixões Funestas em Porto da Lage

Casa onde morava Maria da Purificação, com a mãe e o irmão Francisco
                                                                                                    


- Amanhã vais à missa?
- Vou, porquê? – respondeu Maria da Purificação a  Francisco, estranhando a pergunta. Há dias já que não se falavam, desde que ela terminara o namoro.
- Por nada!

Foi a última vez nesta vida que cruzaram palavras aquelas duas almas. Tinham-se entendido, trocado promessas e feito projectos. Tudo até que o irmão dela se inteirara, dissera à mãe e os dois tinham acabado com o sonho dos namorados. Ele não estava à altura da soberba da mãe nem da ambição do irmão, disseram as gentes depois da tragédia, um pobre funileiro, estabelecido na pequena loja arrendada à família dela. A herança que herdara do pai não era para ser repartida com um pobre diabo, antes para ser acrescentada com os bens de alguém, pelo menos, igual a ela.

No dia seguinte, domingo, pela manhã, Francisco Silva esperava, na estrada à saída do Paço, para consumar o que tinha andado a congeminar desde a hora fatídica em que ela o procurara “não vale a pena, a mãe e o Francisco são contra, não posso ser ingrata e fazer a infelicidade de quem tem vivido só para nós, os filhos”. Não a conseguira demover, a vontade da mãe ou, cria agora, o pouco poder do amor, que ele imaginara um dia igualar a força do seu, tinham desfeito a mais linda quimera que alguma vez nascera no seu coração triste e na sua vida solitária. Ela fora implacável, não quisera saber da sua dor, embora pugnasse também sofrer, e cortara cerce todo o alento que ele ainda suplicara.

A dureza dela e o malogro de tantas ilusões perdidas tinham feito nascer naquele dia o funesto propósito que concretizava agora. Lá vinham todos, observava ele de onde se encontrava, ela acompanhada da família, corja de gente arrogante, vinham da missa em S.Silvestre. Aproximavam-se, parecia contente ela, destacava-se dos outros, sorriu-se quando o viu. Agora! Viu-a cair, surpresa, o peito empapado em sangue. Chegavam duas vidas ao fim, pensou quando se sentiu manietado. No final o mesmo destino! Como ambos tinham planeado em dias felizes.

E  assim Maria da Purificação, nascida em Porto da Lage em 11 de Junho de 1902, perdeu a vida com um tiro de espingarda, às onze horas do dia 5 de Dezembro de 1926. Era filha de Ana de Jesus Sousa Rosa e de Manuel Escudeiro. No dia seguinte, o primo António Motta vai a Tomar fazer a competente declaração ao registo civil para que possa ser sepultada no cemitério de Cem Soldos. No assento de óbito é dada como Purificação de Jesus Rosa, a causa da morte está em branco.

Consta que, no velório, a mãe chorosa murmurava - antes assim.

Francisco Silva fora imediatamente agarrado pelos homens presentes e preso na loja da casa de Manuel Augusto Motta, em Porto da Lage, aguardando a vinda das autoridades. Depois de julgado foi condenado a degredo em Africa.(MFM*)


A capa do semanário "O Domingo Ilustrado" do domingo  seguinte 12 de Dezembro,
reproduz fantasiosamente o crime, com a seguinte legenda Em Tomar, um tresloucado, Francisco
Silva assassina sem mais nem mais, à saída da missa, a sua ex-namorada, Maria da Purificação.
Tragédia passional  intensa, apaixonou a opinião pública, pela sem razão do crime
que arrebatou uma mulher honesta, na plena força da vida.



     No local em que caiu o corpo de Maria da Purificação, erigiu a população uma cruz de ferro sobre uma base de pedra. Já só resta a base.

                                          Casa em cujo r/c esteve preso Francisco Silva,  antes de ser
                                                       levado pelas autoridades.






*- À memória da minha avó Maria José, testemunha presencial dos acontecimentos, que condenava, sem conseguir esconder a simpatia que lhe inspirara o “pobre infeliz”, que fora visitar e ouvir depois da tragédia, o qual considerava "vítima de paixões funestas e das tentações do inimigo". Livrai-nos Senhor de ambas, Amen.
*-Com os meus agradecimentos à Dulcinda Teixeira, que me recontou a história e “escarafunchou” testemunhas para conseguir arranjar datas aproximadas (1927), e também ao Registo Civil de Tomar que depois de muitas tentativas próprias, goradas, permitiu que eu procurasse directamente a data do óbito.





