Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

Si hortum in biblioteca habes deerit nihil
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13 de janeiro de 2013

As idades do mar





Retirado de http://www.gulbenkian.pt/object160article_id3787langId1.h 
Sou uma planta de sequeiro, de longínquas planícies douradas que aspiram, sequiosas, por água, para frutificar e  crescer.
Por isso o mar, aquela mole imensa de água inútil, sempre me foi um corpo estranho. Quando o procurei conhecer, e tentei, tirando o prazer físico do mergulho nas suas ondas,  reconheço que não ficámos amigos.
Não me transmite tranquilidade nem acalma, não me faz rir nem sequer companhia e, quando conversamos, só me consegue angustiar.
E no entanto, sendo-me estranho, não me é indiferente pois provoca-me emoções, desagradáveis, mas emoções. Penso que não será indiferente a ninguém.
A exposição que está a acabar na Gulbenkian  mostra-nos, de um modo peculiar, como estes 7/10 do nosso globo terrestre agem sobre a humanidade, sob o olhar de pintores de várias correntes estéticas.
E, mais uma vez, perante a mestria da pintura, nalguns quadros e pintores mais do que noutros, naturalmente, senti a voracidade daquele espaço enigmático que oprime, sufoca e pode levar à vertigem os nossos pobres seres insignificantes. Mas não foi só isso que senti. E fiquei com esperança.
Talvez, um dia, eu consiga sentir, através dos meus próprios olhos, o que vi através dos de outros, a bonança libertadora das águas luminosas do mar.


12 de janeiro de 2013

Por falar em Paciência



Ex.mo sr. Presidente da
Junta de Freguesia da Madalena


 




 


Serve a presente para manifestar junto de V.Exa o gosto de tive em ver V.Exa,  lamentavelmente apenas deste modo, e apresentar-lhe os meus cordiais e muito sinceros cumprimentos.
Não tenho o prazer de conhecer pessoalmente V.Exa , penitencio-me por nem o nome de V.Exa conhecer, bem como, igualmente, desconhecer a obra que V.Exa , estou certa, leva a cabo, com todo o empenho, na edilidade que os eleitores, muito sabiamente, confiaram à superior direcção de V.Exa.

Estará V.Exa estranhando que eu, desconhecendo-o embora, tenha começado por afirmar o gosto que tive em vê-lo. Pois reitero o prazer que senti, não só em ver, mas, mais do que isso, em ouvir V.Exa.

V.Exa, surpreendentemente, declarou, hélas, num arrebatador minuto, em palavras entendíveis, sãs, escorreitas e, inesperadamente portuguesas (o som não lhe fez justiça mas eu percebi), tudo o que era preciso ser dito. V.Exa é extraordinário!

Bem haja V.Exa não só porque diz o necessário mas também pela seriedade patenteada.

Deslumbrou-se Vexa pelo microfone? Não deslumbrou. Imitou o sr. Presidente da Câmara com palavras irrepetíveis por qualquer ser pensante? Não imitou. Tem V.Exa aspirações a maiores voos políticos? Não tem.
Atrevo-me a responder por V.Exa por estar certa de não estar longe do pensamento de V.Exa . Quisesse V.Exa outro futuro e outro comportamento seria o de V.Exa , mestres e exemplos não escasseiam.


Imploro a compreensão de V.Exa para a feição desusada do estilo desta missiva, mas saberá V.Exa que se apossa de mim, em certas ocasiões, um espírito (de contradição), contra o qual luto ingloriamente desde tenra idade, que me obriga sempre, sempre, a correr contra a corrente. No caso presente, a correnteza leviana da moda das palavras,  que me faz preferir a gongorice rebuscada (que sempre dá uso ao dicionário) ao resmungo (não digo rosnar por respeito a V.Exa ) afectado, soluçante, palavroso mas de léxico pobrissimo e repetitivo, muito popular na linguagem de hoje em dia, sobretudo entre  os colegas de V.Exa (refiro-me aos do governo e de outros poderes desta desditosa pátria, não aos da honrada profissão que V.Exa exercerá e que ignoro qual seja).

Patenteio junto de V.Exa a minha gratidão pela benevolência demonstrada por V.Exa, ao dignar-se ler estas pobres linhas nas quais exorbito destacando este meu malfadado feitio no qual O Senhor, na sua infinita misericórdia, permitiu que o inimigo exercesse o seu demoníaco império, pois já minha querida avó, outrora freguesa da distinta autarquia de V.Exa, me augurava que, se um dia eu caísse  à ribeira, haveria de ir  por ela “acima".

Termino reiterando os meus cumprimentos a V.Exa, almejando que  V.Exa consiga todos os sucessos pessoais e políticos, para o último dos quais, com muito pesar, ao contrário do que seria o meu desejo, não poderei contribuir com o meu voto. Porém, fique V.Exa ciente, que não terá consigo, espiritualmente, mais entusiasta eleitora.



