Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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27 de outubro de 2016

IV Muros de Protecção

IV - Muros de Protecção

Seguindo-se o curso da ribeira para montante do açude, encontra-se na margem esquerda uma barreira de terra ou mota coberta de canas, silvas e arbustos. Continuando-se o percurso encontra-se um muro de pedra e cal com alguns metros de comprimento.

Observando-se esses elementos, deduz-se que a construção do açude obstruiu a passagem da água, desviando-a em parte do leito do rio e invadindo a várzea, sendo por isso necessário construir as motas e os muros.

 
.....outro muro de protecção à mesma várzea
que se inicia no açude pela margem
esquerda
Há outro muro de protecção à mesma várzea que se inicia no açude pela margem esquerda, prolonga-se até à foz do ribeiro da Longra, sobe pela margem direita deste ao longo de cerca de cem metros; 








....à foz do ribeiro da Longra, sobe pela
 margem direita deste ao longo de cerca
de cem metros





















na zona do olival existe outro muro que principia na estrada do olival próximo da ponte de cimento, flecte para a esquerda e acompanha o leito da ribeira por uma centena de metros. 

.... zona do olival existe outro muro...
....é o que ladeia, hoje Estrada Real – pela margem
esquerda do ribeiro da Longra
 ....
























Um outro muro que deve ser referenciado é o que ladeia, hoje Estrada Real – pela margem esquerda do ribeiro da Longra e principia perto da ponte de cimento.

Estes muros na margem esquerda da ribeira têm como objectivo a defesa da várzea e do olival durante as enxurradas muito violentas e frequentes nos invernos. 
O muro da margem direita que tem início a curta distância do açude e que ladeia a estrada que vai a Beselga – da qual se afasta alguns metros mas que continua por umas centenas de metros – foi construído para amparo de terras de cultivo.



....e que ladeia a estrada que vai a Beselga ...(1)
Quem mandou construir estes muros? Não foram os proprietários das terras destes últimos 150 anos. São do âmbito público mas não consta que tenha sido algum órgão governamental. Resta a Ordem de Cristo com as suas Comendas.
Ao sítio de Porto da Lage dirigiam-se as estradas de Torres Novas, Tomar, Paialvo, Ourém, as quais seguiam para Santarém, Leiria, Coimbra e demais cidades e vilas. Devido à sua situação geográfica e aos seus recursos naturais, terá sido um local de abrigo com algum albergue onde os almocreves se acolhiam, com os animais carregados de mercadorias que mercavam. O nome do sítio assim o alvitra: Porto= abrigo, Lage? De lajes? O leito da ribeira depois do açude e o ribeiro da Longra têm os fundos em lajes. (IMT)

(1) Imagem (aguarela?) encontrada no facebook há dois/três anos sem nome de autor. Se souberem quem é, por favor, digam-me para o poder identificar aqui.(MFM)

26 de outubro de 2016

III Lagares de Azeite

III – Lagares de Azeite
  
Na primeira casa de habitação que se encontra à margem da estrada, do lado direito para quem se dirige para o Paço da Comenda, partindo da ponte de cimento que atravessa a ribeira da Beselga, esteve instalado um lagar de azeite totalmente manual que, no final da década de 30 do último século, foi mecanizado. 
O primitivo funcionava como os dos tempos remotos: uma vaza redonda onde três galgas de pedra rodavam pisando os bagos de azeitona, puxadas por uma animal; uma prensa de vara em madeira e umas tantas fontes de barro com formato próprio para receber a almofeira e decantar o azeite. Na povoação de paço da Comenda funcionou um outro lagar com as mesmas características.





O terreno onde este antigo lagar está instalado pertencia a uma quinta que fora adquirida por um chefe de governo, em hasta pública, quando das nacionalizações dos bens das ordens militares, dos conventos e das igrejas em 1836. No último quartel do século XIX esta quinta é propriedade dum agricultor da freguesia de Assentis, Manuel de Sousa Rosa, e que, após a sua morte, é repartida pelos seis filhos. A um deles cabe o quinhão em que está implantado este lagar. Esta herdeira por sua vez, divide o quinhão recebido por seis dos sete filhos. O que herda o lagar altera-o, anos mais tarde, para mecânico como vem a desaparecer.
A prensa primitiva obedecia ao princípio das alavancas: fulcro, potência e resistência. Neste modelo a alavanca é inter-resistente.