17 de outubro de 2019

O Elefante Branco



                                                                    
Gravura de Hanno em um Panfleto de Roma (retirado da Wikipédia)







"14 de fevereiro de 1570 faleceu nicolau dias morador em beselga por ser freguês se mandou enterrar no adro da igreja de santa maria madalena fez testamento a que me reporto por sua alma mandou que ao enterramento se dissessem(?)  ? missas uma? cantada e duas rezadas _? ofertadas com pão vinho(?) cada um? segundo costume da igreja e um oficio inteiro de nove lições de sete salmos tudo segundo do costume da igreja e ao mês outro tanto e ao ano outro tanto cumprindo-se(?) a vontade do defunto e no cabo d(?) a quitaram conforme feito? ut supra. [aa] S.Lousado"(1)





"aos doze de fevereiro de 1576 faleceu simão fernandes pouzão fez testamento que mandou que ao dia de .... se dissessem quatro missas três rezadas e uma cantada ...... um oficio inteiro de nove lições  segundo do costume da igreja ..."


Nicolau Dias é meu 11.º avô pelo menos duas vezes, por via de seu filho António Dias, o preto (morador no "seu casal" ou no "casal de Nicolau Dias"), cujos  filhos Manuel Dias e Antónia Dias foram ascendentes, respectivamente, de meu bisavô Augusto Mota e de minha bisavó Maria José Sousa Rosasua mulher. Manuel casou-se, em 22.11.1620, com Domingas Jorge, do Paço, e, entre esta localidade e Além da Ribeira se desenvolveu a sua geração, enquanto sua irmã Antónia já teria casado com Álvaro Nunes, das Moreiras Grandes, em 27.11.1610, e dado origem a uma dinastia em Assentis que veio, no fim do sec. XIX, a  encontrar-se com os descendentes do irmão, em Porto da Lage.

Simão Fernandes Pouzão (de família talvez proveniente dos Pouzos, cujo nome terá adoptado como apelido para se distinguir de outros Fernandes contemporâneos), natural dos Casais, onde toda a sua geração permaneceu até 1712, quando se ligou a Catarina Lopes, do Carvalhal Pequeno, é meu 12.º avô, também por via de Augusto Mota .

Ambos, Nicolau e Simão, são homens da primeira metade de quinhentos. Nicolau morreu cedo, ainda com filhos pequenos, Simão já com netos, pelo que deveria ser mais velho. Já teria nascido quando, pelas ruas de Roma as multidões olhavam extasiadas o deslumbrante desfile, nunca visto, de jóias e tecidos exóticos, das onças, das panteras, dos leopardos, dos coloridos papagaios e do albino elefante Hanno? E, os dois, teriam sabido desta aparatosa "Embaixada" oferecida ao Papa pelo seu rei D.Manuel, para demonstrar a riqueza e a glória do seu país? E, alguma vez, terão dado conta de tanta grandeza ou terão beneficiado alguma coisa dela?
Tanto um como outro terão vivido a lutar com a natureza, a fazê-la produzir e a louvar o Senhor quando o conseguiam. O Senhor que não os poupava, que lhes trazia fome, seca, intempéries e doenças, lhes levava os filhinhos e a mulher de parto, deixando os restantes órfãos. Mas com Quem não deixavam  de contar na desgraça, a Quem agradeciam na bonança e se encomendavam quando partiam para o lugar que lhes traria, finalmente, a prosperidade eterna pela qual tinham esperado e penado neste mundo. Nenhum deles terá abandonado a sua terra ou a freguesia, não terão pertencido àquele povo néscio enganado pela Fama e Glória soberana, sagaz consumidora conhecida, de fazendas, de reinos e de impérios,  " Por quem se despovoe o Reino antigo, se enfraqueça e se vá deitando a longe?" como profetizava o sábio  velho do restelo.
Estes avós, meus e de milhares que os desconhece, fazem parte do povo que ficou, que não embarcou, mas que viu irmãos e filhos partirem,  em busca dos Hanno e dos papagaios em terras longínquas. Que esperou, velando pela pobre pátria, e os viu voltar,  às vezes, outras nem isso, ricos, pobres, estropiados, heróis ou mártires, e os acolheu. Ontem e sempre (MFM)




Nota: Extractos de assentos de óbito retirados daqui

(1)Agradeço a ajuda na leitura deste assento a Edmundo Simões, profundo conhecedor e estudioso das genealogias de Torres Novas e outras, aproveitando a ocasião para lhe agradecer, publicamente, a disponibilização de grande parte da árvore dos meus antepassados de Assentis, muitos dos quais se cruzam com os seus. 

