Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

Si hortum in biblioteca habes deerit nihil
Todos os textos aqui publicados podem ser utilizados desde que se mencione a sua origem.

1 de fevereiro de 2021

Memórias- A Teresa






A Teresa

A Teresa era minha colega na 4.ª classe. Era morena de olhos escuros e cabelo liso pouco farto e escorrido. Tudo o que eu desejaria para mim. A minha pele branca onde todos os dias despontava nova sarda, que encarniçava e enrugava a todo o momento devido ao sol, os olhos que eram obrigados a estar quase sempre semi-serrados por causa da luz, a minha trunfa selvagem que se magoava cada vez que o pente lhe entrava e obrigava a uma parafernália de ganchos e fitas para a domesticar, tudo isso, a pele, os olhos e o cabelo, me causavam tal incómodo e trabalho que me faziam cobiçar os da Teresa.


Mas o que eu invejava sobretudo na Teresa eram coisas que eu até poderia ter mas que me estavam interditas: os socos pretos de florezinhas e andar de burro.  

Lembro-me dela, pequena e magrinha, sentada de lado encima do seu burro, com os pés a dar a dar enfiados nos tamancos onde ressaltavam em cada um, em fundo preto, dois ou três ramos verdes donde rebentavam as respectivas florinhas numa paleta que ia do branco ao vermelho passando pelo amarelo e azul. Como eram bonitos os socos da Teresa. E como deveria ser bom ir, como ela, ao fim da tarde, desde o Paço até à fábrica, no burro equipado com seirões com pequenos barris lá dentro, buscar destilado para os porcos. Que vida aventurosa a da Teresa!

Mostrei-lhe a minha admiração, ela achou que eu estava a brincar, o que não compreendi. Comentei com uma rapariga que costumava trabalhar lá em casa que arregalou os olhos e mostrou tal estranheza que, logo ali, não agoirei nada de bom ao que se seguiria. E tinha razão. O meu comentário chegou aos ouvidos da minha avó e adveio a admoestação. Fiquei a saber que cometera vários pecados: cobiça (agravada pelo facto de ser aos bens de um pobre), ingratidão ao Senhor por não reconhecer quão ditosa era e não conhecer o meu lugar e dar-me ao respeito.

Que eu tinha sorte em ter sapatos para calçar e de não ter de trabalhar (afinal a Teresa preferiria andar com os pés quentinhos – eu não pensara nisso, que os socos não aqueciam - e aquilo que para mim seria uma aventura era para ela, talvez, uma triste obrigação) compreendi. Mas o não conhecer o meu lugar foi sempre o grande ponto de divergência com a minha avó enquanto vivi com ela.

Eu só soube o que eram preconceitos e descriminação (termos actuais) naquela aldeia nos finais dos anos sessenta. Antes, e depois também, honra seja feita aos meus pais, eu convivera com toda a sorte de gente, de tal forma que, mesmo na diferença de cor, como já disse, eu achava que quem estava em desvantagem era eu.

Naquele microcosmos, lugar onde mais ouvi: aos olhos de Deus somos todos iguais… respeitava-se o concerto social do tempo vigente, a bem do qual, visando manter a paz e a ordem estabelecida, se educavam as criancinhas desde pequeninas para que o reproduzissem para sempre.  Conseguiram?(MFM)


O rapaz no burro - Fyodor Bronnikov (1827–1902)

6 de janeiro de 2021

Os Reis Magos

 OS REIS MAGOS


Diz a Sagrada Escritura
Que, quando Jesus nasceu,
No céu, fulgurante e pura,
Uma estrela apareceu.
Estrela nova... Brilhava
Mais do que as outras; porém
Caminhava, caminhava
Para os lados de Belém.
Avistando-a, os três Reis Magos
Disseram: “Nasceu Jesus!”
Olharam-na com afagos
Seguiram a sua luz

                                                                                                         

E foram andando, andando,
Dia e noite a caminhar;
Viam a estrela brilhando,
sempre o caminho a indicar.