Uma admiradora incondicional






 
Fotografia da Radio Hertz
                http://blip.tv/tv_show/tomar-porto-da-lage-já-conta-com-a-farmácia-ideal-6184662


                                                                                              


10 de janeiro de 2013

Marco da Paciência



Marco da Paciência




Em Porto da Lage chamam-lhe Marco da Paciência. Contam os portalegenses que era usado quando "não tinhamos nada que fazer".



Foto
O Marco Quilométrico da Rua Silva Bueno está em processo de tombamento.


Em outras partes, marcos destes são tombados. O de Porto da Lage estará "tombado" um dia, quando, literalmente, cair para o lado, for removido para parte incerta ou mesmo destruído porque marcos há muitos, sua palerma ....


6 de janeiro de 2013

A Tigela de romã


Era uma casa feia, cinzenta, de dois pisos, com uma porta ao meio e duas janelas de cada lado*. Não me lembro como fui lá parar, sei que fui sozinha e que entrei. Da porta da rua para dentro, na porta do lado direito do patamar, era ali, tinham-me ensinado. Terei batido à porta, haveria campainha? Sei que ma abriram, sem surpresas, me mandaram sentar numa cadeira da sala de jantar e ali fiquei, de pernas a bambar, em frente à mesa, a reparar nos dois aparadores de cor castanha reluzente com vidrinhos, donde transpareciam chávenas com passarinhos e copos azulados. A mãe da Clarisse entrou, vinda da porta da esquerda, com uma grande tigela, também com passarinhos, assente nas duas mãos aconchegadas, cheia de uma matéria translúcida encarnada, atravessada por uma colher. Pôs-ma à frente, sobre a mesa. Eu olhava para aquilo e a Clarisse perguntava - não gostas de romã?

Eu não sabia o que era uma romã, nunca tinha ouvido falar em romã, era aquilo uma romã? Gotas de vidro rosadas cobertas de açúcar? Pelos vistos era de comer, peguei na colher cheia daquelas partículas e levei-a à boca.

À hora da minha morte, se comer romã, e hei-de comer se tiver pelo menos um amigo e partir no Outono como espero, a ultima colherada há-de saber-me aquela primeira da minha vida que comi em casa da professora Clarisse. Hei-de sentir as pequenas sementes a desfazerem-se entre a língua e o céu-da-boca enquanto o sumo (o molho, como mentalmente lhe chamei então), me há-de deixar toda lambuzada e cheia de prazer por ter degustado a coisa mais maravilhosa do mundo. Mas aí já saberei o que hei-de fazer às sementes chupadas, e não as empurro, hesitante, de um lado para o outro dentro das bochechas. Pois a Clarisse já não irá estar lá para me dizer - se não quiseres engolir, podes deitar fora. Ai era para engolir? E toda a vida engoli as sementes das romãs. E em Outubro, pela feira, começava a comer romãs até as haver na romãzeira da horta ou alguém as oferecer lá para casa.

Agora compro-as, espanholas, às vezes durante o Outono, mas compro, sempre, sempre, no DIA DE REIS. Parece que garante dinheiro para todo o ano comer romã neste dia. São espanholas, também, estas que garantem o dinheiro.

Aquela primeira, da casa da Clarisse, asseverou-me não o dinheiro, mas o amor para toda a vida da fruta mais saborosa do mundo, a mais bela de todas.

A  Clarisse ou a mãe, uma delas, apontou para cima do aparador onde repousava por cima do naperon de renda, um prato de vidro amarelo com cinco criaturas lindas, bojudas, de coroa, coloridas na sua paleta entre o verde amarelado e o vermelhão, e eu ouvi que tinham sido duas iguais aquelas, cheias de vida antes de serem sacrificadas, que, depois de esventradas, se tinham tornado o objecto da minha gula.

E saímos daquela casa cinzenta, feia, a Clarisse e eu depois da romã comida. Era Outubro e o céu estava pequeno, ouvia-se o toque da passagem de nível fechada, quase ao lado da casa feia, depois a passagem afogueada do comboio enquanto continuávamos a nossa caminhada pelo meio da aldeia.

Os meus sentidos parece que ainda experimentam aquele primeiro dia do primeiro Outono da minha vida: a tarde quente, o embrulho dos cheiros das últimas uvas com o dos figos destilados e dos abrasadores carris de ferro; mas, mais do que tudo, o supremo deleite da primeira romã. (M.F.M)

*Já não existem estas casas, filas cinzentas, de dois pisos, onde se alojavam as famílias dos ferroviários. A REFER demoliu-as para alargar o cais, que se exibe ostensiva e desnecessariamente grande, e um parque de estacionamento. Ficavam à esquerda, na imagem

31 de dezembro de 2012

Havemos de sobreviver a 2013





Maria da Fonte
Natal de um Poeta

Em certo reino, á esquina do planeta,
Onde nasceram meus Avós, meus Paes,                   
Ha quatro lustres, viu a luz um poeta
Que melhor fôra não a ver jamais.

