Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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28 de maio de 2012

Casamento em Porto da Lage e outras cenas

                                           


Por volta de 1780, Raimundo José de Sousa Henriques, desembargador, proprietário em Porto da Lage, indo já pelos seus cinquenta anos,casa com a jovem Anna Theresa Dorotheia de Sequeira e Silva natural da vila de Paialvo. O casal terá uma dúzia de filhos, pouco mais ou menos, durante os vinte anos do casamento que terminará com a morte do cônjuge no inicio do sec.XIX. Ela ainda permanecerá nesta vida até depois de 1830.
Da felicidade da dupla nada se sabe, pelo menos a autora destas linhas não sabe, mas como tem essa liberdade imagina que se terão aturado na saúde e na doença, na alegria e na tristeza e na riqueza (a pobreza prevista no latinório não se aplicaria neste caso),no sossego e na Graça de Deus, ela mais do que ele, naturalmente. Naturalmente, porque é da natureza das mulheres a propensão para "aturar" e, no caso de marido velho e daquele tempo, devia mesmo de ter que se "aturar muito", a gota, o catarro, a surdez, a capacidade para fazer filhos anualmente e a incapacidade de compreender os trabalhos acrescidos pelo facto, tudo acrescentado com a embirrice, a caturrice da rotina, a prisão a hábitos velhos e as correntes de ar, ah pois, importantíssimo, as correntes de ar! A pobre devia estar tão farta de janelas rachadas, portas empenadas, tectos gotejantes e de andar sempre enrolada em mantas que ainda o defunto não tinha arrefecido já ela tinha mudado de casa. Sim, que não há como um homem para se agarrar a quatro paredes nem que estas ameacem desabar há quatro gerações, só para não ter que fazer mudanças! Mas enfim, o saldo acabou por ser positivo. Ela teve, pelo menos, o último terço da sua vida para recuperar!

Mas, não foi este o único  casamento exemplar que vos trouxe, outros o foram senão tão felizes, pelo menos mais, muito mais, emotivos. Quiçá, mesmo capazes das mais extremas paixões.

É o caso daquele, está bem, é estrangeiro, mas cá também os terá havido (não desesperemos com a nostalgia do "lá fora" que neste aspecto não ficamos a dever nada a povo nenhum), daquele, dizia, retratado pelo pintor e gravador inglês William Hogarth (1697-1764).

William Hogarth que se celebrizou (postumamente) por fazer das suas pinturas uma crítica social à sua época, satiriza em vários quadros um casamento por interesse celebrado na upper class britânica.

        Le Marriage à la mode.

Em 1743 o pintor fez seis quadros,  cujo conjunto intitulou  Le Marriage à la mode  (anos depois passado a gravura), que retratam a tragédia (o drama, o horror, acrescentaria um conhecido comentador dos nossos dias se isto se passasse em vídeo) de um casamento combinado entre os pais dos noivos. A sequência dos quadros conta-nos a história da vida de um casal da alta sociedade, desde o dia em que foi efectuado o contrato de casamento até à sua revogação, no caso, pela morte de ambos. Pelo meio é-nos revelada a vida depravada dos noivos, que quando não se ignoram ou agridem, se divertem com os respectivos amantes. 


1- No primeiro quadro o Conde de Squanderfield, aristocrata arruinado, e um  comerciante abastado, pai de uma bela e casadoira menina, combinam o casamento dos dois filhos. De reparar que estes, já aqui, se encontram de costas voltadas um para o outro, enquanto ela é confortada pelo advogado, o qual responde pelo sugestivo nome de Silvertongue e virá a  desempenhar papel principal no desenrolar, e no finalizar, de toda a novela.
Ajuste de casamento

2- Dias depois do casamento, realça o entusiasmo conjugal e a arrumação do lar, no segundo quadro.


Poucos dias depois



3- A relação entre os dois é de tal qualidade, que o visconde, a dada altura, acompanhado de uma jovem prostituta, procura a cura para a sífilis junto de um pseudo-médico que lhe prescreve as pílulas que tem na mão.