Ora, dos três caminhantes,
Dois eram brancos: o sol
Não lhes tisnara os semblantes
Tão claros como o arrebol
Era o terceiro somente
Escuro de fazer dó...
Os outros iam na frente;
Ele ia afastado e só.
Nascera assim negro, e tinha
A cor da noite na tez:
Por isso tão triste vinha...
Era o mais feio dos três!
Andaram. E, um belo dia,
Da jornada o fim chegou;
E, sobre uma estrebaria,
A estrela errante parou.
E os Magos viram que, ao fundo
Do presépio, vendo-os vir,
O Salvador deste mundo
Estava, lindo, a sorrir
Ajoelharam-se, rezaram
Humildes, postos no chão;
E ao Deus-Menino beijaram
A alava e pequenina mão.
E Jesus os contemplava
A todos com o mesmo amor,
Porque, olhando-os, não olhava
In Poesias Infantis (2.ª Ed.), 1929


30 de dezembro de 2020

Eurico Rosa (1949-2020)

 

                                               



Também foste um portodalagense de alma. Também sentiste o cheiro das raízes e o dos outros tempos. Mas eles prendiam-te e expulsaste-os, porque expulsavas tudo o que te prendia. És  finalmente livre.  
Até um dia primo. M.F.



29 de dezembro de 2020

E 2021?

No ano passado pusemos aqui os votos que, na Ilustração Portuguesa, o ano de 1919 pressagiava para o seguinte, um ano mais feio que o anterior carregado com um saco cheio de desgraças. Esperávamos, então, que cem anos depois o agoiro não se repetisse. Mas 2020 conseguiu sair pior do que a encomenda. À nossa desgraçada situação, de que nunca saímos, de crescentes desigualdades sociais, de corrupção, de falta de justiça e educação adequadas, de uma dívida brutal e uma economia moribunda, junta-se agora a enorme crise sanitária mundial. É muito para outros, é terrivel para nós, portugueses. Tanto mais que não é uma situação nova, nem sequer de décadas. É desesperante comparar as preocupações de há cem anos com as actuais - as mesmas! Até o último par de botas que está aí a chegar da Europa já prevemos que, como na canção, só o descalça quem souber. A esmagadora maioria não saberá.  Como se sai daqui também não sei. Muito provavelmente, como a história nos ensina, não se sai. Infelizmente. Num país onde se fabrica tantas leis a única que nos mantém, não digo vivos mas existentes, não é dessas, é a da Inércia- corpo em repouso ... Acho que já "deu para entender" o estado de espírito com que encaro a chegada do novo ano. O máximo a que a minha esperança me deixa ir é até à interrogação, como será? Apesar disso, para não romper de todo com a tradição, faço votos para que tenham saúde e estejam mais optimistas que eu. (MFM)

 



23 de dezembro de 2020

Bom Natal


Muitos lamentam que a essência do Natal se tenha perdido. Carpem o Natal Cristão pois, dizem, o outro esqueceu Jesus. Mas o Natal "profano", o que comemoramos nos nossos dias, sem fé nem rito, se calhar, bem vistas as coisas até nem é mau, é mais verdadeiro, mais natural. Como aquelas coisas de que fazemos uso diariamente sem nos lembrarmos da sua origem. A água, a luz, o gás, a TV, a internet, entram-nos pela casa dentro sem que a gente se preocupe em saber como lá chega ou quem fez o quê, num tempo qualquer, para que tal fosse possível.  Assim nós, uma vez por ano, sem já saber porquê, corremos afogueados a lembrarmo-nos dos outros, a comprar-lhes coisas, a juntarmo-nos a eles! E sofremos quando o não fazemos, quando não podemos por qualquer circunstância ou mesmo, até, quando não queremos. Sabem aquelas pessoas que não gostam do Natal? Nunca vi ninguém dizer com desapego que não gosta do Natal. É sempre com desagrado, com raiva mesmo. O Natal é para nós, ocidentais que crescemos neste caldo cristão que rejeitamos, algo que ultrapassa o nosso entendimento, mas que não discutimos e, muito menos, recusamos deixar cair em desuso como nos habituámos a fazer com o que é velho. E persistimos com todo o entusiasmo a comemorá-lo, cada vez com mais veemência, com o formato e a maneira dos nossos tempos, como outros, antes de nós, o fizeram à maneira deles. Porque sé ele nos permite, por um dia, mostrar o ser gregário que somos e sentir em relação ao outro o mandamento novo de dois mil anos, o ferrete que nos marcou à nascença – o amor.

