Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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3 de novembro de 2016

V Duas Semanas a Banhos no Agroal




V- DUAS SEMANAS A BANHOS NO AGROAL

1937! Ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tenho seis anos. Sou o sexto numa escala de sete filhos. Vivo no sítio de Porto da Lage muito perto do açude da ribeira da Beselga, numa casa muito grande que faz parte de um conjunto de edificações empresariais implantadas, contíguas à estação de Paialvo da linha de caminho-de-ferro do Norte. A área que ocupa é grande. É cercada por um muro alto com um portão e paredes de armazéns do lado da estrada que vai a Beselga; parede de armazém e casa de habitação orientada para nascente do lado do olival e um muro encimado por uma grade de ferro, do lado Norte, de frente à linha do caminho-de-ferro.
As edificações são ocupadas por uma saboaria desactivada, um armazém contíguo com caldeiras para a destilação de figos secos e extracção de água-ardente, dornas de madeira para fermentação e tulha de figos secos para destilar. Na ala oposta, outro armazém em todo o comprimento do terreno. Cerca de metade é dividido em dois pisos. O superior destina-se a habitação, o rés-do-chão a escritório e a depósitos de cimento armado para armazenamento de água-ardente ou vinhos.
Por esta parte deste armazém sob a habitação, entra a linha de caminho-de-ferro vinda do cais de mercadorias da estação. Entra por um grande portão, atravessa o edifício, sai de outro lado por outro portão e vai encostar a um cais contíguo, de lado.
Com o começo no muro da frente da estrada, parte em paralelo a esta edificação um alpendre que se estende até ao início de pavimento da habitação. No seu começo foi construído um estábulo de pedra e cal, com capacidade para recolher os animais que eram usados nos veículos de transportes de pessoas e materiais diversos.
No seguimento de estábulo e só como alpendre meio aberto recolhiam-se as carroças, as galeras, a charrete e um cabriolé de dois lugares, “tílburi”, com rodas de rasto de borracha. Ainda no seguimento do alpendre e em paredes-meias com o edifício da habitação, existe uma pequena casa de um piso elevado que teve como objectivo a acomodação do vigilante.


No exterior destas edificações existe um edifício bem construído, de pedra e cal, na margem direita da ribeira, contíguo ao açude cuja utilidade é desconhecida e que, certamente, fez parte do mesmo conjunto empresarial. A casa em que vivo tem cinco quartos, uma cozinha com uma grande chaminé, uma sala para refeições, um quarto de banho com sanita em grés, um corredor comprido para acesso a todas as divisões e um salão onde tenho um baloiço de corda atada a uma trave do telhado. 
                                         

                                           *


Passo os dias sem saber como. Corro atrás de um arco feito de uma pega de ferro de um balde da sucata adaptado por um ferreiro a pedido do meu irmão; cavalgo uma cana cortada da ribeira onde há muitas; vejo homens no pátio a rachar lenha e a empilhá-la para secar; vejo mais homens a conduzir carroças, a alimentar o gado, a retirar o estrume dos estábulos, a destilar figos nas caldeiras aquecidas com lenha. 

Conheço-os todos pelos nomes ou alcunhas. Em alguns tenho alguma confiança e até me ensinam a posicionar armadilhas para apanhar passarinhos. 

Também apanho ratos. Encontrei em casa uma armadilha para os caçar. Há muitos por aqui e alguns muito grandes, tão grandes que enfrentam os gatos. Vi um a arrastar um pinto para o interior do buraco. A galinha mãe tentou defendê-lo mas não conseguiu. Preparo a armadilha com um pedacinho de toucinho chamuscado para os atrair com o cheiro. Espeto-o no gatilho que está dentro e deixo a porta aberta, premida por uma mola, presa ao gatilho. Quando o rato entra para comer o isco a porta fecha-se. Assim preparada, é colocada junto dos buracos, na arrecadação das farinhas, dos cereais, dos fenos, etc. Quando os apanho cometo uma barbaridade inocente: mergulho-os na ribeira dentro da gaiola.

*
De quando em quando faço recados a mando das minhas duas irmãs mais velhas. Vou à loja que fica em frente da estação do caminho-de-ferro; vou pelo carreiro da levada. Outras vezes vou ao padeiro, pela estrada porque é mais perto. Vou e volto sempre a correr. Quando os recados são complexos, as minhas irmãs dizem-me: vai a canta-los! Quando algum falha…volta pelo mesmo caminho!
As pessoas mais velhas, os adultos, por comodidade ou para se ocuparem, unicamente, de afazeres de elevada importância, valem-se dos mais novos para os menores. Eu, na família, sou o mandarete e gosto de o ser.



