Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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2 de abril de 2014

Um Baptismo e um Casamento


Vista de Tomar  (O Castelo e o Convento de
S.Francisco) - View of Castle and Convent of Tomar”
William Innes Pocock (1783-1836)
Em 24 de Julho de 1751 realizou-se um baptismo na Igreja de S.João Baptista em Tomar, cujo assento reza assim: João Baptista, adulto, natural de França, da Província da Lorena da cidade de Belfou, Arcebispado de Brançon, filho de Pedro Martins e de Águeda Mete, hereges que professaram a lei de Calvino e deste bando o dito João Baptista se expulsou da maldita ceita e se catequisou nos ensinamentos da nossa Santa Fé e depois de bem catequisado pelo Reverendo Padre Mestre do Real Convento de Cristo e por outros reverendos sacerdotes e com licença e mandato do Ilustríssimo Reverendo Manuel Vieira Mendes, Prelado desta Prelazia, foi por mim baptizado e lhe pus os santos óleos, foi padrinho o vigário de S.João Baptista Frei Basílio Goes e tomou por madrinha e por sua invocação a Virgem Nossa Senhora.


Ao ler esta descrição plena de animosidade contra a originária “maldita ceita” do bem catequisado João Baptista, na Nossa Santa Fé, lembrei-me de uma cerimónia religiosa a que assisti, há alguns meses, precisamente na pátria adoptiva do herege Calvino. Tratou-se do casamento, católico, de um bisneto de um portalegense, assunto, portanto, com pleno cabimento neste blog.

João Calvino, França, Noyon, 1509,
Genebra, 1564

Antes de mais, direi, perdoe-me quem está ao corrente destas minudências o enfado de ter que as ler, mas acho que tem interesse para o que segue, que, apesar da Federação Suíça ser um estado laico, tal não se verifica em muitos dos seus estados federados, os chamados cantões. É o que se passa no Cantão de Vaud, onde se realizou o casamento, que tem como religião oficial a Igreja Reformada da Suíça, precisamente de doutrina e rito calvinista. Que isto de ser a religião oficial trata-se apenas de um facto histórico e honorífico e não tira nem põe, ou não se tratassem de suíços, quando se trata de efectuar despesas.




Villars-le-Terroir

Pois, na pequena localidade de Villars-le-Terroir, de aproximadamente 800 habitantes em que a maioria, perto de 60%, são católicos, a igreja protestante, apesar de ser a igreja oficial do cantão, com os seus 22% de praticantes não vê necessidade de ter edifício próprio e pede emprestado à católica o lugar de culto, nos dias e horas convenientes que até não conflituam entre si. Basicamente, sábado para uma, domingo para a outra e os outros dias conforme as necessidades de cada uma e sempre na Paz e na Ordem do Senhor, que é só Um. Quem talvez não se sinta muito confortável com o acordo serão as imagens dos santos, que, sendo católicos, andam sempre num virote dos respectivos nichos para trás da cortina vermelha pendente dos grossos varões doirados, e de detrás da cortina outra vez para os nichos floridos e odorosos, nem sempre nas posições mais elegantes dada as frequentes jornadas a que são obrigados, como quando tive ocasião de os conhecer. Vi, por exemplo, uma “Sagrada Família” do sec. XVIII, de tamanho natural, posta de través no altar-mor, por pouco que não lhes víamos as caras, em que o S. José não escondia o enfado pela posição pouco digna em que se encontravam, fruto, sem dúvida, da pressa com que foram carregados para ali. Compreende-se, mas enfim, sempre são santos e portanto apetrechados com a respectiva paciência.   

Voltando, finalmente, à cerimónia, tendo eu naquela um lugar privilegiado, dado o meu estreito parentesco com o noivo, pude admirar perfeitamente a branca e florida igreja, de traço tradicional, edifício talvez de finais do sec. XIX, com capela-mor e grande nave de rasgadas janelas neo-góticas que deixavam brilhar lá dentro o esplêndido sol de outono daquele dia, e davam especial realce aos dois grandes púlpitos que se enfrentam simetricamente de ambos os lados da igreja. Estava eu a perguntar-me para que serviriam dois púlpitos, ainda por cima tão próximos um do outro, quando se iniciou o cortejo. É claro que o acontecimento é igual em todo o lado e quem viu um viu todos, noivo, acompanhantes, etc, músicos, acompanhantes, etc, cantores, acompanhantes, etc, segue-se o auge ….traaaaaaa!!!!! – lá vem a noiva! E fica-se por aqui!
Errado! Após o sossego do pouso dos noivos no altar e da entrada em reflexão dos presentes sobre as qualidades, ou falta delas, do vestido da nubente, eis que se seguiu, agora sim, o verdadeiro clímax! Um rapazinho de alva branca (não, não é redundância, parece que há alvas de outras cores) transportando uma cruz maior do que ele, precedia um par de adultos também de alvas, um deles de estola, os quais, depois de desfilarem juntos se separaram junto do altar-mor dirigindo-se cada um para uma das escadas dos púlpitos, chegando lá acima ao mesmo tempo e pousando, os dois, também ao mesmo tempo, ambas as mãos sobre a balaustrada de mármore. Coisa bem ensaiada, pensei eu satisfeita por já ter resposta para a minha dúvida lá de trás, agora vão cantar em coro, especulei também. Outro engano, o da estola falou primeiro. Disse ao que vinha, facto sabido, a importância do acto a que íamos assistir, coisa também farta de ser do conhecimento geral e apresentou o seu par e a razão da sua presença, isso sim, coisa da ignorância de quase todos. Então não é que ficámos então a saber que o sorridente ocupante do púlpito em frente, era, nem mais nem menos que o segundo inquilino do templo, o Pastor protestante, que vinha acolitar o colega sacerdote católico na celebração do sagrado sacramento do matrimónio do B., seu grande amigo, e a pedido deste!?
Depois, também o Pastor deu testemunho da sua honra em estar presente e as formalidades seguiram segundo a liturgia católica, sempre com a participação do convidado.

