Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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10 de fevereiro de 2016

Quarta - Feira de Cinzas




Padre António Vieira

Duas coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais, ambas grandes, ambas tristes, ambas temerosas, ambas certas. Mas uma de tal maneira certa e evidente, que não é necessário entendimento para crer; outra de tal maneira certa e dificultosa, que nenhum entendimento basta para a alcançar. Uma é presente, outra futura, mas a futura vêem-na os olhos, a presente não a alcança o entendimento. E que duas coisas enigmáticas são estas? Pulvis es, tu in pulverem reverteris: Sois pó, e em pó vos haveis de converter. Sois pó, é a presente; em pó vos haveis de converter, é a futura. 
...
........Comecemos de hoje em diante a viver como quereremos ter vivido na hora da morte. Vive assim como quiseras ter vivido quando morras. Oh! que consolação tão grande será então a nossa, se o fizermos assim! E pelo contrário, que esconsolação tão irremediável e tão desesperada, se nos deixarmos levar da corrente, quando nos acharmos onde ela nos leva! É possível que me condenei por minha culpa e por minha vontade, e conhecendo muito bem o que agora experimento sem nenhum remédio? É possível que por uma cegueira de que me não quis apartar, por um apetite que passou em um momento, hei de arder no inferno enquanto Deus for Deus? Cuidemos nisto, cristãos, cuidemos nisto. Em que cuidamos, e em que não cuidamos? Homens mortais, homens imortais, se todos os dias podemos morrer, se cada dia nos imos chegando mais à morte, e ela a nós, não se acabe com este dia a memória da morte. Resolução, resolução uma vez, que sem resolução nada se faz. E para que esta resolução dure e não seja como outras, tomemos cada dia uma hora em que cuidemos bem naquela hora. De vinte e quatro horas que tem o dia, por que se não dará uma hora à triste alma?
Esta é a melhor devoção e mais útil penitência, e mais agradável a Deus, que podeis fazer nesta quaresma. Tomar uma hora cada dia, em que só por só com Deus e connosco cuidemos na nossa morte e na nossa vida. E porque espero da vossa piedade e do vosso juízo que aceitareis este bom conselho, quero acabar deixando-vos quatro pontos de consideração para os quatro quartos desta hora. Primeiro: quanto tenho vivido? Segundo: como vivi? Terceiro: quanto posso viver? Quarto: como é bem que viva? Torno a dizer para que vos fique na memória: Quanto tenho vivido? Como vivi? Quanto posso viver? Como é bem que viva? Memento hom

6 de fevereiro de 2016

O Eterno Carnaval

Coisas que nunca mudam.
Mais de um século passado e, helas! continua o divertido Carnaval e uns milhões de criaturas anónimas e esforçadas a puxarem (leia-se sustentarem) pelo/o Orçamento.



Desenho publicado no jornal A Paródia, de Rafael Bordalo, 18 de Fevereiro de 1903

4 de fevereiro de 2016

Há 120 anos - Chaimite


Imagem da gravura retirada daqui

Em Dezembro de 1895, os portugueses terminavam em sucesso a chamada  Campanha de África  com a prisão de Gungunhana em Chaimite, Gaza, Moçambique. Quando, em Janeiro, a notícia se soube em Portugal o povo exultou, as  festas sucederam-se e Mouzinho de Albuquerque foi aclamado como verdadeiro herói.
Eis como se passaram os acontecimentos em Tomar:
5.01.189


Francisco Henriques Duarte, natural dos Calvinos
- Casais,segundo a imprensa tomarense dos anos 40 do 
sec.XX, tinha sido um antigo soldado de Mouzinho
 nas campanhas de África.



2.02.1896


  

6 de janeiro de 2016

Dia de Reis



...Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente. E perguntaram: «Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.» Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes perturbou-se e toda a Jerusalém com ele. E, reunindo todos os sumos sacerdotes e escribas do povo, perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. Eles responderam: «Em Belém da Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta:
E tu, Belém, terra de Judá,
de modo nenhum és a menor entre
as principais cidades da Judeia;
porque de ti vai sair o Príncipe
que há-de apascentar o meu povo de Israel.»
Então Herodes mandou chamar secretamente os magos e pediu-lhes informações exactas sobre a data em que a estrela lhes tinha aparecido. E, enviando-os a Belém, disse-lhes: «Ide e informai-vos cuidadosamente acerca do menino; e, depois de o encontrardes, vinde comunicar-mo para eu ir também prestar-lhe homenagem.» Depois de ter ouvido o rei, os magos puseram-se a caminho. E a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o menino,parou. Ao ver a estrela, sentiram imensa alegria e, entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, adoraram-no; e, abrindo os cofres, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonhos para não voltarem junto de Herodes, regressaram ao seu país por outro caminho. (Evangelho segundo São Mateus)



Adoração dos Reis Magos (1501-1506) Vasco Fernandes, Francisco Henriques





Adoração dos Magos, 1828, Domingos Sequeira
Nota: Os quadros acima, da autoria de pintores portugueses notáveis, têm a particularidade de poderem vir a dar que falar. O segundo, de certeza, por ser objecto da louvável iniciativa, pouco habitual em Portugal, de promoção de uma campanha de recolha de fundos para a sua aquisição a um particular a fim de passar a fazer parte de espólio do MNAA; o primeiro, o ter a originalidade de representar o  "Rei Baltazar" na figura de um índio. Desconfio que  Lula da Silva desconhece a pintura (estou-me a referir a esta!)  mas temo que tenhamos que nos preparar para a eventualidade de  alguém, por esconsos motivos anti-lusitanos, o prevenir. Só estou a avisar! (MFM)

4 de janeiro de 2016

Amadurecer em Dezembro



Veio de Lisboa, no vaso onde o pequeno caroço se fez árvore. Em Porto da Lage já ultrapassa em altura, ameaçando-lhe o espaço, a companheira cerejeira, ora despida, e dá frutos, comíveis, pela segunda vez (a primeira foi em Maio último) - em Dezembro.




Fotografia de JJM tirada em 27-12-2015.


Isto há de querer dizer alguma coisa. As causas, tirando as estafadas e os culpados do costume(aquecimento global, constrangimentos fascisto-neoliberais do governo póstumo, banco de Portugal, caturrices condizentes com as vestimentas egípcias do presidente cessante, leviandades demagógicas do  presidente  próximo previsto, etc, etc.), estão, no momento, ainda envoltas nas brumas da surpresa. Estou certa que, num dia do ano que se inicia, exclamaremos quais Arquimedes - Eis a razão dela ter amarelecido!! E, quem sabe, não andaremos, ao pescoço, com qualquer - Je suis .... relacionado com o caso? Deus sabe.
Entretanto, vivamos 2016 o melhor que podermos, quisermos e nos deixarem! (MFM)


22 de dezembro de 2015

Bom Natal

O Natal é sobretudo memória. A memória do que foi ou deveria ter sido (quem nunca inventou passados?), de tempos calorosamente aconchegantes em que nós éramos o centro da ternura e reinava o prazer da antecipação! As sensações e sentimentos daquela noite, uma vez, mesmo há muito, vividas, apoderaram-se de nós, moldaram-nos a alma e voltam ano após ano, a fazer-nos reviver a alegria e expectativa de então, mesmo que já não haja razões para isso. Por isso o Natal pode ter tanto de felicidade como de dor. Felizes aqueles de nós em quem a memória dos Natais de antanho tem eco no Natal presente. Não consigo imaginar nada mais triste do que o contrário.
 Como era (é) pagã a Consoada da nossa infância! São os sentidos que no la trazem de volta: o cheiro da malha do casaco da  avó quando nos esborrachava contra si, a abóbora doce a derreter-se na boca, proveniente do pastel da massa do coscorão, a macieza da toalha de mesa de ver a Deus! Apenas os olhos e os ouvidos retiveram pouca coisa, muitas vozes, a falarem ao mesmo tempo, envoltas em mais luz que o habitual. E como permanece ainda tão vivo aquele sentimento omnipresente em toda a época, especialmente naquela noite das noites: a ansiedade da espera, a impaciência pela lenta passagem das horas que impedia a chegada do grande momento.
Que a magia natalícia não seja só nostalgia, é o que eu desejo a todos os que fizeram o favor de me acompanhar durante este ano. Que o vosso Natal presente seja cheio de harmonia e esperança. (MFM)

E,até um dia destes....
Bom ano de 2016!

Noite de Natal










Esperando o Natal


Manhã de Natal

Imagens: Reproduções de aguarelas de Carl Larsson (1853 – 1919

1 de dezembro de 2015

Festejando o Primeiro de Dezembro (há cem anos)


Mais um exemplo de como os factos (aqui históricos) deixam de ser aquela coisa objectiva que supostamente são para estarem ao serviço de freguês do momento. Em baixo, o fervor da exaltação do "Aniversário da nossa independência" pela República Velha, a da carbonária e da formiga branca. Hoje, os intitulados herdeiros desta facção pouco ligam à data, senão desprezam, "estas práticas nacionalistas e patrioteiras" e são os sucessores dos que se  bandearam com a corte espanhola que, agora a comemoram. Assim correm os tempos. Mas eu, pobre inocente que venho e sou do povo, ainda vou acreditando que este "torrão querido" é para preservar e que, mesmo tendo perdido (se é que alguma vez a tivemos) a pureza da nossa alma heróica, há-de continuar a ser uma Pátria, a minha Pátria. (MFM)


1-12-1915

2 de novembro de 2015

Reflexão em Dia dos Fiéis Defuntos - O Contrato

.....

Trinco da porta caindo
Sobre a partida de alguém...
Oh, quantos vão e não voltam?!
São os que a morte lá tem!

António Sardinha (1888-1925)


Constantin Brancusi, O beijo, 1909
Eu, que só entendo que as coisas se alterem se for para melhor, e que por isso me dizem ser conservadora (o que em Portugal não é bem visto e faz com que os meus próximos temam pela minha reputação), tenho-me interrogado sobre recentes hábitos dos meus contemporâneos. 
Um deles, assunto muito sério e melindroso, é a crescente cavalgada para a cremação dos corpos. O que leva cada vez mais pessoas a tomarem essa decisão? Conheci uma jovem mãe de família que, prestes a deixar-nos, escolheu ser cremada e não ter funeral – porque sabia que o marido e os miúdos não iam aguentar todo aquele cerimonial e, mais, seria um peso para eles saberem que tinham uma campa para cuidar. E assim foi, o corpo foi entregue à agência funerária mal o hospital o libertou e nunca mais houve rastos dele. A presença física da morte foi afastada, desconheço, acho que ninguém saberá dizer, de que forma esta circunstância alterou, ou não, a dor da ausência. 
Penso que a resposta, pelo menos uma delas, para a minha interrogação, estará na decisão desta minha querida amiga: afastar o sofrimento, o sacrifício, o que incomoda, daqueles que amamos. Na única situação da nossa existência em que é impossível intervirmos, expulsamos os vestígios da dor, na tentativa de fingirmos que a partida definitiva não aconteceu. Não nos confrontarmos com o cadáver e depois, com os restos mortais que sabemos enterrados num local determinado, traduz, quanto a mim, o medo imenso que a gente dos nossos dias tem, e que os nossos antepassados desconheciam, de nos depararmos com o inevitável: a nossa condição de mortais.
Os nossos avós, que sofriam e se sacrificavam muitíssimo mais do que nós pois a vida era mais dura em todos os aspectos, aceitavam a dor como parte dela, e, dentro daquela, a dor maior - a da morte. Não acredito que sofressem menos ao perder alguém, a diferença consistia em não repudiarem esse sofrimento.Conheciam também, e esta será outra resposta à minha pergunta inicial,o seu papel no ciclo da vida, certamente por estavam mais próximos da natureza. Tinham verdadeira consciência da sua dependência da terra, o que hoje é impensável e ignorado. Esquecemos que a terra é a nossa dimensão, que a pisamos todos os dias, que nela nos transportamos, nela respiramos, dela nos alimentamos.  Estes antigos versos das planícies alentejanas, nascidos da terra prenhe do pão que matava a fome, mostram a inter-dependência dos nossos antepassados  com a terra-mãe que nos alimenta em vida e à qual alimentamos em morrendo.

Eu sou devedor à terra
A terra me está devendo
A terra paga-me em vida
Eu pago à terra em morrendo

Um testemunho belíssimo da consciencialização do contrato entre o Homem e a Natureza. Que eu consigo entender, o resto não. (MFM)