Fiz agora um recado que me valeu uma moeda de dois tostões, vinte centavos. Estava ali na borda da ribeira a tentar pescar um peixinho quando um homem me chamou da estrada que passa aqui perto. Larguei a cana e fui ter com ele que me disse: vais ao correio, que é na loja em frente da estação do caminho-de-ferro, e perguntas se há correio para mim, e disse-me o nome. Parti a correr pelo carreiro da levada, não me esqueci do nome, e entrei na loja. Não havia carta. Voltei pelo mesmo caminho, sempre a correr, e disse ao homem de preto que tinha ficado ali à minha espera. Tirou do porta-moedas uma moeda de 2 tostões e deu-ma. Fui guardá-la a casa e voltei à margem da ribeira onde havia deixado a cana e continuei a tentar pescar um peixinho.


O homem vestido de preto deve ser seminarista ou padre. Sei que os rapazes que frequentam o seminário usam roupas pretas. Alguns são da Beselga, das Moreiras ou da Assentis. Vejo-os passar pela estrada quando se dirigem ao comboio.

                                                                 *

Na ribeira, antes do açude, há muitos peixinhos que eu tento pescar. O meu irmão que frequenta uma escola comercial em Tomar comprou um anzol em alguma loja da cidade e eu, com uma linha branca de coser roupa que retirei do açafate de costura atada a uma ponta de uma cana seca que retirei de um molho delas que estão reservadas para armar nos canteiros dos feijões e algumas minhocas que desenterrei com uma enxada na terra húmida de uma estrumeira, tento pesca-los mas é difícil: mordiscam o isco sem abocar o anzol.



                                     *

Não sei o que significam os meses do ano. Só sei que há o tempo das cerejas, das favas, das ervilhas, das ceifas do trigo, das debulhas nas eiras, das uvas 


e vindimas, da feira de Santa Iria em Tomar onde fui uma vez com os meus pais numa carroça, o dia de todos os santos em que se cozem no forno bolinhos doces com erva doce e canela e se anda de porta em porta a dizer: bolinho, bolinho em louvor do seu santinho. 


Da azeitona e do Natal quando o menino Jesus entra aqui em casa pela chaminé e vem deixar nos sapatos que lá deixamos uma simples peça de roupa ou um tosco brinquedo. Neste tempo as minhas duas irmãs mais velhas fazem uns doces de abóbora com farinha e outros de massa de pão distendida. Depois de fritos à lareira são polvilhados com algum açúcar e canela. Estas “iguarias” preparadas na noite que antecede o dia de Natal. Na manhã seguinte e dia santificado vamos todos à missa menos o meu pai, que por norma, nunca vai a alguma. É oficiada na igreja de S. Silvestre, às nove horas, que fica perto se formos por atalhos.
Quando a missa termina, o padre dá o menino a beijar no pezinho. As pessoas vão em fila, um por um, dão o beijinho no pé do menino que o sacerdote limpa com um paninho impregnado de álcool e depositam uma moeda, nem todos, numa bandeja pousada numa mesa. Dizem as pessoas mais velhas para iludir os inocentes infantis que o dinheiro oferecido se destina à compra das prendas que o menino fará para vir depositar no sapatinho, no próximo Natal.
Não compreendo que haja todos os anos um menino Jesus. Os meninos só nascem uma vez. Perguntei à minha mãe mas não me respondeu. (IMT)

continua....

Desenhos de Maria Keil e Júlio Pomar em papel e azulejo.

27 de outubro de 2016

IV Muros de Protecção

IV - Muros de Protecção

Seguindo-se o curso da ribeira para montante do açude, encontra-se na margem esquerda uma barreira de terra ou mota coberta de canas, silvas e arbustos. Continuando-se o percurso encontra-se um muro de pedra e cal com alguns metros de comprimento.

Observando-se esses elementos, deduz-se que a construção do açude obstruiu a passagem da água, desviando-a em parte do leito do rio e invadindo a várzea, sendo por isso necessário construir as motas e os muros.