Para quem não conhece o distinto noivo diga-se que este, além de acrescer meio metro à altura do seu bisavô Mota, parece que mantém em cima do corpo a mesma cabeça daquele, pois é igual por dentro e por fora. E lá dentro, a fé e a devoção à Santa Madre Igreja e ao Santo Padre não esmoreceram em quatro gerações, pese embora o pouco entusiasmo das intermédias. 
Extraordinário, portanto, o espírito ecuménico e o valor da amizade observados neste episódio! De fazer encher de orgulho uma época e uma geração, tão, e muito bem, criticada pelo hedonismo e materialismo, mas que deixa a perder de vista, Graças ao Senhor, os tempos de intolerância e fanatismo que relembrámos no inicio. (MFM)

24 de março de 2014

Ai senhor doutor!

José Malhoa, Cócegas, 1904, Museu Nacional das Belas Artes, Rio de Janeiro


Primas e primos; aí vai mais uma estória das gentes, que ouvi contar em Porto da Lage.

A Angélica, não era este o seu nome, mulher de quarenta e poucos anos, muito crente em Deus e nos santos, arrenegadora convicta do diabo, sentia-se adoentada. O acontecimento mensal tardava a acontecer, alguma indisposição, uns enjoos e mais outros sintomas que não sabia explicar. Crente nos serviços médicos, há que utilizá-los e, pela manhã de um dia, cuida o melhor possível da sua higiene, não vá o médico notar qualquer descuido que a deixe envergonhada, veste-se com a melhor roupa lavada, uns dinheiros e um lencinho do nariz dentro do saquinho de mão, albarda a burrinha branca revestindo-a com um cobertor de lã com riscas azuis onde se senta. Para se proteger do sol, se for necessário, um pequeno guarda-chuva muito bem cuidado. Assim preparada, aí vai ela estrada abaixo na direcção da estação (Porto da Lage era assim referenciada pelas gentes das cercanias) consultar o nosso ilustre, querido e saudoso primo Pantaleão, de boa-memória.
Prendida a burrinha à grade de tijolo que encima o muro defronte do consultório, entra na sala de espera, aguardando a sua vez; ainda não é tempo das marcações prévias. Realiza-se a consulta. A nossa visada vai relatando ao clínico o que sente e, feitas as devidas observações, vem o diagnostico:
 - Quando completar os nove meses fica boa!
 - Ai! Sr. Doutor, só se foi o Espírito Santo!
- Tenho ouvido chamar-lhe muitos nomes, observa-lhe o médico em tom de graça.(Ilídio Mota Teixeira)


José Malhoa, Vou ser mãe, 1923, CMFC, Porto

17 de março de 2014

O Cinza e o Rosa


Um leitor, e comentador habitual deste blog,  lança um repto aos amigos do seu tempo, a partir do excerto de uma crónica de Vasco Pulido Valente (em baixo). 
"Porto da Lage" está à disposição para colorirem como entenderem:

Amigos do meu tempo
Seria assim? Recordem-me que não lembro disso; se é um historiador que o diz, devo ser eu que estou a perder a memória antiga. Uns tendem a cor-de-rosar o “nosso tempo”, outros acinzentam-no. 
Henrique Carmona da Mota.


12 de março de 2014

Recordar é Matar Saudades 9

                                                    

                                                 Doce



A Dulcinda foi uma modesta rapariga mais conhecida por “Doce”. Porquê? Porque quando o pai a registou uma pessoa empregada doméstica em Lisboa tinha uma patroa que se chamava Dulcinda mas a quem o marido chamava Doce. Devo a essa Alice que já partiu há largos anos o nome familiar “Doce”. Eu, para a família e alguns conterrâneos era a Doce. Hoje só os meus netos e alguns sobrinhos me tratam docemente por avó Doce e tia Doce. Quando eu era garota ou adolescente havia pessoas que, para me arreliar, me chamavam amarga ou azeda.
Quando se chega aos oitenta anos e olhamos para trás passaram-se dias felizes da infância e da juventude, lágrimas, desilusões, sonhos, dias amargos, outros com um pouco de doce. Muitos castelos ficaram por construir e outros foram destruídos ao longo da vida. Ainda sonho com a saudosa África onde vivi dez anos (não felizes). Viagem de barco através do Atlântico, cheia de aventuras. Já lá vão 46 anos! O regresso de avião sob um mar de lágrimas.
Cá vou vivendo os últimos dias da minha “agenda”. Dores, limitações, solidão. Tenho família, Graças a Deus, mas ganharam asas e foram para longe.
Quando fiquei só escolhi ficar no local onde nasci e cresci. Não me arrependo e dou graças por ter a sorte de poder aqui viver. Tudo me é familiar. Algumas árvores que eu conhecia também foram sacrificadas. A ribeira alterou o seu leito; o açude já não tem a mesma beleza, a nossa escola desapareceu, deu lugar a outro edifício. A aldeia está muito desertificada, faltam crianças e jovens.
Dou o meu passeio no meu triciclo para idosos, acompanhada pela fiel amiga “Tuka”. Já caí duas vezes mas não foi grave. Quase que conheço os buracos todos da estrada. Quando os meus vizinhos deixarem de ver o triciclo e a cadela, rezem por mim –“a Doce não vive mais”.
Agradeço à minha prima Filomena Mota (é trineta do meu bisavô Sousa Rosa) que apertou comigo para eu escrever estórias da nossa terra e da nossa gente que já partiu. (Dulcinda Mota Teixeira)



... árvores que eu conhecia também foram sacrificadas ...
  Eu, sim, tenho que agradecer, muito, à Dulcinda a honra que me deu em me fazer a vontade, escrevendo, e a  felicidade de ter sido o veículo da sua divulgação. Obrigada prima. (MFM)


11 de março de 2014

Privilégios de Desembargador



Painel do Salão Nobre do Museu dos Biscainhos, Braga.


