Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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26 de abril de 2015

Henrique, o Primeiro.


Uma das "histórias" da origem de Porto da Lage que a tradição oral conta é que a estação de Paialvo ficou localizada no local onde está por o proprietário da Quinta de Porto da Lage ter oferecido a quinta,  numa versão, ou parte da quinta, noutra, para que nesse terreno fosse erguida a estação, obtendo como contrapartida o cargo de chefe da mesma estação para o filho.


Archivo Pittoresco, 1858, pag. 265
Nas pesquisas que fiz na REFER, nada encontrei sobre isso (1).
Mas confirmo que Henrique Maria de Sousa, o tal filho de João Manuel de Sousa, foi chefe da estação de Paialvo. Parece mesmo que foi chefe antes sequer de haver estação, pois em 1 de Janeiro de 1864 foi baptizado Henrique, filho de Manuel Vieira Adão e Rosa de Jesus, do Corujo e o padrinho é, nem mais nem menos, este Henrique Maria de Sousa intitulado ali "chefe da estação de Paialvo", isto quando a linha do Norte, mais precisamente o troço Entroncamento - Soure, é inaugurado apenas em 22 de Maio desse ano! A  propósito de baptismos, sugiro a quem se chama Henrique, na freguesia da Madalena, que investigue se na origem da escolha do seu nome não está este senhor que era danado, salvo seja, para ser padrinho de Henriques, os quais, por sua vez, terão sido padrinhos de outros afilhados e daí o nome se ter perpetuado na freguesia.
Pois este nosso "chefe da estação de Paialvo" terá permanecido no cargo até 1871, data em que deixa de ser mencionado desta forma nos registos paroquiais, voltando a ser "proprietário", como era designado antes, até 1883, último ano em que se ouve falar de Henrique Maria de Sousa na Madalena. Voltei a encontrá-lo em 1893, era ele "aspirante das alfândegas" e residente na cidade do Porto, numa escritura em que vende, juntamente com o irmão e as irmãs, uma casa em Porto da Lage, "perto da estação", a Faustino dos Santos de Porto Mendo. Nascera em 25.11.1838, constava como solteiro e foi o último descendente, a viver em Porto da Lage, do Desembargador Raimundo José de Sousa, era irmão do Dr.João Maria de Sousa (MFM)
Actual Estação de Santa Apolónia, Archivo Pittoresco, 1866, pag. 1 


(1) Como sabem, a antiga CP dividiu-se, numa destas iniciativas governamentais não sei de que governo, eles são sempre o mesmo, para fazer face aos novos tempos e aos novos desafios, deve ter sido isso, em duas empresas: a CP que gere os comboios e a REFER as restantes infraestruturas, as linhas e as estações genericamente. Quando dividiram "os trapos" dividiram tudo, incluindo os arquivos sendo que, segundo me dizem, a velha CP,quando tudo estava à sua guarda,  tinha tudo organizado e disponível para consulta. Quando tentei saber onde procurar  informações sobre a formação da Linha do Norte em geral, e da Estação de Paialvo em particular, a REFER apenas tinha no seu site uma alusão ao 150.º aniversário do inicio dos caminhos-de-ferro que ocorrera, salvo erro em 2006 e mais nenhuma referência histórica fosse a tempo ou a lugares. Como, pelo contrário, a CP exibia uma morada e horários de abertura ao público do seu arquivo, lá fui eu numa jornada que me ficou marcada na memória pelo esforço escalatório a que me obrigou. Ficando na Calçada do Duque e podendo eu lá chegar de duas formas, em vez de descer subi, e sendo a morada pretendida numa ponta, não deixei nenhum centímetro da calçada por ascender (não é galicismo, confirmei) naquela tarde de forte Verão. Chegando lá acima, contentíssima comigo como será de calcular e quase morta de cansaço, deparei-me com uma senhora muito simpática que, depois de me deixar sentar, me disse que o que eu queria existia sim senhor, mas já não estava na posse da CP, tudo seguira para a REFER, tanto quanto sabia estava num armazém na expo e não disponível ao público, contactos não tinha, mas alguém lá do arquivo tinha um e-mail de outro alguém que se transferira juntamente com o espólio e fez o favor de mo dar. O meu correio para o tal e-mail teve como resposta uma inquirição completa sobre a forma como eu o conseguira, coisa a que me recusei a responder; eu tenho-me por pessoa grata e quem me dá uma cadeira em certas circunstâncias da minha vida é como se desse o cavalo ao outro senhor que o trocava pelo reino. Passado este capítulo e tendo sido aceite que as minhas intenções não eram espiar as secretas maquinações da empresa, que eu nem sonhava existirem mas passei a suspeitar, quiseram saber ao que eu ia, ao que, depois de me mandarem esperar vários dias, responderam que não era ali. Então era onde? Deram-me as relações públicas. Que sim, iam tratar do caso, responderam as ditas relações, mais um mês, nenhuma resposta. Aquilo havia de ter tutela, pensei, fazem greves logo têm tutela, fui-me ao site do governo, descobri a Secretaria de Estado que havia de mandar alguma coisa nos senhores das linhas férreas e apresentei a devida queixa, anexando os mails do percurso da minha cruz ferroviária até àquele momento. Dia seguinte, um mail de uma senhora para eu ir à sede da REFER explicar o que queria. Disse-lhe que agradecia mas a minha vida não era aquela, tinha mais que fazer e o que eu queria estava por mais evidente. Iria, sim, mas ao local onde estivessem os documentos que eu desejava consultar. Eu que dissesse o que queria exactamente que ela ia buscar. Mas se eu não sabia exactamente o que havia, como lhe poderia pedir? -Então se a senhora não sabe o que quer porque é que nos anda a incomodar? Anexei o edificante diálogo e reenviei-o para o Secretário de Estado. À tarde, novo e-mail de outra senhora dizendo-me que teria à minha disposição para quando eu quisesse, tudo o que lhe fosse possível encontrar sobre a Estação de Paialvo. E assim cheguei à sede da REFER que, para quem não saiba, eu não sabia, fica no edifício da estação do Rossio, sim, aquele neo-manuelino, onde, para se entrar se precisa de ultrapassar cento e cinquenta seguranças e correspondentes "pórticos" (está muito além da minha compreensão o motivo de tanta segurança em certas empresas, sobretudo nas deficitárias, nem ouso imaginar do que se querem proteger) e lá me esperava em cima de uma secretária de uma senhora (penso que engenheira de obras, nada que tivesse a ver com arquivos), um maço de documentos referentes "ao alargamento da estação de Paialvo em 1929". Fora o que a boa-vontade da senhora conseguira. O processo, bastante completo, ia desde a publicação no diário do governo da necessidade da expropriação até à correspondência, um a um, com os expropriados e respectivas negociações. Notável na resiliência e persuasão é Ana de Sousa Rosa viúva de Manuel Escudeiro, que consegue, depois de meses batalhadores, que lhe paguem terrenos de mato, herdados do pai, ao preço de outros, agrícolas, com o argumento de que iriam servir para o mesmo. Felizmente este processo continha a planta original do troço da linha férrea entre os quilómetros 119 e 120 da linha do Norte, datada de 1859. Pedidas cópias, consegui aquela planta de localização que indica meticulosamente os  terrenos por onde a linha virá a passar, entre os quais está indicada a Quinta de Porto da Lage e mais fazendas dispersas, pertencentes ao dono da quinta e a outros proprietários. 
Pude concluir, desta minha aventura, que a Quinta não era a exclusiva proprietária dos terrenos na área onde se localiza a estação e, o que eu queria fundamentalmente saber, não havia qualquer malha urbana por ali. Apenas se pode ver uma edificação. Do processo de expropriação dos terrenos nada consegui, pelo que não pude confirmar se João Manuel de Sousa, o dono da Quinta de Porto da Lage teria oferecido algum pedaço daquela à Real Companhia dos Caminhos de Ferro, muito menos a troco de quê.