 
.....outro muro de protecção à mesma várzea
que se inicia no açude pela margem
esquerda
Há outro muro de protecção à mesma várzea que se inicia no açude pela margem esquerda, prolonga-se até à foz do ribeiro da Longra, sobe pela margem direita deste ao longo de cerca de cem metros; 








....à foz do ribeiro da Longra, sobe pela
 margem direita deste ao longo de cerca
de cem metros





















na zona do olival existe outro muro que principia na estrada do olival próximo da ponte de cimento, flecte para a esquerda e acompanha o leito da ribeira por uma centena de metros. 

.... zona do olival existe outro muro...
....é o que ladeia, hoje Estrada Real – pela margem
esquerda do ribeiro da Longra
 ....
























Um outro muro que deve ser referenciado é o que ladeia, hoje Estrada Real – pela margem esquerda do ribeiro da Longra e principia perto da ponte de cimento.

Estes muros na margem esquerda da ribeira têm como objectivo a defesa da várzea e do olival durante as enxurradas muito violentas e frequentes nos invernos. 
O muro da margem direita que tem início a curta distância do açude e que ladeia a estrada que vai a Beselga – da qual se afasta alguns metros mas que continua por umas centenas de metros – foi construído para amparo de terras de cultivo.



....e que ladeia a estrada que vai a Beselga ...(1)
Quem mandou construir estes muros? Não foram os proprietários das terras destes últimos 150 anos. São do âmbito público mas não consta que tenha sido algum órgão governamental. Resta a Ordem de Cristo com as suas Comendas.
Ao sítio de Porto da Lage dirigiam-se as estradas de Torres Novas, Tomar, Paialvo, Ourém, as quais seguiam para Santarém, Leiria, Coimbra e demais cidades e vilas. Devido à sua situação geográfica e aos seus recursos naturais, terá sido um local de abrigo com algum albergue onde os almocreves se acolhiam, com os animais carregados de mercadorias que mercavam. O nome do sítio assim o alvitra: Porto= abrigo, Lage? De lajes? O leito da ribeira depois do açude e o ribeiro da Longra têm os fundos em lajes. (IMT)

(1) Imagem (aguarela?) encontrada no facebook há dois/três anos sem nome de autor. Se souberem quem é, por favor, digam-me para o poder identificar aqui.(MFM)

26 de outubro de 2016

III Lagares de Azeite

III – Lagares de Azeite
  
Na primeira casa de habitação que se encontra à margem da estrada, do lado direito para quem se dirige para o Paço da Comenda, partindo da ponte de cimento que atravessa a ribeira da Beselga, esteve instalado um lagar de azeite totalmente manual que, no final da década de 30 do último século, foi mecanizado. 
O primitivo funcionava como os dos tempos remotos: uma vaza redonda onde três galgas de pedra rodavam pisando os bagos de azeitona, puxadas por uma animal; uma prensa de vara em madeira e umas tantas fontes de barro com formato próprio para receber a almofeira e decantar o azeite. Na povoação de paço da Comenda funcionou um outro lagar com as mesmas características.





O terreno onde este antigo lagar está instalado pertencia a uma quinta que fora adquirida por um chefe de governo, em hasta pública, quando das nacionalizações dos bens das ordens militares, dos conventos e das igrejas em 1836. No último quartel do século XIX esta quinta é propriedade dum agricultor da freguesia de Assentis, Manuel de Sousa Rosa, e que, após a sua morte, é repartida pelos seis filhos. A um deles cabe o quinhão em que está implantado este lagar. Esta herdeira por sua vez, divide o quinhão recebido por seis dos sete filhos. O que herda o lagar altera-o, anos mais tarde, para mecânico como vem a desaparecer.
A prensa primitiva obedecia ao princípio das alavancas: fulcro, potência e resistência. Neste modelo a alavanca é inter-resistente.

Para aumentar a potência da prensa, era aplicado um sarilho de madeira com uma tranca atravessada a meio, accionada por dois ou mais lagareiros. Houve outras que usaram o parafuso de madeira e a mesma tranca.
                                            

Nesta área da ribeira da Beselga e da Comenda ainda existem olivais que forma plantados há já alguns séculos – para extracção do azeite eram necessários os lagares.

As Comendas foram atribuídas pela Ordem de Cristo; às Comendas foram atribuídas terras e nelas plantadas as oliveiras para frutificarem e proporcionarem rendas valiosas em azeite – como as azenhas ou moinhos em farinha e o pastoreio em gado. (IMT)

Nota: as imagens a preto e branco com as respectivas legendas foram retiradas do livro A Oliveira e o Azeite na Região de Tomar,  Usos e Costumes, de Manuel Guimarães, edição da Junta Nacional do Azeite, 1979 (MFM)


Adenda:

Para ilustrar o "Lagar do Ilídio",  HCM enviou o seguinte:


«Para ilustrar o Lagar do Ilídio, envio um esquema que retirei na net (alterei uma designação: onde estava Fuso, escrevi Parafuso)


      



Creio ser claro que as tarefas em forma de cabaça serviam para decantar - “como a verdade, o azeite vem sempre ao de cima”; o bojo menor ficava para baixo e tinha um furo por onde saía a borra quando se tirava o pau (espicho) que o rolhava.
A cintura estreita da “cabaça” servia para evitar que a concha com que se tirava o azeite da tarefa trouxesse também borra.

Assim se iam das leis da física utilizando.»  H.C.M.

24 de outubro de 2016

II As Azenhas

II- As Azenhas


A ribeira da Beselga no seu ancestral percurso, deparou-se com um obstáculo de rochedos calcários num local, mais tarde denominado sítio de Porto da Lage, que transpôs e vem a formar uma bela cascata de águas claras quando são passadas as violentas enxurradas periódicas no Inverno.


.....e vem a formar uma bela cascata de águas claras... 


Em data desconhecida, a Ordem de Cristo fez construir sobre a barreira de rochedos um muro de lajes, ligadas entre si por grampos de ferro firmados por chumbo, em toda a largura da ribeira, criando assim um açude com duas comportas para eventuais descargas.
Esta obra teve como finalidade o aproveitamento da energia hidráulica para movimentar as mós duma azenha a cerca de quinhentos metros a jusante. Para conduzir as águas até ela, valeram-lhe o declive do terreno, canalizaram-nas através duma levada emparedada por muros de pedra, cal e motas.
À saída do açude houve que construir um túnel, também de pedra e cal, sob a estrada que margina a ribeira e conduz às vizinhas povoações de Beselga e Assentis. Sob mesma estrada e a curta distância, há outro mais pequeno para esvaziamento completo da levada, quando necessário. 


Já perto da azenha atravessa de novo a mesma estrada sob
lajes de pedra.
Já perto da azenha atravessa de novo a mesma estrada sob lajes de pedra. A água depois de movimentar as mós da azenha, volta ao leito da ribeira, retomando a sua marcha interrompida a caminho do mar na companhia do Nabão, seu mais próximo vizinho, do Zêzere e do Tejo.






Esta obra não pode deixar de ser atribuída senão à Ordem. Era dona e senhora de todos os curso de água e…dos ventos.
....as azenhas e os lagares do rio Nabão, em Tomar...

O último operador desta azenha até à década de 50 do último século, era filho de um indivíduo natural da povoação de Cem Soldos que no início do século XX adquiriu as azenhas e os lagares do rio Nabão, em Tomar, as quais haviam sido vendidas em hasta pública depois de terem sido confiscadas à Ordem em 1836, pelo poder político de então.








Subindo-se o curso do ribeiro da Longra, também conhecido pelo ribeiro da Quinta, desde a foz, encontra-se a pouca distância uma pequena represa construída de pedra e cal com uma pequena comporta de ferro, edificada no topo duma pequena queda do leito do ribeiro. 


Subindo-se o curso do ribeiro da Longra...desde a foz ...



Desta represa parte uma estreita vala, pela encosta duma elevação, que conduz a água que vai fazer rodar as mós duma moenga.
Observando-se os pormenores da sua construção, é de admitir sem dúvida, ter sido edificada há muitos anos e por quem tinha bons conhecimentos destas fontes energéticas; os frades da Ordem tinham-nos.
Continuando a subir e seguindo o curso do mesmo ribeiro, já muito próximo duma das suas nascentes, existe outro ressalto encimado com uma laje de pedra. Neste local funcionou há muito tempo uma pequena azenha que veio emprestar o nome à propriedade em que está inserida, bem como à mina e à fonte que lhe fornecia água.



A água que movia o moinhoto, brotava duma fenda num maciço rochoso no sopé dum pequeno monte e que era retida num grande reservatório, de grossas paredes de pedra e cal, fundo lajeado, durante a noite e parte do dia. Depois era encaminhada por uma vala até à azenha.
A Ordem, na procura de maior caudal, minou a rocha maciça numa extensão de cerca de dez metros em forma de túnel com dimensão para uma pessoa adulta de estatura normal, poder entrar de pé, de braços estendidos lateralmente e percorrê-la até ao fim.



A obra é digna de ser apreciada, não só pela sua utilidade como também pelo seu enquadramento paisagístico. Facejaram uma área do rochedo, delinearam a entrada e seguiram-na até ao fim, com uma ligeira curva, à força de picão e marreta.
Na minagem da fonte longos anos terão sido necessários para a realizar. Qual a data da sua execução? Era tradição popular dizer-se que é do tempo dos mouros, quando se desconhecia a idade dum monumento.
A completar a excelente obra que é a mina e o grande tanque, está outro mais pequeno, distante do maior cerca de trezentos metros, com as mesmas características de construção e que se destinava à rega dos terrenos vizinhos. A água para o abastecer era encaminhada por uma regadeira desde o tanque grande.

Há ainda que referenciar no âmbito das azenhas e nas mesmas terras, duas construções com alguma importância: uma casa de pedra e cal sem qualquer revestimento nas paredes, de cércea baixa, que terá sido utilizada para redil de ovelhas e outros animais. O último proprietário destruiu-o e vendeu a pedra: defronte desta casa havia duas ou três cerejeiras de grande porte que tiveram o mesmo destino. A outra construção é um muro de pedra solta em forma de L no terreno defronte do grande tanque; um dos lados encaminhava a água da fonte para o moinhoto, o outro impede o arrastamento das terras pelas águas das chuvas que no inverno descem das vertentes circundantes.(IMT)

23 de outubro de 2016

I Paço da Comenda

 I- Paço da Comenda





Pequena aldeia da freguesia da Madalena no Concelho de Tomar, a oito quilómetros desta cidade e dezoito de Torres Novas.

É servida por uma Estrada nacional e pela estação de   caminho-de-ferro da linha do Norte de Paialvo que em  tempo recuado servia a cidade de Tomar. Pela  povoação passa uma estrada muito antiga, agora     denominada de Estrada Real, que conduz à povoação de Fungalvaz e às cidades de Vila Nova de Ourém e  Leiria.    
As suas habitações mais antigas, de cércea muito baixa e espaços úteis de pequenas dimensões, foram os lares dos jornaleiros e suas famílias.


revisor de material
maquinista e fogueiro


Outras, mais recentes, já de cércea mais elevada são já propriedade de ferroviários que trabalhavam na via-férrea ou prestavam serviços na estação ou de modestos agricultores proprietários. 
O topónimo desta povoação está interligado com a Ordem de Cristo de Tomar. Ordem militar muito antiga, do séc. XIV que sucedeu à Ordem dos Templários,  implantada em Portugal pelo cavaleiro templário Gualdim Pais, no reinada de D. Afonso Henriques.
Esta ordem militar era senhora de numerosas e imensas comendas, entre as quais a Comenda da Beselga que, segundo informações do médico Dr. José Maria Sousa na sua obra “Thomar” editada em 1903, se estendia por toda a margem esquerda da ribeira da Beselga. Não informa os limites.

  Por esta informação a Povoação de Paço da Comenda está implantada na área da comenda da Beselga e o seu nome advém de paço (residência de pessoa nobre, casa senhorial) da Comenda, porque pertencia à Comenda da Beselga




Há uma casa de habitação numa área próxima do leito da ribeira que, pela qualidade de construção e arquitectura, local de edificação e terreno hortícola e que se destaca entre todas as que lhe estão próximas. Foi, como tudo indica, o paço da Comenda e, possivelmente, a residência de algum comendador.
Em data recente a Câmara Municipal de Tomar e Junta de Freguesia da Madalena deram nome, Largo do Comendador, ao pequeno espaço defronte deste edifício.(IMT)

N.A.- Comenda: porção de terras com que oficialmente se recompensavam serviços prestados por nobres, cavaleiros de ordens militares e eclesiásticos)

Fotografias de operários da CP retiradas daqui  (MFM)

21 de outubro de 2016

Apresentação

Os parágrafos que seguem abaixo são os que encerram o livrinho de Ilídio Mota Teixeira intitulado "Terras da minha memória". Naqueles, o autor faz um resumo e emite explicações sobre os dois grandes temas que aborda: os locais e paisagem do "lugar da sua origem e dos seus mais próximos antepassados" e as lembranças da sua tenra idade.
Decidi, no entanto, colocá-los já aqui, no inicio, como introdução, para que, desde já, saibamos o que nos espera, antes de começar a ler "o livrinho" e antecipemos, com avidez, os próximos "capítulos." Os restantes textos irão surgindo conforme a ordem estabelecida no livro.