« Em 3 de Agosto de 1795, a Rainha D. Maria I, fez saber por Carta de Privilégio de Desembargador, que Raimundo José de Sousa Henriques, Desembargador Aposentado no lugar ordinário da Relação e Casa do Porto, lhe representou que, com o dito lugar, lhe competiam os Privilégios de Desembargador, e por os haver de gozar, lhe pedia mandar passar Carta deles.
E visto o seu requerimento e documento junto, e por lhe fazer mercê, lhe mandei passar a presente Carta de Privilégios, conforme a Ordenação, cujo teor é o seguinte:
«O Regedor da Casa da Suplicação o Governador da Casa do Porto, o Escrivão da Puridade e a pessoa que servir de Presidente do Desembargo do Paço, o Chanceler-Mor do Desembargo do Paço, os Vedores da Nossa Fazenda e Desembargadores das ditas Casas, e a pessoa que connosco despacha as petições do Estado, Presidente e Deputados da Mesa da Consciência e Ordens, Escrivão da Chancelaria das Cortes que se intitula Vedor delas, Escrivão da Fazenda, não paguem em serviços pedidos, empréstimos fintas, talhas, nem outros quaisquer encargos que paguem os moradores dos lugares onde seus bens e fazendas estiverem, assim para Nós, como para as necessidades de Guerra, de servir nos Concelhos onde são moradores, não sendo ofícios de juiz, Vereadores, Procurador do Concelho, Almotacés, Depositário do Cofre dos Órfãos porque, nestes ofícios não haveria Privilégio algum».
«Que todos estes Privilégios, e especialmente pelos Decretos de 1681 e 24 de Abril de 1741 e outros quaisquer que por mim se acharem declarados os cumpram e guardem e os façam inteiramente cumprir e guardar ao dito Raimundo José de Sousa Henriques, aos seus criados, mordomos, amos e apaniguados e lavradores, como é declarado neste Privilégio, sem lhe ser posta dúvida ou embargo algum, porque assim o hei por bem e firmeza de tudo, e mandei dar esta Carta, passada pela Minha Chancelaria, com o selo pendente dela. Dada na Cidade de Lisboa, aos 7 dias do Mês de Setembro. A Rainha, Nossa Senhora, o mandou pelo Dr. José Alberto Leitão, do Conselho de Sua Magestade António Joaquim Serrão o fez no Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1795».

Registada nos Arquivos da Câmara Municipal de Tomar a 9 de Junho de 1797. Livro dos Registos Camarários de 1784 a 1802


Execução de Robespierre - Estampa de autor desconhecido, existente na Biblioteca Nacional de França.


Enquanto em Portugal decorria a vida pachorrenta e galante de painel de azulejo, em França acabava o Terror e a cabeça do chefe ia juntar-se às milhares que a guilhotina já tinha separado dos respectivos corpos.
Enquanto o Desembargador aposentado da Relação do Porto Raimundo José de Sousa, morador na sua quinta de Porto da Lage, pede à rainha Privilégio de Desembargador, a fim de ficar isento de impostos, juros e outros encargos, ele e todos os seus apaniguados, em França decorria uma revolução já lá iam seis anos. Tinham sido instituídos direitos sociais igualitários, direito de voto, organizados sindicatos e confiscadas terras à nobreza e ao clero, ideais jacobinos que tinham sido impostos em ambiente de violência e perseguição, pelo que este período foi sugestivamente denominado de O Terror. Porém, à data da concessão do Privilégio já governa O Directório, que pretende uma República moderada que acabe com as instituições do Antigo Regime mas limite a participação política. Mas não irá durar muito, instabilidade interna e ameaças externas levarão ao 18 do Brumário (9.11.1799). Napoleão aproxima-se.
 Indiferente a estas mudanças, a vida em Portugal e em Porto da Lage  continua a correr em azul, como os azulejos. Só a rainha se apercebe que o mundo está mesmo a transformar-se, e com ele o seu doce Reino, e endoidece.(MFM)



4 de março de 2014

Brueghel e a Belida

Brueghel "o Velho",  Boda campestre,  1621 - 1623 (Galeria online do Museu do Prado, Madrid) 


O Cortejo nupcial segue para a igreja. Os homens à frente, encabeçados pelo noivo, vestido de preto com farta gola branca, de flor em punho. Atrás a noiva, também de preto, no grupo das mulheres. Ao longe já se ensaiam as danças da boda.

Passa-se a cena numa alegre e garrida aldeia da Flandres onde a prosperidade  transparece nos trajes ricos dos camponeses, nas altas casas bem edificadas e na geral boa disposição dos presentes. Tudo brilhantemente reproduzido na nova temática da pintura "nórdica" (como lhe chamavam os italianos) que se inicia nos fins do sec.XVI: a paisagem e os momentos do quotidiano.

[Estas e outras obras-primas de grandes mestres do sec.XVII, provenientes do Museu do Prado, podem ser vistas até ao final de Março no Museu de Arte Antiga.]

Não nos costumamos lembrar disto, mas, a partir de 1580, Portugal , os Países Baixos e a Flandres faziam todos parte do "Império onde o sol nunca se punha" que fora o Grande Império de Carlos V, imperador do Sacro Império Romano-Germânico, na época já herdado por seu filho Filipe II (I de Portugal filho de Isabel de Portugal, filha de D. Manuel).  
Fazendo embora parte do mesmo "império" penso que pouco teriam em comum as nossas aldeias com as industriosas das províncias neerlandesas que, não obstante a guerra incessante contra Espanha - "Guerra dos 80 anos ou Revolta Holandesa" decorrente de 1568 a 1648 - eram prósperas e dinâmicas de tal forma que, após a independência, conseguiram criar uma Holanda que se transformou numa potência mundial, ameaçadora dos interesses portugueses e herdeira daqueles em muitos casos.
Pois neste período, em 1609 mais precisamente,  a vida também corria, mais pobre e não tão colorida, digo eu, no "nosso território" ao norte da freguesia da Madalena, no "canto" entre Beselga e Assentis. Tanto quanto se pode observar nos movimentos registados em casamentos, era esta zona muito pouco habitada, ao contrário da restante onde pontificavam o Marmeleiro, Machial, Carvalhal grande e pequeno, etc. De Cem Soldos (lugar pequeníssimo)  para cá, Porto Mendo seria o único "lugar", com pouco mais de meia dúzia de vizinhos, sendo o restante território ocupado por "casais", casal do Negro, casal dos Galegos, casal dos Gaios, casal da Velida, casal de Nicolau Dias, cada um deles ocupado por uma família ou gente ligada à família, aparecendo também a menção a "casais da ribeira" de modo genérico, às vezes mencionando gente já designada anteriormente como moradora num dos outros casais, outras vezes designando pela primeira vez, outras pessoas. O Paço, ou Paço da ribeira é mencionado duas vezes entre 1597 e 1625, com dois casamentos lá ocorridos, em que os quatro noivos não têm, aparentemente, nada a ver uns com os outros, isto é, não seriam família, ao contrário do que é habitual nos "casais". Ao todo, Porto Mendo incluído, contei 44 casamentos ocorridos no período de tempo que referi atrás nesta zona da freguesia, enquanto em toda a Madalena se realizaram 232 no mesmo período. 
Porque Porto da Lage só aparece muito mais tarde em  1697, em registos desta natureza, os noivos, neste caso a noiva, mais perto que consegui arranjar, foi no já inexistente Casal da Belida. 
Talvez que os festejos deste casório entre a Maria, da Belida e o Manuel, da Golegã, não fossem tão vibrantes como os que Brueghel nos mostra, apesar de lá estar "quase toda a gente da freguesia", mas de duas coisas estou certa: a alvura da igreja da Madalena com a sua pitoresca galilé (1) e o luminoso céu de São Martinho não deixaram a desejar nenhum templo cinzento calvinista nem a fria claridade do norte. Sempre o sol e o abençoado céu azul a reconciliar-nos com o pouco que tínhamos e temos! (MFM)