Para aumentar a potência da prensa, era aplicado um sarilho de madeira com uma tranca atravessada a meio, accionada por dois ou mais lagareiros. Houve outras que usaram o parafuso de madeira e a mesma tranca.
                                            

Nesta área da ribeira da Beselga e da Comenda ainda existem olivais que forma plantados há já alguns séculos – para extracção do azeite eram necessários os lagares.

As Comendas foram atribuídas pela Ordem de Cristo; às Comendas foram atribuídas terras e nelas plantadas as oliveiras para frutificarem e proporcionarem rendas valiosas em azeite – como as azenhas ou moinhos em farinha e o pastoreio em gado. (IMT)

Nota: as imagens a preto e branco com as respectivas legendas foram retiradas do livro A Oliveira e o Azeite na Região de Tomar,  Usos e Costumes, de Manuel Guimarães, edição da Junta Nacional do Azeite, 1979 (MFM)


Adenda:

Para ilustrar o "Lagar do Ilídio",  HCM enviou o seguinte:


«Para ilustrar o Lagar do Ilídio, envio um esquema que retirei na net (alterei uma designação: onde estava Fuso, escrevi Parafuso)


      



Creio ser claro que as tarefas em forma de cabaça serviam para decantar - “como a verdade, o azeite vem sempre ao de cima”; o bojo menor ficava para baixo e tinha um furo por onde saía a borra quando se tirava o pau (espicho) que o rolhava.
A cintura estreita da “cabaça” servia para evitar que a concha com que se tirava o azeite da tarefa trouxesse também borra.

Assim se iam das leis da física utilizando.»  H.C.M.

24 de outubro de 2016

II As Azenhas

II- As Azenhas


A ribeira da Beselga no seu ancestral percurso, deparou-se com um obstáculo de rochedos calcários num local, mais tarde denominado sítio de Porto da Lage, que transpôs e vem a formar uma bela cascata de águas claras quando são passadas as violentas enxurradas periódicas no Inverno.


.....e vem a formar uma bela cascata de águas claras... 


Em data desconhecida, a Ordem de Cristo fez construir sobre a barreira de rochedos um muro de lajes, ligadas entre si por grampos de ferro firmados por chumbo, em toda a largura da ribeira, criando assim um açude com duas comportas para eventuais descargas.
Esta obra teve como finalidade o aproveitamento da energia hidráulica para movimentar as mós duma azenha a cerca de quinhentos metros a jusante. Para conduzir as águas até ela, valeram-lhe o declive do terreno, canalizaram-nas através duma levada emparedada por muros de pedra, cal e motas.
À saída do açude houve que construir um túnel, também de pedra e cal, sob a estrada que margina a ribeira e conduz às vizinhas povoações de Beselga e Assentis. Sob mesma estrada e a curta distância, há outro mais pequeno para esvaziamento completo da levada, quando necessário. 


Já perto da azenha atravessa de novo a mesma estrada sob
lajes de pedra.
Já perto da azenha atravessa de novo a mesma estrada sob lajes de pedra. A água depois de movimentar as mós da azenha, volta ao leito da ribeira, retomando a sua marcha interrompida a caminho do mar na companhia do Nabão, seu mais próximo vizinho, do Zêzere e do Tejo.






Esta obra não pode deixar de ser atribuída senão à Ordem. Era dona e senhora de todos os curso de água e…dos ventos.
....as azenhas e os lagares do rio Nabão, em Tomar...

O último operador desta azenha até à década de 50 do último século, era filho de um indivíduo natural da povoação de Cem Soldos que no início do século XX adquiriu as azenhas e os lagares do rio Nabão, em Tomar, as quais haviam sido vendidas em hasta pública depois de terem sido confiscadas à Ordem em 1836, pelo poder político de então.








