Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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22 de abril de 2020

José da Graça III ou Dois Contos, Verdadeiramente.



"Nada mais que na primeira página de O Século” de 10.01.1947. Continuo a citar ao acaso: “Ao fundo, canto inferior da última coluna do lado esquerdo, naquelas folhas enormes … a Dulcinda conhecia a dita família Graça, e a respectiva casinha no Paço da Comenda, ... a tal senhora Brasoneira também tinha existência certificada, mas,… não é que (…) era verdade, que o pai comprara a casa por dois tostões nas circunstâncias descritas no jornal! Grande correspondente de O Século que deu a conhecer o exemplo de generosidade que dispensava comentários …” (MFM) 







Sim, o editor deu-lhe o destaque merecido de primeira página e logo a primeira coluna da parte baixa. Agora, os jornais estão dobrados ao meio sobre as bancadas. Naquele tempo apresentavam-se de corpo inteiro, suspensos por molas de madeira. A parte alta era para ser lida pelos mais altos, mas o editor colocou a história de H. Mota logo na primeira coluna da parte para os mais baixos. De facto, “a gente de hoje nem imagina como a gente as lia”. 




                                                     



Aquela história do milagre dos tremoços de dois tostões. Belíssima alegoria daqueles tempos de tristeza do após grande guerra. Contou-a Henrique Pereira da Mota aos seus quatro filhos de então, à lareira, naquela noite de passagem do ano. Aguardavam o nascimento do José António, mais outro filho. Deitadas as crianças, H. Mota passou-a a escrito, o rascunho a lápis em duas costas de envelopes velhos. Seria enviada depois para o jornal, revista e reescrita com caneta de aparo, em papel timbrado “H. Mota, consultas da 9h às 12h”. 


Mas dois contos, de verdade? Dois contos, verdadeiramente. O de, cito “José da Graça, trabalhador que vive naquela casinha com a mulher e dez filhos pequenos…. – Ora! Se eu mal tenho dois tostões para tremoços – que é quanto me ficou da féria!”. Exclamações a mais? As bastantes. Em Lisboa, os operários ganhavam 17 escudos por dia e, no campo, as jornas seriam muito menores. Cito de algures “No sul, a maioria dos jornaleiros gastava 70% dos salários de todos os membros da família com a alimentação”. Alimentação insuficiente. 


Senha de racionamento.
    Naqueles anos de 1947 ainda estariam bem vivos os tempos das senhas de racionamento que se prolongaram por vários natais após a grande guerra. 




Na foto, o adulto lê notícias da catástrofe. A criança lê o outro conto, o daquele natal em que os dois irmãos de Lisboa estiveram no Paço da Comenda e, cito, “Então, é tua a casa. Dá cá o meio tostão de sinal e entregarás o resto quando se fizer a escritura. … que dispensa comentários.“ Não, a senhora J. de Jesus não disse toma lá a prenda de natal, mas disse, dá cá o meio tostão - comentou a criança. 

Esta história de natal foi contada e escrita na lareira da saleta na noite de passagem daquele ano, podem crer; que o testemunhem os meus irmãos mais velhos. Eu, por mim, lembro-me muito bem. Daquelas noites de inverno à lareira, à luz frouxa do candeeiro de petróleo. Candeeiro de sala, que os de vidro eram para os quartos e para a cozinha. Chaminés limpas a papel de jornal O Século.

 Ou teria sido contada no natal? H. Mota pensaria muito em M. da Graça, muito pobre e com muitos filhos; mas a casa H. Mota não era muito rica; era bem governada, com muito, muito trabalho. Mais um filho, pensaria. E mais outro e mais outro, haveria de pensar três vezes mais. Cito de algures “entre 1941 e 46 … o custo de vida aumentou de forma exponencial. Por exemplo, entre 1943 e 1944, o quilo do arroz e das batatas aumentaram, respectivamente, de 3$50 para 4$80 e de 1$20 para 2$40, o peixe, de 10 para 20$00, a manteiga de 4$20 para 9$20, o açúcar de 3$60 para 4$20 e um par de sapatos de 180$00 para 300$00. Os meus pais comiam pão escuro, que o de primeira era para as crianças. 