« Aos oito dias do mês de Novembro foram recebidos em face da igreja pelo padre frei Aleixo frei coadjutor conforme o sagrado concilio Tridentino  constituinte desta jurisdição Manuel Vaz filho de Simão Alvares já defunto e de Catarina Vaz moradores na vila da Golegã com Maria Nunes filha de Domingos Dias e de Maria Nunes já defunta desta freguesia de Sta Maria Madalena moradores no Casal da Velida testemunhas Pero Nunes Diogo Dias o velho e o novo e Simão Fernandes Francisco Lopes e quase toda a gente desta freguesia e por ser verdade fiz este que assinei dia e mês supra era de 609 anos. Frei Manuel Fernandes (?)» (TT- assentos de casamento da Madalena, Tomar, Santarém)

(1) Sim, eu sei. A igreja actual da Madalena consta ser de 1660. Será. Mas no mesmo sitio havia outra desde quatrocentos. Se tinha galilé ? Se ninguém sabe, porque é que eu não posso achar que tinha?



25 de fevereiro de 2014

A Beselga e o Santo Ofício

Terreiro do Paço no séc.XVII -Óleo sobre tela de Dirk Stoop, Londres, 1662. Museu da Cidade

Manuel Escudeiro, mestre alfaiate estabelecido na rua direita da freguesia de S. Jorge da cidade de Lisboa, era tido como homem abastado e de vida limpa. Mas não vivia satisfeito; com menos de trinta anos, solteiro e com rendimentos, sentia-se em condições de aspirar a mais do que uma vida folgada assente no trabalho. Sonhava ter importância e influência, fruir honras de gente de bem!

E foi assim que, pondo os olhos numa vida futura cheia de enaltecerias, em Setembro de 1697 entregou, no Tribunal da Inquisição de Lisboa, um requerimento dirigido aos Ilustres Senhores Inquisidores Apostólicos da Inquisição da Cidade de Lisboa, no qual declara desejar servir os ofícios no cargo de familiar, pelo que lhes roga que, achando nele os requisitos necessários sejam servidos de o querer admitir nesse cargo.



Antigo palácio dos Estaus, sede da inquisição mais tarde, depois Teatro
Nacional  D.Maria II.

Os Familiares do Santo Ofício eram agentes laicos da Inquisição. Entrar para os seus quadros conferia o mais elevado grau de estatuto social e prestígio, permitindo ascender na escala social do Antigo Regime. Ficava, também,o Familiar imbuído de diversos poderes e regalias no âmbito das diligências do tribunal do Santo Ofício.
 Possuir a carta de Familiar garantia, por si só, que o habilitando tinha limpeza de sangue, meios abastados de subsistência e, essencialmente, atestava a sua origem de cristão velho. Pouco importava a origem social desde que aquelas duas condições estivessem presentes nesta ordem: ser cristão velho e ter meios – fazenda – que lhe permitisse viver abastadamente. E nunca esta ordem era trocada. Conta Camilo Castelo Branco no seu livro Sentimentalismo e História como uma das famílias da nobreza portuguesa “Os senhores da casa de Barbacena”, tão nobres que se colocaram ao lado de D. Miguel nas lutas liberais, nunca conseguiram habilitar-se ao Santo Ofício devido ao seu “defeito” original: descenderem de Antão de Castro, feito cavaleiro da Ordem de Cristo e fidalgo da casa Real por D. João III mas declaradamente cristão-novo.
A aceitação do candidato a Familiar era antecedida de um rigoroso processo sobre as qualidades morais, pessoais, familiares, e, sobretudo, a certeza plena de não ter ascendência próxima de herege, judeu, mourisco ou negro, isto é, absoluta limpeza de sangue.




Paisagem de Minde
No seu requerimento Manuel Escudeiro, naturalmente, identifica-se. É filho de Domingos da Rosa e de Maria Fradeza, ambos do lugar de Minde, termo de Porto de Mós, bispado de Leiria, local de onde são também naturais os avós paternos Domingos João e Maria Esteves e os maternos, Simão Escudeiro e Maria Fradeza. 
  

Roque Gameiro: casa antiga de
Minde

Na primeira análise ao processo é referido que Manuel Escudeiro “mestre alfaiate e soldado de infantaria vive limpa e abastadamente, sabe ler e escrever, é sujeito muito bom e servido na vida e costumes, muito capaz para se lhe encarregarem todos os negócios de importância e segredo”.

Porém é também notado, nem se pergunta como o descobriram (afinal eram mestres no ofício), que todos os seus ascendentes são de Minde sim senhor, excepto o avô materno que “veio para o lugar de Minde vindo do lugar de Beselga ou de outro lugarejo pegado a este que se chamou ou chamava dos vargos(?) ambos do termo de Torres Novas, este foi ferreiro e serviu de alferes de governação no dito lugar de Minde”.

Não se sabe como Manuel Escudeiro reagiu a esta notícia. Ou se teria tido acesso a ela. Será que estes processos correriam “em segredo de justiça” ou ir-se-ia dando conta das diligências ao interessado? O certo é que não é posta em causa a informação inicial dada pelo requerente sobre a naturalidade do avô materno. Se terão concluído que ele apenas estaria mal informado sobre o assunto ou se os teria tentado enganar não sabemos.

Sabemos, isso sim, que em Novembro de 1701 ( já lá iam quatro anos desde o inicio do processo! ) o Reverendo Beneficiado Julião Pereira Cabanas, notário do Santo Ofício, é enviado ao termo de Torres Novas a saber do tal Simão Escudeiro, avô do habilitante e manda de lá a seguinte carta ( a ortografia actual é minha, a pontuação continua a ser a do Reverendo):

« Seguindo a ordem de V.Senhoria fui ao lugar da Beselga pelo qual passa uma ribeira e da banda de lá da dita ribeira há umas terras louvadias (?) sitio a que chamam as vargens (?) e tudo é termo desta vila de Torres Novas, porém no dito sitio das vargens (?) não havia vestígios nem achei memória de que houvesse nele casas nenhumas e no dito lugar da Beselga não achei pessoa velha que desse notícia de Simão Escudeiro nem que conhecesse seu neto Manuel Escudeiro da cidade de Lisboa e por ser o lugar da Beselga pequeno e ser a freguesia grande quase légua e meia de distância me informei com os moradores dos lugares mais vizinhos ao dito lugar da Beselga que todos são fregueses da freguesia de Nossa Senhora da Purificação de Assentiz e achei algumas pessoas mais velhas e dignas de crédito que conheceram muito bem a Simão Escudeiro que foi ferreiro no lugar de Minde termo da Vila de Porto de Mós e sabem que foi natural do dito lugar da Beselga e que conheceram a um seu irmão inteiro morador no mesmo lugar da Beselga por nome Filipe Escudeiro oficial de serralheiro a casa do qual vinha muitas vezes o dito Simão Escudeiro e conheceram ao padre Afonso de Torres clérigo que morreu sendo beneficiário em uma igreja da Vila de Tomar também irmão inteiro dos acima nomeados e que esses tiveram mais irmãos de que descendem muitos parentes que há em toda aquela freguesia que inda hoje é o seu sobrenome de Escudeiro e alguns são ricos e houvera cinco ou seis anos que morreu um capitão por nome Manuel Escudeiro que dizem se lhe avaliou o que herdaram seus herdeiros em mais de trinta mil cruzados e há outros pobres que houvera dois anos morreram no mesmo lugar da Beselga que usaram e serviam o oficio de serralheiro e as pessoas com quem tomei informação todas disseram que elas não conheciam ao dito pretendente Manuel Escudeiro e que não sabem se tem alguma fama ou defeito mas que bem conheceram o seu avô Simão Escudeiro que casou no lugar de Minde e serviu o ofício de ferreiro e sabem que era cristão velho e limpo sem fama nem defeito algum e que na mesma forma conheceu seus parentes moradores na dita freguesia sem fama nem defeito mas antes todos limpos dos melhores da dita freguesia é tal os muitos parentes entre os moradores da dita freguesia que poucas vezes sucede se celebrar o sacramento do matrimónio que não haja dispensa entre eles e não será fácil acharem muitas testemunhas que não se declarem parentes do dito Simão Escudeiro suposto muitos sejam fora do quarto grau e as pessoas que achei mais antigas são as seguintes Simão Jorge lavrador do lugar de Assentiz que era parente fora do 4.º grau, António Lopes lavrador do lugar de Fungalvaz, Simão Fernandes lavrador do Casal da Torre não conheceu Simão Escudeiro mas que sempre ouviu dizer era irmão de Filipe Escudeiro a quem ele conheceu, Maria Lopes, Maria Jorge, viúvas, Grácia Fernandes casada segunda vez com Manuel Simões lavrador que todas passam dos oitenta anos, que conheceram ao dito Simão Escudeiro e todas declararam serem parentes; a mim me parece que é limpo o dito Simão Escudeiro pela boa fama que têm os Escudeiros da dita freguesia. V.S. mandará o que for servido.
Torres Novas, dois dias do mês de Novembro de mil setecentos e um anos.
O Notário
Juliam Pereira Cabannas »

Sorte a de Manuel Escudeiro! Afinal o avô de origem desconhecida, que lhe poderia ter derrubado todos os sonhos, nem era judeu, nem mulato nem nada! Gente limpíssima, aquela “do lugarejo “ da Beselga!
E o processo prossegue, depois disto, a toda a velocidade! Com inquirições formais a várias testemunhas em Minde e na Beselga, sediado em casa de Simão Jorge.
Enfim, a ansiada Carta é passada a 26 de Abril de 1702, após o pagamento de 6 426 réis, pois conclui-se que …..ele e os seus ascendentes são legítimos e inteiros cristãos velhos e de limpeza de sangue sem fama nem rumor de alguma infecta nação e não incorreu em alguma infâmia ou pena vil de facto ou de direito, …é solteiro e não tem filho algum … tem a capacidade e é merecedor da ocupação que pretende… e assim o julgo limpo de sangue e o habilito para a ocupação de familiar. (MFM)

Fonte: Processo de Habilitação a Familiar do Santo Ofício de Manuel Escudeiro, Arquivo da T.T: Maço 54, Doc.1154

Mercado da Ribeira-Velha, Lisboa. Museu Nacional do Azulejo.