A visita ao charlatão

4- O velho conde morre, o título passa para o jovem casal, que vive como compete à sua estirpe e é moda ao tempo. Logo ao acordar a condessa recebe visitas corteses nos seus aposentos, entre elas o que se adivinha seu amante, o tal advogado Silvertongue.


Pela manhã

5- À dissoluta vida segue-se o moralizante castigo: O conde encontra a condessa com o tal da "língua de prata", que acaba por o matar e fugir (lá vai ele pela janela fora em belos trajes) enquanto a condessa pede perdão ao marido esvaído em sangue...


Morte do conde

6- ...e se suicida depois.

Suicídio da condessa

E digam lá se, apesar de tudo se passar na fleumática Inglaterra,  isto não pede letra de fado?

[Ai credo, até a criancinha agarrada à mãe, minha rica filha!]

Para quem quiser saber mais, ver este blog e  este

25 de maio de 2012

Antepassados


 Eu, que faço parte daquele grupo de homens e mulheres que, segundo ele “ experimenta o fascínio pelo passado que carrega no seu próprio corpo e pela memória simbólica que também vive”, presto, ao  professor José Mattoso, a minha homenagem e apresento-lhe a minha grande admiração
Apodero-me das suas palavras, porque ainda não encontrei outras que definam melhor o que penso e o que procuro fazer:
«Outrora praticava-se a genealogia principalmente para demonstrar glórias familiares. Fazia parte dos processos de preservação do património simbólico e da defesa do status alcançado. Exaltavam-se os grandes e ocultavam-se as “ovelhas ranhosas”, cantavam-se os feitos gloriosos e escondiam-se as bastardias e opróbios, acentuavam-se os cargos e honrarias e omitiam-se os ofícios subalternos. Ainda há quem, ingenuamente, continue a praticá-la assim. Mas a opinião pública não perdoa. Não acusa a ingenuidade mas o ridículo. Hoje não se pode ocultar nada. Sabe-se que nem a honra nem a vergonha se herdam, e que só o mérito próprio tem algum valor no mercado social. E para quem pensa um pouco e não está obcecado pelo sucesso, depressa descobre que a luta pela vida, mesmo quando reprovada pela sociedade, tem sempre alguma coisa de admirável. Demonstra sempre o mistério do seu indomável recomeço. Demonstra também que, se a transmissão da posse e do poder é ilusória, não o é de todo a transmissão do ser. Devemos sempre alguma coisa aos nossos antepassados. Devemos o que começámos a ser, por muito que seja nosso aquilo que nos tornámos.
Reconstituir a cadeia dos antepassados é, portanto, ao mesmo tempo, fazer o reconhecimento ou tomar consciência da nossa herança genética e cultural, e prestar homenagem àqueles a quem a devemos. É uma forma de reconhecer a vida que os mortos não deixaram nunca de semear à sua maneira. É o modo moderno de venerar os mortos, na esperança de que eles nos tragam a prosperidade, como faziam, com os seus milenários rituais, as sociedades antigas».

In prefácio de “Dos Leais de Sintra a Colares aos da Região Oeste” de Luís Filipe Marques da Gama, edição da Câmara Municipal de Óbidos.












24 de maio de 2012

Manuel da Silva




* "Na sessão de 6 de Março de 1747 foi dada licença a Manuel da Silva, de Porto da Laje, para usar da sua estalagem no forma do seu Regimento, e poder vender cevada a 240 réis o alqueire, e palha a 20 réis a joeira".