16 de abril de 2015

" Aranjuez Com Teu Amor "



O Concerto de Aranjuez de Joaquin Rodrigo é a obra musical espanhola mais interpretada em todo o mundo, particularmente  o seu adagio que nos habituámos a ouvir nas ruas interpretado pelos grupos sul-americanos, sobretudo os incas peruanos que, debaixo dos chapéus e envoltos nos ponchos o fazem assobiar a partir das suas flautas. A minha versão preferida era a cantada por Amália Rodrigues em francês, gravada em 1967. Descobri agora uma versão portuguesa de David Mourão Ferreira. Para aqueles que, tal como eu, adoram Amália de todas as formas e feitios aqui fica. (MFM)






14 de abril de 2015

A Torre do Tombo e Todos Nós

Torre do Tombo actualmente, Alameda da Universidade, Lisboa


Se me perguntassem qual o serviço que conheço, público ou privado, que presta o melhor atendimento e mais bem serve a sua clientela, eu não hesitaria um segundo na resposta – a Torre do Tombo.
Podem-me dizer que é “um nicho” específico a que só alguns, também com interesses muito específicos, acedem. É verdade, mas isso não tira nem põe à existência de cordialidade, disponibilidade, gratuitidade e, já agora para terminarmos na rima, na humildade demonstrada por todos os que lá trabalham e contactam com o público. “Senhores” do maior e mais rico espólio arquivístico, no mundo, da história da lusofonia e, portugueses como são, não seria de admirar que a presunção se apossasse daquela gente. Mas não, são competentes, são académicos graduados, e são simples. Estranha e perplexa combinação em Portugal. Não sei porque são assim, dizem-me que é uma cultura que atravessou regimes. “Bem me pareceu que aquela doutora não anda bem” comentou o Francisco, um dos guardas da empresa de segurança, quando, há anos, nos primeiros dias de lá ir, lhe entreguei uma carteira que encontrara perdida no bengaleiro “outra vez a esquecer-se das coisas, tenho que lhe telefonar”. Perante o meu espanto, esclareceu – somos uma família aqui na Torre, está a ver como a senhora me veio entregar a carteira?- outra pessoa, noutro sítio, ficava com ela! Fiquei a saber, portanto, que “a Torre” tem também o mérito de fazer a gente séria!    A vontade de colaborar começa mesmo nos portões, com os guardas. Pessoa que ali se dirija a querer saber quem é o avô que nunca conheceu mas que a mãe dizia ser de …, a terra do avô que “se estabeleceu em Pernambuco em 1913, e foi de navio, tá vendo?” ou o pai do avô que até comprou a terra que agora é necessário vender mas o notário diz que não tem lá nada que prove e “eu então pensei como vocês têm aqui tudo guardado talvez me pudessem desenrascar” ou o académico estrangeiro que sabe exactamente o que quer consultar, todos são encaminhados e são-lhes tiradas as dúvidas, ali mesmo na Torre, ou orientados para a repartição própria, em Lisboa ou no resto do país.  
No que a mim diz respeito e aos meus interesses, a genealogia e a história local, a Torre do Tombo está no “Top” das instituições a que recorri e em que fui plenamente correspondida, não só pelo acervo que, naturalmente, contém, como na prontidão e simpatia com que respondeu às minhas dúvidas (deixo o eufemismo chamar “dúvidas” à minha santa ignorância).
O seu aspecto vetusto e sério, a sua fama de só conter pergaminhos e estar ao serviço de estudiosos que produzem grandes teses de nível mundial, talvez afastem as pessoas comuns que pensam que não há ali lugar para elas. Nada mais errado. Nunca ali vi distinções, cada um identifica-se com o seu nome. Diz o que quer, não tem que fazer menção do objectivo, se o faz é para clarificar e ser ajudado. Qualquer documento, desde que esteja autorizado e venha a público é entregue a qualquer pessoa que o requeira, o V. pesquisador da aldeia dos avós, lá no seu Minho, emocionou-se quando se viu com uma carta assinada por D.Teresa, mãe do nosso primeiro rei, nas mãos. Lê-la é que já não foi possível, paleografia é preciso já levar sabida. Mas a maioria dos documentos podem ser reproduzidos, o que, único reparo, não é propriamente acessível financeiramente. Mas, considerando que tudo o resto é gratuito talvez seja compreensível, atendendo a que outros serviços, como a Biblioteca Nacional, exigem pagamento de cartão anual de acesso.
A documentação existente na T.T é imensa e vem desde o sec.IX, porém compreende muito arquivo dos dois últimos séculos, como revistas e fotografias (todo o Século lá se encontra) que é fácil e gostosamente inteligível por toda a gente. Basta ir ao site, escolher e apresentar-se lá um dia. Quem o quiser fazer verá que é bem recebido e não se arrepende. Note-se que, por lá, ninguém me encomendou o sermão, nem sequer conhecem este blog, mas é com todo o gosto que digo estas palavras.