Subindo-se o curso do ribeiro da Longra, também conhecido pelo ribeiro da Quinta, desde a foz, encontra-se a pouca distância uma pequena represa construída de pedra e cal com uma pequena comporta de ferro, edificada no topo duma pequena queda do leito do ribeiro. 


Subindo-se o curso do ribeiro da Longra...desde a foz ...



Desta represa parte uma estreita vala, pela encosta duma elevação, que conduz a água que vai fazer rodar as mós duma moenga.
Observando-se os pormenores da sua construção, é de admitir sem dúvida, ter sido edificada há muitos anos e por quem tinha bons conhecimentos destas fontes energéticas; os frades da Ordem tinham-nos.
Continuando a subir e seguindo o curso do mesmo ribeiro, já muito próximo duma das suas nascentes, existe outro ressalto encimado com uma laje de pedra. Neste local funcionou há muito tempo uma pequena azenha que veio emprestar o nome à propriedade em que está inserida, bem como à mina e à fonte que lhe fornecia água.



A água que movia o moinhoto, brotava duma fenda num maciço rochoso no sopé dum pequeno monte e que era retida num grande reservatório, de grossas paredes de pedra e cal, fundo lajeado, durante a noite e parte do dia. Depois era encaminhada por uma vala até à azenha.
A Ordem, na procura de maior caudal, minou a rocha maciça numa extensão de cerca de dez metros em forma de túnel com dimensão para uma pessoa adulta de estatura normal, poder entrar de pé, de braços estendidos lateralmente e percorrê-la até ao fim.



A obra é digna de ser apreciada, não só pela sua utilidade como também pelo seu enquadramento paisagístico. Facejaram uma área do rochedo, delinearam a entrada e seguiram-na até ao fim, com uma ligeira curva, à força de picão e marreta.
Na minagem da fonte longos anos terão sido necessários para a realizar. Qual a data da sua execução? Era tradição popular dizer-se que é do tempo dos mouros, quando se desconhecia a idade dum monumento.
A completar a excelente obra que é a mina e o grande tanque, está outro mais pequeno, distante do maior cerca de trezentos metros, com as mesmas características de construção e que se destinava à rega dos terrenos vizinhos. A água para o abastecer era encaminhada por uma regadeira desde o tanque grande.

Há ainda que referenciar no âmbito das azenhas e nas mesmas terras, duas construções com alguma importância: uma casa de pedra e cal sem qualquer revestimento nas paredes, de cércea baixa, que terá sido utilizada para redil de ovelhas e outros animais. O último proprietário destruiu-o e vendeu a pedra: defronte desta casa havia duas ou três cerejeiras de grande porte que tiveram o mesmo destino. A outra construção é um muro de pedra solta em forma de L no terreno defronte do grande tanque; um dos lados encaminhava a água da fonte para o moinhoto, o outro impede o arrastamento das terras pelas águas das chuvas que no inverno descem das vertentes circundantes.(IMT)

23 de outubro de 2016

I Paço da Comenda

 I- Paço da Comenda





Pequena aldeia da freguesia da Madalena no Concelho de Tomar, a oito quilómetros desta cidade e dezoito de Torres Novas.

É servida por uma Estrada nacional e pela estação de   caminho-de-ferro da linha do Norte de Paialvo que em  tempo recuado servia a cidade de Tomar. Pela  povoação passa uma estrada muito antiga, agora     denominada de Estrada Real, que conduz à povoação de Fungalvaz e às cidades de Vila Nova de Ourém e  Leiria.    
As suas habitações mais antigas, de cércea muito baixa e espaços úteis de pequenas dimensões, foram os lares dos jornaleiros e suas famílias.


revisor de material
maquinista e fogueiro


Outras, mais recentes, já de cércea mais elevada são já propriedade de ferroviários que trabalhavam na via-férrea ou prestavam serviços na estação ou de modestos agricultores proprietários. 
O topónimo desta povoação está interligado com a Ordem de Cristo de Tomar. Ordem militar muito antiga, do séc. XIV que sucedeu à Ordem dos Templários,  implantada em Portugal pelo cavaleiro templário Gualdim Pais, no reinada de D. Afonso Henriques.
Esta ordem militar era senhora de numerosas e imensas comendas, entre as quais a Comenda da Beselga que, segundo informações do médico Dr. José Maria Sousa na sua obra “Thomar” editada em 1903, se estendia por toda a margem esquerda da ribeira da Beselga. Não informa os limites.