Cito “A notícia acima esteve quase, quase, a não o ser. Aqui no blog, evidentemente”. De verdade? Perdida depois de descoberta? [...] Eu gostei muito e estou grato.

Finalizo com a estatística: dois contos, dois tostões, dois casas de duas famílias, uma muito pobre a outra remediada, dois irmãos, dois José António, duas personagens, da Graça ele, de Jesus, ela."

                                                                                                                               Óscar Mota


21 de abril de 2020

Correspondentes


O termo correspondente remete-me para um tempo, que conheço através da literatura e do cinema, o correspondente de guerra,  um misto de espião, detective, literato e aventureiro. Desde aqueles que estavam inquestionavelmente do lado do bem, como o heróico Miguel Strogoff que tudo enfrenta para cumprir a sua missão ao serviço do Czar e, noutro registo, os "eu diria mais" trapalhões Dupond e Dupont das Aventuras de Tintim, até aos protagonistas dos meus queridos filmes noires, almas de morais ambíguas, que circulam no clima perturbador das noites obscuras de cidades violentas, mulheres duvidosas e manipuladoras, herós ainda mais, frios, cínicos, até cruéis. Jóias e vestidos decotados cobertos com sofisticados casacos de peles; fatos completos e gravatas, chapéus e cigarros em bocas com batom ou com barba, eis o figurino das situações desesperadas, fruto das fraquezas humanas, cheias de intriga, assassinatos e máquinas de escrever, a que estes filmes nos transportam, e que nunca cessam de me encantar, encarnados pelas fíguras míticas de Bogart, Joseph Cotton, Rita Haywoord, Orson Welles, Bacall e muitos mais.

Numa versão doméstica e mais terra a terra (num país onde não existe gente equívoca, é tudo a preto ou a branco), os grandes jornais nacionais, os regionais, os semanários, tinham correspondentes espalhados por todo o território, os quais conseguiam, assim, que o acontecimento da mais pequena aldeia, desde que merecesse evidente interesse, chegasse a todo o país. Esses correspondentes, eram, geralmente, pessoas interessadas na sua terra ou região, que procuravam pugnar por ela e que, cada qual no seu estilo, mais gongórico, clássico ou coloquial, acarinhava e prezava a sua língua mãe o melhor que sabia e podia. Depois, com o declinio da imprensa e, dizem, por razões orçamentais, os correspondentes  foram desaparecendo, não tendo a televisão, depois,  suprido essa falta, mais preocupada que estava com os "grandes desígnios" do que com a falta de estrada ou de médico na remota província. 
Hoje assiste-se ao fulgurante regresso do correspondente. Rapazes e raparigas perfilados "em reportagem" de microfone em punho, de madrugada ou na noite escura, ao frio, vento ou sol tórrido, lá se apresentam eles, as mais das vezes em frente a coisa nenhuma. E falam, falam, falam ...e voltam a falar, repetindo até à nausea as mesmas palavras entremeadas por lúgubres soluços  (sobre o crime que..., o julgamento que não..., a cabeça decepada de ...o corpo que ...), utilizando uma língua que já não se ouvia desde que o homo sapiens ganhou este estatuto. Eu, como a maioria das pessoas sensatas e que tentam manter-se saudáveis, bem tentamos fugir deles, mas, a menos que nunca liguemos a televisão, é impossível que eles, nem que seja só por breves segundos, não nos apanhem! Mas, cada vez havendo mais e em mais canais, tirem-me desta inquietação, sou só eu que acho que a gente passava bem sem estes correspondentes actuais, ou há mais alguém? * (MFM)



* Não senhores, não os quero mandar para o desemprego. Acho apenas que estariam mais bem empregues numa ocupação em que não fosse preciso nem pensar nem verbalizar.








                           




                                                























                           

Correspondente Ilustre



Em post anterior ,por causa de um equívoco, uma notícia que de inicio  parecia não se confirmar, apresentei as minhas  desculpas ao correspondente portodalegense de O Século, fosse ele quem fosse, por ter duvidado da sua seriedade.Sei agora quem ele era, julgo também saber que estou desculpada. O texto abaixo, escrito por um dos seus filhos, mostra-nos um bocadinho dele, na sua qualidade de correspondente. Conhecido o autor, resta-nos encontrar mais notícias suas (ajudaria se a família tivesse, pelo menos, datas) (MFM)



          

             


Em Porto da Lage, havia dois correspondentes dos 2 grandes diários da capital, o "Diário de Notícias" e "O SÉCULO". O sr. da Farmácia era correspondente do primeiro e o Médico do segundo.