Desejo-vos a todos um Bom Natal, na companhia de um pintor/ilustrador do sec.XX que retratou como ninguém (com cor, fantasia, harmonia, humor e optimismo, o que levou a que não fosse levado muito a sério) o quotidiano da América do seu tempo, e  nos mostra aqui o Natal como nós ainda o vivemos: com a alegria da preparação da partida/chegada para as Festas (na ilustração, não obstante se tratar de tempo de guerra) e do contentamento exultante do reencontro, cuja expressão máxima é o rosto feliz de uma criança. (MFM)


Ilustração de Norman Rockwell (1894-1978) retirada   daqui        





14 de dezembro de 2020

Ao fundo ....a memória.


Desenho de J.A.


Ao fundo [ da ladeira que conduz à cidade] está a oficina do Ferrador Zé Paulo para onde entram por um largo portão e vão prender o animal, mesmo atrelado, a uma estaca ao fundo do pátio

A oficina do Ferrador ficava num amplo pátio onde se abrigavam (acoitavam) as carroças, as galeras e as charretes de quem vinha a Tomar: era uma espécie de caravanserai, estrategicamente situada à entrada da cidade, ao fundo da “estrada de Paialvo” que a ligava à Estrada Real de Lisboa a Coimbra em Porto da Lage e de lá seguia para Leiria.

Nesse pátio caravanserai havia uma “estação de serviço” onde um ferrador – Zé Paulo – cuidava das alimárias enquanto esperavam.

E, provavelmente uma hospedaria para quem podia; os outros poderiam ficar no albergue vizinho, fantasio.

 Pelo mesmo portão se entrava para casa da família Coito, da nossa tia Mª José casada com o tio João (dos Olivais), de que recordo uma longa varanda (da antiga hospedaria?) virada a poente como a da tia Anita em Porto da Lage. Era ali que eu procurava boleia para casa aos sábados à tarde. Recordo a forja, o barulho da bigorna, dos cravos na ferradura, das patadas no chão térreo e, sobretudo, do cheiro dos cascos queimados. HCM

12 de dezembro de 2020

Dezembro

 Eu sou o Dezembro-

Engordo o meu porco

E como torresmos,

Regalo o meu corpo


                                                                 Dezembro ou seca as fontes ou levanta as pontes















                                              

                      

               Em Dezembro ande o frio por onde andar, pelo Natal há-de chegar.


«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»



Quadra e ilustração  retirados de  "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.

25 de novembro de 2020

Grande Incêndio III

 

No dia seguinte os dois maiores jornais nacionais noticiavam assim o ocorrido em Porto da Lage.



Jornal O Século de 15 de Maio de 1948






Jornal Diário de Notícias
de 15 de Maio de 1948





16 de novembro de 2020

Grande Incêndio II



Já tivemos ocasião de falar, aqui  do enorme incêndio ocorrido em Porto da Lage na madrugada de 14 de Maio de 1948. Ficamos agora a saber que, logo na manhã desse mesmo dia o país inteiro tomou conhecimento da grande tragédia que acabaria por vitimar três homens. Em cima do acontecimento, nas Últimas Notícias de O Século. No próximo post veremos as noticias dos dias seguintes. (MFM)





 



12 de novembro de 2020

Gonçalo Ribeiro Telles

 


       Homenagem de uma "urbana com memória rural", republicana que votou PPM. Que tenha, finalmente, encontrado a sua cidade. (MFM) 

11 de novembro de 2020

Novembro

 


Eu sou o Novembro,

O mês dos Santinhos.

Em que os lavradores

Provam os seus vinhos.


                                  Pelo S.Martinho prova o teu vinho




                                                                                  Dos Santos ao Natal
                                                                                     É Inverno natural



«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»





Quadra, ilustração e ditados populares retirados de  "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.