  Por esta informação a Povoação de Paço da Comenda está implantada na área da comenda da Beselga e o seu nome advém de paço (residência de pessoa nobre, casa senhorial) da Comenda, porque pertencia à Comenda da Beselga




Há uma casa de habitação numa área próxima do leito da ribeira que, pela qualidade de construção e arquitectura, local de edificação e terreno hortícola e que se destaca entre todas as que lhe estão próximas. Foi, como tudo indica, o paço da Comenda e, possivelmente, a residência de algum comendador.
Em data recente a Câmara Municipal de Tomar e Junta de Freguesia da Madalena deram nome, Largo do Comendador, ao pequeno espaço defronte deste edifício.(IMT)

N.A.- Comenda: porção de terras com que oficialmente se recompensavam serviços prestados por nobres, cavaleiros de ordens militares e eclesiásticos)

Fotografias de operários da CP retiradas daqui  (MFM)

21 de outubro de 2016

Apresentação

Os parágrafos que seguem abaixo são os que encerram o livrinho de Ilídio Mota Teixeira intitulado "Terras da minha memória". Naqueles, o autor faz um resumo e emite explicações sobre os dois grandes temas que aborda: os locais e paisagem do "lugar da sua origem e dos seus mais próximos antepassados" e as lembranças da sua tenra idade.
Decidi, no entanto, colocá-los já aqui, no inicio, como introdução, para que, desde já, saibamos o que nos espera, antes de começar a ler "o livrinho" e antecipemos, com avidez, os próximos "capítulos." Os restantes textos irão surgindo conforme a ordem estabelecida no livro.




Imagem retirada de "Ribeira da Beselga" de Óscar Mota
«...Neste despretensioso apontamento sobre Paço da Comenda, do açude com a sua levada e azenha, das motas e dos muros da várzea e da ribeira, da famosa mina da fonte do moinhoto, da pequena azenha do ribeiro da Longra, dos extintos lagares de azeite, do vivente olival, tenho como finalidade apoiar as minha memórias deste lugar da minha origem e dos meus mais próximos antepassados e também para despertar alguma curiosidade dos que habitam nestes lugares.




Ilídio, Dulcinda e Estela.
As lembranças da minha infância e puberdade dirigem-se aos que se seguem na via da continuidade para poderem arquitectar de algum modo o meu quotidiano no seio da família nesses tempos tão distantes com modo de viver tão diferente do actual. As carências eram muitas e as achegas inexistentes. No entanto recordo com encanto e muita saudade a minha infância a caçar ratos, a tentar pescar peixinhos da bela ribeira e no encantador ribeirinho da Longra, a fazer recados a correr, os mergulhos forçados no Agroal, a imaginar o menino Jesus e o S. Pedro a descerem pela chaminé da lareira coberta de fuligem e com uns pequenos orifícios no topo de saída, a cantar as lengalengas com as minhas irmãs, os açoites de minha mãe quando me ausentava para distâncias fora da sua vigilância, do som do pio dos mochos no olival ao anoitecer na Primavera, do som cadenciado das cigarras no início do Verão, da chegada das andorinhas a anunciarem a vinda da Primavera, do belo espectáculo da água clara da ribeira a cair do muro do açude sobre o fundo rochoso, o verdejar dos primeiros rebentos das videiras, o florido de rebentos de canas com as flores azuis e brancas das margens do ribeiro, das belichas de farinha de pão de trigo barradas com azeite, açúcar e canela quando minha mãe cozia pão ao Sábado para comermos durante a semana...» (IMT)