14 de abril de 2013

Carruagens Perigosas e Casamentos em Perigo

Sarah Afonso, Casamento na Aldeia (1949), Lisboa, CAM


[acerca de] ... alguns episódios gaudiosos dos transportadores de viajantes entre Porto da Lage e Tomar, focando o nosso tio  Manuel Augusto que bem conheci durante dezenas de anos. Os animais que adquiria nas feiras de gado eram sempre dos mais baratos ou tinham defeito, como dar coices, muito bravios, ou, pior ainda, já velhos e pouco cuidados. Para vencerem o topo da ladeira de Cem Soldos, necessitavam do auxílio e os que tinham melhor aptidão para o exercer eram os passageiros que viajavam na boleia a preço reduzido.
Até ao final da década de 1940, a mesma carruagem que transportou os passageiros que se apeavam do comboio em Porto da Lage e queriam seguir para Tomar, transportava os noivos à Igreja de Cem Soldos para a cerimónia religiosa. Puxavam-na duas muares de terceira ou quarta escolha. Quando o carroceiro as chicoteava para trotarem, respondiam com coices.(Ilidio Mota Teixeira)

9 de outubro de 2013

A Peregrinação dos Três Compadres




Retrocedendo aos anos de 1940, vamos assistir uma peripécia que foi contada por um dos participantes em jeito de queixume mas gozado por quem a ouviu e transmitiu mais tarde em jeito de anedota.
A hilaridade do episódio tem mais haver com a personalidade dos seus intervenientes do que com o seu conteúdo mas, aí vai: sábado de manhã, pelas oito horas de um dia qualquer, os três cunhados entre si, compadre António Rosa, compadre Manuel Augusto e compadre António da quinta vão a caminho de Tomar, na charrete do compadre Rosa.



...a  oficina do Ferrador Zé Paulo para onde entram por um
largo portão [ em frente, depois da descida da chamada Estra-
da de Paialvo]
Vão em peregrinação ao mercado semanal que aí se realiza. O trajeto não é longo e o cavalo que atrelado é fogoso e bom trotador. Cerca de meia-hora depois estão a descer a ladeira que conduz à cidade. Ao fundo está a oficina do Ferrador Zé Paulo para onde entram por um largo portão e vão prender o animal, mesmo atrelado, a uma estaca ao fundo do pátio.





Daqui dirigem-se ao centro do acontecimento: Praça da República, um belo espaço enquadrado por um belo edifício do século XVI onde a câmara municipal está instalada, uma igreja do mesmo século, Igreja São João Baptista, e diversos estabelecimentos comerciais. No centro a estátua do templário Cavaleiro de Cristo Gualdim Pães, fundador do castelo e da cidade. Os produtos expostos para venda, agrícolas em geral, são variados e em pouca quantidade. Vêem-se ovos, galinhas, coelhos, queijinhos de leite de ovelha, couves, batatas, ervilhas, favas, feijão, grão de bico e uma ou outra peça de barro vermelho. Nas épocas dos granjeios das hortas e das vinhas, há molhinhos de Cebolinho, pés de couve e bacelo bravo. No mesmo dia havia também o mercado quotidiano que se situava nas traseiras do edifício da Câmara.
A Peregrinação dos compadres, de boa memória e que há muito tempo deixaram o convívio dos vivos, é rotineira. Observa-se o que está à venda, compra-se algum utensílio da loja de ferragens se for necessário, um funil no latoeiro ou um balde ou ainda um caneco, trocam-se umas opiniões com este ou aquele vendedor, encontra-se um amigo conhecido de longa data, trocam-se umas informações de interesse mútuo e surge o convite indispensável: uns copos de palhete na taberna da esquina da rua que conduz à praça. Vai uma rodada, vai outra que agora pago eu, mais uma  que agora é da minha conta e as conversas começam a ser prolongadas e amistosas. Os estômagos estão vazios e depressa os 11 graus do palhete sobem ao topo.

O mercado de Tomar no local a que se refere o autor no inicio do sec. XX, ainda sem a estátua de Gualdim Pais

Chega-se a hora de regressar a casa. Apertos de mão e até qualquer dia. Já no Zé Paulo, desprende-se o cavalo que está inquieto e quer regressar à palha, é guiado até ao início da ladeira que desceu na vinda. A subida é longa e cansativa. Quando se chega ao topo é necessário "dar de beber à sede", quer às pessoas quer aos animais. Para saciar, está lá o Elias, ponto estratégico, com paragem obrigatória, de longa tradição. Mais uma rodada para a cumprir e de novo a caminho. O compadre Rosa toma o seu lugar de condutor, rédeas na mão, cigarro barrigudo apagado colado ao lábio inferior canto da boca, rosto congestionado, pálpebras inferiores avermelhadas, alivia o travão, dá rédeas ao cavalo e aí vai caminho de casa. O compadre António da quinta, sem dizer uma palavra, um pouco ensonado, vai sentado ao seu lado. É sóbrio nas bebidas e comidas mas nestas circunstâncias excedeu-se um pouco. É  mais versado na agricultura que nos negócios de ocasião. A segunda etapa do regresso é percorrida mais facilmente. É sempre a descer, salvo uma subida. Entram em Porto da Lage, seguem na direcção da azenha e…. ponto final. Rédeas  no descanso, Um pé no estribo outro no chão e… o compadre Manel? Tinha ficado no Elias. Não teve tempo nem agilidade para subir à charrete. Chegou a casa algumas horas depois. Pelo caminho veio destilando os 11 volumes do palhete. (Ilídio Mota Teixeira) 