Imagem retirada de "Ribeira da Beselga" de Óscar Mota
«...Neste despretensioso apontamento sobre Paço da Comenda, do açude com a sua levada e azenha, das motas e dos muros da várzea e da ribeira, da famosa mina da fonte do moinhoto, da pequena azenha do ribeiro da Longra, dos extintos lagares de azeite, do vivente olival, tenho como finalidade apoiar as minha memórias deste lugar da minha origem e dos meus mais próximos antepassados e também para despertar alguma curiosidade dos que habitam nestes lugares.




Ilídio, Dulcinda e Estela.
As lembranças da minha infância e puberdade dirigem-se aos que se seguem na via da continuidade para poderem arquitectar de algum modo o meu quotidiano no seio da família nesses tempos tão distantes com modo de viver tão diferente do actual. As carências eram muitas e as achegas inexistentes. No entanto recordo com encanto e muita saudade a minha infância a caçar ratos, a tentar pescar peixinhos da bela ribeira e no encantador ribeirinho da Longra, a fazer recados a correr, os mergulhos forçados no Agroal, a imaginar o menino Jesus e o S. Pedro a descerem pela chaminé da lareira coberta de fuligem e com uns pequenos orifícios no topo de saída, a cantar as lengalengas com as minhas irmãs, os açoites de minha mãe quando me ausentava para distâncias fora da sua vigilância, do som do pio dos mochos no olival ao anoitecer na Primavera, do som cadenciado das cigarras no início do Verão, da chegada das andorinhas a anunciarem a vinda da Primavera, do belo espectáculo da água clara da ribeira a cair do muro do açude sobre o fundo rochoso, o verdejar dos primeiros rebentos das videiras, o florido de rebentos de canas com as flores azuis e brancas das margens do ribeiro, das belichas de farinha de pão de trigo barradas com azeite, açúcar e canela quando minha mãe cozia pão ao Sábado para comermos durante a semana...» (IMT)


Desenho de Maria Keil




19 de outubro de 2016

Mais sobre Ilídio Mota Teixeira


 Quando Ilídio Mota Teixeira  completou oitenta e dois anos a sua filha Luísa  e a neta editaram um pequeno livro "a "graça" que lhe resolvemos dar na altura", para distribuição familiar, "livro de histórias compiladas que o convenci a escrever algures em 2012", conforme diz a filha. Foi antes, portanto, da sua colaboração no blog, pois, exclusivamente para este, “fez questão de  produzir  [outras] pequenas histórias que ele considerou serem mais apropriadas a quem as iria ler" (palavras dele, reproduzidas também pela Luísa).
Sorte nossa, ficámos a ganhar. Porque, com toda a generosidade, a família consentiu que todos nós tivéssemos acesso, agora, a mais umas preciosas pérolas saídas da memória, do talento e da sensibilidade do Ilídio.
Vamos, assim, a partir de hoje, deliciarmos-nos todos, estou certa, mais uma vez com mais estes apetitosos nacos de prosa cheios de sabedoria, encanto e amor à terra mãe, cuja qualidade já conhecemos.
Como resposta ao pedido que lhe fiz  para que nos fizesse a apresentação do trabalho do pai, a Luísa mandou-me isto: 
"... envio duas fotos dum pequeno e simples "memorial" que instalámos na pequena propriedade da Serrada, tendo como mote uma nogueira antiga. Uma última homenagem que quisemos fazer na terra que o viu nascer: Porto da Lage.
Os versos que inscrevemos na caldeira da árvore, são da autoria do nosso pai; os mesmos que ele redigiu no final deste livrinho. E mais não digo, porque me faltam as palavras quando me sobra a saudade".


E lá está, na margem direita do ribeiro "da quinta", para quem o quiser ver ao vivo, um belo e genuíno tributo ao amor verdadeiro. Felicitações ao Ilídio, pela família que criou.





                                        Ao ribeirinho da minha infância
                                       Ribeirinho das duas pontes
                                      De verdes margens e canaviais
                                      A correr em suave bonança

                                      Ao canto dos grilos entre trigais
                                     Nas tuas águas também brinquei
                                     Com rústica cana, linha e anzol
                                    Barquinhos de papel também deitei
                                    A navegar balançando ao sol