E assim Porto da Lage começou a aparecer no mapa. O Editor do Século na altura era pragmático se não gostava, não publicava, doutro modo a notícia era publicada tal como o correpondente tinha escrito. O Médico gostava de histórias humanas na falta delas uma vez ou outra eram os animais domésticos os heróis da fita.

Tudo correu sobre esferas até que apareceu um novo editor que começou a alterar tudo, género Laje por Lage...  atá que o Médico decreveu a epopeia da Ti Maria do Correio, que 6 dias na semana, 3 x por dia vinha de Cem Soldos a Porto da Lage ajoujada ao peso do saco do correio.

Ela tinha uma doença qualquer que a fazia arfar como uma locomotiva, mas nunca faltou ao seu dever. Claro que toda a gente lhe dava boleia, se possível. Havia poucos carros. O Médico, sabedor da sua condição, não a deixava falar até ela estar completamente descansada o que demorava. De qualquer maneira, ele antecipava as questões dela e ia dizendo que ele estava bem, a esposa tambem  e que os meninos continuavam a fazer das suas. Isto ia-se repetindo até sendo ela mais velha, só à chegada a Tomar é que estavajá serena e disse:
- Oh Sr. Dr. eu agora já estou descansada, mas eu queria apear-me em Cem Soldos! 
O Médico voltou atrás para corrigir a omissão e no regresso a Tomar resolveu escrever a história da abnegação da Ti Maria do Correio. A enfase era o cansaço, tão grande que precisava de 8 kilometros a 30 Km/hr para se restabelecer.

O tal editor truncou a história e o bom da fita era agora o Médico que saia do seu caminho para levar os conterrâneos a casa. O Médico ficou fulo e perdeu o entusiamo para enviar notícias. Nessa altura, tentou convencer os filhos a fazê-lo, com pouca sorte. recordo apenas o filho do meio ter escrito algo sobre a calçada romana descoberta em S. Silvestre e uma história do mais novo sobre a pobre cadela Jolly que recebeu ajuda dos leitores do Século. Eu ainda pensei em escrever sobre o "Pobre Alegre" mas desisti...


A ligação João Pereira da Rosa - dono do Século - e do Médico  tinha duas facetas: o Médico tinha sido Redactor dum periódico de Coimbra "O Ponney" que era respeitado pelo correspondente em Coimbra do Século. Daí ser correspondente.


A outra faceta era a Colónia Balnear Infantil de "O SÉCULO" , ideia do João Pereira da Rosa, que em S. Pedro do Estoril tinha instalações para receber crianças do interior que ali passavam 15 dias deliciosos a apanhar o iodo caracteristicos daquela paragem. A selecção da miudagem era delegada aos Médicos das regiões mais desfavorecidas.


                                                                                                        Augusto Carmona da Mota

            

19 de abril de 2020

José da Graça II - Testemunho.




«Eu conheci o Sr José da Graça e muitos dos seus 10 filhos. Muitos deles  após a Escola Primária - onde foram meus colegas - vivem agora na Grande Lisboa; as primas gémeas são a melhor referência pois vivem perto da Mãe Gracinda, uma das filhas do Sr. José da Graça.






Trabalhei nos escritórios da Fábrica, durante umas férias. Lembro-me do Sr. Zé da Graça como ajudante de motorista. Este era o benfiquista Sr. Pombo, que tinha uma teoria imbatível em relação à condução sob os efeitos do álcool. Ora ambos só transportavam Álcool do figo.Dentro dos estomagos não iam figos. 

Aqui vem a lenda. O Sr Pombo achava que os acidentes eram devidos não ao excesso de álcool mas a pequena quantidade deste. Com pouco vêm-se duas estradas e é difícil saber qual a certa. Com excesso vêm-se 3 estradas e todos sabem que a do meio é a certa. Por isso se diz no meio está a virtude....