7 de maio de 2013

Recordações da Nossa Aldeia


                                    (continuação)
                                                                                                   III
                                                                                                 Hoje

Hoje Porto da Lage é uma sombra do que foi. Poucos descendentes dos pioneiros aqui ficaram radicados. Os bisnetos há muito que saíram para as cidades do Porto, Lisboa, Coimbra, Setúbal, Leiria, Lousã, África e até E.U.A. Entre eles, há médicos, advogados, engenheiros, comerciantes, professores, economistas. Só um foi para o Seminário mas esteve lá pouco tempo, faleceu nos EUA, lá deixou quatro filhos e não sei quantos netos.

Só uma nota que não quero esquecer. De todas as famílias que por aqui passaram para trabalhar na estação de comboios, ficaram por cá três descendentes de um sr. Sousa, agulheiro, a filha do sr. Vital, empregado menor e o filho de um sr. Santos, factor ou chefe, que era dos Soudos. De resto todos regressaram às suas origens. Já nos tempos mais recentes quando ainda havia guardas de cancelas ficaram aqui radicadas mais três famílias: Baião, Arlindo e Jorge. O primeiro veio do Alentejo, o outro casal de Fungalvaz e o terceiro casal ele do Casal da Fonte e ela de Fungalvaz. Ainda há outra família que veio da Régua com três filhos e por cá quiseram ficar.

Desde 1864 até 2013 muitas décadas se passaram, muita água passou debaixo da ponte. À data mora aqui uma senhora de 82 anos com a irmã de 76 anos, bem como a filha da primeira. São descendentes de Sousa Rosa. Dois irmãos (casados e com filhos) descendentes do Sousa Rosa que foi à guerra em França.  Dos Sousa Rosa a viver em Porto da Lage há um jovem rapaz, mas o pai trocou-lhe o apelido, em vez de continuar o nome do antepassado. Um outro jovem varão, também descendente, já nem usará o Sousa Rosa da avó materna.

Na cidade do Porto há os descendentes de um bisneto do pioneiro Sousa Rosa e o último ocupa o 7.º lugar na ordem das gerações.

Há bisnetos de Motas que aqui têm casas e vêm cá regularmente: uma neta de Manuel Augusto Mota, dois netos de João Mota e duas netas de António Mota.




Eu, que também sou bisneta do pioneiro Sousa Rosa e neta de Francisco Mota, das Sobreiras, cá moro, até quando não sei. (Dulcinda Mota Teixeira)
                                                                          FIM

16 de março de 2012

Porto da Lage e os transportes no ínicio do sec.XX

carro- tipo referido no texto.

Quando não havia ramal de Tomar, os passageiros saíam do comboio em Porto da Lage onde havia carros de mulas para os levar à cidade. Havia três classes como nos comboios; os preços eram diferentes mas os lugares eram semelhantes. Aos que reclamavam, o tio Manuel Augusto replicava que mais tarde perceberiam a razão.
No início das subidas mais suaves, apeavam-se os da terceira classe; depois os da segunda e, por vezes, os da primeira.Nas ladeiras mais íngremes os da terceira eram chamados a empurrar e assim sucessivamente até que, perto do cume, até os da primeira, contrariados, ajudavam. Era em Cem Soldos.

(texto publicado  aqui por H.C.M em 25.3.07)

24 de abril de 2020

A Família a que Pertenço



« Nasci em Porto da Lage, bem no Centro do País, aldeia criada pelo Caminho de Ferro – entre os Milagres de Fátima e os Fenómenos do Entroncamento. Esta importante “Linha do Norte” unia o Norte ao Sul e – a partir dali - abastecia o Leste (Castelo Branco, Alvaiázere, Tomar) e o Oeste (Nazaré) por galeras M.A.M., do Tio Manuel Augusto Mota.


A Ribeira de Beselga era a hipotenusa do triangulo rectângulo, cujos catetos eram o Caminho de Ferro e a estrada Tomar-Torres Novas. 





Originalmente, a aldeia ocupava essa área triangular, mas foi crescendo para fora do triângulo, o que obrigava a população a atravessar 1 de 3 obstáculos:






. a estrada, pelas inexistentes passadeiras;
. o Cº Ferro, pelas passagens de nível;e
. a Ribeira, pelas Pontes. 




Destas, a mais próxima era a Ponte de Cimento na Estrada Real, que nós usávamos para ir à Escola. No meu imaginário, teria conduzido a Minha Mãe (da Família Carmona, Bragança) à aldeia natal do meu Pai Henrique Pereira da Mota, onde ele foi Médico, desde 1933. 



As outras pontes eram de Sul para Norte: A sólida ponte de Pedra e 









e a ponte do Tio João dos Olivais, que evocava o Poeta Miguel Torga: 
“Sobre a ponte insegura é que épassar…
 É sentir o rio correr dentro das veias”…







Esta aldeia deu-nos uma sólida plataforma de apoio: Mãe, Pai, Avós, Irmãos, Tios, Primos…
Porto da Lage, Centro do País! A minha primeira contribuição científica! Achei um mapa das estradas e dobrei-o cuidadosamente, segundo as duas diagonais! O Cento lá estava, era óbvio! Por isso, Porto da Lage não vem no mapa… Não precisa! Vê-se a linha preta da CP, a linha azul da Ribeira e a linha vermelha da estrada TMR-TN. Nessa confluência está PdL! 
Há invejosos que disputam essa honra: Vila de Rei e Chorente! 
Vila de Rei até tem um Marco Geodésico gigante.

 Nós, um modesto “Marco da Paciência”, também geodésico, mas nada temos a ver com o Rei! 
Chorente. Há também um mapa, APÓCRIFO, mandado elaborar pela sua Morgadinha – Mapa de Portugale como ele deberia sere – que, para atingir os seus objectivos, remove a Mouraria (TUDO a Sul do Mondego) e acrescenta o Reino da Galiza, ao Norte. 
Assim Chorente se vai aproximando do Centro…. Invejosos!

A ESFERA SOCIAL ONDE ME INSERI onde compreendi as noções de: 
INTERDEPENDÊNCIA, pois havia um só profissional por cada ofício e todos nós dependíamos uns dos outros; 
ERGONOMIA, o exemplo do Relógio da Estação da CP – mais caro - com 2 faces para servir os utentes, sem risco para eles;
COMUNICAÇÕES, físicas – como se disse acima - ou orais e do uso de MODELOS que construía com Cubos, pedaços de madeira substituindo o Mecano, hoje LEGO! 
Não tínhamos TELEFONES, nem ÁGUA CORRENTE, nem ENERGIA ELÉCTRICA, mas nós concentrávamo-nos no que tínhamos. 

Escrevi “O ABECEDÁRIO DE PORTO DA LAGE” que espelha as 30 actividades únicas da aldeia, donde destaco o trabalho por turnos (da Fábrica do Álcool a partir do Figo, da Guarda Fiscal e da Estação do Cº de Ferro).





foto de guarda-fiscal retirada daqui















ABECEDÁRIO de PORTO DA LAGE (idealizado por miúdo de 5 anos, mas escrito 75 anos depois!):


ÁLCOOL+AGUARDENTE DE FIGO, turnos na Fábrica e material de escritório no dito.
BARBEARIA, O Zé Vasconcelos “Cocó” criava cocós, dava injecções, reparava bicicletas, e tinha luz a Carbureto.

COMPANHIA PORTUGUESA dos CAMINHOS de FERRO – CP, Turnos e o tal relógio ergonómico de 2 faces. 
DOMÉSTICAS, Falo mais à frente na Engrácia, mas há muito mais exemplos: Celeste Pequena, Maria dos Anjos, por ex.
ESCOLA PRIMÁRIA, onde fiz os 4 anos de Instrução Primária, com Professora de eleição: D. Amélia.
FARMÁCIA, hoje não existe; foi “ALFA”, antes “AFRICANA” pois o Sr. Oliveira fez o seu Pé de Meia em Moçambique.
GRÉMIO, Grupo Recreativo, mais tarde Clube, onde havia Teatro, Bailes, Ping Pong, Rádio etc.
HORTAS, Toda a gente tinha a sua, donde tirava as verduras com que se alimentava.
IGREJA, Apenas a 1ª pedra. A 2ª nunca apareceu. Mas o Padre Nicolau – um santo - compensava. ..Muito mais tarde fez-se a Capela nos Vales, com material cedido pelo Tio João Pereira da Mota, o tio João dos Olivais.
JORGE/JÚLIA, exploravam a Padaria, alimentando várias freguesias. Dali a noção de contrapeso! Pais da Mª Augusta e do Artur.
KREMLIM, Alguns exilados em Porto da Lage que preferiam o Norton de Matos ao Carmona. Daí o meu 1º discurso!

LAGARES DE AZEITE, 
Fascinantes: as mós a moer as azeitonas, bem espremidas depois. Havia dois: Tio António Mota e Tio Augusto Rosa.





MÉDICO, Dr. Mota, Consultas das 9 às 12… e das 12 às 9! Correspondente de “O SÉCULO”, diário do João Pereira da Rosa.





NITRATO DO CHILE, A Cª União Fabril,  representada pelo snr. Carlos Nunes -vendia adubos, fazendo lucros com cocó das aves do Chile.









OLEOS FISKE'S & PNEUS INDIA, do João Peixoto. Só 2 vezes na minha vida encontrei referências a tais marcas!
PASSAGENS DE NÍVEL, 3, tipo lição de geometria fazendo ângulos: 1 agudo, 1 obtuso e 1 recto.
QUIXOTESCO, O Marco da Paciência que era impaciente, mudando de lugar consoante a largura da camionete da Serração…
RIBEIRA DE BEZELGA, Dantes atravessada a vau o que se chamava Porto, e tinha uma estalagem, daí PORTO ESTALAGEM … Porto da Lage com “G.”


SERRAÇÃO DE MADEIRAS, cheia de cascas de pinheiros, (barcos) e os peças de madeira (cubos e paralelipipedos).


SERRALHARIA, O serralheiro Carlos Sousa fixava aros de ferro nas rodas de madeira, aquecendo-os!
TELEFONES, 3, privados: A CP, uso interno; Fábrica do Álcool, uso interno e o Secreto, do vinho a martelo.
UTÓPICO, A água canalisada que só chegou em 1950. A fonte é o ex-libris do Portodalage.blogspot da Prima M.F.M.
VELOCÍPEDE, 2 irmãos ciclistas (Seixos) tinham oficina de reparações e vendas. O Zé Cocó era rival.
WHISKY, A preferência local era pelas equivalentes: a aguardente: de alambique ou a abafada (Jeropiga), fortíssimas. O álcool etílico era desnaturado!
XAROPE, O Dr. Lopes (Farmácia) tinha 2 produtos “sui generis”: o Hemon Bê (tosse) o Fosfoglucer (memória.
YYY = INCÓGNITAS, A “Velha do Chá” e o “Pobre Alegre” faziam 1 lindo par mas evitavam-se!
ZINCO, O Latoeiro e Pastor Adventista João Pena, foi o 1º a descansar ao Sábado e ao Domingo! Também fazia graxa.

Aprendi a noção de contrapeso duma maneira drástica: O Sr Jorge amassava o Pão, mas nem sempre conseguia o pão de 1 quilograma, o tabelado! Assim a D. Júlia, tinha um pão extra, donde cortava a fatia para contrapesar. Eu – dedicado – oferecia-me sempre para ir buscar o Pão. Era tempo do racionamento!
Um dia, vinha encantado a saborear o contrapeso, quando o meu inimigo “Cão do Talho”, se atirou a mim, cobiçando o pão. A minha empregada Engrácia, não achou graça à brincadeira e com um pedaço de tijolo, afastou a fera. Daí a minha afeição pela cor de tijolo… Por gratidão decidi seguir Engenharia, cujas insígnias académicas são as fitas cor de tijolo!
O problema não acabou ali. Ao fugir do cão, fui atropelado por um carro de bois que seguia - em flagrante excesso de velocidade -na Estrada Principal, hoje Rua Dr. Henrique Pereira da Mota.



Assisti a um enterro de pessoa corpulenta. Todos diziam: “Ali vai uma grande Alma!” Será que Alma e Nadegueiro são sinónimos? Na catequese não fui esclarecido…

ANO SABÁTICO, EM COIMBRA Os jovens de agora, gostam de ter um ano sabático a separar o Curso Liceal, do Curso Universitário. Para amadurecer? Tal não é original, pois eu tirei um ano sabático, em Coimbra - entre os 5 anos de observação do meio ambiente, com tempo de sobra para ver os “ninhos” - e a Escola Oficial. Fui fazer companhia aos meus Avós maternos, que por sua vez, acompanhavam o Estudante de Direito e meu Tio, António João. .. No seu 1º ano a sós, vindo do Colégio Nun´Álvares, vulgo Colégio das Caldinhas, Santo Tirso, não atinou com o caminho para a Universidade…
Quando cheguei, o Tio já sabia os caminhos e levou-me a ver a UNIVERSIDADE de Coimbra (Enorme), a Sede da Associação Académica de Coimbra (para quê mesas com panos verdes?), o campo de Santa Cruz, quando a Briosa Académica (AAC) defrontou o Sporting Clube de Portugal, com os 5 Violinos, e por fim, levou-me de “CHORA” (Eléctrico) a ver o Portugal dos Pequeninos, que me encheu as medidas, em especial a universidade!
(De lá veio o Mapa, mostrando a epopeia marítima dos navegadores portugueses. Eu sonhei emular os navegadores, mas tal não aconteceu… Descendentes meus – em meu nome - já cobriram Angola, Espanha (Par de netos), França, Escócia, Inglaterra (1 neto), Holanda, Omã (2 netos), Brasil (1 neta), Dinamarca, Estados Unidos (1 neta), etc.
De Coimbra, importei o jogo de mesa: Futebol de Botões, que poucos conhecem, aparte dos PortoLagenses e do Ançanense Zé Veloso, que também o aprendeu! A vantagem era nossa pois tínhamos uma fonte inesgotável de matéria prima: os “Trapos”, onde a roupa velha - destinada a fazer pasta de papel - era espoliada de todo o corpo estranho, mormente botões!

Nasci no ano do triunfo da Académica sobre o Benfica, nas Salésias para a 1ª Taça de Portugal.

ESCOLA PRIMÁRIA DE PORTO DA LAGE 1945-49 Sou o #2 dum conjunto de 9 crianças – 7 rapazes e 2 meninas. 6 dos 7 rapazes – um morreu cedo - foram alunos da Professora D. Amélia Silva Santos, que nos aturou durante cerca de 20 anos (1943/63). Sendo o 2º, tive a tarefa facilitada: bastava seguir as pisadas do mais velho. Ali aprendemos as primeiras letras e os números.
Minto! O Henrique, aprendeu as letras, ao colo do Pai, lendo os cabeçalhos do jornal “O Século”, dando-lhe nomes mais apropriados: “T”= martelo, “O” = roda, o “C”= roda partida… Até escreveu o que poucos conseguiram ler correctamente: HVTA (A gaveta!).
O meu irmão mais novo, o Luís Manuel, preferia os números, fossem eles árabes ou romanos. Desde tenra idade, se sentava no seu poleiro preferido, ardósia sobre a mesa, molhava a ponta do lápis de pedra com saliva, punha a língua de fora e esperava o desafio… “Escreve o 3” e ele olhava para o horizonte, para se inspirar e gatafunhava o “3” e desenhava o “III” e assim por diante… Até que, convencidos que ele dominava a técnica, lhe pedimos o “13”. Debalde,,, É que o nosso relógio de sala, convenientemente colocado na linha de horizonte, só tinha no mostrador os números de “1” a “12” tanto em algarismos como em números romanos!
# Também reforcei o meu entendimento da noção de contrapeso, só que aqui não davam côdeas mas sim “bolos” da menina dos 5 olhos!
Fiz o exame da 4ª classe da Instrução Primária, em Tomar e antes do exame de Admissão ao Liceu, no Liceu Nacional de Santarém, recebi o prémio raro, que também tinha sido dado ao Henrique: Aulas de Condução, dadas pelo Pai! “Vai à Mamã e pede uma almofada…”
Naquele tempo, em que não havia motor de arranque, deixar o motor ir abaixo implicava usar a manivela. Isso exigia um certo cabedal! Felizmente o Austin MN-36-95 era fácil! Para dosear o ar, puxava-se um botão que se mantinha na posição correcta entalando uma caixa de fósforos… O uso prolongado revertia nos “Malefícios do Tabaco”, doença de que o meu Pai só curou aos quarenta e tal anos!»
                                                                                  Augusto Carmona da Mota
                                                              ( Extracto do discurso do seu 80º aniversário, 03.03.2019)
   

22 de maio de 2016

O Paço da Comenda


A Ordem de Cristo, enquanto herdeira da Ordem dos Templários, acolheu os bens que haviam pertencido a esta Ordem e que tinham tido origem nas doações dos monarcas como contrapartida , à semelhança do que acontecia com as outras ordens militares, do apoio dado no combate aos Sarracenos. O território doado, que incluía castelos, vilas, lugares, igrejas, etc, consistia num domínio senhorial no qual a Ordem, além de usufruir dos rendimentos, exercia direitos jurisdicionais e eclesiásticos.
Os bens afectos à Ordem estavam divididos entre aqueles que eram reservados ao Mestre ( da Mesa Mestral) e às Comendas.
As Comendas eram um espaço territorial organizado como um senhorio, nas quais o Comendador, um freire cavaleiro nomeado pelo Mestre, exercia a autoridade senhorial em nome daquele e usufruía dos seus bens e rendimentos. A comenda era entregue a título vitalício e de recompensa por bons serviços prestados. O Comendador não deveria acumular mais do que uma comenda, deveria fazer, mal tomasse posse, um inventário da sua comenda (tombo da Comenda) e residir na comenda, isto é, ter lá os seus “aposentos”.
O número de comendas da Ordem de Cristo variou ao longo do tempo, sabendo-se que em 1326 eram trinta e seis e cerca de 1510 já seriam cinquenta e nove, o que terá a ver com o aumento dos rendimentos da Ordem que beneficiava então dos dízimos das ilhas dos Açores e Madeira, da vintena do comércio da Guiné e Índia (ouro, escravos e outras mercadorias) e de muitos outros rendimentos provenientes da expansão ultramarina.

Do livro "Definições e estatutos dos Cavaleiros e freires da Ordem de
N.S. Jesus Cristo, com história da origem e principio dela"
impresso
em Lisboa por Pedro Craesbeeck em 1628,  

Mas nas Comendas antigas e situadas no território europeu o valor fundamental das rendas provinha das propriedades agrícolas nelas existentes, exploradas directamente pelo Comendador ou aforadas, e que asseguravam rendimentos em numerário, bens, géneros alimentares e outros serviços.
A Comenda da Beselga, da qual temos notícia já em 1326, suspeitando-se que já existiria no tempo da Ordem dos Templários, teve como comendadores conhecidos: em 1426 Frei João Afonso, em 1439 Frei Diogo Afonso, em 1475 Frei Rui Velho, em 1504 outro Frei Rui Velho, em 1560 Frei António de Saldanha, em 1607 dom Frei Francisco de Almeirim e em 1619 parece ter acabado a nomeação de comendadores freires pois a Comenda da Beselga é doada ao Conde de Soure.

No registo efectuado pelo escrivão da visitação Rodrigo Ribeiro em 17 de Outubro de 1504 a Comenda da Beselga tinha o seguinte património pelo qual recebia as seguintes rendas e foros (quadro retirado de “A ordem de Cristo (1417-1521)" pags. 196,197 ):






O território em que se situa actualmente Porto da Lage, pelo menos o localizado  nas margens da ribeira,  pertencia à Comenda da Beselga. Comenda limítrofe era a do Paul e Cem Soldos que deverá ter surgido mais tarde atendendo a que ainda não é nomeada em 1326.
Casal ou Quinta da Belida pagava foro à Comenda da Beselga pois em 1658 o licenciado Diogo Alvares de Sousa confirma o aforamento que tinha sido celebrado com o seu avô Jorge Fernandes, por três vidas. Em 1761, o seu bisneto Manuel Pereira de Sousa volta a confirmar o foral. Com o liberalismo, uma vez que a Ordem de Cristo foi "nacionalizada", o foro terá continuado a ser pago, neste caso à Fazenda Pública, terá cessado ou sido comprado?
A tradição popular atribui como sede da Comenda, o local onde o Comendador teria os seus aposentos, o seu Paço portanto, a aldeia que se designa, muito apropriadamente,  de Paço da Comenda. Será? Não encontrei nada que o confirmasse, também nada que dissesse o contrário. Fiquemos-nos pois por o que o povo diz, enquanto não aparece uma douta colaboração que nos esclareça.
A tradição indica também a casa onde terá residido o Comendador ou na qual, pelo menos, eram entregues e recolhidos os bens entregues pelos foreiros àquele. Casa essa em que a alegada "traça medieval" terá existido até há tempo suficiente para ainda haver gente com memória da mesma.
Outra "fonte histórica" associada à comenda, que foi removida do Paço da Comenda há pouco mais de quarenta anos com pesar por parte dos seus habitantes, alguns dos quais ainda hoje lamentam esta perda, é a "pia " que se encontra no adro da capela de S.João em Porto da Lage, mais propriamente nos Vales de Cima. Acredita-se que seria uma tulha em pedra onde se guardavam os cereais. Naturalmente não tenho resposta para isto mas, a ser assim, não será um bem público ou com interesse público  e  não deveria, pelo menos, ser registada em e por quem de direito? Convirá estudá-la ou será coisa tão banal que não valerá a pena? A ser assim, repito-me, porque não voltar ao local onde a memória e o coração ainda a mantêm? (M.F.M.)



Reprodução da "Casa do Comendador" num painel de azulejos existente na sede da Associação 
de Cultura, Desporto e Solidariedade  Social de Paço da Comenda, elaborada a partir de um 
desenho de Augusto Bento da Silva.



A "Casa do Comendador" com o aspecto actual. Fica
 situada no "Canto do Rouxinol."


                                             



O Comendador é lembrado na rua ao lado.

A "pia" da Comenda no adro da capela, nos Vales.


                                          


Bibliografia consultada: Silva, Isabel L. Morgado de Sousa e, A ordem de Cristo (1417-1521), revista Militarium Ordinum Analecta, publicação anual do Seminário Internacional de Ordens Militares, Instituto de Documentação Histórica, Faculdade de Letras da Universidade do Porto