 O Arquivo nacional da Torre do Tombo estava aqui  colocado em 1860, no
 então Palácio das Cortes  (Arquivo Pittorescho, pag. 405), actual Assembleia
da República, lugar onde permaneceu 
entre 1755 e 1990, até se mudar para a
Cidade Universitária.


Quando, há meia dúzia de anos, quis conhecer as minhas raízes sabia que não tinha onde as consultar, não havia livro em livraria ou biblioteca, muito menos pesquisa na net que me valesse. Não tinha “livros de linhagem”, avós, nem sequer pais vivos que me ajudassem com memórias. Tinha um trabalho para fazer literalmente de raiz: ir às fontes. O senso comum e o conhecimento razoável do funcionamento da administração pública diziam-me que a “papelada” a consultar: certidões, de nascimento, casamento, óbito, estaria algures. Passados os primeiros escolhos, tirar certidões dos avós em Tomar (em Tomar é tudo sempre tão difícil – qual a finalidade, tem que saber o dia, senão nada feito, na altura eu ainda ignorava que o dia que constava era de baptismo, eu só conhecia o de aniversário, o nome exacto, agora não temos tempo, etc, etc,- diga-se porém, em abono da verdade, que a atitude foi mudando, não por mérito do serviço mas porque, francamente, os cansei, passe a vaidade), todos os passos seguintes, quer em Santarém quer na TT,  resultaram numa agradável surpresa.
Na época já muita região do país tinha a informação sobre os assentos paroquiais on-line, e hoje cada vez há mais. Infelizmente no distrito de Santarém nada está feito (descobri agora que há unicamente três períodos da freguesia da Madalena, só essa, que existem na net, coincidência ou não, correspondem, precisamente àqueles que eu, e outra pessoa, pagámos para serem digitalizados !).Por razões desconhecidas toda a informação relativa a paroquiais de Santarém foi integrada, em determinada data, no arquivo distrital de Lisboa, motivo pelo qual a informação está na Torre do Tombo e não no Arquivo Distrital de Santarém. Como deveria. Deveria mas não me daria jeito nenhum. Foi assim que cheguei à Torre do Tombo. Diga-se que os livros paroquiais podem ir até meados do sec.XVI –data em que passou a ser obrigatório o registo escrito daqueles actos, o que, na maioria dos casos não acontece devido a incidentes vários. A freguesia da Madalena é uma privilegiada pois tem livros desde 1557, com pequenas interrupções de livros desaparecidos no sec.XIX. Acontece que estão apenas acessíveis a consulta, através de microfilmes, livros de casamentos a partir de 1600 e baptizados a partir de 1691. Os anteriores nem sequer podem ser digitalizados devido a mau estado. Segundo informações não há orçamento oficial para proceder aos restauros, mas qualquer um pode pagar os custos, se quiser, o que tem acontecido com associações, câmaras municipais e juntas de freguesias, até particulares, noutros casos. Em Tomar, então vila, existem livros de baptismos desde 1626 e casamentos desde 1779, com interrupções por época das invasões francesas, que vão sendo reconstruídas durante o século XIX (alguém que se tenha baptizado ou casado em período que tenha coincidido com “a invasão do inimigo” arranja testemunhas e vai reconstituir o acto). Em Ourém as coisas são muito piores, só existem livros após as invasões, todos os livros anteriores, que estavam depositados em Leiria na Sé Diocesal foram destruídos. Na freguesia de S.Silvestre da Beselga também só existem livros desde 1830.
Ler estes livros é uma aventura, que, como todas, pode ser maravilhosa e repleta de descobertas ou cheia de torturas desesperantes e mesmo sem saída, tudo depende do padre, prior, vigário, Deus o tenha Consigo, que redigiu os assentos. A caligrafia, aquela coisa ancestral e em desuso, é tudo. E não se pense que melhora com o decorrer dos séculos, nada disso. Os gatafunhos dependem de cada um independentemente da época. Há um sr. Prior em Tomar no final do século XIX em que as ameaças a lápis nas margens são tão elucidativas que se pode concluir que só não foi assassinado por algum leitor futuro, por motivos óbvios. Por outro lado, é um regalo ler os assentos de frei Amador de Sousa, em 1600 na Madalena. E os visitadores (aqueles senhores que faziam inspecções, a mando do bispo, para saber se os livros estavam nos conformes) faziam notar isso, lá pelo sec.XVIII um deles, em Assentis, deixou a seguinte mensagem para a posteridade: “devia escrever bem, ou melhor, devia aprender a escrever”, é por estas e outras que a religião católica é a minha religião preferida.