Eu lembro-me da mais velha, a Maria dos Anjos, que trabalhou lá em casa. Era uma moça bonita e despachada. Esteve um pintor de tabuletas a trabalhar no escritório cedido pelo Dr. Mota e ali ele pintava nomes no vidro para os diferentes clientes. Era muito boa pessoa mas tinha uma perna bastante mais curta o que o obrigava a ter uma sola muito mais grossa que a outra. De qualquer maneira  eles apaixonaram-se, casaram e foram para perto da Nazaré.... 

Perdi o contacto. Julgo que agora a Mª dos Anjos regressou ao Paço da Comenda.»

                                                    

                                                                                              Augusto Carmona da Mota

17 de abril de 2020

José da Graça I ou Outra História com Final Feliz ou Coisas de Tempos de Quarentena e ainda uma breve incursão pelos enjeitados




( O Post publicado antes a que dei o nome de Notícia Verdadeira, por querer pôr o enfâse no facto de a verdade ter prevalecido, não obstante tudo a dar como falsa, e de a voz do povo, às vezes, não reter tudo o que Deus quer, parece que afinal, vai ficar conhecido como o post  dos dois tostões. De facto a obra não é do autor, é de quem lê! -bela e modesta frase, caso não tenham reparado!- Pois que assim seja!
Os valiosos comentários que se seguiram e que vamos ler -cronologicamente por ordem de chegada- por estes dias, não vão ser só para entreter a quarentena, como disse o mais ilustre leitor deste blog, mas, sim, sobretudo, para mostrar que o que não falta é gente, com muito valor, na escrita, na criatividade e no conhecimento sobre Porto da Lage. A esses, que costumam ser sempre muito amáveis comigo e agradecer o que aqui publico, sem querer ser ingrata, só lhes digo que não precisam de o fazer, ninguém tira mais prazer do que eu no que faz. Mas já que tanto insistem, há uma maneira de compensar o que dizem gostar. Retribuam!)





Depois do último post, o meu irmão JJ telefonou-me a perguntar se o Joaquim da Graça seria um dos filhos da notícia. O Joaquim da Graça? Quem diabo era o Joaquim da Graça? Então eu não me lembrava que …. ? E eu: é verdade! Sabem aquelas histórias contadas inúmeras vezes pelos nossos pais e que a gente, enjoada, jura que vai lembrar cem anos que viva, de cor e salteado e com todos os pormenores visíveis e invisíveis? Pois, trata-se de uma dessas, mas as coisas, no final de contas, como vão ver, não se passam bem assim. 







Contava o meu pai que, uma vez em que entrava, a toda a pressa, no pátio lá nos Olivais, onde ele não esperava encontrar, a brincar, as criancinhas Graça, filhas de um trabalhador do meu avô, não sucedeu uma tragédia terrível ficando uma delas debaixo de uma roda de carroça (diz o JJ), do tractor (digo eu) que o meu pai conduzia, por lhe valer o irmãozito Joaquim que, num ápice, corajosamente, se atirou para a frente e a puxou. O Joaquim era, positivamente, o herói do meu pai! A forma viva como ele contava aquilo, o suspense, o ritmo, a cara aflita e resoluta do grande salvador, fazia-nos transportar a todo o drama daquele dia. Eu consigo, ainda hoje, vejam lá, ouvir o grito apavorado do meu pai por cima do barulho ensurdecedor do tractor, que era grande e verde, ao deparar-se com o pequenino à sua frente, prestes a ser esmagado! E depois, sentir o seu alivio e gratidão, quando tudo acabou em bem, graças ao grande Joaquim! Mas qual tractor? o pai tinha lá um tractor em 1950? contrapõe o JJ, era uma carroça, ele trazia, naquele dia, não sei o quê de Tomar!!! Mas como é que se vê alguém ser atropelado por uma carroça, não é primeiro pelo burro, pelo cavalo, seja o que for que puxa? digo eu cuja memória já é toda motorizada? (e depois se há coisa com que eu engalinho é que me desarranjem as memórias, o que com a idade piorou, aquilo não são construções ideais, são já factos, constituem provas, criminais, se for preciso!) Bom, questão em aberto, concluo que ser pai é, de facto, tarefa inglória, esforçam-se eles (e chegou a nossa vez de sermos eles), entre outros esforços, a contar-nos as mesmas histórias milhares de vezes a ponto de nos aborrecer mortalmente, para acabarem, os filhos, a discutir detalhes desta natureza! Mas, ao menos, duas coisas ele conseguiu que persistissem na nossa memória, o ambiente dramático vivido então, como numa canção, em que só ficou a música e a letra há muito se foi, e o Joaquim da Graça, figura que, enquanto foi vivo, o nosso pai nos mostrou, literalmente, ao vivo e a cores, sempre que a ocasião se proporcionava. – Olha quem ele é! – parava o carro, fosse onde fosse, perto ou longe, desde que o visse, o Joaquim não se livrava nem dele nem da própria história! Viu-o a última vez há poucos anos, num quintal da Beselga, onde eu fora tratar de arranjar quem me fizesse um portão de ferro. Estava eu a falar com o artífice em questão quando lhe chega o sogro, era o Joaquim da Graça, que logo me reconheceu, eu, de imediato nem tanto, mas bastou o inicio da história, para reatarmos a nossa amizade, velha de tantos anos, anterior ao meu nascimento!