Mal despontava para a vida inquieta,
Logo ao nascer, mataram-lhe os ideaes,
A falsa-fé, n'uma traição abjecta,
Como os bandidos nas estradas reaes!

E, embora eu seja descendente, um ramo
D'essa arvore de Heroes que, entre perigos
E guerras, se esforçaram pelo ideal:

Nada me importas, Paiz! seja meu amo
O Carlos ou o Zé da Th'reza... Amigos,
Que desgraça nascer em Portugal!

António Nobre, in 'Só'



O Poeta era um mentiroso, e, fado de ser português, o país interessava-lhe mais que tudo e interessa-nos sempre a nós, o pior são sempre os Carlos ou o Zé da Th'reza que nos governam, mas havemos de lhes sobreviver, assim como  Havemos de sobreviver a 2013



23 de dezembro de 2012

Coisas de que eu gosto



Machado de Castro, Presépio da Sé de Lisboa
 Nada mais encantador que um presépio. Nada mais inesperado e educativo que perscrutá-lo e encontrar-lhe a luz, a cor, e, sobretudo, os pormenores, os pormenores são a riquesa de um presépio! O anacronismo da realidade (passe o termo) plasmada, que representa a Galileia à luz da época em que o construtor do presépio viveu, é uma delicia. As situações recriadas são extraordinárias.

No presépio da casa dos meus pais, enorme, sempre acrescentado anualmente pela minha mãe com o seu fascínio  pelas populares e coloridas figuras de barro que a levava a comprar sempre mais e mais; pois, no lá de casa, no penhasco mais alto, todo alcatifado de musgo, erguia-se, imponente e inatingível, um granítico castelo medieval em cuja torre tremeluzia, orgulhosa, a bandeira verde e rubra e que era escoltado, muito adequadamente, por um guarda-republicano todo postinho por ordem, de polainas e cinturão largo! Às vezes, nalguns natais, discutia-se  a tristeza e necessidade do pobre estar sozinho, lá no morro (nós tínhamos estas influências africanas), a guardar um castelo que ninguém queria roubar, e achava-se mais útil a sua presença na gruta, perto do menino. E lá ficava ele, respeitador e perfilado, sem nunca mostrar cansaço, entre o 1.º de Dezembro e o dia de reis, um soldado da república portuguesa a adorar e, a defender, com a própria vida se preciso fosse, nunca se sabe, o rei dos reis, nascido há dois mil anos!

O  presépio representado na imagem, acrescenta à ingenuidade dos congéneres populares, mantendo a cor e o absurdo dos personagens, a mão do mestre escultor que o impregna de vida; tudo ali se mexe, fala entre si e fala connosco.
Para mim, em quem o sec.XVIII exerce uma profunda atracção, é uma visita ao maravilhoso meter-me no meio daquela multidão e sentir e viver com eles.

Em época de prendas, esta é uma que dou a mim própria. Espero que partilhem comigo, pelo menos um bocadinho, o prazer desta viagem. Admiremos o  barroco vestido florido da Virgem, os frades capuchinhos ao lado dos pescadores nazarenos de  torsos nus, o entusiasmo do rapazinho que faz a oferta a Jesus e interroguemo-nos sobre se o que o pastor disse à rapariga da criancinha, e que a fez corar, teve alguma coisa a ver com as tropelias do miúdo das cambalhotas. E tudo ao  ao som celestial.da orquestra de anjos que nos forra o céu.









E é na companhia de algo de que gosto muito, como já disse, as gentes e hábitos setecentistas, a sua arte decorativa e músical e a inocência e nostalgia dos presépios, que vos desejo BOAS FESTAS, a todos os que tiveram a gentileza de acompanhar este blog, que me deram a honra de dizer que gostavam e que sentiram a sua falta.
MFM

20 de dezembro de 2012

Feliz Natal


 Natal

Capela de S.Sebastião, Cem Soldos
Ó sino da minha aldeia,                                                        
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.                         

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto

Fernando Pessoa





Este Post é dedicado aos portalagenses, que são poucos e vivem longe,  pois  só se lembra dos caminhos velhos quem tem saudade da terra .

14 de setembro de 2012

As Férias, o Fim e a Fúria








Este blog nasceu faz hoje seis meses, e nasceu com um fim anunciado - o da minha vontade.
Não fora a fúria que nos invade neste fim de Verão e penso que não voltaria aqui tão cedo.

Assim, como não tenho jeito para colar cartazes, menos  para pintar paredes e, ainda menos, qualquer propensão para lançar bombas, fica aqui o meu contributo patriótico de publicitar a minha adesão ao NÃO QUERO MAIS DISTO. Para quem não me conhece, melhor, para quem me conhece, cá vai: nem gosto do cartaz nem me comovo com a mensagem, mas que querem? o rato Mickey esqueceu-se da convocatória e tudo é aceitável (e aproveitável) quando se prenunciam tempos amorais que me arrepiam.
Mas nem tudo é mau,  o doce de tomate da minha querida filha era (isso, era, acabou-se, até para o ano) ma-ra-vi-lho-so, como sempre.