Leitura conseguida, não se fica só a saber os nomes de pais ou avós, pode-se conhecer a categoria profissional dos pais e padrinhos, percursos de vida (num casal, ao longo do nascimento dos vários filhos pode perceber-se a mudança de morada ou mesmo de profissão), o relacionamento e a ambição familiar (quem é padrinho de quem, se a pessoa importante da terra se os irmãos da mãe ou do pai), como morreu, se teve ou não tempo de tomar os últimos sacramentos, se foi enterrado dentro da igreja, no altar-mor, no adro. Se fez testamento, nalguns casos o testamento está transcrito no óbito. Acompanha-se a vida de alguém, o seu nascimento, o primeiro e segundo casamentos, o baptisado dos netos. Não me esqueço da primeira vez que encontrei o batisado de uma criança filha de mãe solteira e da minha alegria quando, folhas adiante, vi o casamento da mãe acompanhado da legitimação da criança, na geração seguinte observei o casamento desta. Este happy end enternece. Da mesma forma que deprime ler, nos óbitos, páginas e páginas cheias de crianças, muitas sem nome. Enfronhar-mo-nos nestes livros é mais do que entrar num romance, é conhecer os personagens e construí-lo. É viver outra vida. Aconteceu-me percorrer Assentis, onde eu nunca tinha ido, no sec.XXI e reconhecer o Casal do Pombo e o da Estrada e as Moreiras Grandes e as Pequenas e tantos outros locais de onde eram provenientes as gentes das minhas pesquisas. Quem ia comigo no carro duvidou da minha sanidade mental perante as minhas exclamações de alegria do reencontro e explicações sobre quem e quando ali nascera.
Esgotados os livros paroquiais, ou porque desapareceram ou porque se chegou ao limite possível, outra forma de se descobrir antepassados é através das Inquirições de Genere. Algo de precioso que aprendi na Torre do Tombo. A partir do estabelecimento da inquisição em Portugal, uma das suas funções era proceder a estas inquirições. Como o nome indica eram processos que se destinavam a inquirir, no caso, a família de alguém. Resumidamente, ninguém podia ter uma carreira eclesiástica, na “função pública” da época (magistrado, bacharel na chancelaria, etc) ou, muito menos ser funcionário da própria inquisição (familiar do santo ofício) se não provasse ser de sangue puro, sem qualquer mácula de mulatice ou judaísmo. Assim sendo, era necessário investigar a família. Estes processos geralmente muito bem instruídos fornecem informações, às vezes até aos bisavós dos inquiridos, com treslados de certidões de avós, tios-avós, etc, bem como sobre comportamentos e estatutos sociais. São ouvidas testemunhas que, consoante a capacidade literária do relator, nos podem dar uma visão mais ou menos boa dos modos de vida de duas ou três gerações, a avó guardava cabras, o pai era lavrador, o tio era capitão de milícias, etc.
As inquirições de Genere eclesiásticas encontravam-se distribuídas por quatro Câmaras Eclesiásticas: Braga, Coimbra, Lisboa e Évora, hoje, respectivamente à guarda das Universidades do Minho, Coimbra, Torre do Tombo e Universidade de Évora. A Torre do Tombo tem um arquivo das pessoas sujeitas a inquirição por nome próprio, por apelido e por freguesias de proveniência. A pesquisa por nome próprio, a menos que se saiba à partida quem se vai investigar, pouco ajuda, a por apelido ajuda um pouco se conhecermos sobrenomes dominantes na família e se estes forem pouco comuns. Por exemplo, o apelido Escudeiro vim a verificar pertencer sempre à mesma família e estar ligado à Madalena, Assentis ou Beselga. A pesquisa por freguesias é, de longe, a mais produtiva. No meu caso, quase todos os padres de Assentis, não digo que fossem meus antepassados, não só dada a impossibilidade oficial da coisa mas também porque, estou certa, eram castos e tementes a Deus, mas eram irmãos e primos de avoengos meus pelo que, através deles, encontrei ascendentes.
Quanto à freguesia da Madalena e outras em Tomar, em geral, é muito difícil saber onde se encontram as inquirições de Genere dos padres lá nascidos. Sendo Tomar uma Vigararia autónoma os pretendentes a clérigos não tinham que se “formar” obrigatoriamente numa diocese sede, como acontecia em Torres Novas relativamente a Lisboa.
Outras inquirições são as chamadas leituras de Bacharéis. Qualquer jovem formado em Coimbra que pretendesse colocar-se ao serviço do rei lá fazia o seu requerimento e lá submetia a família a inquirições. Aqui havia uma diferença em relação às outras inquirições, em princípio estava vedada a carreira das leis a filhos de gente mecânica, isto é, que trabalhasse com as mãos, camponeses ou artesãos, mesmo que fossem legítimos cristãos-velhos. Mas esta condição era transponível com requerimento ao rei, sendo então o bacharel filho de um sapateiro, por exemplo, colocado em início de carreira no ultramar, Índia ou Brasil eram uma hipótese.
Por último, as habilitações para familiar do santo ofício, as mais exigentes quanto a pureza de sangue, e para a Ordem de Cristo também exigiam inquirições de Genere.
As Chancelarias régias, nas quais constam os registos de mercês, doações e ofícios dos reis, podem levar-nos, também, a conhecer as profissões ou bens de antepassados.  No caso da freguesia da Madalena, uma vez que as suas terras pertenciam à Ordem de Cristo, a leitura dos respectivos fundos, que estão catalogados e existem em livros encadernados desde o sec. XVII, dá-nos a conhecer os “proprietários” (foreiros ou rendeiros) das terras das comendas. Foi desta forma que descobri o aforamento do Casal da Belida a Diogo Álvares de Sousa por três vidas em 1651 e a confirmação ao neto em 1758 por mais três vidas. Pode ser que, numa destas leituras, me surja, um dia, numa época longínqua, qualquer referência a Porto da Lage. (MFM)

6 de abril de 2015

O Bem e o Mal


A um homem bom e às vitimas do mal, que nos deixaram recentemente, Que descansem em Paz.

José da Silva Lopes, 1932-2015
   
Massacre no Quénia, 2.04.2015

«Adão e Eva tinham liberdade para fazer qualquer coisa que quisessem, excepto comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. (Génesis 2:16-17):Deus criou Adão e Eva para serem seres livres, capazes de tomar decisões, capazes de escolher entre o bem e o mal. Foi o acto de desobediência que abriu os olhos de Adão e Eva para o mal. O seu pecado de desobediência a Deus trouxe o pecado para as suas vidas e o mal para o mundo .»


Não quero saber se a culpa é da mente arbitral
Sei que conheci poucos que escolheram ser bons!      
Que cada vez vejo mais a agregar o mal
E outros tantos tão ocupados a tecer razões
que não sobra tempo para tomar decisões
e vão apequenando a contenda desigual  
Até já não restar nada para julgar.

2 de abril de 2015

Boa Páscoa


Este é um esboço de Domingos Sequeira, infelizmente numa reprodução muito má, que não deixa ver o que o original nos conta com toda a maestria.
Escolhi-o, apesar disso , por retratar as emoções das gentes depois da morte de Cristo.