Desenho de Maria Keil




19 de outubro de 2016

Mais sobre Ilídio Mota Teixeira


 Quando Ilídio Mota Teixeira  completou oitenta e dois anos a sua filha Luísa  e a neta editaram um pequeno livro "a "graça" que lhe resolvemos dar na altura", para distribuição familiar, "livro de histórias compiladas que o convenci a escrever algures em 2012", conforme diz a filha. Foi antes, portanto, da sua colaboração no blog, pois, exclusivamente para este, “fez questão de  produzir  [outras] pequenas histórias que ele considerou serem mais apropriadas a quem as iria ler" (palavras dele, reproduzidas também pela Luísa).
Sorte nossa, ficámos a ganhar. Porque, com toda a generosidade, a família consentiu que todos nós tivéssemos acesso, agora, a mais umas preciosas pérolas saídas da memória, do talento e da sensibilidade do Ilídio.
Vamos, assim, a partir de hoje, deliciarmos-nos todos, estou certa, mais uma vez com mais estes apetitosos nacos de prosa cheios de sabedoria, encanto e amor à terra mãe, cuja qualidade já conhecemos.
Como resposta ao pedido que lhe fiz  para que nos fizesse a apresentação do trabalho do pai, a Luísa mandou-me isto: 
"... envio duas fotos dum pequeno e simples "memorial" que instalámos na pequena propriedade da Serrada, tendo como mote uma nogueira antiga. Uma última homenagem que quisemos fazer na terra que o viu nascer: Porto da Lage.
Os versos que inscrevemos na caldeira da árvore, são da autoria do nosso pai; os mesmos que ele redigiu no final deste livrinho. E mais não digo, porque me faltam as palavras quando me sobra a saudade".


E lá está, na margem direita do ribeiro "da quinta", para quem o quiser ver ao vivo, um belo e genuíno tributo ao amor verdadeiro. Felicitações ao Ilídio, pela família que criou.





                                        Ao ribeirinho da minha infância
                                       Ribeirinho das duas pontes
                                      De verdes margens e canaviais
                                      A correr em suave bonança

                                      Ao canto dos grilos entre trigais
                                     Nas tuas águas também brinquei
                                     Com rústica cana, linha e anzol
                                    Barquinhos de papel também deitei
                                    A navegar balançando ao sol

13 de outubro de 2016

Mais uma machadada nas livrarias.




and how many times can a man turn his head

And pretend that he just doesn't see?





Mas, porque não?

se o Saramago teve um?

Este, pelo menos, tem imaginação!

Ah, era preciso saber escrever?

Tens a certeza? qual foi o último que sabia?

12 de outubro de 2016

Quinta de Porto da Lage II

Mas, e a estação? A estação estava "lá" desde 1864, não mexia, não tinha casas, gente?

Aparentemente, nos primeiros anos os funcionários dos caminhos de ferro ou não se radicaram em Porto da Lage ou não se fizeram acompanhar pelas famílias, pois só a partir de 1875 os registos paroquiais (o ultimo registo tinha ocorrido em 1819, em "Moinhos de Porto da Lage") nos dão conta de nascimentos de crianças relacionadas com trabalhadores de caminhos de ferro. Estes viveriam em casas anexas à estação ou nas casinhas das passagens de nível, sendo que em Dezembro de 1877, Mathilde vê a luz do dia  no edifício da estação, enquanto que apenas dois irmãosinhos, filhos de um casal de "fazendeiros", nascem na mesma década (ver quadro abaixo). Quanto às duas mortes ocorridas desde a inauguração da estação até 1880 trata-se de uma mulher guarda da passagem de nível e de uma criada da quinta. Na década seguinte nota-se já o contributo dos descendentes Sousa Rosa para o crescimento da população local e a ajuda que uma via de comunicação rápida e moderna traz aos pecados deste mundo: dois inocentes abandonados! Nas últimas décadas do século é nítido o acréscimo de nascimentos de ambos os lados, embora se comece a verificar o aumento dos habitantes "civis" face aos "ferroviários". Nota curiosa quanto às últimas mortes do século XIX em PL, todas elas violentas: a do chefe da estação atropelado por uma máquina descarrilada, a do guarda do Km 120 igualmente vítima de um comboio e a de Manuel Sousa Rosa Júnior, também atropelado mas por uma carroça, numa corrida destas, quando tentava saltar de uma carroça para outra (as famosas quadrigas de Porto da Lage e o Ben-Hur de Assentis! que segredos me reservas mais,terra do meu avô?).