As Ordenações Filipinas de 1603, baseadas nas anteriores, Manuelinas, foram mandadas fazer pelo primeiro Filipe mas apenas proclamadas pelo segundo; embora muito alteradas, constituíram a base do direito português até à entrada em vigor dos primeiros códigos liberais do século XIX. Mantiveram-se, porém, muitas das suas disposições no Brasil até ao advento do código Civil naquele país em 1916.
Em 22 de Setembro de 1607, sustentadas naquelas ordenações, foram aprovadas as Posturas Camarárias, pela Câmara de Tomar, Nobreza, Homens de Governança e «Os doze dos Misteres» que fixam as normas juridicas aplicadas em Tomar e seu termo, isto é, a agora cidade mais sensivelmente as freguesias rurais actuais do concelho de Tomar. O livro das Posturas foi destruído pelos franceses em 1810 e depois refeito, conforme certifica, no final da cópia que redige, o escrivão da Câmara João E. de Almeida Xavier em 10 de Novembro de 1811«e dou de tudo fé de ter lido o referido naquele livro, e achar na fuga do inimigo a falta dele e de outros da Câmara; e para que conste para o futuro passei o presente que assino.»
Tomar no sec.XVII
As Ordenações aplicam-se a um tempo em que a vida de cada um era  regulamentada até ao ínfimo pormenor. Deus seja louvado, parecia que tudo estava previsto e nada era deixado ao acaso. Não era esquecido mandar cortar uma asa aos perus "por se ter experiência que voam e comem a fruta das árvores", de proibir a lavagem de tripas no rio da Vila do Açude para cima ou da Levada, sob pena de pagar cem réis, de não se permitir que ninguém" dê ou alugue jogo de bola" ao domingo ou dia santo antes de se dizerem as missas em todas as igrejas e conventos, etc.

Jean-Baptiste Chardin , O jogo de Bilhar, 1725
Fácil seria, ao ler as Posturas, saber como corria a vida de todos os cristãos daquele tempo, quando acordavam, iam dormir e com quem, o que comiam, vestiam, em que ocasiões podiam usar chapéu ou manto,"e de modo nenhum haverá manto com chapéu, salvo as parteiras que andarem de mula" quando saiam à rua, com quem e quando conversavam as mulheres e com que intensidade "toda a mulher que for achada a descompor outra pagará 500 reis", quanto custavam os géneros e quem exactamente vendia o quê, que não havia lá grandes superfícies com tudo ao molho, não senhor, todos tinham a sua função e cada função os seus usos, mais regras e juízes. Tudo estava parametrizada a régua e esquadro.

                                                 Fragonard, As lavadeiras, 1777-1779

E digo seria pois não me esqueço que falo dos nossos antepassados, aqueles onde corria o sangue que ainda nos trespassa as veias, e duvido. Duvido porque acredito na ciência, considero que não descendemos das tristes ervas e que não é por acaso que somos como somos no presente.  Há que respeitar as determinações da genética e assim considerar os nossos antepassados nossos iguais. Onde se vê agora um português não procurar um interstício da lei para dela fugir? Quem tem leis mais bem feitas, precursoras, e, agora, fracturantes, do que os actuais tugas, que só servem para decorar os bonitos códigos? Tenho para mim que teria sido sempre assim desde que D.Diniz teve a inédita ideia de promover uma língua nativa, um crioulo do latim, falado por autóctones mais arabisados do que romanizados, como língua oficial. Em poucas palavras: custa-me a acreditar que toda aquela "normalogia" fosse cumprida.

                                               Johannes Vermeer, A Leiteira, 1658-1660
                                                        


                                            Diego Velasquez, As Tecedeiras, 1657



                                                Quiringh van Brekelenk, O Alfaiate, 1663


                                                 Nicolas Maes, A Guarda-Livros, 1656 


                                                Jan Steen (1626-1679), O médico e a paciente, data  desconhecida. 



                                                     Francisco Goya (1746 - 1828),  A Forja, data desconhecida.

Mas voltando aquilo a que hoje chamamos profissões, todas eram normalisadissimas (de norma), desde a autorização pelo rei para cada um "exercer o mister", o que passava muitas vezes pela feitura de exames (caso dos meio-cirurgião - podiam curar de cirurgião nos casos de feridas e simples chagas, dos barbeiros sangradores e parteiras examinados por dois cirurgiões que os deveriam considerar aprovados, nestes termos - o Dr cirurgião mor destes reinos deu licença a Sebastião António da Mota, filho de Francisco Antunes do termo de Tomar, para poder sangrar, sarrafar, deitar ventosas e sanguessugas e arrancar dentes, em todo o tempo e lugares do reino, porquanto foi examinado e ficou aprovado), até à licença camarária para ter ofício e até para deixar de o ter, pois mesmo para se desistir de trabalhar era necessária ordem superior!
   