A dor, a pena, o medo, a curiosidade, a indiferença, variam consoante os protagonistas. Mas a todos envolvem, com uma excepção, as trevas e a perturbação. Seguir-se-ão tempos nunca vividos antes.
Nos dias de hoje, a Humanidade volta a estar perturbada, de diferentes formas, nesta montanha de escuridão e de medo.
Que, ao momento do Calvário, suceda o da Ressurreição. Boa Páscoa. (MFM

27 de março de 2015

Cada Qual seu Pão Granjeia

                       




                              ... não há ódios mas estimas,
                             tem-se amor pela vida alheia,
                            todos são primos e primas. 
                           Sem ambições, 
                           cada qual seu pão granjeia, ...
                                                (carregue para ouvir)





Jornal O Templário 25.05.1952



Agenda de João Pereira da Mota, 10.02.1957


Imagem de Memória Digital de Tomar e BNP

25 de março de 2015

Nova Companhia

As companhias de viação, responsáveis pelos transportes Estação de Paialvo-Tomar, que tantos dissabores causavam aos passageiros, pelas disputas entre si, reuniram-se em 1892, conforme a notícia abaixo. Deste modo talvez se tenham passado a evitar os distúrbios e a intervenção das autoridades naqueles casos, porque, em outros, as "diligências do sr. administrador do concelho" ter-se-ão sempre continuado a fazer sentir, como podemos ver nas "gatunices" transcritas.
A nova companhia, chamada popularmente "a empresa" tinha a sua sede, nos inícios do século XX, na Rua Direita (da Várzea Grande), pouco mais ou menos em frente ao Teatro, no local onde existiu durante muitos anos uma bomba de gasolina e agora está um restaurante. Lembro-me de ouvir os mais velhos referirem-se ainda àquele local como "a empresa", chegas "à empresa" e viras à direita, ou "vai-me comprar um carro de linhas desta cor, tem de ser marca "Coração", à loja do sr. Tomás, ao lado da empresa". 
A "empresa" fechou por falta de trabalho, em 1928, quando a estação de Tomar começou a operar. Grande ambição da cidade, a chegada do caminho de ferro trouxe uma significativa melhoria de acessos (até porque, como vimos, as estradas, quer a de Paialvo, quer a de Chão de Maçãs, mantiveram-se quase sempre em mau estado) mas teve o seu reverso no fim "da industria" de transportes de Paialvo que suportava uma economia própria e mantinha um grande número de famílias. Um jovem segeiro da companhia, cuja família de quatro filhos vivia razoavelmente com o salário do seu ofício, viu-se subitamente na miséria, da qual muito tarde se veio a recompor, devido ao fecho  daquela. Era o meu avô materno. Os momentos de ruptura, mesmo das aparentemente benéficas (e até inevitáveis), fazem sempre as suas vítimas. (MFM)

10.07.1892

21.03.1897




Estação de Caminho de Ferro de Tomar, 1930
Imagens retiradas de Memória Digital de Tomar.

24 de março de 2015

Freguesia da Madalena 1873 -1876 casos e dados










 




















As marcas acima, retiradas dos Anais do Municipio de Tomar, de Amorim Rosa, merecem-me as seguintes considerações:
- Este povo da Madalena,sendo rebelde, ou não elegia a Junta ou elegia-a mal (ou a não contento de quem a nomeava), portava-se um pouco melhor que o resto do concelho no que concerne ao respeito pelo sagrado matrimónio tendo as crianças dentro do dito. Quanto ao licenciamento dos animais temos conversado, aparte o sr. conde, o que só lhe ficava bem, o "povão" não deveria querer saber disso para nada, o que também não lhe ficava nada mal, pois não acredito que não tivesssem nem um porquinho para a matança anual. (MFM)

23 de março de 2015

António d'Oliveira e José do Telhado


Camilo, o grande Camilo Castelo Branco, que, por motivos lá da vida dele, passou algum tempo na cadeia, escreveu a propósito  dos episódios e das pessoas  que conheceu nesses dias o livro "Memórias do Cárcere". Diz ele no inicio do capítulo XXVI, o que dedica a José do Telhado - "Este nosso Portugal é um país em que nem pode ser-se salteador de fama, de estrondo, de feroz sublimidade! tudo aqui é pequeno: nem os ladrões chegam à craveira dos ladrões dos outros países!Todas as vocações morrem de garrote, quando se manifestam e apontam a extraordinários destinos. A Calábria é um desprezado retalho do mundo; mas tem dado salteadores de renome. Toda aquela Itália, tão rica, tão fértil de pintores, escultores, maestros, cantores, bailarinas, até em produzir quadrilhas de ladrões a bafejou o bom génio!.... [em Portugal] Apenas um salteador noviço vinga destramente os primeiros ensaios numa escalada sai a campo o administrador com os cabos, o alferes com o destacamento, o jornalismo com as suas lamúrias em defesa da propriedade, e a vocação do salteador gora-se nas mãos da justiça ... faltava o telégrafo para matar à nascença as iniciativas auspiciosas. Apenas lá das povoações serranas desce à vila ou cidade a nova de um roubo, o arame palpita de horror, e a cara do ladrão é para logo litografada  na fantasia de todos os esbirros sertanejos. A civilização é a rasa da igualdade: desadora as distinções: é forçoso que os bandoleiros tenham os mesmos tamanhos, e roubem civilizadamente, urbanamente. Ladrão de encruzilhada, que traz o peito à bala e o bacamarte apontado ao inimigo, esse há-de ser o bode expiatório dos seus confrades, mais alumiados e aquecidos ao sol benéfico da civilização. Roubar industriozamente é engenho; saquear a ferro e fogo é roubo. Os daquela escola tropeçam nas honras, nos títulos, nos joelhos dos servis, que lhes rojam em venal humilhação; os outros, quando escorregam, acham-se encravados nos artigos 343, 349, 87, 433, 351, e mais cento e setenta artigos do código penal."



Camilo, lá, na nuvem etérea donde nos contemplam os génios, deve estar feliz por saber do desenvolvimento “da civilização” deste nosso Portugal, no 2.º milénio. Se vir televisão, Deus permita que não, seria mau sinal, verá que já não temos razões para nos envergonhar pois já os nossos “ ladrões chegam à craveira dos ladrões dos outros países!”---não através “dos bandoleiros, dos que dão o peito às balas” mas dos “seus confrades, mais alumiados e aquecidos ao sol benéfico da civilização …Os daquela escola [que] roubam industriosamente, tropeçam nas honras, nos títulos, nos joelhos dos servis, que lhes rojam em venal humilhação”, e que, ao que vemos, estão hoje também “encravados” nos artigos do código penal os quais, ao que oiço dizer, se mantêm, mais coisa menos coisa, os mesmos.