Mas o telefonema do JJ trazia outra preocupação, sabia ele que a casa do Joaquim se situava no concelho de Tomar e o terreno adjacente em Torres Novas (ou seria o contrário? não interessa) tanto que pagava dois IMI, um a cada município. Mais, como por necessidades familiares o Joaquim se vira obrigado, em tempos, a alargar o espaço de habitação para o referido terreno, morava agora numa casa que fica metade dela em cada um dos dois concelhos! Este meu irmão que, além de saber tuuuuuudo (fosse este um blog de má língua....), é pessoa apoquentada por natureza, para não dizer cismática (não tens culpa, está-te na massa do sangue, uma coisa e outra!) inquietava-se como é que o Joaquim teria gerido a sua vida doméstica nestes dias de proibição de transição entre concelhos! Eu disse-lhe que não se ralasse pois não seria provável que as autoridades o autuassem , até porque não estariam lá, por o homem sair de um concelho, mantendo-se debaixo do mesmo tecto, para ir a outro, dormir ou à casa de banho. Mas, pegando-lhe na deixa, sugeri-lhe que fosse lá a casa, saber como as coisas se estavam a passar, dando-lhe as seguintes instruções: 1.Que não se esquecesse (o mais importante), de lhe dar cumprimentos meus,  2. Perguntar como estava a correr a quarentena inter-concelhos, 3. Tirar a limpo se a roda em questão era de tractor ou de carroça, 4. Saber se o pai tinha comprado a casa por dois tostões. Era tudo e não lhe custava nada. O que ele me respondeu, por não ser bonito, não conto, mas também não adiantou porque não me demoveu. Insisti. Que não, que uma pessoa não se apresenta, por esses motivos, em casa de outra (tretas, tens muito mais lata do que eu!) e, por fim, para me calar (pelo menos, isso, consegui!), que era grupo de risco e não podia sair de casa!

Pelo que, por falta de informação, não posso dizer, aqui, se esta família Graça, também com muitos filhos, cujo pai trabalhou para o meu avô, é a mesma da noticia dos dois tostões! Também não posso afirmar que, por serem Graça, fossem aparentados. Porque, se há apelido, como muitos aliás, que não têm raízes de sangue comuns, este é um deles. Também eu sou Graça e não tenho nada a ver, com estes, por exemplo, ou com outros que tenho encontrado por esse país fora. 