2 de novembro de 2020

Mortos de Porto da Lage

Hoje, dia 2 de Novembro, que a liturgia católica dedica aos fiéis defuntos, lembro-vos as exéquias de um notável portodalagense da sua época. Figura esquecida no tempo, tal como o serão aquelas que o acompanharam na sua última viagem, quando os que ainda as recordam já cá não estiveram e tal como o seremos nós, um dia, quando o pó da lembrança desaparecer de vez com a partida dos nossos contemporâneos. Para todos, os que eu conheci e os outros que, num tempo passado qualquer, contracenaram as suas vidas no palco de Porto da Lage (as pedras são maiores que nós), vai a minha homenagem e o desejo de eterno descanso, onde quer que estejam (MFM)

Numa noite de Outono de há perto de cem anos, um lúgubre mas imponente cortejo deixava Tomar em direção a Porto da Lage. Tratava-se do grandioso acompanhamento fúnebre do cadáver encerrado num rico caixão daquele que em vida se chamara João dos Santos Faustino.

O falecido, comerciante benquisto e muito conhecido, que fora dotado de invulgares qualidades sendo, por assim dizer o procurador de toda a gente que precisava de serviços na Estação de Paialvo e a quem muita gente devia favores, teve funeral condizente com o estatuto e amizade que todos aqueles predicados tinham granjeado em vida.

Nesta conformidade, priores de várias freguesias, representantes de diversas forças vivas, desde a Confraria do Smo. Sacramento, passando pela Banda dos Carrascos até um dr. e um engenheiro naval, mais muitas senhoras e muitíssimos cavalheiros, o acompanharam, no dia seguinte, desde Porto da Lage até à sua última morada, em Cem Soldos.


O sr. João dos Santos Faustino seria o mesmo Faustino dos Santos (ou um filho seu?), que vinte anos antes, comprara uma casa a João Maria de Sousa, para que este nela instale uma taberna, permanecendo os antigos donos ainda com o pátio mas comprometendo-se a não o utilizar de forma a fazer concorrência ao negócio. Esta taberna, por transmissão direta entre herdeiros, seria aquela que as últimas gerações ainda conheceram como "a do José Jaime".(MFM)
















2 de outubro de 2020

Outubro


 Eu sou Outubro,

O mês dos Outonos.

Engrosso as terras

Proveito dos donos


                              


                              Em Outubro colhe tudo




«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»






Quadra e ilustração retirados de  "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.

1 de setembro de 2020

Setembro

 


Eu sou Setembro
Que tudo recolho
Trigos e milhos
Palhas e restolhos




                                     Em Setembro, ardem os montes e secam as fontes.




«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»






Quadra e ilustração retirados de  "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.

17 de agosto de 2020

Grande Incêndio I



Dias depois da publicação da trágica notícia, sai no mesmo jornal uma pungente crónica em que o autor (que não necessita apresentação) nos testemunha a eclosão do inferno vermelho naquela que, tudo fazia prever, seria mais uma noite calma de aldeia, e nos transporta ao horror arrepiante vivido pelas vítimas e a todos os outros funestos incidentes do incêndio. 

Espero que consigam ler apesar da má imagem que se deve, segundo me explicaram, à defesa da saúde pública. Não percebi de que forma, mas como aquela começa a ser a justificação para quase tudo nos tempos que correm, e, à semelhança da fé noutros tempos e do futebol hoje (segundo me dizem), qualquer dúvida sobre o assunto é vilipêndio, calei-me (a velhice faz-nos aprender tudo!) MFM











Jornal "Cidade de Tmar", 29.05.1948

                                                                      

14 de agosto de 2020

Grande Incêndio


                    

                       







                                       Jornal "Cidade de Tomar", 16-05-1948 

3 de agosto de 2020

Agosto

                                     



Eu sou Agosto
Que toco guitarra
E vendo vinho
A meia canada





                                                             Em Agosto toda a fruta tem seu gosto



                                                               

«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»






Quadra e ilustração retirados de  "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.


6 de julho de 2020

Julho

Eu sou o Julho
Que encho o paúl
Farto cidades
Aldeias e tudo



                             

                                                                                               Em Sant' Iago pinta o bago




«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»






Quadra, provérbio e ilustração retirados de  "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.



Junho



Eu sou o Junho
Que não dou nada
Mato a fome
Com a minha cevada.


                                                 Junho, foice no punho






«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»






Quadra, provérbio e ilustração retirados de  "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.


11 de maio de 2020

Fogo! ! ! Voltaram a desafiá-Lo?








Fátima 13.10.1948



Na noite de 12 para 13 de Maio 1947 ou 48 a Fábrica de Álcool [de Porto da Lage] ardeu. Uma explosão tremenda, chamas até ao céu, muita gente fugiu que, se o fogo pegasse aos depósitos subterrâneas toda a aldeia poderia desaparecer. Não aconteceu, que os bombeiros de Torres Novas e Tomar foram eficazes.
Morreram dois (ou três) operários. Um ao tentar fechar umas torneiras, a adivinhar pelos sinais desesperados na parede; outro, cujo quarto ficava mesmo por cima dum depósito de álcool.
Esse operário teria sido contratado por uns dias para uma tarefa concreta; por isso dormia na fábrica. Na véspera criticara a multidão de carros e carroças a caminho de Fátima. “Não rebentar uma bomba para acabar com toda aquela fantochada. (HCM)

1 de maio de 2020

Maio




Eu sou o Maio
Da pouca ventura
Que não guarda grão
Para amassadura.




                                                                                                      Em Maio bebe o boi no rego.





«Si hortum in biblioteca habes, deerit nihil»






Quadra, provérbio e ilustração retirados de  "Cantares de Todo o Ano"(selecção de cantigas populares portuguesas), 2.ª edição, Colecção Educativa, Série F, número 6, Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino Primário, 1971.




30 de abril de 2020

Afinal este Blog é Fixe!




Que "se lixe" a privacidade, acabei de receber a mensagem seguinte e ninguém, nem mesmo eu, me vai impedir de a colocar aqui, com a recomendação prévia a toda a gente: se não têm netos,  roubem-nos, peçam emprestados, adoptem-nos, arranjem-nos que não há nada melhor para nos fazer acreditar em tudo, mesmo em tudo (MFM):


«Avó, hoje não estou nada chateado, mas estou super feliz porque comecei a ler o blog da avó e achei muito fixe. Eu acho que a avó podia publicar um livro sobre porto da lage, a avó escreve super bem😃»



                           

24 de abril de 2020

Chateiam-me estes Filhos de José da Graça de Hoje


Eu e o meu neto mais velho criámos, (não exactamente para fazer face aos tempos que correm mas devido à igual natureza de que ele e eu somos feitos), um chat a que demos o nome do clube dos chatiados (ccc). O clube era secreto e os assuntos lá debatidos continuam a sê-lo, mas faço aqui uma excepção. A este tenho que dar a maior divulgação possível! É que estou mesmo CHATEADA com esta situação que não pode ficar só para debate entre velhos e crianças.(MFM)





                                                                        retirado daqui

A Família a que Pertenço



« Nasci em Porto da Lage, bem no Centro do País, aldeia criada pelo Caminho de Ferro – entre os Milagres de Fátima e os Fenómenos do Entroncamento. Esta importante “Linha do Norte” unia o Norte ao Sul e – a partir dali - abastecia o Leste (Castelo Branco, Alvaiázere, Tomar) e o Oeste (Nazaré) por galeras M.A.M., do Tio Manuel Augusto Mota.


A Ribeira de Beselga era a hipotenusa do triangulo rectângulo, cujos catetos eram o Caminho de Ferro e a estrada Tomar-Torres Novas. 





Originalmente, a aldeia ocupava essa área triangular, mas foi crescendo para fora do triângulo, o que obrigava a população a atravessar 1 de 3 obstáculos:






. a estrada, pelas inexistentes passadeiras;
. o Cº Ferro, pelas passagens de nível;e
. a Ribeira, pelas Pontes. 




Destas, a mais próxima era a Ponte de Cimento na Estrada Real, que nós usávamos para ir à Escola. No meu imaginário, teria conduzido a Minha Mãe (da Família Carmona, Bragança) à aldeia natal do meu Pai Henrique Pereira da Mota, onde ele foi Médico, desde 1933. 



As outras pontes eram de Sul para Norte: A sólida ponte de Pedra e 









e a ponte do Tio João dos Olivais, que evocava o Poeta Miguel Torga: 
“Sobre a ponte insegura é que épassar…
 É sentir o rio correr dentro das veias”…







Esta aldeia deu-nos uma sólida plataforma de apoio: Mãe, Pai, Avós, Irmãos, Tios, Primos…
Porto da Lage, Centro do País! A minha primeira contribuição científica! Achei um mapa das estradas e dobrei-o cuidadosamente, segundo as duas diagonais! O Cento lá estava, era óbvio! Por isso, Porto da Lage não vem no mapa… Não precisa! Vê-se a linha preta da CP, a linha azul da Ribeira e a linha vermelha da estrada TMR-TN. Nessa confluência está PdL! 
Há invejosos que disputam essa honra: Vila de Rei e Chorente! 
Vila de Rei até tem um Marco Geodésico gigante.

 Nós, um modesto “Marco da Paciência”, também geodésico, mas nada temos a ver com o Rei! 
Chorente. Há também um mapa, APÓCRIFO, mandado elaborar pela sua Morgadinha – Mapa de Portugale como ele deberia sere – que, para atingir os seus objectivos, remove a Mouraria (TUDO a Sul do Mondego) e acrescenta o Reino da Galiza, ao Norte. 
Assim Chorente se vai aproximando do Centro…. Invejosos!

A ESFERA SOCIAL ONDE ME INSERI onde compreendi as noções de: 
INTERDEPENDÊNCIA, pois havia um só profissional por cada ofício e todos nós dependíamos uns dos outros; 
ERGONOMIA, o exemplo do Relógio da Estação da CP – mais caro - com 2 faces para servir os utentes, sem risco para eles;
COMUNICAÇÕES, físicas – como se disse acima - ou orais e do uso de MODELOS que construía com Cubos, pedaços de madeira substituindo o Mecano, hoje LEGO! 
Não tínhamos TELEFONES, nem ÁGUA CORRENTE, nem ENERGIA ELÉCTRICA, mas nós concentrávamo-nos no que tínhamos. 

Escrevi “O ABECEDÁRIO DE PORTO DA LAGE” que espelha as 30 actividades únicas da aldeia, donde destaco o trabalho por turnos (da Fábrica do Álcool a partir do Figo, da Guarda Fiscal e da Estação do Cº de Ferro).





foto de guarda-fiscal retirada daqui















ABECEDÁRIO de PORTO DA LAGE (idealizado por miúdo de 5 anos, mas escrito 75 anos depois!):


ÁLCOOL+AGUARDENTE DE FIGO, turnos na Fábrica e material de escritório no dito.
BARBEARIA, O Zé Vasconcelos “Cocó” criava cocós, dava injecções, reparava bicicletas, e tinha luz a Carbureto.

COMPANHIA PORTUGUESA dos CAMINHOS de FERRO – CP, Turnos e o tal relógio ergonómico de 2 faces. 
DOMÉSTICAS, Falo mais à frente na Engrácia, mas há muito mais exemplos: Celeste Pequena, Maria dos Anjos, por ex.
ESCOLA PRIMÁRIA, onde fiz os 4 anos de Instrução Primária, com Professora de eleição: D. Amélia.
FARMÁCIA, hoje não existe; foi “ALFA”, antes “AFRICANA” pois o Sr. Oliveira fez o seu Pé de Meia em Moçambique.
GRÉMIO, Grupo Recreativo, mais tarde Clube, onde havia Teatro, Bailes, Ping Pong, Rádio etc.
HORTAS, Toda a gente tinha a sua, donde tirava as verduras com que se alimentava.
IGREJA, Apenas a 1ª pedra. A 2ª nunca apareceu. Mas o Padre Nicolau – um santo - compensava. ..Muito mais tarde fez-se a Capela nos Vales, com material cedido pelo Tio João Pereira da Mota, o tio João dos Olivais.
JORGE/JÚLIA, exploravam a Padaria, alimentando várias freguesias. Dali a noção de contrapeso! Pais da Mª Augusta e do Artur.
KREMLIM, Alguns exilados em Porto da Lage que preferiam o Norton de Matos ao Carmona. Daí o meu 1º discurso!

LAGARES DE AZEITE, 
Fascinantes: as mós a moer as azeitonas, bem espremidas depois. Havia dois: Tio António Mota e Tio Augusto Rosa.





MÉDICO, Dr. Mota, Consultas das 9 às 12… e das 12 às 9! Correspondente de “O SÉCULO”, diário do João Pereira da Rosa.





NITRATO DO CHILE, A Cª União Fabril,  representada pelo snr. Carlos Nunes -vendia adubos, fazendo lucros com cocó das aves do Chile.









OLEOS FISKE'S & PNEUS INDIA, do João Peixoto. Só 2 vezes na minha vida encontrei referências a tais marcas!
PASSAGENS DE NÍVEL, 3, tipo lição de geometria fazendo ângulos: 1 agudo, 1 obtuso e 1 recto.
QUIXOTESCO, O Marco da Paciência que era impaciente, mudando de lugar consoante a largura da camionete da Serração…
RIBEIRA DE BEZELGA, Dantes atravessada a vau o que se chamava Porto, e tinha uma estalagem, daí PORTO ESTALAGEM … Porto da Lage com “G.”


SERRAÇÃO DE MADEIRAS, cheia de cascas de pinheiros, (barcos) e os peças de madeira (cubos e paralelipipedos).


SERRALHARIA, O serralheiro Carlos Sousa fixava aros de ferro nas rodas de madeira, aquecendo-os!
TELEFONES, 3, privados: A CP, uso interno; Fábrica do Álcool, uso interno e o Secreto, do vinho a martelo.
UTÓPICO, A água canalisada que só chegou em 1950. A fonte é o ex-libris do Portodalage.blogspot da Prima M.F.M.
VELOCÍPEDE, 2 irmãos ciclistas (Seixos) tinham oficina de reparações e vendas. O Zé Cocó era rival.
WHISKY, A preferência local era pelas equivalentes: a aguardente: de alambique ou a abafada (Jeropiga), fortíssimas. O álcool etílico era desnaturado!
XAROPE, O Dr. Lopes (Farmácia) tinha 2 produtos “sui generis”: o Hemon Bê (tosse) o Fosfoglucer (memória.
YYY = INCÓGNITAS, A “Velha do Chá” e o “Pobre Alegre” faziam 1 lindo par mas evitavam-se!
ZINCO, O Latoeiro e Pastor Adventista João Pena, foi o 1º a descansar ao Sábado e ao Domingo! Também fazia graxa.

Aprendi a noção de contrapeso duma maneira drástica: O Sr Jorge amassava o Pão, mas nem sempre conseguia o pão de 1 quilograma, o tabelado! Assim a D. Júlia, tinha um pão extra, donde cortava a fatia para contrapesar. Eu – dedicado – oferecia-me sempre para ir buscar o Pão. Era tempo do racionamento!
Um dia, vinha encantado a saborear o contrapeso, quando o meu inimigo “Cão do Talho”, se atirou a mim, cobiçando o pão. A minha empregada Engrácia, não achou graça à brincadeira e com um pedaço de tijolo, afastou a fera. Daí a minha afeição pela cor de tijolo… Por gratidão decidi seguir Engenharia, cujas insígnias académicas são as fitas cor de tijolo!
O problema não acabou ali. Ao fugir do cão, fui atropelado por um carro de bois que seguia - em flagrante excesso de velocidade -na Estrada Principal, hoje Rua Dr. Henrique Pereira da Mota.



Assisti a um enterro de pessoa corpulenta. Todos diziam: “Ali vai uma grande Alma!” Será que Alma e Nadegueiro são sinónimos? Na catequese não fui esclarecido…

ANO SABÁTICO, EM COIMBRA Os jovens de agora, gostam de ter um ano sabático a separar o Curso Liceal, do Curso Universitário. Para amadurecer? Tal não é original, pois eu tirei um ano sabático, em Coimbra - entre os 5 anos de observação do meio ambiente, com tempo de sobra para ver os “ninhos” - e a Escola Oficial. Fui fazer companhia aos meus Avós maternos, que por sua vez, acompanhavam o Estudante de Direito e meu Tio, António João. .. No seu 1º ano a sós, vindo do Colégio Nun´Álvares, vulgo Colégio das Caldinhas, Santo Tirso, não atinou com o caminho para a Universidade…
Quando cheguei, o Tio já sabia os caminhos e levou-me a ver a UNIVERSIDADE de Coimbra (Enorme), a Sede da Associação Académica de Coimbra (para quê mesas com panos verdes?), o campo de Santa Cruz, quando a Briosa Académica (AAC) defrontou o Sporting Clube de Portugal, com os 5 Violinos, e por fim, levou-me de “CHORA” (Eléctrico) a ver o Portugal dos Pequeninos, que me encheu as medidas, em especial a universidade!
(De lá veio o Mapa, mostrando a epopeia marítima dos navegadores portugueses. Eu sonhei emular os navegadores, mas tal não aconteceu… Descendentes meus – em meu nome - já cobriram Angola, Espanha (Par de netos), França, Escócia, Inglaterra (1 neto), Holanda, Omã (2 netos), Brasil (1 neta), Dinamarca, Estados Unidos (1 neta), etc.
De Coimbra, importei o jogo de mesa: Futebol de Botões, que poucos conhecem, aparte dos PortoLagenses e do Ançanense Zé Veloso, que também o aprendeu! A vantagem era nossa pois tínhamos uma fonte inesgotável de matéria prima: os “Trapos”, onde a roupa velha - destinada a fazer pasta de papel - era espoliada de todo o corpo estranho, mormente botões!

Nasci no ano do triunfo da Académica sobre o Benfica, nas Salésias para a 1ª Taça de Portugal.

ESCOLA PRIMÁRIA DE PORTO DA LAGE 1945-49 Sou o #2 dum conjunto de 9 crianças – 7 rapazes e 2 meninas. 6 dos 7 rapazes – um morreu cedo - foram alunos da Professora D. Amélia Silva Santos, que nos aturou durante cerca de 20 anos (1943/63). Sendo o 2º, tive a tarefa facilitada: bastava seguir as pisadas do mais velho. Ali aprendemos as primeiras letras e os números.
Minto! O Henrique, aprendeu as letras, ao colo do Pai, lendo os cabeçalhos do jornal “O Século”, dando-lhe nomes mais apropriados: “T”= martelo, “O” = roda, o “C”= roda partida… Até escreveu o que poucos conseguiram ler correctamente: HVTA (A gaveta!).
O meu irmão mais novo, o Luís Manuel, preferia os números, fossem eles árabes ou romanos. Desde tenra idade, se sentava no seu poleiro preferido, ardósia sobre a mesa, molhava a ponta do lápis de pedra com saliva, punha a língua de fora e esperava o desafio… “Escreve o 3” e ele olhava para o horizonte, para se inspirar e gatafunhava o “3” e desenhava o “III” e assim por diante… Até que, convencidos que ele dominava a técnica, lhe pedimos o “13”. Debalde,,, É que o nosso relógio de sala, convenientemente colocado na linha de horizonte, só tinha no mostrador os números de “1” a “12” tanto em algarismos como em números romanos!
# Também reforcei o meu entendimento da noção de contrapeso, só que aqui não davam côdeas mas sim “bolos” da menina dos 5 olhos!
Fiz o exame da 4ª classe da Instrução Primária, em Tomar e antes do exame de Admissão ao Liceu, no Liceu Nacional de Santarém, recebi o prémio raro, que também tinha sido dado ao Henrique: Aulas de Condução, dadas pelo Pai! “Vai à Mamã e pede uma almofada…”
Naquele tempo, em que não havia motor de arranque, deixar o motor ir abaixo implicava usar a manivela. Isso exigia um certo cabedal! Felizmente o Austin MN-36-95 era fácil! Para dosear o ar, puxava-se um botão que se mantinha na posição correcta entalando uma caixa de fósforos… O uso prolongado revertia nos “Malefícios do Tabaco”, doença de que o meu Pai só curou aos quarenta e tal anos!»
                                                                                  Augusto Carmona da Mota
                                                              ( Extracto do discurso do seu 80º aniversário, 03.03.2019)