Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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14 de outubro de 2013

Flagrantes da Vida Real




A Taberna Vendia Leite à Medida








É verdade!… A mui antiga taberna da velhinha estalagem da Quinta de Porto da Lage, oferecia para venda duas bebidas, cada uma delas a mais antagónica: vinho tinto da região e leite mungido das vacas estabulada no pátio.
Os fregueses são diferentes mas são atendidos no mesmo balcão já muito negro, queimado pelo tempo e pelo vinho nele entornado ao longo de tantos anos. O tarro com leite ordenhado na tarde está no chão, debaixo do mesmo balcão, juntamente com garrafões de vinho, alguns cheios de vinho e outros vazios. O freguês, infante ou  dona, anuncia o que quer com a vasilha de que vai munido em cima do tal balcão. As medidas legais para servir os dois líquidos, estão juntinhas na prateleira que está por cima da pia de pedra mármore rosado.
O taberneiro, pessoa escolarizada do século XX, foi objectivo: satisfazia e complementava as refeições do dia; para o pequeno almoço da manhã, leite; para almoço e jantar da tarde, vinho da região. (Ilídio Mota Teixeira)

11 de outubro de 2013

O Xico Pirum




Diariamente  o Xico Santos, mais conhecido como Xico Pirum, guiava uma junta de vacas atreladas a uma galera, entre o cabeço da quinta e o forno de tijolo em Porto da Lage. O trabalho que fazia nunca se alterava. Era monótono e tranquilo. Ao ritmo do passo das vacas, partia das instalações do forno de tijolo, atravessava a povoação, a ponte sobre a ribeira, seguia pela frente da escola, do lagar e da casa do lagar. Na curva do moinho deixava a estrada, subia a ladeira da quinta até ao topo onde existira uma pequena casa que fora habitação do rendeiro e depois proprietário da Quinta da Belida. Nesse mesmo sitio havia sido descoberto um banco de argila. Chegando aí, o Xico Pirum escavava a barreira, com o auxílio de uma pá, lançava a argila para cima da galera. Depois era fazer percurso inverso e descarregar o barro junto ao forno. Este constante labor humilde e sem exigências, prolongou-se por tantos anos, quantos durou a cerâmica. Xico Pirum já fora do serviço de boieiro e com idade avançada, contava as suas desventuras com a polícia de trânsito, quando ia entregar alguma encomenda de tijolos a locais distantes e tinha que utilizar as estradas nacionais.
retirado daqui
As distâncias eram de alguns quilómetros, os animais andavam muito devagar e a ida e volta tinham que ser feitas no mesmo dia. Levava-se pasto de folhas de milho e pão de trigo ou de milho com algum conduto; toucinho de porco, petingas fritas, queijo de ovelha, bacalhau salgado e, manjar dos manjares, chouriço de carne magra de porco.
O Xico, contava ele, foi levar uma encomenda de tijolos lá para os lados de Tomar. Levantou-se de madrugada, muito antes do nascer do sol e pôs-se a caminho que, para ele e para as vacas, era bem conhecido. Quando se aproximava a íngreme ladeira de Cem Soldos, senta-se na boleia da galera, atravessa a vara de condução no colo e toca a passar pelas brasas, que o dia ainda vem longe, enquanto as vacas, muito lentamente vão subindo a ladeira; mas, azar dos azares, a Polícia de Trânsito, que não tinha trânsito para vigiar, estava especada no cimo da ladeira. Ora, segundo as leis do antigo Código Nacional das estradas, os boeiros ou condutores de bois, tinham que ir na sua frente e guiá-los  pela soga (corda ou correia atada aos chifres). O Xico vinha sentado atrás e a dormir. Código das estradas infringido, o polícia colhe os elementos contidos na licença camarária de trânsito e prescreve a multa. O Xico, na sua ingenuidade apela ao polícia, com coração de Marquês de Pombal, o perdão da multa, dizendo: as vacas quando chegassem ao topo da subida parariam para mijar, como fazem habitualmente, e eu acordava…e assim chegámos ao final da história das vacas que urinavam sempre que chegavam ao cimo da ladeira de Cem Soldos. O patrão do Xico pagou a multa de 50 escudos e foi-lhe descontando, semanalmente, 5 escudos na féria. O Xico, de peru nada tinha. O epíteto condizia melhor com  a pessoa do polícia que o multou, exibindo enfatuado uma autoridade de que fora investido, cobrando uma multa de valor superior ao valor da féria semanal do autuado. O Xico Pirum, como muitos outros Xicos que guiavam carroças de bois, de leis nada entendia e, muito menos, para que foram legisladas. Para ele, ir sentado na boleia da galera a dormir para compensar o sono interrompido às 4 ou 5 horas da madrugada, não continha qualquer prevaricação. Para o ordenador do serviço, pagar uma multa por um erro que não cometeu, não era justo. O Xico e a família com um pouco menos durante dez semanas não lhe causa qualquer preocupação. Continuará em paz e sossego a conduzir as vacas, a cavar o barro no alto da quinta, a transportá-lo para o forno de tijolo e a madrugar cedo para entregar tijolos em qualquer lugar.(Ilídio Mota Teixeira)



10 de outubro de 2013

Amor a Dar com Pau.




Ai credo!, José Malhoa


Um nosso conterrâneo estava mesmo com uma forte e violenta paixão. Para a acalmar, muniu-se de papel de carta perfumado que comprou na mercearia local, que fora aconselhado por peritos altamente colocados, sentou-se a uma tábua a servir de escrivaninha e, caligrafando o melhor que conseguia, inicia a missiva, transferindo para o papel que lhe vai no mais íntimo da alma e começa: menina Angélica, gosto muito de si…


Figura a Ler, José Malhoa

Mas por mais voltas que desse ao seu conhecimento, não havia meio de encontrar as palavras que exprimissem o seu profundo sentimento até que, na falta das ideias, aí vai: amo-a à cachaporra…e mais  algumas que não constam nos anais das gentes de Porto da Lage.
Também não consta nem constou que a carta tivesse obtido resposta positiva, o que não admirou; oferecer amor à mocada, por mais premissas que ofereça não agrada a qualquer mulher.(Ilídio Mota Teixeira)

9 de outubro de 2013

A Peregrinação dos Três Compadres




Retrocedendo aos anos de 1940, vamos assistir uma peripécia que foi contada por um dos participantes em jeito de queixume mas gozado por quem a ouviu e transmitiu mais tarde em jeito de anedota.
A hilaridade do episódio tem mais haver com a personalidade dos seus intervenientes do que com o seu conteúdo mas, aí vai: sábado de manhã, pelas oito horas de um dia qualquer, os três cunhados entre si, compadre António Rosa, compadre Manuel Augusto e compadre António da quinta vão a caminho de Tomar, na charrete do compadre Rosa.



...a  oficina do Ferrador Zé Paulo para onde entram por um
largo portão [ em frente, depois da descida da chamada Estra-
da de Paialvo]
Vão em peregrinação ao mercado semanal que aí se realiza. O trajeto não é longo e o cavalo que atrelado é fogoso e bom trotador. Cerca de meia-hora depois estão a descer a ladeira que conduz à cidade. Ao fundo está a oficina do Ferrador Zé Paulo para onde entram por um largo portão e vão prender o animal, mesmo atrelado, a uma estaca ao fundo do pátio.





Daqui dirigem-se ao centro do acontecimento: Praça da República, um belo espaço enquadrado por um belo edifício do século XVI onde a câmara municipal está instalada, uma igreja do mesmo século, Igreja São João Baptista, e diversos estabelecimentos comerciais. No centro a estátua do templário Cavaleiro de Cristo Gualdim Pães, fundador do castelo e da cidade. Os produtos expostos para venda, agrícolas em geral, são variados e em pouca quantidade. Vêem-se ovos, galinhas, coelhos, queijinhos de leite de ovelha, couves, batatas, ervilhas, favas, feijão, grão de bico e uma ou outra peça de barro vermelho. Nas épocas dos granjeios das hortas e das vinhas, há molhinhos de Cebolinho, pés de couve e bacelo bravo. No mesmo dia havia também o mercado quotidiano que se situava nas traseiras do edifício da Câmara.
A Peregrinação dos compadres, de boa memória e que há muito tempo deixaram o convívio dos vivos, é rotineira. Observa-se o que está à venda, compra-se algum utensílio da loja de ferragens se for necessário, um funil no latoeiro ou um balde ou ainda um caneco, trocam-se umas opiniões com este ou aquele vendedor, encontra-se um amigo conhecido de longa data, trocam-se umas informações de interesse mútuo e surge o convite indispensável: uns copos de palhete na taberna da esquina da rua que conduz à praça. Vai uma rodada, vai outra que agora pago eu, mais uma  que agora é da minha conta e as conversas começam a ser prolongadas e amistosas. Os estômagos estão vazios e depressa os 11 graus do palhete sobem ao topo.

O mercado de Tomar no local a que se refere o autor no inicio do sec. XX, ainda sem a estátua de Gualdim Pais

Chega-se a hora de regressar a casa. Apertos de mão e até qualquer dia. Já no Zé Paulo, desprende-se o cavalo que está inquieto e quer regressar à palha, é guiado até ao início da ladeira que desceu na vinda. A subida é longa e cansativa. Quando se chega ao topo é necessário "dar de beber à sede", quer às pessoas quer aos animais. Para saciar, está lá o Elias, ponto estratégico, com paragem obrigatória, de longa tradição. Mais uma rodada para a cumprir e de novo a caminho. O compadre Rosa toma o seu lugar de condutor, rédeas na mão, cigarro barrigudo apagado colado ao lábio inferior canto da boca, rosto congestionado, pálpebras inferiores avermelhadas, alivia o travão, dá rédeas ao cavalo e aí vai caminho de casa. O compadre António da quinta, sem dizer uma palavra, um pouco ensonado, vai sentado ao seu lado. É sóbrio nas bebidas e comidas mas nestas circunstâncias excedeu-se um pouco. É  mais versado na agricultura que nos negócios de ocasião. A segunda etapa do regresso é percorrida mais facilmente. É sempre a descer, salvo uma subida. Entram em Porto da Lage, seguem na direcção da azenha e…. ponto final. Rédeas  no descanso, Um pé no estribo outro no chão e… o compadre Manel? Tinha ficado no Elias. Não teve tempo nem agilidade para subir à charrete. Chegou a casa algumas horas depois. Pelo caminho veio destilando os 11 volumes do palhete. (Ilídio Mota Teixeira) 






8 de outubro de 2013

Largo da Estação


Nas duas décadas de 1930 1940, este largo foi ao centro da actividade económica da pequena população que emergiu com chegada do comboio na segunda metade do século XIX.

À sua volta estabeleciam-se uma oficina de barbearia, um estabelecimento, bem amplo, com venda de produtos de mercearia, vinho, posto de correio e telefone, uma outra mercearia também muito bem implantada, uma farmácia com técnico farmacêutico permanente, um depósito-armazém de adubos e uma pequena loja de panos com um armazém de sal anexo.



Algumas casa do "largo" hoje.


O movimento que por aqui se fazia era de notar. Passageiros que chegavam e outros que partiam, mercadorias chegavam consignadas à destilaria do álcool, ao forno de tijolo ou cerâmica de barro vermelho, ao armazém do sal, ao depósito de adubos, um ou outro vagão com fardos de palha para alimento de animais. Da região do Pombal chegavam também vagões com desperdícios das serrações de madeira, para serem queimados nos fornos da padaria da cerâmica.

Das povoações vizinhas - Outeiros, do concelho de Torres Novas, vinham os peleiros com os saldos dos animais que não haviam conseguido colocar durante o mercado semanal de Tomar. Traziam cabritos, coelhos e galinhas. Quando conseguiam comprador, que não era fácil, matavam o animal, penduravam-no nas grades de ferro, esfolavam-no e tirava-lhe as vísceras, que davam aos cães que por ali vagueassem. Estes negociantes, geralmente rapazes entre os 15 e os 20 anos, deslocavam-se cavalgando asnos, de aldeia em aldeia, pregoando a compra de peles, ceras, metais, trapos, lãs e outras sucatas.


Largo da estação nos anos 80 (o mais antigo que consegui arranjar)
 


Ainda no largo da estação nos anos de 30, estacionava algumas vezes nas tardes de sábado, um automóvel dos anos de 20, que vinha de Tomar. Sobre banco de trás trazia um estrado de madeira com alguma carne de bovino. Quando chegava tocava uma corneta. Trazia uns ossos que temperavam muito bem a sopa de massa que se comia ao domingo.


Largo da Estação hoje.






Nos anos de 1943 e 1944, em pleno conflito mundial de 39/45, a estação de Paialvo teve movimento extra com candongueiros que vinham do Porto e outros que se dirigiam a Lisboa.

 Vinham em pequenos grupos nos comboios da madrugada, com uma ou duas malas de viagem para ocultarem as embalagens que traziam dentro. Abasteciam-se onde melhor lhes parecia e partiam no comboio que os levasse ao Porto. Algumas vezes eram perseguidos pelos fiscais da Intendência Geral de Abastecimentos que lhes aprendiam o que transportavam. O exercício da candonga era arriscado mas compensava. (Ilídio Mota Teixeira) 


7 de outubro de 2013

Baptisados de Portalegenses









Em 1.º dia do mês de Setembro  de seiscentos e noventa e sete anos baptisei e pus os santos óleos a Josepha filha de Joseph Lopes e de sua mulher Maria Lopes  moradores no Porto da Lagem, padrinhos Joseph Godinho Ribeiro por procuração de Luísa Roiz da Ribeira de Litém do Bispado de Leiria e por ser verdade fiz este assento que assinei dia mês ano supra

Frei António Amador




Em vinte e oito dias do mês de Abril do ano de setecentos e um   baptisei e pus os santos óleos a Manuel filho de Simão Roiz e de sua mulher Isabel Freire moradores no Porto da Lagem, padrinhos Manuel Gavião de Fungalvaz e Maria Freire de Carvalhal do Pombo, freguesia de Assentis, e por ser verdade fiz este assento que assinei dia mês ano supra

Frei António Amador

 Fonte: Assentos de Baptismo da Madalena, Fundo dos Registos Paroquiais da Torre do Tombo