retirado daqui

Mas uma coisa em comum tenho descoberto entre as pessoas com este sobrenome. Temos um antepassado nascido, ou criado como dantes se dizia, em Tomar ou no seu concelho (ou, antes ainda, no seu termo), alguém que foi entregue aos cuidados da Misericórdia e que, em Tomar recebia o apelido da sua patrona, Nossa Senhora da Graça. No meu caso um Vasco, entregue na roda da Misericórdia de Lisboa, com a indicação de ter nascido em Sacavém (que se chamou Vasco, por, no dia em que chegou, o “livro de entradas” ir na letra V), depois entregue a uma ama de leite da Pedreira, Tomar (a “base de dados” das amas da  Misericórdia de Lisboa estendia-se por toda a antiga Extremadura até à fronteira, singular como aquelas mulheres se punham em Lisboa, a buscar as crianças, em menos de dois dias, sem contar que alguém as teria que ter avisado!) e, a partir dele, se formaram os Graças de que faço parte. Muitos mais há, um famoso é Fernando Lopes Graça, filho de um exposto, criado na Longra, freguesia da Beselga. Por isso, em Tomar, dantes se dizia, à boca pequena, tão pequena que se perdeu o dito (já quase ninguém o conhece, quando o proferi, há tempos, perante um Graça, mais novo que eu, muito ele se ofendeu, e põs-me no meu lugar declarando-me que, eu que falasse por mim, pois ele era filho e neto de gente muito bem casada!), mas tive a compensação de ter encontrado, há muitos anos, em Lisboa, a Teresa Graça, que o sabia por o seu pai ter remotas origens em Tomar, o que nos fez aproximar e ficar amigas até hoje “Graça é nome de Enjeitado”. (MFM)

Nota: já depois de ter escrito fiquei a saber que o Joaquim era filho do João, não do José da Graça. Eram três os irmãos Graça: José, o da casa dos 2 tostões, João (que trabalhou muitos anos para o meu avô, tendo o filho mais velho nascido nos Olivais) e Manuel, todos nascidos lá por inicio de XX, no Paço da Comenda  filhos de um ferroviário, cujo nome não apurei, e de mãe chamada Ludovina.


16 de abril de 2020

Rubem Fonseca










A Grande Arte é o último dos grandes livros que a língua portuguesa produziu. Recomendo tão vivamente como recomendo o grande Camilo. O sentido de humor, a ironia e a escrita seca e objectiva encantam-me. A violência e a brutalidade, para mim, já são um pouco demais e, por isso, alguns outros livros dele, francamente, não consegui....mas o mal é meu. Tinha 94 anos, era filho de portugueses, e, talvez por isso, ou não, escrevia como já ninguém. Estou sempre a repetir-me. (MFM) 



13 de abril de 2020

Noticia Verdadeira




                                   
Jornal "O Século" 10.01.1947







A notícia acima esteve quase, quase, a não o ser. Aqui no blog, evidentemente. No tempo devido foi-o e bem, nada mais que na primeira página de O Século. Ao fundo, canto inferior da última coluna do lado esquerdo, naquelas folhas enormes que a gente de hoje nem imagina como a gente as lia, nem eu já me lembro bem como era. Pois andava eu nas minhas pesquisas sobre um assunto que, talvez, aguma vez interesse a mais alguém além de mim, veremos, quando deparei com o que acima consta. 
Estranhei, estranhei muito. Não propriamente o insólito do relatado, que, não sendo propriamente normal ainda está nas coisas possíveis desta vida, mas estranhei sim, calculem, nunca ter ouvido falar em tal. Imaginem a minha petulância, agora já me arrogo o direito de saber todo o passado de Porto da Lage e arredores! É que fui, e estou, mal habituada! Tive a sorte, acompanhada de alguma curiosidade infantil e memória, de ter ouvido muita história em criança, que já aqui reproduzi (as reproduzíveis), tive, depois, a imensa ventura de ter a contribuição, neste blog, de pessoas extraordinárias que me encantaram, a mim e a todos, com as suas recordações de vida que nos transportaram para um tempo que ficaria para sempre esquecido, sem elas. Mas esta história nunca eu a tinha ouvido, nem da minha avó, grande transmissora de tudo o que sabia de pequena, nem de outras fontes mais recentes. Daí a minha dúvida. E, como sempre que dúvidas destas me assaltam, recorri à minha assessora certificada para as mesmas. E a Dulcinda deu razão às minhas suspeitas, estávamos perante fake newes, coisa velha como o Homem! Na época, os grandes jornais nacionais tinham correspondentes em todo o lado, gente empenhada, amiga de escrever, mostrar trabalho e levar o nome humilde e desconhecido da sua terra ao conhecimento do país! Nem sempre pelas melhores, ou verdadeiras razões, pelos vistos. Pois a Dulcinda conhecia a dita família Graça, (e, também eu fiquei a saber que conhecia uma das filhas, dona, juntamente com o marido, da primeira casa vizinha da nossa nos Olivais, construída num bocado de fazenda que também era nossa) e a respectiva casinha  no Paço da Comenda, casinha essa que ela, Dulcinda, sempre conhecera como propriedade do José da Graça sem este ter pago nenhum tostão por ela. A tal senhora Brasoneira também tinha existência certificada, mas, tudo o resto era falso. Acabava-se, portanto, por aqui, a notícia, que este é um blog sério, no que ao presente e ao passados diz respeito, quanto ao resto não posso garantir, que o futuro a Deus pertence.
Mas eis que a reviravolta se deu!  Não é que a Dulcinda, ao jeito de graça (esta língua portuguesa....), contou a alegada não-notícia a uma das descendentes Graça, e não é que esta a confirmou? Que era verdade, que o pai comprara a casa por dois tostões nas circunstâncias descritas no jornal! Perplexa (não posso imaginar o quanto, ainda hoje se deve interrogar como tal lhe escapou!) a nossa memória viva local  telefonou-me! Contrita, apresentei, de imediato, as minhas desculpas mentais ao correspondente portodalegense de O Século, fosse ele quem fosse. Se for vivo, terei todo o gosto em lhas apresentar de viva vóz! Grande correspondente que deu a conhecer ao Portugal de então, que ia do Minho a Timor, o exemplo de generosidade que dispensava comentários que partira do local pequenino que seria a sua terra.
Mas uma dúvida continua a atormentar-me. Por que motivo um acto desta grandeza morreu na memória popular enquanto outros, carregados de tristeza, mesquinhez e desgraça, persistiram e chegaram vivos até nós, como dignos de serem contados? Será que, colectivamente, só recordamos o que nos fez doer, que só o que deixa cicatrizes perdura? (MFM)