Desabafo Final: Incomoda-me falar sobre a inquisição. Se é certo que a História não se julga com os olhos de hoje, a crueldade, toda ela, é intemporal. A crueldade de quem se julga dono da verdade e quer transformar os outros à custa do terror, da tortura e da morte, está, infelizmente, muito próxima de nós no tempo, e é nossa contemporânea também, embora hoje “deslocalizada” deste pedaço de antigo centro de decisões que é a Europa. Por enquanto. A natureza humana será (?) assim mesmo e a nossa racionalidade aprendeu muito pouco.
E dado este meu “incómodo” assumo o tom ligeiro que tomou a descrição da presunçosa aventura deste nosso quase conterrâneo. Pois ser Familiar do Santo Ofício era coisa séria, nefasta e nefanda, não era, enfim, coisa bonita de se ser. Nem na  época (Cristo com o seu Mandamento Novo já tinha vindo ao Mundo), nem, muito menos, agora. E é por isso que eu pasmo com a quantidade de gente que, a toda a hora, nos sites e revistas de genealogia e afins, exibe, orgulhosa, os seus antepassados Familiares, quase sempre escondendo a origem social ou, não o fazendo, enaltecendo a capacidade de ascensão social do avoengo! Enfim, tal como a crueldade, a vaidade é ilimitada e de todos os tempos!
É claro que também não concordo que se arrenegue parente algum. Família é família, familiar que seja, o Senhor lhe perdoará já que a mim, pobre pecadora, me custa muito. Apesar do seu “defeito” reconheço que Manuel Escudeiro e eu partilhamos um “enésimosinho”  de ADN, sou descendente (através de Augusto Pereira da Motta) de Filipe Escudeiro (1588-1646) e também de  Oriana Escudeira (falecida em 1641 em Fungalvaz), ambos irmãos do tal Simão que a inquisição averiguou. Eles e outros mais (outro irmão Ignácio casa em 1611 com Maria de Sousa do Casal da Velida, digam lá se isto não anda também tudo ligado?), filhos do casal Simão Escudeiro e Maria Jorge, moradores na Beselga no sec.XVI onde ele se dedicava a trabalhar o ferro (ferreiro, serralheiro ou mesmo escudeiro, donde lhe teria vindo provavelmente o nome), ofício que passou aos descendentes, existindo ainda há pouco tempo serralheiros em Ourém com este apelido.(MFM)



31 de janeiro de 2014

O País de Opereta e a Ribeira da Beselga

Quando eu estava no colégio tive um professor de físico-química absolutamente singular.
E ocorre-me singular por ser o que ele era - único - e por ser termo muito do século XIX. Pois, de facto, aquela criatura única nunca deveria ter passado de novecentos. No início dos anos setenta do século passado (o que para aqui já vai de séculos!) o homem era totalmente anacrónico.

Ele tinha consciência disso e verbalizava-o. Se verbalizava! O seu discurso irritado de assento beirão incorporava todo o estertor de um mundo à beira do fim. A todo o momento lhe saíam da boca impropérios sobre o estado do mundo e anátemas sobre o futuro que, com a Graça de Deus, dizia ele, não viveria mas (aqui deixava adivinhar um prazer de perversa vingançazinha) nós sim.

Professor no colégio há várias décadas, dele contavam-se muitas histórias provenientes do seu feitio irascível, nervoso, apressado e cioso das suas coisas, e do seu muito particular entendimento da didáctica da sua disciplina que mantinha os alunos afastados do contacto com materiais, equipamentos e experiências, mesmo nas chamadas aulas práticas, com o argumento que “não sabendo, estragavam”.
Mas não são essas anedotas que me têm feito ultimamente lembrar dele e trazê-lo agora aqui. São a sua visão política e as angústias existenciais que o atormentavam e que ele deu a conhecer a um grupo de miúdas incapazes de compreenderem a honra que lhes estava a ser manifestada.

A minha terá sido das últimas turmas que leccionou e que já pertencia a uma geração perdida. 
Veiga Simão estava no governo, a escolaridade já tinha sido alargada além da primária, havia a telescola, já não tínhamos latim e não eram necessárias notas altíssimas para dispensarmos da oral e entrarmos na Universidade. Estava instalado o laxismo. O pobre achava perverso todo este estado de coisas, aliado a muitos outros que enumerava e que já saíam da esfera da educação, e atirava-no-los à cara sempre que não sabíamos acertar uma equação química ou calcular a distância ou a força ou lá o que fosse fisicamente exigível.
Como éramos realmente más alunas, sobretudo na disciplina dele e não quero dizer que fosse exactamente culpa sua, eram mais as ocasiões em que o erro e a omissão surgiam do que o contrário, pelo que também eram frequentes as ocasiões em que tínhamos de ouvir a sua verborreia acerca dos verdadeiros culpados da nossa santa ignorância (este “santa”, também usado por ele, era adjectivo muito em moda no colégio para classificar a nossa ausência de sabedoria, coisa de notar pois até nem se tratava de um colégio religioso, talvez por isso mesmo).

Por essa época eu escrevinhava. Tinham-me dito, Deus lhes perdoe que já lá estão, que seria escritora e eu tirava apontamentos para memória futura sempre que achava  assunto "interessante". A prosápia não me envergonha agora porque tomáramos todos nós, quando temos catorze anos, ter tido apenas esse pecadilho para confessar. Pois, dizia eu que escrevia e pareceram-me aquelas aulas, aquele professor e sobretudo o que ele dizia (na minha juvenil perspectiva de verdadeira santa e abençoada ignorância) dignos de serem registados pela estranheza, pelo absurdo e até pelo ridículo. E fi-lo. Os cadernos pautados de capa de cartolina vermelha da disciplina passaram a ter as últimas folhas cheias de transcrições das exaltações, expressões, elucubrações e todas as indignações do meu velho professor de Físico-química.

E, dos anos lectivos com aulas de Física às segundas, quartas e sextas e de Química às terças, quintas e sábados, inexoravelmente às oito horas da manhã, resultaram muitos e muitos cadernos que, além dos apontamentos e cópias dos desenhos das experiências que o professor punha no quadro, continham, nas últimas folhas, frases capazes de construírem um tratado sobre o alter ego de um velho, deslocado no tempo, reaccionário às mudanças vigentes e premonitório das desgraças futuras.

Esses cadernos, guardados amarrados juntos num cordel, seguiram o caminho dos livros escolares usados, de todos os filhos. Encontrei-os, anos mais tarde, dentro de uma arca, ainda com o cordel à volta, transformados em pasta, depois de um dos abraços que, num Inverno qualquer, a Ribeira da Beselga se lembrou de ir dar à nossa casa.
Perdeu-se assim o registo fidedigno que me permitiria, hoje,exibir o olhar sofrido e profético de quem testemunhou a queda do mundo certo e acertado em que nasceu, e vaticinou este nosso triste presente, órfão e tresmalhado.
Quem sabe se não estaria ali a fonte onde iria beber a obra da tal (mal)fadada escritora. Não alcançámos, assim, a imortalidade, nem ele nem eu. Não o quiseram as nereidas das torrentes invernosas da Beselga!

Mas, não se perdeu a mensagem. Pelo contrário, alcançou o seu fim. A figura ridícula e as palavras risíveis, presenciadas por adolescentes, foram, as segundas, finalmente entendidas e ele, o homenzinho grotesco, transformou-se na figura tragicamente simpática que inspirou este texto.
E só lamento não ter o talento necessário para vos fazer ver o que ficará para sempre cunhado na minha memória: a imagem daquele personagem vestido de escuro, magro e tenso, com papéis revolvidos nas mãos nervosas, imparável em movimentos entre o quadro e a secretária enquanto a sua garganta revoltada concluía a longa dissertação –Somos, pois, um país de opereta mas o que aí vem, - e dirigia-se à janela que abria – o que aí vem,- e apontava Rua da Graça abaixo, e nós levantava-mo-nos, curiosas, para lhe acompanhar o olhar– vai ser pior, muito pior, incomparavelmente pior! (MFM)



A janela "do futuro" era a da segunda sacada à direita, no 1.º andar.

A exacta sala de aula com a exacta mobília. A janela referida ficava ao lado da secretária que se vê à direita.Fotografia tirada por ocasião de visita de antigos alunos e retirada  daqui

13 de janeiro de 2014

150 Porto da Lage 150

Em 7 de Junho de 1864 ficou completa a linha do Norte entre Lisboa e a margem esquerda do rio Douro (Gaia).
Completam-se portanto este ano - 2014 - 150 anos que os comboios e Porto da Lage passaram a ter uma vida em comum.

O horário entre Santa Apolónia e Gaia estabelecia, à data, quatro comboios diários, dois dos quais correios.
Infelizmente não sabemos quando e se paravam em Porto da Lage.


 



Além dos votos de que mais alguém, além deste modesto blog, se lembre de comemorar este acontecimento, desejo a todos os que nos acompanham um 
                                                                       
                                                                     BOM ANO NOVO.

23 de dezembro de 2013

nevou na nossa aldeia





Encontrei por acaso, como se encontra tudo nesta vida, este vídeo no youtube. Não conheço o autor, Pedro Santos segundo reza o filme, nem tenho qualquer referência dele. Daí a impossibilidade de o contactar e esta reprodução ser não autorizada. As minhas desculpas ao autor e as minhas felicitações e gratidão pelo documento extraordinário que criou. Não é habitual cair neve em PL, menos ainda será haver registos disso. Para quem, como eu, reclama pela inexistência e destruição de indícios do passado é consolador ver que, mesmo no passado recente, já há quem arquive situações inéditas. É também muito bom saber que, também, há quem olhe para a "nossa aldeia" no presente. Será um privilégio para este Blog dar a conhecer essas pessoas. (MFM)

E, como é Natal, cá vos fica como prenda este roubo fantástico "nevou na nossa aldeia"  publicado em 28.11.2010 por Pedro Santos.
À falta de banda sonora sugiro que seja visto com o  eterno Bach como fundo.

Bom Natal




1 de dezembro de 2013

Pai de Diogo Alvares de Sousa

Em 1650  Diogo Álvares de Sousa forma-se em Cânones na Universidade de Coimbra. Nascera e crescera no seu casal ou quinta da Velida situada na Ribeira da Beselga, freguesia de Sta Maria Madalena, termo de Thomar. Vivera à lei da nobreza, por suas fazendas, com muitos criados e carruagem... (1)
Foi, portanto, um habitante do território onde hoje se localiza, também, Porto da Lage. Não pertencendo à nobreza, os rendimentos da sua família permitem-lhe, no entanto,  viver como tal. Permitem-lhe, também, licenciar-se em Leis na Universidade, não se sabendo se terá sido o amor ao estudo ou a possibilidade de alcançar, no futuro, novo modo de vida, o que o terá levado a Coimbra. Pois a verdade é que não terá exercido profissão resultante do seu diploma e se terá deixado ficar pelas suas quintas (a mulher herda a quinta da Matta onde os dois moram quando morrem), a viver de "suas fazendas".
As imagens abaixo são retiradas da lista de matriculados do seu curso, percebe-se o seu nome e entende-se que se segue o nome do pai: ... filho de .....Sousa. Será Diogo? Domingos? Pedro?
Alguém me ajuda a "descodificar" o nome do sr. Sousa, pai de Diogo Álvares de Sousa?
Com esse dado poderei, eventualmente, descobrir "portalegenses" (e as suas histórias) ainda mais antigos. 









(1) testemunhos, constantes na habilitação a familiar do santo ofício de seu neto Manuel Pereira de Sousa, em 1707, destinados a obter "informação de limpeza de sangue e geração de Manuel Pereira de Sousa natural e morador na Ribeira da Beselga, freguesia de Sta Maria Madalena, termo da Villa de Thomar, filho de Manuel Pereira de Sousa e neto paterno de Diogo Álvares de Sousa".

25 de outubro de 2013

Em Porto da Lage Houve Arraial com Quermesse


       

Agosto mês de Augusto e não só. Foi o mês de uma grande festança em Porto da Lage que deu brado.

Oh geração de 50! Imaginem o larguinho em frente ao armazém da CUF.

No centro a quermesse, ícone das festas de arraial, com balcão hexagonal, prateleiras no centro e um varejão de eucalipto no centro onde flutuava o estandarte do Grémio de Porto da Lage.

Para a tornar mais atractiva, era revestida com papel de várias cores e ramos de arbustos verdes nascidos nos matos.
Fora seu construtor o carpinteiro portalegense, bisneto de Manuel Sousa Rosa e membro da comissão de festas.
 Estamos no ano da graça de Jesus Nazareno 1936. Pelo recinto, cordéis estendidos pelas paredes com bandeirinhas de papel de cor. A iluminação, eléctrica, provinda de algumas lâmpadas, vinha do gerador a vapor da fábrica do álcool.
A comissão de festas reunia todos os jovens, rapazes e raparigas da terra, estimulados pelo promovedor do evento e presidente do Grémio de Porto da Lage. As prateleiras da quermesse estavam modestamente fornecidas de objectos oferecidos, resultantes da profícua acção angariante das meninas da comissão, que os sorteavam por rifas vendidas com um sorriso nos lábios, aos forasteiros que se aproximavam; alguma doceira vinda de algures, expunha para venda sobre um pequeno tabuleiro, pirolitos de açúcar em ponto enrolados em papel espetados num palito e bolos de farinha de trigo, com pouco açúcar, condimentados com erva doce e de formatos diversos; num palanquim, sobre a cobertura da levada, alguns elementos da Filarmónica de Paialvo, dava um concerto musical com trechos de autores desconhecidos.
Não constou que festa tenha sido " rija ". Não houve fogo preso fascinante nem corrida de bicicletas "desportivante" nem as celebérrimas fogaças tão apreciadas nestes tempos de tão grandes carências. As netas do casal Sousa Rosa não estiveram dispostas a ceder das suas despensas o que quer que fosse. O pão de trigo, o chouriço magro, o presunto, o vinho, o queijo de ovelha, ovos cozidos e, sobretudo, alguma galinha velha e gorda, corada no forno da cozedura do pão, eram manjares de alto valor e sabor aprazível e lá em casa havia quem as almejasse. Para receitas monetárias que bastassem as das rifas da quermesse. (Ilídio Mota Teixeira)


Bailarico Português, Roque Gameiro
















24 de outubro de 2013

Flagrantes da vida real I

                                                            Os Sousa Rosa

O nosso bem-aventurado, próximo antepassado, bisavô Manuel Sousa Rosa e a nossa, também não menos famosa e afanosa, bisavó Ana Jesus Calçada, deixaram nestas terras que pisaram, que regaram com o suor do rosto e que nos legaram, "o modesto número" de 36 netos, dos quais 10 casaram entre si. Ei-los:
António Sousa Rosa (Sobreiras)
Soledade Rosa Mota (Porto da Lage)
Francisco Sousa Rosa (Sobreiras)
Maria Rosa Escudeiro (Porto da Lage)
Augusto Sousa Rosa (Porto da Lage)
Maria Rosa Mota (Porto da Lage)
Manuel Pereira Mota (Porto da Lage)
Lúcia Rosa Mota (Quinta da Belida)
António Rosa Mota (Quinta da Belida)
Ana Rosa Mota (Porto da Lage)

Nota: Manuel Pereira Mota ou Manuel Augusto Mota, Maria Rosa Mota, Soledade Rosa Mota e Ana Rosa Mota eram irmãos, filhos de Augusto Pereira Mota e Maria José Sousa Rosa.
Deste concerto de uniões houve uma só senhora e nove varões que por aqui viveram uma parte das suas vidas, até que emigraram para outros lugares onde as oportunidades de angariar sustento de vida são possíveis. Somente dois se mantiveram em Porto da Lage. (Ilídio Mota Teixeira)


Soledade de Sousa Rosa (1861, 1947) filha de Manuel de Sousa Rosa e avó de
Ilidio Mota Teixeira.

23 de outubro de 2013

Porto da Lage Antes da Chegada do Comboio



Esta despretensioso informação é possível, devido à investigação e publicação na internet pela Dra. Filomena Mota, ilustre descendente dos nossos avós Manuel Sousa Rosa e Ana Calçada, cujos filhos iniciaram o povoamento do Porto da Lage.
Porto da Lage é um sítio nas margens da Ribeira da Beselga, atravessado pela estrada real, que vinha de Santarém, passava por Lagar, Ponte do Alviela, Almonda, Golegã, Lamarosa, Paialvo, atravessava a ribeira por uma ponte de madeira em Porto da Lage e continuava por Fungalvaz, Chão de Maçãs, Rio de Couros e seguia para Coimbra.
O local era assinalado pela construção de um açude no leito da ribeira com uma levada e uma Azenha, motas e muros de consolidação dos terrenos da várzea, por uma extensão considerável.
Estas construções, como alguns séculos de existência, ainda hoje são bem visíveis o que denota a sua boa construção.
Outras edificações existiram: duas casas muito modestas, no troço da antiga estrada real, hoje estrada que vai de Porto da Lage à Madalena Igreja; uma casa senhorial à beira da estrada, próxima da Azenha. Esta casa foi demolida nas décadas de 1970 ou 1980.
No século XVIII, assim aparenta a sua arquitectura, é edificada uma estalagem, que ainda hoje existe, na quinta de Porto da Lage, pelo seu proprietário. Prestava assistência às diligências e viajantes que transitavam pela estrada real.
A passagem da via férrea do Norte e a edificação da estação ferroviária, trouxeram total alteração ao sitio com a construção de armazéns para recepção e expedição de mercadorias consignadas às fábricas instaladas em Tomar, durante último quartel do século XIX. Deste mesmo período são quatro habitações, uma das quais já desaparecida. Três subsistem.
Pelos anos das duas primeiras décadas do século XX, os netos da Quinta da Belida e gentes das povoações vizinhas aqui vieram erigir os seus lares e construir as suas acções económicas.(Ilídio Mota Teixeira)

Desenho de Domingos Sequeira (1768, 1837)



 

22 de outubro de 2013

A Vaquinha da Prima Marquinhas

Manhã de Primavera, 1912, José Malhoa


A prima Marquinhas tinha uma vaquinha, excelente exemplar produtora de leite, que aumentava a produção de acordo com a procura no mercado. O método era simples: a prima Marquinhas fazia soar o aviso, a Boneca, assim se chamava a vaquinha, bebia um goles de água que fazia atravessar as glândulas do úbere… e saíam branquinhas pelas tetas e caíam no bojo do tarro, mais puros que a água do poço. Quando os consumidores sentiam que o lácteo tinha um sabor mais diluído, perguntavam à prima Marquinhas: que bebeu a sua vaquinha para dar um leite tão digestivo.? Logo ela respondia convicta e sem hesitação: ela, a vaquinha, tem uma teta inflamada…
Assim se ficou a saber qual era a terapia para a inflamação das tetas das vacas e a técnica produtiva de leite. (Ilídio Mota Teixeira)