As duas imagens abaixo, de 1889 e 1898, dão notícia de dois casos daqueles que se encontravam encravados nos artigos 343, etc. do código penal,de alguma forma relacionados com a estação de Paialvo-Porto da Lage.

O primeiro, um roubo efectuado precisamente na bilheteira da estação, por um carregador da dita, homem, pelos vistos, de génio assomadiço que não terá gostado, percebe-se porquê, da pena que lhe foi imposta. No segundo caso, o título "Prisão Importante" poderia antes ser "Azar que não lembra ao careca", pois já viram o que é um desgraçado matar outro (sim, desculpem, não sei quais as razões, mas, pela mostra, o assassínio foi um azar: o primeiro de muitos), conseguir apanhar o comboio, sair onde o diabo perdeu as botas (sim, dizem que era uma estação importante, mas o pobre, à semelhança da maioria dos portugueses  destes três séculos decorridos, não sabia), depois, ir, sabe-se lá como, direito a Porto Mendo (percebam, o homem não saiu no Porto, não saiu em Coimbra, nem sequer em Espinho, onde poderia ser reconhecido, não, foi para Por-to-do-Men-do, Por-to do Men-do, quem conhece Por-to do Men-do??), e quando se julgava seguro, lá, no meio do nada, e, com a fome a apertar se abeira da alma com a cara mais bronca que encontrou, a pedir um naco de pão, não é que se lhe apresenta o n.º 50, desfardado, da policia de Santarém? Um guarda com memória, ainda por cima, e com vontade de mostrar serviço! Nunca se tinha visto azar assim, como o do Oliveira, em 19 séculos D.C. Tivesse este episódio ocorrido 30 anos antes, teria sensibilizado o nosso grande escritor e hoje estaria também integrado nas suas "memórias". Assim calhou-lhe ser só este blog a lamentá-lo. Mais um azar. Menos mal.Passe a imodéstia, sempre saiu da obscuridade.
Sem dúvida, acabou por ir parar ao degredo, lá para as Áfricas. A propósito de degredo, esta pena, em 1867, ano da abolição da pena de morte em Portugal, foi mantida, mau grado ser considerada condenável, como meio de obtenção de mão-de-obra. Em 1880, A Nova Reforma Penal  procedeu à abolição de certas penas, como a expulsão definitiva do Reino, a perda dos direitos políticos, a pena de trabalhos públicos, a pena de degredo e a prisão perpétua. No entanto, o degredo foi sempre mantido, por, supostamente, não haver cadeias de alta segurança suficientes no Continente, até 1932, ano em que se abole, por decreto,  o envio de condenados para Angola, sendo que só em 1954 a pena é riscada do Código Penal português.



31.03.1889

11.09.1898







































Quem foi degredado em 1863 e morreu em Xissa, Mucari (Malanje, Angola), foi José do Telhado (José Teixeira da Silva). Por lá foi negociante de borracha, cera e sobretudo marfim, tendo fama de homem severo mas sempre pronto a ajudar os mais necessitados. Ganhou prestigio, tendo mesmo servido de elo de ligação entre as autoridades portuguesas e os sobas locais. Quando faleceu, em 1875 com 57 anos, a população construiu um mausoléu na sua sepultura à qual, muitos anos depois, ainda fazia romagens.(MFM)




A lápide reza assim De um Homem que nasceu obscuro nas Beiras e morreu homenageado pelo povo em Malanje.







Estado da campa actualmente


Imagens retiradas de Memória Digital de Tomar e do Blog Kuanza Sul.

21 de março de 2015

Dia Mundial da Poesia

Canção do Amor-Perfeito

Paul Klee, Jardim Tunisino, 1938
Eu vi o raio de sol           
 beijar o outono.
Eu vi na mão dos adeuses
o anel de ouro.
Não quero dizer o dia.
Não posso dizer o dono.

Eu vi bandeiras abertas
sobre o mar largo
e ouvi cantar as sereias.
Longe, num barco,
deixei meus olhos alegres,
trouxe meu sorriso amargo.

Bem no regaço da lua,
já não padeço.
Ai, seja como quiseres,
Amor-Perfeito,
gostaria que ficasses,
mas, se fores, não te esqueço.





Cecília Meireles,1901,1964 in 'Retrato Natural'



Rene Magritte, Le Blanc-Seing, 1965


De Longe Te Hei-de Amar - Atravessando ebriamente os mapas!

De longe te hei-de amar
- da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo, constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,

a Estrela, sem violência,                                                
Wassily Kandinsky (1866-1944) -Outono na Bavaria

cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.

Cecília Meireles, in 'Canções'                             










As Rosas

Quando à noite desfolho e trinco as rosas  
 É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
 E a exaltação de todas as esperas

Sophia de Mello Breyner Andresen

E uma forma única que conheço de transmitir a exaltação de todas as esperas, é a voz mais poética deste povo



20 de março de 2015

Chegou a Primavera


Sandro Botticelli, Alegoria da Primavera
                                 



Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus húmidos vapores,
A fértil Primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste.

Varrendo os ares o subtil Nordeste,
Os torna azuis: as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste.

Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo.

Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quando me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!

Manuel Maria Barbosa du Bocage, in Sonetos


19 de março de 2015

Dia do Pai


"Dia 19 de Março comemora-se em Portugal o Dia do PaiCelebra-se no dia de São José, marido de Nossa Senhora, mãe de Jesus."


Augusto Pereira da Motta, 16.08.1858 - 27.01.1915

Augusto Pereira da Motta, que foi buscar o nome ao padrinho Augusto Rodrigues, de Paialvo, nasceu no Paço da Comenda, filho de António Pereira da Motta, também do Paço e de Joaquina de Jesus Ferreira, da Beselga, freguesia de Assentis, Aos 25 anos, solteiro proprietário, reza o assento, casa-se com Maria José, quase a completar 19 anos, empregada na lida de sua casa, moradora na Quinta da Belida. Como se terão conhecido, o que os terá levado ao casamento? Ele ter-se-à encantado com os olhos claros dela, ele já usaria aquele chapéu e ela achou-lhe graça?

Já estou a ver o filme todo: [era Março, o primeiro domingo de bom tempo, a Primavera de 1883 anunciava-se, cheirava a alfazema e à terra lavrada que começava a ser preparada para a batata e o milho (espero que o Borda d'Água esteja certo) e Augusto flanava de fato domingueiro, com os amigos, fazendo tempo cá em baixo, à espera para subir a ladeira e assistir à missa. De súbito reparou numa das raparigas do grupo que se aproximava, vindo das Sobreiras. Já a conhecia, como ela saberia quem ele era, todos se conheciam na terra, mas há um dia, o dia e hora exactos, em que se repara. E a subida da ladeira e a missa já foram diferentes, a primeira mais acelerada do que o costume, a segunda com a atenção mais focada do que nos ofícios anteriores. Desta vez, já tinha a vista fixa num objecto, não andava à cata desta ou daquela. Mas tivera pouca sorte à saída da capela, perdera-a de vista na confusão da saída e só a tornara a vislumbrar já ela ia longe, confundida entre outras. O mais certo, agora, era só voltar a vê-la no domingo seguinte.Que ela morava na quinta, não cirandava por ali, não ia à fonte nem à venda. Mas já magicava um plano. Na 4.ª feira, à vinda da estação na carroça com mercadoria que lá ia levantar, havia de  passar pela quinta, até lá cogitaria um pretexto para o fazer. Chegado o dia, afinal, nem tinha sido preciso apresentar a desculpa preparada, ela estava sozinha no tanque, perto só uma serva semeava na horta.Nem pais nem irmãos à vista.A conversa fora sobre coisa nenhuma mas, quanto a ele, chegara para se fazer entender. O que ele não pode saber é que não partira a tempo de a sua carroça não ser vista, ao longe, pelo pai dela que regressava do extremo da quinta. Perguntada, Maria José respondera quem fora o visitante, sim, mas acrescentara que não dissera ao que viera.  O pai não insistira mas ficara a pensar no caso. Ou muito se enganava ou o que o figurão queria estava ali à sua frente, a ver se o aviava com respostas rápidas. Impunha-se estar atento e, para já, não espantar a caça. Que ela era boa menina e nunca lhe dera preocupações, mas sabia-se lá os estragos que a lábia do outro não fizera já na cabeça dela? Que, conversa, tinha ele, e não só para as mulheres, enrolava qualquer desprevenido que se fiasse nele, não era em vão que lhe chamavam o cigano. Mas que empregasse o palavrório nos negócios, se lhe fazia bom proveito, e lhe largasse a porta de casa. Para que raio lhe havia de dar, vir-lhe desencaminhar a rapariga! E, enfurecido com o rumo que os pensamentos estavam a levar tratou de despachar a filha e de se encontrar sozinho com a companheira, a fim de desabafar, porque não é bom manter um homem ideias negras muito tempo a trabalhar dentro da memória. Mas a mulher deu pouca importância à coisa, que eram fantasias dele, que deixasse estar a rapariga que ainda nem se apercebera que havia homens no mundo, que ela, mãe, não dera por nada, e se não dera era porque não havia. E, se fosse, o que é que tinha? Queria ele a filha para freira? não queria! Se não fosse este era outro, e o rapaz nem era dos piores. Vinha de boa gente, tinha de seu, o que é que ele queria mais? Era aldrabão? Que ela soubesse não roubava nada a ninguém, tinha talento para falar, pois então! Burro era quem se deixava levar, ora essa, que se acautelassem, ele não obrigava ninguém! Manuel estava perplexo com o pragmatismo da mulher! Então já um homem não deve avaliar o génio do genro que quer para a filha? Que tinha de seu?! Tinha o que a família da mãe lhe deixara que, esses sim, eram gente trabalhadora e honrada. Que o pai enquanto não gastara tudo o que era dele não descansara, o filho tinha a quem sair, que conhecera o António Mota, que Deus já lá tinha, sempre folgado e com a mania que era fidalgo. - Gente muito pouco amiga de vergar as costas, convence-te disso, mulher. Vê lá se é isso que queres para a tua filha. Vê lá se depois dos sacrifícios de toda a vida que tu e eu fizemos, queres que uma parte vá parar à mão de malandros. Pensa bem, porque enquanto eu viver e se fizer nesta casa o que eu mandar, gente daquela laia não põe cá os pés! A mulher achou por bem mudar de estratégia, conhecia até onde podia contrariar o marido. Quando ele tocava no sagrado trabalho e nos sacrifícios, era escusado. Homem da terra, para ele o único trabalho honrado era o da lavoura. Desconfiava de quem não trouxesse enxada ou foice na mão. Deus lhe perdoasse, que é até com os padres embirrava para já não falar dos doutorzecos, como ele dizia, filhos de lavradores como ele, que, depois de gastarem anos em Coimbra, continuavam preguiçosamente a viver da casa paterna sem lhes acrescentar nada, antes a delapidá-la. Acalmou portanto o marido, convencendo-o que aquela era uma conversa no ar, sem fundamentos. Estavam para ali a divagar e a zangarem-se, sem razão nenhuma.
Mas havia razão, como Manuel Sousa Rosa intuíra, Augusto não desistiu e o namoro pegou. Perante as dificuldades levantadas, que a mãe dela, quando se convenceu que as desconfianças do marido tinham fundamento, cerrou de tal modo fileiras que ele nem vê-la quanto mais falar-lhe, Augusto não hesitou e resolveu ir entender-se com o futuro sogro. Foi encontra-lo à beira do ribeiro, a cortar canas para estacar o feijão e veio de lá, liminarmente, corrido. Interrompera-o ainda nem a meio chegara do seu discurso preparadissimo. Sim senhor, acreditava que as intenções dele eram boas, melhor fora que não. A enxada que ele estava a ver, ali, nas mãos dele, já o teriam rachado se suspeitasse outra coisa, mas a filha não estava para casar, era muito nova. E, quando chegasse a ocasião, ele, seu pai, lhe arranjaria marido conveniente. O que era marido conveniente, pois ele atrevia-se a contestá -lo? Mostrava bem o desavergonhado que era. Pois ia dizer-lhe quem não era nem seria nunca conveniente! – Estava mesmo agora a pô-lo daqui para fora, saia já da minha frente!
E Augusto saíra, mais zangado do que triste. Tinha a certeza de conseguir a Maria, era uma questão de tempo. Não costumava ter dúvidas, quando se lhe metia uma coisa na cabeça. Começavam era a aborrecê-lo os trabalhos para o conseguir. E, embora tivesse previsto que a conversa com o pai dela não viesse a ser suave, porque estas matérias nunca eram fáceis e porque no seu caso, não percebia porquê, o sogro não gostava dele, nunca imaginara que as coisas correriam assim. Diabos levassem o velho, com que raiva o espantara dali para fora! Mas à medida que se ia afastando do local onde se dera o encontro, ia-lhe passando a zanga e começava a achar graça à exaltação do homem. Como se agigantara aquela estatura baixa, embora entroncada, e como os olhos esverdeados tinham faiscado quando lhe perguntara qual seria o marido conveniente para a filha? Até lhe dava vontade de rir. Bom, já lhe estava a voltar a boa disposição. Não conseguia ficar irritado muito tempo. Ia dali para casa falar com a mãe, ela havia de se lembrar de algum parente lá de Assentis que se desse bem com a família da sua Maria e que interferisse a seu favor. Tudo havia de correr bem. Mais logo trataria de lhe mandar recado para se encontrarem, já há dois dias que a não via, estava a ficar com saudades do sorriso dela...]
 ...Bom, por mim o filme acabou, não vejo mais, adivinho que se segue a pepineira habitual, contrariedades, choradeiras, ameaças, o costume, até ao apogeu final. Os noivos levaram a sua avante, os factos comprovam-no. A 10 de Outubro do mesmo ano casaram-se na Igreja de Santa Maria Madalena. Foram testemunhas José Lopes Larangeira, "feitor do senhor marquês de Thomar" e um tal Dom Jorge Arcos, negociante, natural do México, representado por João de Sousa Rosa, tio da nubente e "outras muitas pessoas que presentes estavam". A cerimónia deve ter sido "importante", como se dizia então, ou porque o pai da noiva não quis ficar mal visto e se encheu de brios ou porque Augusto Mota, afinal, não estaria assim tão mal de finanças.
Os filhos sucederam-se, o primeiro, Manuel, que ainda nasceu no Paço, local em que os pais ficaram a morar, Ana, que nasceu na Quinta da Belida, em casa dos avós, seguindo-se os outros já em Porto da Lage, onde Augusto construiu uma casa para a família viver, pois a mulher não teria aguentado continuar a habitar na casa do Paço devido ao cheiro do negócio de curtumes a que o marido se dedicava: Soledade (cujos netos estão, a maioria, na diáspora)que veio a casar com o primo António Sousa Rosa, João, Maria, Maria da Conceição, António, Henrique e mais dois, falecidos ainda crianças.
Todos os filhos ficaram a viver em Porto da Lage, alguns casando com primos direitos maternos, contribuindo não só para o povoamento da terra mas também para o seu desenvolvimento económico e social. A agricultura, o comércio, a industria, conheceram um grande incremento em Porto da Lage graças aos filhos de Augusto Pereira da Motta. Será, por isso, justo e oportuno lembrá-lo neste "dia do pai" (MFM)


Imagem cedida por H.C.M

P.S-Augusto Pereira da Motta tinha três irmãos que continuaram a viver no Paço: Ana (n.1857) casada com Agostinho Ferreira (pais de Maria, Henrique, Augusto, Manuel, Joaquim, António e Agostinho - os poetas), Henrique (n.1861) terá casado tarde e não terá tido filhos e Manuel (n.1864) casado com Ana Rosa (pais de Maria, João, Georgina e Augusto). Ao contrário de Porto da Lage, em que já não moram descendentes de Augusto, sei que no Paço ainda vivem descendentes dos seus irmãos. Para eles as saudações desta prima.(MFM)


18 de março de 2015

Era uma vez



Era uma vez                          
 um rei e um bispo
acabou-se o conto
não sei mais do que isto.

Era uma vez
um rei e uma rainha
acabou-se a história
que era pequenina

                            
             

             Era uma vez
             um gato maltês                              construiu um prédio
             não sei o que fez.

             Era uma vez
             um gato maltês
             tocava piano
             falava francês.                             
             Era uma vez
             uma vaca Vitória
             morreu a vaquinha
             e acabou-se a história.








Ilustrações de Maria Keil para livros infantis.

(Fim, por agora, das poesias populares co(a)ntadas pela da tia Alice)

17 de março de 2015

Bichinha gata


Raul Lino, Ilustração do livro  "Animais nossos amigos" de Afonso Lopes Vieira


Bichinha gata         que 
comeste tu?     Sopinhas de mel.
Guardaste-me delas?   
Guardei, guardei!
Onde as puseste?
Atrás da arca.
Com que as tapaste?
Com o rabo da gata!
Sape gato
lambareiro,
tira a mão
do açucareiro.















(continuação das poesias populares co(a)ntadas pela tia Alice)

16 de março de 2015

Cantiga da preguiçosa




                                                                                       


    Além de pecado, a preguiça é contagiosa. Não me apeteceu procurar
    mais do que isto, para ilustrar a dita. E mais, nem sei de onde tirei
    este preguiçoso! Mas é engraçado, não é?!
    (Ah, outra razão a meu favor - podia ter posto aqui aquela doutrina
    prestigiante do nosso governo sobre a preguiça dos portugueses e
   desenvolvê-la e não o fiz).
   
    


 Na segunda me deito,          
Na terça me levanto,            
Na quarta é dia santo,
Na quinta vou à feira,
Sábado vou-me confessar,
No domingo comungar.
Diga-me lá, ó comadre,
quando hei-de trabalhar?












(continuação das poesias populares co(a)ntadas pela tia Alice)


15 de março de 2015

Senhora Vizinha





Capa da Revista Serões, Novembro de 1906.
  Senhora vizinha           o seu gato deu
uma sapatada
na cara do meu

Senhora vizinha
ralhe com o seu gato
que a minha gatinha
anda a namorá-lo

Senhora vizinha
ralhe com o seu frango
que vem cá pra casa
dançar o fandango.






(continuação das poesias populares co(a)ntadas pela tia Alice)