Nota: Esta notícia é antiga na minha posse, estava à espera de novos tempos para a publicar com mais ênfase, por exemplo, ter oportunidade de conseguir depoimentos dos descendentes de José da Graça. Mas, não sei quando voltarei a Porto da Lage e decidi que de hoje não passava. Não quero que estes tempos esquisitos vos impeçam de ter conhecimento desta intemporal, bela e esperançosa noticia, comprovativa de que o ser humano é o melhor que Deus, ou o que quiserem, inventou.

11 de abril de 2020

Páscoa




"Com flores de rododendro cor de fogo
anuncio aos sentidos
o milagre
da ressurreição.
E o Cristo vivo, em que se transfigura
a mais vil criatura
que atravessa a praça,
é como uma graça
a mais da primavera.
Ah, quem pudera
todos os dias
olhar o mundo assim, repovoado
de fraternidade,
quente de um sol desabrochado 
em cada pétala da realidade!"

Miguel Torga (1907-1995)






«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»



Ilustração retirada de  "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário,1971

7 de abril de 2020

Abril




Eu sou o Abril,
Sou o mês das flores, 
Cantam as aves, 
Despertam amores.


                                              Em Abril, águas mil coadas por um funil.




                         

«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»






Quadra, provérbio e ilustração retirados de  "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.


13 de março de 2020

Desta vez não vou para Porto da Lage




Na  Gripe Asiática, toda a família adoeceu em Tomar excepto o meu pai, que se ocupava a ir ao restaurante diariamente buscar comida e distribuí-la não só pela nossa casa, onde a minha mãe estava muito doente, mas também pelas de outros familiares, nas quais estava tudo de cama. Nunca perguntei quem lavava a loiça ou a roupa (só o nosso presidente poderia fazer lembrar-me destas minudências), mas o meu pai não foi de certeza. Eu, com meses, e o meu irmão mais velho fomos enviados para Porto da Lage, porto seguro onde, pelo menos aos Olivais, nada chegou.
Um outro meu irmão, que ainda não existia então, informou-me há horas, que está a pensar em "barricar-se" em Porto da Lage com o que mais lhe importa, a sua neta. Não perguntei se, com ou sem, o aval dos pais da criancinha, mas pareceu-me que o barricar-se queria dizer, também, dos ditos. Porto da Lage continua, assim, a ser, sempre, o nosso porto de abrigo, mesmo de medos imaginários. Eu, daqui da capital, tão linda, cujo belo céu azul só pode estar incrédulo com o que está a suceder debaixo de si, desejo-vos a todos muita, muita saúde e que seja breve, muito breve, este tempo mau que nos anunciam. (MFM)





2 de março de 2020

Março





Eu sou o Março,
Que sempre marcejo,
Farto as terras,
De água a desejo.