Fonte: Registos Paroquiais da Freguesia da Madalena, Tomar, A.N.T.T.
                                   
 Da leitura dos registos paroquiais, duas situações, desde logo, se evidenciam. A primeira é a relação que se estabelece entre estes dois grupos populacionais. Observa-se que os "lavradores" ou os seus filhos são padrinhos dos filhos dos ferroviários mas o contrário não se verifica, o que significa que as pessoas se davam e procuravam estabelecer laços, embora não de forma igual, reproduzindo as relações tradicionais de quem tinha menos poder, económico ou social, procurar, junto dos grupos sociais "acima",  o apoio e o patrocínio para os seus filhos no caso de os pais lhes faltarem ou mesmo de ajuda para a sua educação ou empregos futuros. A outra situação observada é, com a entrada do novo século, o aparecimento de "pobres". Os assentos de baptismo tinham afixadas estampilhas de valor diferente, supondo-se que este variava de acordo com o rendimento familiar, e, no caso de não as terem, referia-se à margem - não paga por ser pobre ou, simplesmente, é pobre. Estas situações começam a verificar-se em Porto da Lage em assentos em que os sobrenomes não são hoje conhecidos e em que o pai é referido como jornaleiro ou fazendeiro. Serão portanto os novos pobres aqueles que trabalham na agricultura mas não detêm terra, trabalham por conta de outrem e usufruem de salários menores que os dos ferroviários, pois estes continuam a ter o selo aposto no assento de baptismo dos filhos.


Porto da Lage desempenhou, através da estação de caminhos de ferro, durante mais de sessenta anos, o papel importantíssimo de porta de entrada,  na cidade de Tomar e no interior centro do país, do que de novo acontecia pelo mundo em todos os aspectos. Por ela passaram as mercadorias e equipamentos destinados às novas indústrias, ao comércio, à agricultura, bem como as personalidades e as novidades culturais e científicas. De uns e outras fomos dando conta neste blog, com recurso às notícias existentes nos arquivos da imprensa local. Estou certa que pesquisas na imprensa nacional e em espólios fotográficos da época trarão acréscimos riquíssimos ao conhecimento do papel da Estação de Paialvo na vida económica-social da região de Tomar. Aos jovens estudantes de História, Sociologia,enfim Ciências Sociais em  geral que se interessam por história contemporânea e têm de apresentar a sua dissertação de final de curso, podem crer que tema mais inédito, inexplorado e com mais potencialidades é difícil de encontrar! Fica a ideia, completamente free!!
Mas Porto da Lage é mais do que "a estação". Esta é um capítulo da sua vida, mais um que se enquadra no seu nome - Porto- ponto de encontro de uma estrada com um curso de água. Este ponto de encontro e descanso de viajantes da estrada real, antes a estrada medieval, antes ainda a via romana, com a vetusta ribeira da Beselga, é o seu destino. 
Os estudiosos das vias de comunicação dizem que há locais que, pelas razões imperiosas da geografia-  localização, relevo, cursos de água,clima,etc, proporcionam e fazem confluir para si diversas vias tornando-os centros viários de pequenas áreas, regiões, países.  

Sem qualquer base científica, atrevo-me a especular que PL é um desses locais. Ao longo de séculos não se tornou uma verdadeira povoação,como as vizinhas Vales, Casal da Fonte, Paço, Porto Mendo, Cem Soldos.
Foi um local de passagem durante séculos, com habitantes residuais. Tornou-se maior durante um período de tempo, graças a uma família com muitos filhos que lá construiu casas para a maioria dos filhos mas que, quando estes partiram ficou, novamente, com  população residual.
Mas, repito,  Porto da Lage manteve, mantém, sempre a sua matriz: lugar de passagem.
Repare-se na actual bomba de combustível, com café, e no lugar de venda que se instalou ao lado! O centro de Porto da Lage deslocalizou-se (odeio esta palavra, mas cadê outra?) para aqui. De novo, toda a região vem comprar o pão,o leite, as sementes, os alfobres,  a Porto da Lage. Vem, sinal dos novos tempos, buscar dinheiro, pôr gasolina. Esperemos pelo sapateiro (com costureira, engomadeira, tatuador, tudo incluído como agora se usa), que funileiros parece que já não há em lado nenhum! Porto da Lage continua a ser central, um ponto de encontro. As outras, as aldeias, continuam lá, onde os antigos as puseram, Deus saberá porquê, mas os seus povos continuam a vir, abastecer-se, tomar café, beber um copo, trocar impressões, aqui, em Porto da Lage, onde não vive ninguém. (MFM)

6 de outubro de 2016

Quinta de Porto da Lage I



Continuando o tema do último post sobre a  Quinta de Porto da Lage trago hoje aqui a apresentação gráfica possível (quero dizer, dentro das minhas possibilidades- feita por mim!) da quinta, tendo como base os mapas por satélite google.
A primeira imagem representa o desenho do limite total da quinta e dos restantes terrenos propriedade de João Manuel de Sousa, este teria também terrenos do lado de "lá" da linha do caminho de ferro, que não estão aqui assinalados por não serem considerados importantes, neste caso.
A segunda é uma imagem aproximada de parte de terrenos da quinta e de outros, que deram origem à "parte urbana" de Porto da Lage.




Linha vermelha -contorno de parte da quinta; Linha amarela -contorno de outros terrenos de João Manuel de Sousa; A-terrenos comprados por Manuel de Sousa Rosa em 1883; B-terrenos comprados por Manuel de Sousa Rosa em 1895; C-outros terrenos; 1-casa de Manuel de Sousa Rosa Júnior construída em 1886; 2- casa de Augusto Mota construída em 1889; 5-taberna de Faustino dos Santos adquirida em 1893; 3- casa de Ana Sousa Rosa construída em 1898; 4- casa de António Sousa Rosa Júnior construída cerca de 1900.


Através desta figura podem ver-se as construções originais da quinta, o moinho e a casa de morada da quinta (casa dr. Sousa) que teriam outras pelo meio, como podemos ver  neste post . O edifício seguinte seria, novo ou aproveitamento de anterior, aquele onde se instalou a CUF na data ainda lá inscrita 1877?. Vieram depois, após a venda da quinta, as casa de Manuel Sousa Rosa Júnior (contou-me há anos a Isaura Rosa que a sua seria a primeira casa de PL, segundo lhe tinham dito no licenciamento de obras da Câmara Municipal, seria a primeira a ser licenciada?) e de Augusto Mota, que continuarão sós até 1893, data em que serão acompanhados pela taberna de Faustino dos Santos, a qual foi instalada numa construção pré- existente.
Estava, portanto, certo o Dicionário Postal e Chronographico do Reino de Portugal ao referir como três o número de fogos existentes em Porto da Lage em 1894. 
No inicio do século XX mais construções surgem: outras duas casas de filhos de MSR e a casa de Mendes Godinho construída no local (ou próximo) do Moinho, que será a única a não pertencer à família de MSR  em todo o território da antiga quinta, durante muitos anos.
Nesta década faz-se notar também em Porto da Lage um casal que vai tendo vários filhos - os Sousa Orfão, o qual, pela localização das casas actuais desta família, se deve ter instalado na zona denominada na figura como C.
A partir de meados da segunda década de XX assiste-se ao crescimento da povoação, a rua principal começa a tomar forma com a construção de casas destinadas à nova geração, filha dos donos das primeiras.





Anais do Município de Tomar de Amorim Rosa, vol. 1901-1925


"1906 - 4 de Outubro - a câmara deliberou proceder a pequenas reparações no caminho público de Porto da Lage (fls. 130)
1907 -7 de Fevereiro - o vereador João Mendes Godinho foi autorizado a proceder às reparações do caminho público de Porto da Lage (fls. 137)
1908 - 20 de Fevereiro - a câmara deliberou proceder à reparação do caminho público de Porto da Lage ao Paço até à quantia de 50$000 réis (fls.180)
1918 - 20 de Maio - a junta da Madalena pediu com urgência, a reparação da estrada que passa por dentro do lugar de Porto da Lage e que vai desde a estrada de macadame até à ribeira da Beselga. (fls. 443)"





Pelos anos trinta os baixos das casas já são, nalguns casos, destinados a comércio, a pequenas industrias (sapateiro, latoeiro) e serviços, enquanto se assiste à edificação de casas destinadas a arrendamento e ao alindamento das já existentes, integrando portões que ostentam letras com iniciais dos nomes dos proprietários e datas.

Em 1928 tem início o funcionamento do ensino primário, o que significará  não só a existência de crianças suficientes na localidade em idade escolar, como o reconhecimento da centralidade de Porto da Lage como um futuro centro educativo da freguesia. Apesar de, precisamente nesse ano, a estação de Paialvo ter deixado de ser a principal via de acesso a Tomar, não parece, no meu ponto de vista, que Porto da Lage tenha perdido algo da sua vitalidade e crescimento com esse facto. A fábrica do álcool e a consolidação da localidade como centro comercial da região, contribuíram, mais do que a estação, para o fulgor de Porto da Lage, de cuja  vida social já falaram como ninguém, neste blog, Dulcinda e Ilídio Teixeira, que durou até ao fim dos anos sessenta e que tanta nostalgia traz ainda a tanta gente. (MFM)
 ...continua ...

30 de setembro de 2016

Os Descendentes


Ainda a propósito do grande proprietário de Porto da Lage e arredores, no inicio do sec.XX - Manuel de Sousa Rosa-, publico hoje a lista dos descendentes dos seus sete filhos que mantiveram nas suas mãos, na sua maior parte, as propriedades do avô até aos anos oitenta do século vinte. O facto de dez dos seus netos terem casado entre si, e de alguns terem apenas um ou dois filhos terá impedido a dispersão das propriedades. Uma outra razão seria que, apesar de, dos dezasseis netos varões que atingiram a idade adulta, apenas três se terem dedicado exclusivamente à agricultura, os outros, ocupando-se embora do comércio, industrias, pequenos serviços ou de outras profissões, continuaram a manter as suas terras e a cultivá-las, com excepção, ao que me dizem, dos filhos dos filhos mais novos, João e António,  que, cedo, venderam as suas terras, embora a primos.

É na geração seguinte que tudo se altera. Apesar de nada coesa em termos de idades, a meia centena de bisnetos de Manuel de Sousa Rosa teria/tem  hoje entre 110 e 55 anos, esta geração tem como ponto comum, maioritariamente, o abandono da agricultura. Em suma, dedicam-se a negócios, exercem profissões liberais, são altos cargos da função pública ou de empresas, e, em número considerável, partem para África. É extraordinária esta demanda de África, que extrapola as colónias portuguesas. Ignoro o início desta diáspora mas sei que já se verificava em 1935, data em que o meu avô comprou a casa nos Olivais a uma prima (Gracinda, neta de António Sousa Rosa) que partia com a família para Moçambique.

Situação curiosa é verificar que grande parte dos terrenos que ainda hoje estão na posse de descendentes de Manuel de Sousa Rosa pertencem precisamente aos "africanistas," aqueles que ainda hoje estão em África, foram depois para os Estados Unidos ou outros países ou já voltaram para Portugal! Porque não se desfazem das terras, quando os que estão mais perto o fazem? Talvez eles nos possam dizer.

Quanto à lista, decidi fazê-la, com a ajuda imprescindível da Dulcinda, respondendo às diversas questões de pessoas que sabem ser descendentes de  Manuel de Sousa Rosa, mas não sabem porquê, "a minha avó dizia que a avó dela era da quinta mas não sei como" ou que querem saber como é que são primas ou ainda são primas de ... Espero, por um lado, poder desta forma ajudar  os que me questionaram na busca das origens e dos parentes, e por outro, que os restantes  não considerem intromissiva a divulgação do seu nome e laços familiares. (MFM)