Jean Baptiste Greuze,  Ovos Partidos, 1756
                                       
Também os estalajadeiros, incluídos nas classes mecânicas, tinham um regulamento e elegiam entre os seus,  um juiz dos ofícios.
Eis algumas normas a que estavam obrigados:
-Pessoa alguma não será vendedeiro nem estalajadeiro sem fiança da Câmara, sob pena de 1$000 reis e venderão todas as coisas necessárias à estalagem; e terão camas e estarão sempre providos de tudo, sob a dita pena.,
- Quem tiver vinho para vender e tirar o ramo e denegar a venda dele a qualquer pessoa da Vila ou de fora dela, pagará 200 reis, e esta Postura se entenderá com os vendeiros e taberneiros;
- E se for vendeiro ou estalajadeiro ou taberneiro, será privado do dito mister, além da pena;
- Os estalajadeiros que tiverem agasalho para cavalgaduras terão boas manjedoiras e bem vedadas, com suas argolas, e não haverá nelas rotura nem quebradura; nas ditas estrebarias não terão animal solto seu nem alheio e as manjedoiras que não tiverem bem vedadas como dito é, por cada vez que lhe forem achadas mal reparadas, pagarão 200 reis; e não tendo aonde se possam prender as cavalgaduras, 100 réis, e achando-se besta solta ou outro animal pagará o vendeiro 500 reis, posto que a besta não seja sua,
- e os almotacés e rendeiros os visitarão, e se alguma pessoa denegar a vista, pagará 1$000 reis, constando que foi malícia; a metade para o Concelho e a outra metade para o acusador.
- terão o vinho e cevada na casa dianteira com as medidas dela e tudo medirão perante os compradores e na mesma casa medirão na dita forma a palha, sob pena de 500 reis.

Seriam estas, entre outras, as normas a que esteve sujeito Manuel da Silva?  Será que as cumpria e faria cumprir?
 Seria muito visitado pelos almotacés e seriam estes «asae's» de l'ancien regime íntegros ou corrompíveis/corruptores?


     


                                             
       



Theobald Michau, A caminho da Feira, c.1745



Fontes:Posturas Camarárias :Livro dos Acórdãos Camarários, in A.M.T 1581-1700, pags-49 a 102.

* Manuel da Silva : Anais do Município de Tomar (A.M.T.), 1700-1770, pag. 117  

Figuras 12 e 13: Jean Baptiste Chardin: Mulher Descascando Legumes e Mulher pondo água numa vazilha, 1737

20 de maio de 2012

Ridicularias

Hieronymus Bosch -A nave dos Loucos


                                                      Ó mar alto, ó mar alto,

                                                      Ó mar alto sem ter fundo!

                                                      Mais vale andar no mar alto

                                                      Que andar nas bocas do mundo!


                                                       Está d’anil o céu sereno,
                                                        Vai ao campo, colhe flores;

                                                        Não m’importa o céu sereno,

                                                        Que o céu muda as suas cores

                                                    (quadras populares)


                                                 "Coitado de quem as ouve, que quem as diz desabafa"
                                                      (ditado preferido de J.A.P.M- meu pai)




Este blog tem uma pessoa por trás, responsável por colocar o que por aqui aparece! Surpresos? Pois tem!  É assunto que interessa pouco,  quase nada, o quase fica por conta de ridicularias.
Como aquela  ironia, que se julga fina, e que se lança pretendendo sobressaltar consciências e reivindicar éticas. Toda a calúnia é repugnante, quando é insinuada acresce  cobardia, pois não permite resposta directa. O ridiculo do pretexto, reflecte necessidade de afirmação. Merece respeito?  Não! Lamento.

19 de maio de 2012

Outros rendimentos



O exercicio da medicina não seria muito lucrativo, para já não falar da investigação histórica ....



Publicado no semanario «A Verdade», 1-º Jornal de Tomar, em 2 de Janeiro de 1898

17 de maio de 2012

Dia da espiga






                                        Levantei-me de madrugada
                                        Para varrer meu balcão
                                        Apareceu-me Nossa Senhora
                                        Com o cordão d’oiro na mão

                                        Pedi-lhe uma folhinha
                                        Ela me disse que não
                                        Eu lha tornei a pedir
                                        Ela me deu seu cordão

                                        As pontas que cresciam
                                        Chegavam até ao chão
                                        Nossa Senhora mo deu
                                        Em Quinta-Feira de Ascensão

                                            (Oração Popular de Quinta-Feira da Ascensão)


Compensações



Hoje, quinta-feira da Ascensão é dia feriado (municipal) por quase todo o Ribatejo e Litoral Oeste, a velha região saloia. Os locais, abandonando tradições, rumam à capital tratar de assuntos aproveitando aqui ser dia útil, juntando mais trânsito ao já caótico proveniente da greve do metro.

Em cada esquina da velha Lisboa, coloridos alguidares e baldes de plástico, transbordantes de malmequeres e encarnadas papoilas, atraem multidões que correm a “comprar a espiga” por dois e três euros, ao som de “é para dar dinheiro e sorte” e transportam-na todo o dia, nos escritórios e nas lojas, para, chegados a casa, a colocarem na cozinha, “de cabeça para baixo” a substituir a já seca, do ano anterior.







16 de maio de 2012

Paixões Funestas em Porto da Lage

Casa onde morava Maria da Purificação, com a mãe e o irmão Francisco
                                                                                                    


- Amanhã vais à missa?
- Vou, porquê? – respondeu Maria da Purificação a  Francisco, estranhando a pergunta. Há dias já que não se falavam, desde que ela terminara o namoro.
- Por nada!

Foi a última vez nesta vida que cruzaram palavras aquelas duas almas. Tinham-se entendido, trocado promessas e feito projectos. Tudo até que o irmão dela se inteirara, dissera à mãe e os dois tinham acabado com o sonho dos namorados. Ele não estava à altura da soberba da mãe nem da ambição do irmão, disseram as gentes depois da tragédia, um pobre funileiro, estabelecido na pequena loja arrendada à família dela. A herança que herdara do pai não era para ser repartida com um pobre diabo, antes para ser acrescentada com os bens de alguém, pelo menos, igual a ela.

No dia seguinte, domingo, pela manhã, Francisco Silva esperava, na estrada à saída do Paço, para consumar o que tinha andado a congeminar desde a hora fatídica em que ela o procurara “não vale a pena, a mãe e o Francisco são contra, não posso ser ingrata e fazer a infelicidade de quem tem vivido só para nós, os filhos”. Não a conseguira demover, a vontade da mãe ou, cria agora, o pouco poder do amor, que ele imaginara um dia igualar a força do seu, tinham desfeito a mais linda quimera que alguma vez nascera no seu coração triste e na sua vida solitária. Ela fora implacável, não quisera saber da sua dor, embora pugnasse também sofrer, e cortara cerce todo o alento que ele ainda suplicara.

A dureza dela e o malogro de tantas ilusões perdidas tinham feito nascer naquele dia o funesto propósito que concretizava agora. Lá vinham todos, observava ele de onde se encontrava, ela acompanhada da família, corja de gente arrogante, vinham da missa em S.Silvestre. Aproximavam-se, parecia contente ela, destacava-se dos outros, sorriu-se quando o viu. Agora! Viu-a cair, surpresa, o peito empapado em sangue. Chegavam duas vidas ao fim, pensou quando se sentiu manietado. No final o mesmo destino! Como ambos tinham planeado em dias felizes.

E  assim Maria da Purificação, nascida em Porto da Lage em 11 de Junho de 1902, perdeu a vida com um tiro de espingarda, às onze horas do dia 5 de Dezembro de 1926. Era filha de Ana de Jesus Sousa Rosa e de Manuel Escudeiro. No dia seguinte, o primo António Motta vai a Tomar fazer a competente declaração ao registo civil para que possa ser sepultada no cemitério de Cem Soldos. No assento de óbito é dada como Purificação de Jesus Rosa, a causa da morte está em branco.

Consta que, no velório, a mãe chorosa murmurava - antes assim.

Francisco Silva fora imediatamente agarrado pelos homens presentes e preso na loja da casa de Manuel Augusto Motta, em Porto da Lage, aguardando a vinda das autoridades. Depois de julgado foi condenado a degredo em Africa.(MFM*)


A capa do semanário "O Domingo Ilustrado" do domingo  seguinte 12 de Dezembro,
reproduz fantasiosamente o crime, com a seguinte legenda Em Tomar, um tresloucado, Francisco
Silva assassina sem mais nem mais, à saída da missa, a sua ex-namorada, Maria da Purificação.
Tragédia passional  intensa, apaixonou a opinião pública, pela sem razão do crime
que arrebatou uma mulher honesta, na plena força da vida.



     No local em que caiu o corpo de Maria da Purificação, erigiu a população uma cruz de ferro sobre uma base de pedra. Já só resta a base.

                                          Casa em cujo r/c esteve preso Francisco Silva,  antes de ser
                                                       levado pelas autoridades.






*- À memória da minha avó Maria José, testemunha presencial dos acontecimentos, que condenava, sem conseguir esconder a simpatia que lhe inspirara o “pobre infeliz”, que fora visitar e ouvir depois da tragédia, o qual considerava "vítima de paixões funestas e das tentações do inimigo". Livrai-nos Senhor de ambas, Amen.
*-Com os meus agradecimentos à Dulcinda Teixeira, que me recontou a história e “escarafunchou” testemunhas para conseguir arranjar datas aproximadas (1927), e também ao Registo Civil de Tomar que depois de muitas tentativas próprias, goradas, permitiu que eu procurasse directamente a data do óbito.





14 de maio de 2012

Outra vez a Estrada de Paialvo

                                                        Manifestação nos Restauradores de repúdio pelo Ultimatum inglês.
                                                         Revista “O Occidente”, nº 399 de 21 de Janeiro de 1890

1894-na sessão de 12 de Julho da Câmara de Tomar, deliberou-se pedir ao director das obras públicas do distrito para mandar continuar a reconstrução do pavimento da estrada real que liga esta cidade com a estação de caminhos de ferro de Paialvo.

                                       
                                           Boers no porto de Lourenço Marques a aguardar barco para a Europa, 1902

1902- na sessão de 27 de Fevereiro a Câmara pediu ao Governo a reparação da estrada de Tomar a Paialvo «que se acha em tal estado de derioração que se torna por ela quase impossível transitar».


                                        Entre 1900 e 1903 perto de 300.000 portugueses emigraram sobretudo para a 
                                        Brasil. Segundo o censo populacional 1901 Portugal tinha cerca de 5,5 milhões
                                        de habitantes.

1903- estrada de Tomar a Paialvo- A Câmara solicitou do Governo de Sua Majestade a reparação desta estrada pois se encontra intransitável.

                                                 

                                   

                                                             Desfile 1.º Maio 1903, Lisboa.
1904- 4 de Agosto- estrada de Tomar a Paialvo- a Câmara pediu para que esta estrada seja totalmente reparada, a qual se acha toda em péssimo estado.

1914- 15 de Fevereiro – a direcção das obras públicas do distrito de Santarém oficiou neste dia dizendo que está autorizado a reparar o troço da estrada nacional n.º15 Paialvo-Tomar, devendo esse serviço começar logo que o tempo permita.

1914 – 22 de Fevereiro- O presidente da comissão executiva da Câmara informa ter sido procurado pelo Director da companhia de viação Tomarense e pelo administrador da Fábrica de Fiação, os quais lhe falaram no deplorável estado em que se encontram as estradas que ligam esta cidade ás estações de caminho de ferro de Paialvo e de Chão de Maçãs, e ainda ter recebido da associação comercial e industrial um ofício tratando do mesmo assunto, que foi lido. A comissão atendendo a que se não forem feitas imediatas reparações nestas estradas o Concelho ficará em breves dias completamente isolado do resto do país por falta de comunicações, resolveu ir na sua maioria a Lisboa tratar com o Ministério do Fomento de tão importante assunto …..




1914- 16 de Abril – o vereador Duarte Faustino alvitrou a reparação da estrada de Paialvo, visto encontrar-se intransitável.


                           
                                       Assassinato do Arquiduque Francisco Fernando da Áustria,
                                           Sarajevo, 28.6.1914


Nov.1914,Capa da Ilustração Portuguesa n.º450 ,
Partida do Batalhão de Marinha Expedicionario
 para Angola


O Vagabundo, Charlie Chaplin, 1915
1915-18 de Janeiro- os directores da Companhia Papel do Prado oficiaram tratando do desgraçadíssimo estado em que se encontra a estrada de Paialvo, pedindo para que se pondere ao Governo a absoluta necessidade de fazer desde já algumas reparações mais urgentes, embora provisórias. E de providenciar para que a reparação definitiva se comece o mais tardar dentro de 2 meses.Foi resolvido comunicar-lhes que esta câmara, mais de uma vez, no ano findo, pediu ao director das obras publicas do distrito de Santarém a reparação da estrada de Paialvo, e que em sessão plenária da Câmara Municipal deste concelho foi deliberado solicitar do Ministério do Fomento que a referida reparação se fizesse com a maior urgência.
 1915- a 1 de Março realizou-se em Lisboa uma conferencia com o ministro do Fomento, a qual assistiram o presidente e vereadores, um delegado da Associação Comercial e Industrial, os directores da Companhia Papel do Prado e Companhia de Tecidos de Tomar, acerca das reparações de que carecem as estradas de Paialvo e de Chão de Maçãs. O ministro disse que ia dar ordens para que na estrada de Chão de Maçãs fossem feitas imediatamente as reparações necessárias, para se assegurar por ela o trânsito enquanto não fosse devidamente reparada a de Paialvo.
Mais tarde a Câmara recebe um telegrama em que se informa da transferência de verbas para aquele arranjo.




                     A  Formiga Branca desfilando, após a revolta de
14 de Maio de 1915
1915- 8 de Abril- o vereador Lopes Quintas,
acerca da estrada que liga esta cidade com a
 estação de caminho de ferro de Paialvo, diz 
constar-lhe que só há verba para a reparação,
do ponto em diante que ela se acha muito des
truída, até Marco da Légua (Algarvias) e sendo assim pede para que a comissão executiva envide os seus esforços no sentido de a referida estrada ser reparada por completo.





                                                                                                  
1915 – em 12 de Agosto, Manuel Mendes Godinho refere-se à proibição de carros de carga transitarem pela estrada de Paialvo, com fundamento na reparação da mesma, alegando que estando as suas máquinas, que accionam os dínamos produtores de energia eléctrica para funcionamento da Fábrica de Moagem, Moinhos e Fábrica de Luz a ser alimentados pelas lenhas provenientes dum pinhal que comprou na Quinta da Anunciada Velha, cuja serventia é a estrada em questão, com a qual liga no sitio da Azinhaga ou Choupal, será em breve trecho obrigado a cessar a laboração em virtude da falta de combustível que fica impossibilitado de para ali conduzir; que se se vir impossibilitado de fazer modificar a referida determinação, a fim de lhe ser concedido fazer o transporte das referidas lenhas, muito agradeceria, porque a dificuldade e talvez perturbações que possa produzir a falta de farinhas no nosso concelho que quase exclusivamente se abastece da sua Fábrica, e bem assim a deficiência da iluminação que terá de passar a ser de petróleo; que em caso contrário será forçado a declinar as responsabilidades de que tais factos possam advir.Foi resolvido oficiar ao Ministro do Fomento, protestando energicamente contra semelhante ordem.


A.M.T. 1901-1925 fls.37,77, 183, 348, 350, 355, 373, 374, 375, 378, 388

11 de maio de 2012

A espera ...


Casarão personagem de novela camiliana.



Parte I - A Felicidade -Casamentos felizes. Homens  inquietos e encurralados que buscam grandes espaços, aventura e fortuna além-mar. Mulheres apaixonadas, que permanecem, sobrevivem, criam filhos, estrangulam a solidão e esperam...

Parte II- A Expiação - Homens de torna viagem. Casamentos infelizes. Mortes trágicas. Velhos cansados sentados num banco naquela varanda, esperando .... O eterno descanso. O abandono.

Parte III -A Redenção: Filhos ilegítimos compensados,  casa cheia,   crianças que transportam  ritmos  e  cores de terras longínquas e esperam tudo...

Epílogo - O camartelo?;a ressurreição?


9 de maio de 2012

Porto da Lage e o Vereador Faustino


1912 -22 de Abril- por proposta do vogal Faustino, o condutor de trabalhos foi mandado fazer o orçamento para a obra de reparação da ponte pública sobre a Ribeira da Beselga, no lugar de Porto da Lage.

1912- 18 de Novembro - sob proposta do vereador Faustino foi aprovado que reconhecendo a necessidade de se proceder á reparação da ponte sobre a ribeira de Porto da Lage, na freguesia da Madalena, se execute a obra procurando-se primeiro obter dos proprietários limítrofes quaisquer donativos com o fim de nela serem empregados. Declarou ainda que na inspecção que a ela fizera, fora acompanhado pelo empregado Técnico da Camara.

1916- 20 de Novembro- ponte sobre a ribeira de Porto da Lage- o vereador Manuel Mendes Godinho Júnior pediu a sua reconstrução, ao que o vereador Faustino disse que se ia fazer.

Infelizmente não foi possível apurar quem fosse o vereador Faustino. 
Vê-se assim Porto da Lage impossibilitado de colocar aqui alguma biografia que atestaria, estamos certos, a dedicação do ilustre autarca à causa pública. Seria a nossa forma de nos mostrarmos gratos pela sua visita e pela boa vontade demonstrada. É certo que a ponte ainda não teria seria reconstruída por aqueles tempos (só o foi em 1933) mas, mais uma vez, estamos certos, não foi por falta de empenho de Sua Excelência!
Não queremos, porém, deixar de prestar uma homenagem, singela homenagem, àquele edil.
Em sua memória aqui se deixa a beleza de imagens de obras de arte, que têm como tema a razão de ser do seu pelouro. Ei-las ao longo dos tempos e das várias escolas e correntes artísticas

                                          Hans Lautensack, Landscape with a Portrait of Albrecht
                                                        Dürer, 1553



                                             Canaleto, A velha Ponte de Walton, 1754


                                                    Walter Greaves, Ponte de Hammersmith  em dia de corrida
                                                        de barcos, c. 1862
                

                                         Vincent van Gogh, A Ponte de Trinquetaille, 1888



                                           Childe Hassam, Dia de Inverno na Ponte de Brooklin, 1892


Paul Cezanne, Ponte sobre o Marne em Creteil c.1894

Edvard Munch, Quatro raparigas na ponte, 1902

Andre Derain, Ponte de Londres, 1906


                                                 Andre Derain, Charing Cross Bridge, 1906



                                            L.S.Lawry, Canalbridge, principio do sec.XX


Picasso, Paisagem com ponte, 1909
                                   


                                         Martin Lewis, Trabalhadores nas docas de Brooklin, 1916


                                                 Joseph Stella, A ponte de Brooklin, 1917




                                                      Claude Monet, Ponte japonesa, 1922




                                          Frances Hodgkins The weir, 1925



                                            Iackov Chernicov, Fantasias da Arquitectura, 1925-1933



Hiroshi Yoshima, Kameido Bridge, 1927



                                                       Rolf Nesh, Elb Bridge, 1932

   

                                                 Gino Scipione, A ponte dos Anjos, 1935


                                                    Milton Avery, Ponte para o mar, 1937


                                             Andreias Feininger, Ponte de Brooklin, 1940


                                              Dali, O buraco do sonho, 1945



                                          Johann Berthelsen, Brooklyn Bridge with New York skyline



                                                 Anthony Derret Johnson, Berwick Bridges, 2006

                                            Luc Tuymans,  Bridge, 2009



Fonte:A.M.T. 1901-1925
, pags.296, 314, 414