                                               Em Março, tanto durmo como faço

Pereira em Flor, 1910, José Malhoa




«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»






Quadra e provérbio retirados de  "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.

1 de março de 2020

Foi-se o Entrudo







«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»






Fonte: "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.


25 de fevereiro de 2020

À Maria para Cantar este Entrudo


A quem possa interessar, directamente ou como inspiração, aqui vai esta publicação que a Biblioteca Nacional fez o favor de desenterrar do seu vasto espólio e dar a conhecer, pelo menos a mim, neste Entrudo.  (MFM)

                                                         

                                      Se quiser continuar a ler...

24 de fevereiro de 2020

Vasco Pulido Valente



                                           



Deixa-me saudades a lucidez, a erudição e a escrita. Eu, que tenho um entranhado amor pela minha língua, não acredito que, em minha vida, volte a ler algo novo com tanta qualidade. Resta-me, cada vez mais, reler. (MFM)

1 de fevereiro de 2020

Fevereiro





Eu sou o Fevereiro,
Mês dos temporais,
Descubro as casas,
Esborralho os portais.









«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»




Fonte: "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.

20 de janeiro de 2020

Mosaico Romano





A obra Agiólogo Lusitano dos Santos e Varões Ilustres em Virtude do Reino de Portugal e suas Conquistasdo Padre Jorge Cardoso (Lisboa 1606-1669) refere a pags. 761 do Tomo III, como se pode ler na cópia do original, abaixo:  « ...toda a campina de S.Silvestre é povoada de casais, vinhas, pomares e terras de pão. E contra toda a diligência humana cada dia se descobre quantidade de telhões, pórticos e colunas que o tempo lança fora da terra. E no Carvalhal está uma fonte cuja água ia ter à Beselga por canos de chumbo, os quais apareceram há poucos anos junto à estrada que vai para a igreja, de que tiraram algum proveito seus pobres moradores.»

Sensivelmente 300 anos mais tarde o jornal "O Século" publica a seguinte notícia:


Jornal "O Século" 28.07.1959

Nos três séculos que mediaram entre as duas noticias, e antes, muito antes, percebe-se o proveito que estes e outros "tesouros" (leia-se o resto da transcrição do "Agiólogo") trouxeram aos "pobres moradores", as moedas minorariam a fome, os telhões, pórticos e colunas ajudariam no reforço das paredes e muros de casas e fazendas e até a guarnecer o leito alteroso da ribeira. Mas após 1959 o que foi feito? (MFM)


                                                 ....

...


   in Padre Jorge Cardoso, Agiólogo Lusitano dos Santos e Varões Ilustres em Virtude do Reino de Portugal e suas Conquistas, 1652-1666, edição facsimilada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com estudo e índices de Maria de Lurdes Correia Tavares, Porto 2002.                                           

16 de janeiro de 2020

Janeiro


Eu sou o Janeiro
Que espalho o meu grão
E peço a Deus
Boa Conjunção







                                                                                 «Do Natal ao fim de Janeiro
                                                                                                Crescem os dias um salto de carneiro.»

«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»



Fonte: "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.

12 de janeiro de 2020

Os Meses do Ano







                                                                                                      



Fonte: "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.

«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»


6 de janeiro de 2020

Saco Trazemos






Janeira pedimos,
Saco trazemos;
Deem-no-lo cá,
Que nós nos iremos.
Saco trazemos,
Saco levamos;
Venham-no-lo dar,
Que nós já nos vamos.

                                                                                                         

Si hortum in biblioteca habes deerit nihil


Fonte: "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.

3 de janeiro de 2020

Vigiando as Libras e os Dobrões






Excerto de " Coisas e Loisas de Tomar", pag.9, do Coronel Vasco da Costa Salema.



Seria desta perspectiva, encostado ao marco da direita que Vieira Guimarães "assistiu a todo o arrasar da casa, abrigado pelo chapéu de sol cinzento" (a)guardando a hipotética "panela com libras e dobrões"?


A nova "casa conventual", pouco depois de pronta.




A «Casa Conventual» com o J entrelaçado com o E de Emília.

Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil.