Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

Si hortum in biblioteca habes deerit nihil
Todos os textos aqui publicados podem ser utilizados desde que se mencione a sua origem.

29 de janeiro de 2015

A Casa





Manhã de domingo, 31 de Maio de 1920. Aprontam-se em Porto da Lage os arranjos para os casamentos dos irmãos Maria e João Mota. Família e convidados apressam-se a entrar nos carroções e carroças disponíveis, os manos noivos na carruagem dos futuros esposos, o primo Sousa Rosa, sofisticado, parte primeiro no veloz automóvel, com a esposa e meninos, atrás, o restante cortejo. Vão direitos a Cem Soldos. Aqui, na capela, Maria recebe como marido o primo, Augusto. Após a cerimónia, não há lugar a demoras nas felicitações e cumprimentos que ficarão para depois, agora é tempo de rumar a Tomar, que João tem compromisso a cumprir na Igreja de Santa Maria do Olival. Recompõe-se o cortejo, o novo casal ocupa agora a carruagem de honra, o ainda noivo encaixa-se no lugar anterior do já cunhado e todos se dispõem a contornar as curvas até Tomar.
À entrada da cidade, ao passar pela casa da noiva de João, a juventude do cortejo não resiste a esboçar algum burburinho, logo aquietado pela gente séria da família, e o percurso segue pela Rua Direita, desce a Corredoura, atravessa a ponte, percorre a habitualmente agitada Rua Larga pelo seu laborioso comércio e oficinas, hoje silenciada pelo Dia Santo, passa por baixo do Arco de Santa Iria e, através de azinhagas recortadas por entre os olivais chega ao vetusto templo quase escondido, lá em baixo, entre as árvores que lhe dão o nome. Os passageiros saem, os condutores dos carros aquietam os animais nas sombras possíveis, que o sol já vai no meio-dia, e todos transpõem o velho pórtico, descem as escadas e, ao som dos próprios passos sobre as desgastadas lajes, aproximam-se do altar-mor onde, pouco depois, se lhes reúne a noiva, acompanhada pela família, e se realiza o matrimónio de João.
Segue-se a boda, em Porto da Lage na casa de João. A casa em que passará a viver, desde esse dia, com a sua mulher Maria José.
Já é fim do dia. Os convidados, aos poucos, vão abandonando a festa. Os pais e a irmã de Maria José anunciam que se vão embora. Começam a despedir-se de quem fica. Maria José, habituada à companhia de sempre, também pega no xaile e faz menção de se despedir de quem está perto. O jovem marido interpela-a de olhar perplexo:
- Então, não fica cá?
O pai dá uma gargalhada, salva a situação:
-Onde ias tu, rapariga? O teu lugar agora é aqui!
Esta é uma das anedotas do casamento dos meus avós, há mais. Que ela contava com a capacidade de se rir de si própria que só ela tinha, mas em que a cara (de tolo, de tótó, imaginava-mo-la nós, os netos) do meu avô também assumia grande relevância. Ela, afinal, não se ria só de si.
Pois João Pereira da Mota e Maria José eram meus avós, e a casa de que falo, pelo menos o local, os alicerces e as paredes-mestras, é aquela que a foto mostra.
Era a casa que Augusto Pereira da Mota, seu pai, construiu quando veio para Porto da Lage, onde o meu avô nasceu em 1892 e os irmãos mais novos também. João herdou a casa depois da morte do pai ficando aí a morar com a mãe e os irmãos solteiros. Depois do casamento, a mãe passou a viver com o filho mais novo na casa pequenina que ainda existe à direita do jardim.
Em 1935, João cede a casa, por troca, ao irmão Henrique que a altera dando-lhe o aspecto que hoje tem.
Em 2015 a casa deixa de pertencer aos Mota.

É mais que provável que o novo proprietário, que não sei quem é, não conheça este blog nem leia este texto. Mas, de qualquer maneira, não deixo de lho dedicar.

Porque acredito que o que tem história tem alma. Não é necessário que “a história” esteja na nossa memória vivida. Pouco me liga directamente aquela casa, para além dos factos mais ou menos emocionais, como o de lá ter nascido o meu avô, ligam-me as memórias que me transmitiram, como esta, a da pobre miúda de vinte anos que não sabia bem o que estava a fazer, ali, dentro daquelas quatro paredes, no dia da sua própria boda de casamento, há quase cem anos. E outras, tão, menos e mesmo nada cómicas, até dramáticas, que me foram contadas. E muitas, muitas mais, imensas, que aconteceram em quase 125 anos e que eu desconheço. Mas que as paredes conhecem!
Era isto que eu queria lembrar ao novo proprietário, aquelas paredes sabem muita coisa, coisas miúdas, do quotidiano, da vida íntima das gentes, alegrias e angústias, zangas e remissões, nascimentos e mortes.Tudo aquilo que, no fim de contas, compõe a história do Homem. 
Olhe, então, por aquelas paredes. Preserve-as, estime-as. Estou certa que elas irão gostar de si.
Fico-lhe muito agradecida por isso. Felicidades na sua nova casa.(MFM)

21 de janeiro de 2015

Arre Burrinho



Carlos Reis, Para a Feira

Arre burrinho
para a feira
José Malhoa, O Aguadeiro
carregadinho 
de madeira


Arre burrinho
para Azeitão
carregadinho
de feijão

Arre burrinho
para Loulé
carregadinho
de água-pé

Arre Burrinho
para Monção
Carregadinho
de sabão

Arre burrinho
arre burrinho
para a feira
de S. Martinho

Para o senhor
capitão
não está em casa
o capitão
larga burrinho
a carga no chão.

(continuação da poesia popular contada pela tia Alice)

Rouxinol que tão bem cantas





José Malhoa, Primavera
 Jardineiras e floreiras
o que andais vós a vender?
vendemos cravos e rosas
raminhos de bem-querer

Indo eu por aqui abaixo
em busca dos meus amores
encontrei uma floresta
carregadinha de flores

Cheguei-me bem junto dela
para o sol não me crestar
era meio-dia em ponto
rouxinol ouvi cantar

Rouxinol que tão bem cantas
onde aprendeste a cantar?
No palácio da rainha
onde el-rei ia caçar

O rei estava na varanda
a rainha no quintal
atiravam um ao outro
as pedrinhas de cristal.


Maria de Lourdes de Mello e Castro, Janela Florida
(continuação da poesia popular contada pela tia Alice)

20 de janeiro de 2015

As meninas a aprender



José Malhoa

  

Sola sapato
rei rainha
foi ao mar
buscar sardinha
para o filho
do Luís
que está preso
pelo nariz
salta a pulga
da balança
dá um pulo
vai pra França
os cavalos a correr
as meninas a aprender
qual será a mais bonita
que se irá esconder?

(continuação da poesia popular contada pela tia Alice)

19 de janeiro de 2015

Lavadeira




José Malhoa, Clara, 1905,
Museu de Arte Contemporânea

Bem lavava a lavadeira                                                    
ao som da sua barrela
ela cantando dizia:
Ó que meada tão bela!
Os panos que ela lavava
eram do rei de Castela!
o sabão que ela deitava
tinha vindo de Inglaterra
a lenha que ela queimava
era cravo era canela
lavava-os em tanque de ouro
estendia-os na Primavera.




José Malhoa, Lavadouro (na mata), 1922
(continuação da poesia popular contada pela tia Alice)

Pelo Sinal, Bico Real

José Malhoa, A caça, 1931


Pelo sinal
bico real
comi toucinho
e fez-me mal
se mais me dessem
mais comia
adeus compadre
até outro dia

Pelo sinal
bico real
corta as penas
do pardal
adeus compadre
adeus comadre
até outro dia
se não faltar
a companhia.

(continuação da poesia popular contada pela tia Alice)

18 de janeiro de 2015

Rapaz, levanta-te cedo

Sousa Pinto, (1856-1939) O Hóspede Inconsolável, 1884






Rapaz, levanta-te cedo
para fazeres o almoço,
para que diga o povo todo
que eu tenho um muito bom moço

Ó meu amo vá à feira
compre-me um fato de pano
para que diga o povo todo
que eu tenho um muito bom amo




(continuação da poesia popular contada pela tia Alice)

17 de janeiro de 2015

A Padeirinha


Oh que lindos olhos    

José Malhoa, As padeiras Mercado de Figueiró dos Vinhos, 1898
tem a padeirinha
tão mal empregados
de andar à farinha

Oh que lindos olhos
tem o meu José
tão mal empregados
de andar ao café

Oh que lindos olhos
tem o meu João
tão mal empregados
de andar ao carvão





(continuação das cantigas da tia Alice)

14 de janeiro de 2015

Um, brevemente, por favor

Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929), Chávena de Chá, 1898,
Museu Nacional de Arte Contemporânea


Das  diligências pertencentes ao chamado "secretariado da existência"* todas elas árduas e responsáveis por retirar anos à dita, poucas há mais penosas do que a necessidade de recurso aos "call center". E é que é uma necessidade cada vez mais frequente. Tirando o santo estado que ainda nos vai atendendo ao balcão, quase sempre tesourarias, pois tirando isso, lá temos nós que recorrer ao telefonesinho para resolver as questões comezinhas da vida.
E já não falo no tempo que se perde em esperas, em repetir inúmeras vezes ao que se vem, o número de contribuinte e do telefone, ou do local, ou da apólice, ou do diabo que os carregue, eu já nem falo disso, eu já só falo do modo como falam comigo! Que, reparem, eu até gosto de ser Maria, assim gostasse do segundo nome com o qual a minha relação pouquíssimo santificada, com esta idade, ainda não se pacificou, mas caramba, de "Maria" a "senhora Maria" vão quilómetros, séculos, sei lá quantas unidades mais de distância multidimensional entre uma e outra denominação. Separam-nas a delicadeza, a educação, conceitos e (porque não?) preconceitos, que  a nossa vida social estabeleceu e que deveriam ser respeitados mas que, por pura ignorância, são desprezados.
Quando o ouvinte é um homem a coisa piora, convenho, o sr. Fernandes da tabacaria, que toda a vida ouviu a clientela   a chamá-lo respeitosamente de  sr. Fernandes, passa de repente, ao telefone, sem fazer mal a ninguém, a ser o sr. Alberto para a menina da TV cabo! Calculo que deva custar.
E a questão não está na menina da TV cabo nem no rapazinho que há pouco me atendeu mas no facto de serem todos assim. Os desgraçados que se vêm obrigados a aceitarem estes "postos de trabalho", como se diz, aceitam, além de remunerações vergonhosas e horários de trabalho ainda piores,  "formações" onde aprendem a "relacionarem-se" com os clientes. Da forma em que a etiqueta é o que se vê, pior, se ouve.
As empresas que fornecem estas "formações", altamente cotadas em comunicação e relações públicas, serão do melhor que há, não duvido, eu que não percebo nada do assunto, mas sabem muito pouco de língua e cultura portuguesas, digo eu, que, como milhões, sempre sabemos mais um bocadinho que eles e agradecíamos que nos respeitassem a identidade.
No tempo das vacas gordas, em que a formação era uma das bem anafadinhas, mandaram-me uma vez, uma de bastantes, fazer uma formação sobre relacionamento interpessoal. Para que não pensem que seria alguma espécie de castigo por eu me andar a dar mal com os outros, sempre direi que não, não era, pelo menos eu pensava que não, até lá chegar! Eu e os meus colegas "de turma" provenientes de vários sectores da administração pública tínhamos em comum fazermos auditorias e entenderam, por aquele tempo, as chefias,  que estaríamos a precisar de melhorar as nossas relações com os ditos "auditados", o que até seria verdade, chefe sabe, sempre,  e lá fomos todos para o palácio onde costumavam ocorrer estes "eventos" . Belo sitio. Bons almoços. O palácio, digno de se ver, belos painéis de azulejos, tectos de caixão pintados, e o belo e afamado jardim. Mais nada que possa interessar à humanidade me ocorre dizer mais daqueles cinco dias ali passados. A minha memória recorda um período da maior imbecilidade a que uma mente humana pode estar sujeita! Desde mandarem-nos, sim, ali mandava-se, era-se "assertivo", nada de titubeações, pois mandavam-nos esquecer tudo o que tínhamos feito até aquele dia de renascimento e toca de nos dizerem que e como tínhamos de cumprimentar, com exercícios e tudo (ah, porque era tudo muito prático), as nossas mãesinhas morreriam de vergonha, caso um mau filho lhe contasse que ali tinha posto os pés, ao saber que tudo o que elas prezavam como a boa educação que nos tinham fornecido, estava, afinal, ou em desuso ou desajustado! E a língua portuguesa?! Oh desgraçada, que só serves para os Lusíadas, que tão desadequada és para   te entenderes nestas coisas do management! Não se diz obrigada, porque não se está a obrigar ninguém, agradece-se! E diz-se sempre "eu", não se omite portuguesmente o pronome,  não vá o nosso interlocutor pensar que está a falar, pela nossa boca, outra alma qualquer. A minha querida colega R. que já está a esta hora livre destas frioleiras (boa reforma e um grande beijinho R.), senhora da sua alta formação em linguística e sempre generosa, bem tentou, sou testemunha do seu esforço, pôr algum bom-senso na cabeça da nossa "formadora", bem bramou a favor do não torcimento da língua, da não interpretação literal do que é falado, mas qual? Nada a fazer! Quer dizer, fez-se! Muito! Desde os bancos do liceu que nenhum de nós se divertia assim. Quero querer que alguns foi a primeira vez na vida que "se portaram mal" numa sala de aula. Lembro-me de um angolano que o seu governo terá com certeza mandado à Europa também aprender a relacionar-se, que só se ria. O rosto negro envolto no colarinho branco engravatado, quando não estava tapado com as mãos, exibia sempre grossas e translucidas lágrimas de riso a escorrerem-lhe pela cara abaixo. O homem, com o português mais clássico e sólido de todos nós, sempre que falava era corrigido. Seguia-se a gargalhada  geral. Apenas a formadora não percebia que não nos riamos dele.
E assim alguém ganhava dinheiro com a "formação de altos quadros"! É verdade que o erário público perdia, mas garanto-vos que nós não ganhámos nada com isso, continuámos a ser cordiais e a comunicar sofrivelmente, não completamente mal, com os nossos interlocutores.
Mas o jovens dos call center infelizmente ganham. Sem capacidades culturais e financeiras capazes de fazerem frente a estas "formações", assimilam-nas e reproduzem-nas para mal da nossa língua e costumes e, pior, para mal da nossa paciência.
E, para terminar, cá vai a "joia" responsável por este imenso desabafo. O rapazinho das avarias do MEO (passe a publicidade mas eles até precisam, ou vão precisar) lá me diz da necessidade de proceder a uns testes pelo que pede "um brevemente". Deixo passar, sou surda, ouvi mal. Mais uns segundos - Senhora Maria, mais um brevemente por favor. Arrepio-me, um brevemente? Mais um tempinho- Está?? - Só um brevemente! - Desculpe, repita o que disse! - Estou a proceder a uns testes Senhora Maria! - Não, o que disse depois! - É só mais um brevemente. -Um brevemente!?, você disse um brevemente??? - Sim, um brevemente, acabo já! - Oh criatura - enfureci-me - não diga disparates, isso não se diz, pelo menos não se diz neste contexto, não quererá dizer "breve momento"?- Sim, senhora Maria, um brevemente. Olhe, já terminei. Lamento mas nada posso fazer, vou mandar aí a casa o técnico.
Uma hora depois, muito brevemente portanto (afinal acaba  tudo por fazer sentido) um par de brasileiros procede aos devidos arranjos e um deles, pede-me, já que fiquei satisfeita, que lhes atribua um 9 (nove) quando me ligarem para a avaliação do trabalho. Respondo que até lhes dou o dez, a nota máxima.  - Por favor dez não, o dez está com um probleminha e a gente acaba sempre ficando com um um!- lamenta-se ele. Então era isso. Um, brevemente. Está tudo explicado. (MFM)

*Ouvi esta expressão outro dia na tv, à escritora Rita Ferro e tratei logo de a roubar. Traduz exactamente o espírito do que é.


11 de janeiro de 2015

Cantiga da Costureira




 Marques de Oliveira (1853,1927)- Interior (Costureiras Trabalhando),
 Museu Nacional de Soares dos Reis



Costureira apaga a luz
apaga-a vai-te deitar
já passa da meia-noite
são horas de descansar.

Costureira, mãos de prata,
faz o ponto miudinho
ainda espero romper
dessas mãos um colarinho.

Costureira, costureira,
tua agulha me picou
não foi nada, não foi nada,
ao coração não chegou.

Costureirinha galega
que estás tu a costurar?
Um lencinho de três pontas
para o nosso general.


Neste século XXI já bem entrado cada vez me lembro mais do XIX. Da infância, das brincadeiras, das cantigas, que vivi através das recordações das avós e das tias velhas. Nas tardes de costura que eu acompanhava, contrariada com os pontos mas esperançosa nas histórias, lenga-lengas e ocorrências várias que eu sabia viriam todas circunstanciadas e eruditas da boca da avó e bem populares e ritmadas da da tia Alice. Como esta Cantiga da Costureira. E outras que virão a seguir. (MFM).

8 de janeiro de 2015

Deus Ouve!






Apesar de não gostar nada do estilo, totalmente de acordo, e, que se lixe a liberdade de expressão, e quem não tem humor também, não admito segundas opiniões! Mentira, admito  sim, mesmo a dos estúpidos. (MFM)

6 de janeiro de 2015

Dia de Reis





Dia de Reis, o último dia "do Natal". Desarma-se o presépio, desenfeita-se a árvore e toda a casa de todos os ornamentos da época. Tudo irá hibernar por onze meses.
Não parece, mas, não tarda, tudo recomeçará de novo. Depois do alvorecer da vida e da morte que se segue ao Verão, cá o teremos outra vez.
Entretanto, para a despedida uma fatia de bolo-rei e o tradicional vinho do Porto.
Quando eu era criança só comia a fruta cristalizada do bolo rei. Nem percebia como se podia degustar aquela massa seca. Agora, azares da idade, já gosto, aliás, como já gosto de tudo (que raiva!). Nunca me calhava assim, nem o brinde nem a fava. Tudo isso acabou já, graças à preocupação burocrática de Bruxelas (ou à conta desta que também tem costas largas) com a nossa saúde, não fossemos nós morrer já não sei por causa de quê relacionado com os infelizes defuntos brinde e fava.
O objectivo de retirar da nossa vida todo e qualquer escolho que nos obrigue a viver saudáveis, quer queiramos quer não, é a política do nosso tempo. Há cem anos era outra. Por exemplo, com a implantação da república a denominação de bolo-rei foi proibida, passando o dito a chamar-se bolo-nacional.
Mas, como vemos, o nome não pegou. O senso comum impõe limites ao ridículo. Quero crer que o brinde e a fava ainda verão melhores dias (MFM)

31 de dezembro de 2014

Ano Novo







Dizem que temos valor [os portugueses], mas que nos falta dinheiro e união; e todos nos prognosticam os fados que naturalmente se seguem destas infelizes premissas.
Padre António Vieira



                                             Bom Ano para todos,
                                             Sem as infelizes premissas,
                                             Os fados o permitam,
                                             Eis os meus votos (MFM)

22 de dezembro de 2014

O Natal! Um Santo Natal

Conrad Von Soest (1370-1422)- Natividade 1403




Mais de quinhentos anos separam estas duas obras. Mas, nas duas, está lá tudo: a harmonia, a simplicidade, a ternura, muita ternura!O abraço da mãe, o cuidado do pai, o calor de todos! Deleitem-se com a maravilha da pintura de cima e com os previsíveis mas irresistíveis " bonecos de natal" da nossa memória e ouçam, sempre, sempre, esta voz deliciosa. 
É isto o NATAL!

BOM NATAL




4 de dezembro de 2014

Força da Rapaziada
















Porto da Lage -  Vales de Cima
Uma capela velha desactivada,
Uma capela nova em construção,
Isto é que é força da rapaziada,
Com boa vontade e devoção.
Leonel António

Leonel António, que não conheço pessoalmente, é uma força activa na divulgação e preservação das memórias de Porto da Lage , em particular, e do concelho de Tomar e arredores, em geral, que acompanha com objectos artesanais de sua autoria e com originais versos a propósito de tudo.
Publicou, por estes dias, no facebook, as fotografias acima, legendadas com a respectiva quadra.
As duas capelas, a desactivada e a em construção, localizam-se ambas em Vales de Cima, povoação que, ao que me dizem, sempre aspirou a ter um templo católico só seu.
Acontece que existe, há mais de quarente anos, no seu "domínio" uma capela disponível, que, tanto quanto sei, nunca esteve permanentemente ao culto e se encontrou mesmo à venda, incluída na propriedade de que faz parte. 
Apesar disso, de ter já pronto a "funcionar" um local de culto, a população preferiu construir, de raiz, a poucos metros, uma igreja novinha em folha, aplicando toda a sua energia a angariar fundos para tal. 
Desconheço o motivo da opção. Mas desconfio que Leonel António tenha razão, que terá sido "a força da rapaziada" aqui, como no resto do país, a preferir apostar, com toda a boa vontade, no "novo" e ver arruinar, com toda a devoção "o velho". (MFM)

1 de dezembro de 2014

Defenestrados

Gravura do livro Restauração de Portugal, Fernando Mendes, ed.Romano Torres, 



Eu sou do tempo dos heróis. Viriato, Egas Moniz, o Condestável, Bartolomeu Dias, Afonso de Albuquerque e um rol de muitos outros onde mesmo as mulheres cabiam, como a valente Padeira passando pela enfarinhada Deuladeu Martins até à fidalga Filipa de Vilhena, todos empunhavam lança, espada, corda no pescoço, leme, a pá do forno, o que fosse, em prol dos seus ideais, da sua palavra, da sua terra, do seu povo. Todos eram apresentados como exemplo de sacrifício e bravura a favor da grande causa – Portugal. Mas a coragem maior era personificada no herói supremo – o valoroso povo português que o talentoso Camões, também ele um herói, cantou nos Lusíadas.
Era assim a história de Portugal no meu tempo de estudante da primária e do liceu. Contavam-nos como éramos um grande povo, de valentia extraordinária e feitos magníficos. Ao longo dos séculos tínhamos não propriamente arrastado mas confrontado a montanha vizinha e atravessado intempéries e monstros marinhos para nos mantermos independentes e, mais, para nos tornarmos cada vez maiores. E tudo num esforço sobre-humano, pois não esquecíamos como éramos geograficamente pequenos.
Mas atenção! Também tomávamos conhecimento do avesso destes casos.
Aprendíamos como, em épocas perigosas, nos momentos de ruptura, em que tudo parecia perdido, surgiam os aproveitadores, os oportunistas dispostos a fruir do estertor da pátria. Eram os aliados dos nossos inimigos, que, a soldo destes, traíam, vendiam, subjugavam os próprios compatriotas.
O galego Fernão Peres, valendo-se da paixão da mãe do nosso primeiro rei, iludira-a e fizera-a virar-se contra o próprio filho, em desfavor da nossa independência; o Conde Andeiro, também amante de uma rainha pérfida e traidora, com a qual perfilhava o partido castelhano; Miguel de Vasconcelos, representante do rei estrangeiro no tempo da ocupação espanhola. Todos eles, três exemplos dos que tinham sido desleais aos interesses portugueses, dos que se tinham vendido a si e à Pátria a troco dos infames 30 dinheiros e que, por isso, tinham fugido, morrido às mãos do mestre ou sido defenestrados. Todos três exemplarmente castigados pelos bons portugueses unidos na defesa da dignidade e da independência da sua terra.  
Depois, em nome de uma História séria, limpa de gente e de acontecimentos, acabou-se com os heróis. Não há nem antigos nem modernos, como diria a minha avó, pois já não se criaram mais. O Cristiano Reinaldo parece-me que não encaixa e o Xanana, última tentativa que este povo fez de criar um, mesmo à revelia, caiu do altar a baixo há três semanas, ai Timor …
 Foram portanto, por decreto, os heróis oficialmente extintos. Pena que se tivessem esquecido de legislar sobre a abolição dos outros.

No tempo de perigo em que vivemos, com a Pátria, mais uma vez, moribunda, joga-se uma luta desigual. Estamos, como nunca, subjugados por vendidos a soldo estrangeiro e não há quem, já não digo que defenestre esta gente, mas que a mande porta fora! (MFM) 

30 de novembro de 2014

Mensagem - 80 Anos

NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,          
Mensagem-fac-simile da capa original

Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo - fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer,
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!

Fernando Pessoa -Mensagem

30 de Novembro de 1934 

25 de novembro de 2014

Sic transit gloria mundi

                                                            

Capela dos Ossos-Évora


«...Afora o círculo dos seus fiéis, era odiado [António Bernardo da Costa Cabral, primeiro-ministro de Portugal 1842-1846] de cima a baixo na escala social. O seu êxito político suscitou despeito generalizado. O seu rápido enriquecimento causou escândalo e também invejas inconfessáveis. Ninguém perdoava que o plebeu ainda há pouco conhecido por morar numa modesta casa a Buenos Aires e trajar um reles casaco com gola de chibo em breve habitasse um sumptuoso palácio na Calçada da Estrela, possuísse um castelo em Tomar e uma quinta na Mealhada. Subira ao poder em 1842, nada tendo de seu, e em 1845, apenas três anos depois, era já o que se via. Possuía equipagens e dava festas espaventosas; o recheio das suas casas era luxuoso; a mulher vestia-se na mais cara modista de Lisboa, a francesa Levaillant. Os jornais dissecavam os seus haveres, contabilizavam as luvas recebidas por contratos firmados pelo Estado com companhias particulares, calculavam o montante da sua fortuna e discutiam a origem dela. Os epítetos de «concussionário» e «ladrão» colaram-se à sua pessoa como a pele se cola ao corpo. Aparentemente, a sua notória e escandalosa corrupção não impressionava a rainha, de quem se tornara o favorito, que o elevou a conde em 1845 e que o honrava hospedando-se com a corte no castelo dele em Tomar.
O espectáculo do plebeu alcandorado aos píncaros do poder e da glória esporeava a verrina dos seus inimigos. A aristocracia, regra geral, envolveu- o num fundo desprezo. Costa Cabral parecia desafiar tudo e todos. Colocara o irmão João Rebelo na presidência da Câmara dos Deputados e em 1845 elevara outro irmão, o notório José Bernardo da Silva Cabral, a conselheiro de Estado e ministro da Justiça. Mais extremista, mais sectário e mais truculento do que o irmão António, foi este que passou à história como a verdadeira alma danada dos «Cabrais» e do cabralismo...»


Um aristocrata no cabralismo, M. Fátima Bonifácio, Análise Social, vol. XXXVII (165), 2003, pgs.1243-1257.

23 de novembro de 2014

A Margarida




Neste Verão, em Porto da Lage, a Margarida brilhou
Apareceu “bem arranjada”, como é preceito do ofício, de cabelo com laca, lábios pintados e as inevitáveis pérolas.
Debaixo do ar de senhoril respeitabilidade a que o figurino obriga, estará a Margarida, com aquele ar ou outro, estará com o seu “ar verdadeiro” a tentar fazer o melhor possível, como todos nós, pela sua existência.
Terá sido o porfiar pela vida que a tornou visível desta vez, ignoro se houve outras, em Porto da Lage. Não conheço a Margarida mas não estou sozinha a especular  sobre a razão que a fez deslocar-se a uma rua cheia de casas desertas, só vazias algumas, vazias e arruinadas outras, e colar em três delas* o dístico “vende-se”.
E então passou a Margarida a ser o sujeito duma história. Uma qualquer, inventada por todos, que tem em comum a pergunta - Porquê Margarida? Dizia-se, debaixo da luz de Agosto –Olha, chama-se Margarida a vendedora! – Vem cheia de entusiasmo, a Margarida, logo três de uma vez. Não se fala sobre o que faz mas por que o faz. Ninguém se interroga sobre as casas, que são o mero objecto da conversa sobre a Margarida. Os mais interessados adiantam mesmo – Será que ela vai conseguir? 
No pano de cena que é esta rua de Porto da Lage, imutável, previsível, indiferente, uma pequena mudança ocorreu no cenário este Verão – chegou a Margarida.
Felicidades, Margarida! (MFM)

* As três casas eram propriedade de filhos deste casal





Comentário recebido por e-mail 11:09 24-11-2014:




Não haverá Margaridas no fundo do mar? - H.C.M

11 de novembro de 2014

A Agonia das Palmeiras

Joaquin Sorolla (1863, 1923), El palmeral de Ecche, 1918
                                                     
Corria o ano de 1983 quando, num dia qualquer, a percorrer o caminho do costume, deparei com personagens diferentes a cruzarem o meu olhar habitual pela janela do autocarro. Eu estava a ver, boquiaberta, dezenas de palmeiras adultas no Largo das Cebolas! No amplo parque alcatroado e desarborizado onde, na véspera, estacionavam desordenadas camionetas de transportes ocasionais, dezenas de operários preparavam agora pequenas avenidas ladeadas por palmeiras de sete metros, enquadrando a restaurada Casa dos Bicos que readquirira os quatro pisos que o terramoto levara. Nunca mais me esqueci do espanto da altura, o pescoço a retorcer-se, enquanto o autocarro se afastava, para continuar a ver o insólito, o cérebro a tentar processar aquela novidade. Coisa nunca vista!
Mas, a partir daquela inovação trazida pela XVII Exposição Europeia de Artes, Ciência e Cultura, a coisa passou a ser muito, muito vista. Deixou de ser só enfeite de monumento restaurado, a condizer com as parangonas das comemorações dos centenários do Império perdido, que tinham lugar a toda a hora, pelos idos anos noventa. A moda alastrou pelo país nos vinte anos seguintes, não se construía praça, rotunda, avenida, condomínio no Algarve, que não ostentasse a sua magnificência exibindo o seu palmar ou palmeiral gigante. Em Mirandela apresentaram-me uma vez a “Avenida Palmolive”, que na verdade não se chamava assim, no baptismo tinham-lhe dado, salvo erro, o nome de um figurão qualquer da Comunidade Europeia, Palmolive é o nome que a população lhe dá devido ao rasto de Palmeiras que se desenrola por quase um quilómetro, entremeado por arbustos de oliveira.
E quando a fúria replantativa do nosso palmar portucalense abrandava, fosse por falta de orçamento, as coisas mudaram, fosse por fastio, a moda, precisamente por o ser, cansa, e nada movimenta e enfada mais este povo do que andar fora dela, eis que a tragédia se abateu sobre ele.
E a paisagem da cidade mudou, falo da capital, que conheço melhor, mas também já vi o triste espectáculo noutras paragens.
Começamos por ver os troncos (que não são troncos, afinal as palmeiras não são árvores), pois começamos por vê-los longos e elegantes, encimados por guedelhas secas e despenteadas, cada vez mais descabeladas até à tonsura final. O remate chega quando, já sem folhas, a serra lhe põe fim. Centenas de cotos povoam agora canteiros que viram crescer as palmeiras há largas dezenas de anos ou abriram as suas entranhas, há meia dúzia, para nelas serem depositadas as raízes daquelas enormes plantas transplantadas de origens longínquas.
A morte, toda a morte, é triste. Mas, além de mágoa, deve impor honra e respeito. A das árvores é suposto ser digna, - morrem de pé! – diz-se. Mas não a destas. De tão público, o seu sofrimento chega a ser despudorado. Patenteiam, a olhos vistos, uma agonia sem remissão, lenta e pesarosa que a algumas almas sensíveis inspirará dó, mas à maioria repulsa e vontade de as ver desaparecer.
As exóticas arecaceae, a espécie das canárias, a mais comum, estão a deixar-nos, vítimas do escaravelho vermelho, que, diz-me quem viu, é bicho execrável e repugnante que mina o âmago da planta até à morte. Proveniente da Ásia, começou a chegar à Europa em 1980 através precisamente, ironia das ironias, do comércio de palmeiras.
Não tivessem vindo as “novas” velhas palmeiras e não estaria cá agora o seu algoz.
Os trinta anos de esplendor estiveram sempre corrompidos pela doença latente.  A fatalidade era certa, o tempo se encarregou de a pôr à tona.
Isto que acabo de narrar são factos, nada tem de inventado, muito menos de mágico.

Porém, depois de lido, soa-me a parábola. O período de trinta anos, o aparato e alvoroço inicial, o luxo e exibicionismo contagiante, primeiro, a enfermidade disforme e a morte aviltante, depois. Tudo me lembra a minha querida terra, o tão sofrido povo português.(MFM)

Picasso, La Fábrica de Horta, 1909

6 de novembro de 2014

Porto da Lage era rosa



Painel de azulejos do jardim da casa do Dr. Henrique Mota

"O Dr. Henrique da Mota era meu tio-avô. Passei alguns Verões em Porto da Lage quando eu ainda era muito pequenina. Lembro-me de Porto da Lage como uma terra ideal. Não havia crime; eu podia ir a todos os lados; toda a gente me era relacionada, todos eram amáveis. Belos pomares e fruta deliciosa em todos os lados. As melhores uvas que comi! 
Para mim, Porto da Lage era rosa." 
(Manuela O'Connel, Rhode Island, Estados Unidos da América)





2 de novembro de 2014

Dia de Finados

Vincent Van Gogh, Les Alyscamps, 1888


Quando Chegar a Hora


Quando eu, feliz! morrer, oiça, Sr. Abbade, 
    Oiça isto que lhe peço: 
Mande-me abrir, alli, uma cova á vontade, 
    Olhe: eu mesmo lh'a meço... 

O coveiro é podão, fal-as sempre tão baixas... 
    O cão pode lá ir: 
Diga ao moço, que tem a pratica das sachas, 
    Que m'a venha elle abrir. 

E o sineiro que, em vez de dobrar a finados, 
    Que toque a Alléluia! 
Não me diga orações, que eu não tenho peccados: 
    A minha alma é dia! 
….


António Nobre , Só

O Dia de Finados e eu


Aurélia de Sousa (1866-1922) Dia dos Finados


Hoje é Dia de Finados. Dia dos mortos. Dia em que todos visitavam os cemitérios e iam à missa. Toda a gente ia à missa pelos Fiéis Defuntos, até o meu pai, o primeiro anti-clerical que conheci. E dos últimos, parece-me que já nem há disso, eram resquícios de novecentos e do jacobinismo, crentes que odiavam a cambada da padralhada responsável pelo atraso do país e ignorância do povo.
Quando eu era criança não tinha mortos, todos os que eu queria estavam vivos, comigo. 
Mas, em Tomar, acompanhava os mortos da minha tia Alice e da minha mãe. 
Pelo cemitério eu ia travando conhecimento com toda aquela gente que eu nunca vira, que nascera, pelo menos,  três gerações antes da minha e que agora morava ali. E enquanto se lavava a pedra das campas e se arranjava as flores nas jarras, recapitulava-se, para os pequenos, quem era quem, os  laços que nos ligavam, como e onde tinham vivido. De caminho, dava-se também um jeito nas campas vizinhas, propriedades de amizades de longa data, muitos feitas  ali mesmo, em momentos partilhados de lamentos de perda e de prosaicas ajudas no carrego do regador de água “coitadinha, agora  já cá não tem ninguém quem zele por ela, ela, que estava aqui sempre carregada de flores para os seus”, abandonadas por morte do último familiar.
Ao lado da campa dos meus bisavós Coito havia, ainda lá está, agora de mármore, uma, coberta de toscos mosaicos escuros tendo arrumada a ela, à cabeceira, uma robusta roseira com as mais aveludadas rosas vermelhas que alguma vez vi. Nos Dias de Finados, desde que abria o cemitério até ao fecho, na noite fria de Novembro, uma cigana completamente enroupada em negro rezava e chorava ajoelhada, meia envolvida na roseira, a ponto de nós, os miúdos,  acharmos ser um monte de trapos pretos coberto de rosas encarnadas. Passados anos de abandono, a campa resplandeceu, um dia, de branco, e sobre ela uma placa indicava um filho querido e saudoso, lembrando  que ali jazia  Manuel Curro acompanhado de sua mulher. A roseira lá permanece.
Depois das jarras compostas e de tudo arrumado, havia toda uma palafrenária de objectos de limpeza, tesouras, regadores  e restos de plantas a que era necessário dar caminho, pois, depois de tudo arrumado, dizia, tornávamos-nos todos circunspectos, perfilávamos-nos e rezávamos um Pai Nosso, pedindo ao Senhor pela alma ou almas específicas que ali estavam, pelos outros familiares que também estavam com Ele, não nos esquecendo daqueles que não tinham ninguém que rezasse por si. E terminávamos “Dai-lhes Senhor o eterno descanso entre os esplendores da luz perpétua. Descansem em paz. Amém”.
Hoje já tenho os meus mortos. Cada vez mais. Dizem que a velhice chega quando temos mais gente lá do que cá. Não fiz as contas, não sei se o número dos que partiram é maior ou menor, sei que a coisa não se mede à unidade, que já pesa e dói muito.
Mas aqueles que cá estão e que, Deus o permita, permanecerão depois de mim, apesar de alguns ainda não terem os seus mortos, já têm incutidas as práticas que me ensinaram em criança. Não posso, porque está para além do meu alcance, manifestar-lhes a fé que outros me mostraram, mas quero e devo fazer com que conheçam, respeitem e homenageiem a memória dos nossos mortos.
Poder-me-ão dizer que recordar um ente querido não tem que passar por visitar um cemitério, local macabro e desagradável, com mortos e tudo, o que até pode traumatizar as criancinhas.  
É verdade que se pode recordar sempre, mas quando e onde? Os Celtas reuniam-se  nos Lares para homenagear os mortos. Nada contra. Mas, se é que ainda há Celtas(?), parece-me que já não há druídas. Ir ao cemitério sempre fica mais à mão. Eu, os meus irmãos, os nossos filhos, não ficámos traumatizados por saber, em crianças, que as pessoas morrem e por irmos, anualmente, ao cemitério. Esconder a morte aos meninos não os faz mais felizes.
E depois, sempre me parece mais saudável os  inocentes infantes saberem que o avô (todas as crianças têm avós vivos) teve pais, e conhecerem  o local onde estão sepultados, do que andarem para aí, apatetados, a celebrar bruxas, procurar espíritos, enfim, a imitar americanos com fatos de Halloween numa carnavalada deprimente.
É certo que há outras culturas nas quais os mais novos prestam homenagem aos seus que partiram, mas, essas, parece que não importa muito imitar. A tolice é mais simples.

Mas esqueçamos por hoje as tolices. Em Dia de Finados, pelo menos hoje, façamos por merecer e honrar os nossos mortos. (MFM)

Nota: Com as gentes de Porto da Lage não tive experiências destas, ter-me-iam poupado ou considerariam a colocação de flores uma extravagância que o Senhor reprovaria? Mas as" missas por alma" foram inúmeras. Com o cemitério de Cem Soldos tive contacto, a partir dos funerais dos primeiros tios-avós que faleceram, depois de ser crescida. Aí vi campas  identificadas com nomes conhecidos e fui-me informando. Confesso que o resultado não foi o mesmo de Tomar. A minha memória infantil já se fora.
Mas é também um cemitério de romaria da minha família neste dia, lá repousam os meus avós Mota, e por lá vigiará o espírito de muita da ancestralidade do meu avô, pois foi, desde o início o local de sepultamento da população de Porto da Lage, Paço e norte da freguesia, em geral. Até agora, em que um novo cemitério o veio substituir, em Porto Mendo, mesmo ao lado de algo que é lindo e já teve grande significado para Porto da Lage.

8 de outubro de 2014

Chefes de Estação, Baptisados e Funerais




«A seis de Dezembro de 1891 pelas cinco horas da manhã na estação de Paialvo desta freguesia [da Madalena], faleceu esmagado debaixo do comboio e por isso sem sacramentos, um individuo do sexo masculino por nome Augusto Carvalho Saraiva de idade de 40 anos, chefe da dita Estação de Paialvo, casado que era com D. Maria da Piedade, natural de Coimbra filho legitimo de Francisco de Carvalho Saraiva e de D. Ana do Espírito Santo, o qual não fez testamento e não deixou filhos, foi sepultado no cemitério público de Cem Soldos desta freguesia.» (Assentos de óbito da Madalena, Tomar, fonte: TT)   


Imagem retirada  daqui
Em onze de Junho de 1892, nasce, na estação de Paialvo, Augusto, filho do Chefe desta estação, Barão da Alegria e de sua mulher Joaquina Eugénia Morais Alegria. Esta criança morre em seis de Junho do ano seguinte, quatro meses depois do nascimento da irmã Severina.(da leitura dos assentos de baptismo da Madalena, Tomar)

27 de junho de 2014

Tempo de Banhos



Ir a banhos, no Verão, não é coisa só de agora. O sec.XIX trouxe a moda para as classes altas e a facilidade dos transportes rapidamente a democratizou. Em Porto da Lage ia-se para a estância balnear da região, passar uma temporada ou fazer um breve pic-nic de domingo. Mas, quem podia, ia mesmo mais longe. 
Conta a lenda que se partia, depois das colheitas, em galeras puxadas a bois, carregadas com todos os tarecos necessários para a permanência mensal na Figueira da Foz. Mas, com todo o respeito pela lenda, por alma de quem é que alguém escolhia ir saracotear por montes e vales, quando tinha precisamente o comboio à porta?  Se era para ir "por terra", de galera, não ficaria a Nazaré mais perto? Pois eu tenho para mim que as minhas inteligentes ascendentes, pois eram sobretudo mulheres, deixavam os homens com os seus afazeres, entrando assim logo de férias, embarcavam na estação local,  atreladas a todas as suas inúmeras crianças e pertences e lá iam até Alfarelos de onde saltavam, num pulinho, a engolfarem-se no areal da Figueira. Onde prestariam o seu mergulho diário auxiliadas pelo banheiro, só quem precisasse, por razões de saúde, evidentemente.(MFM)





Postal enviado, da Figueira da Foz, por Maria José Rosa Mota a seu filho João em Agosto de 1930





No Agroal 1957, fotografia cedida por A.V.Miguel



E com este me fico.Desejo bons banhos, para quem for de banhos, para quem não for que passe o tempo da forma que mais goste, e
até um dia destes(MFM).