Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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24 de outubro de 2016

II As Azenhas

II- As Azenhas


A ribeira da Beselga no seu ancestral percurso, deparou-se com um obstáculo de rochedos calcários num local, mais tarde denominado sítio de Porto da Lage, que transpôs e vem a formar uma bela cascata de águas claras quando são passadas as violentas enxurradas periódicas no Inverno.


.....e vem a formar uma bela cascata de águas claras... 


Em data desconhecida, a Ordem de Cristo fez construir sobre a barreira de rochedos um muro de lajes, ligadas entre si por grampos de ferro firmados por chumbo, em toda a largura da ribeira, criando assim um açude com duas comportas para eventuais descargas.
Esta obra teve como finalidade o aproveitamento da energia hidráulica para movimentar as mós duma azenha a cerca de quinhentos metros a jusante. Para conduzir as águas até ela, valeram-lhe o declive do terreno, canalizaram-nas através duma levada emparedada por muros de pedra, cal e motas.
À saída do açude houve que construir um túnel, também de pedra e cal, sob a estrada que margina a ribeira e conduz às vizinhas povoações de Beselga e Assentis. Sob mesma estrada e a curta distância, há outro mais pequeno para esvaziamento completo da levada, quando necessário. 


Já perto da azenha atravessa de novo a mesma estrada sob
lajes de pedra.
Já perto da azenha atravessa de novo a mesma estrada sob lajes de pedra. A água depois de movimentar as mós da azenha, volta ao leito da ribeira, retomando a sua marcha interrompida a caminho do mar na companhia do Nabão, seu mais próximo vizinho, do Zêzere e do Tejo.






Esta obra não pode deixar de ser atribuída senão à Ordem. Era dona e senhora de todos os curso de água e…dos ventos.
....as azenhas e os lagares do rio Nabão, em Tomar...

O último operador desta azenha até à década de 50 do último século, era filho de um indivíduo natural da povoação de Cem Soldos que no início do século XX adquiriu as azenhas e os lagares do rio Nabão, em Tomar, as quais haviam sido vendidas em hasta pública depois de terem sido confiscadas à Ordem em 1836, pelo poder político de então.








Subindo-se o curso do ribeiro da Longra, também conhecido pelo ribeiro da Quinta, desde a foz, encontra-se a pouca distância uma pequena represa construída de pedra e cal com uma pequena comporta de ferro, edificada no topo duma pequena queda do leito do ribeiro. 


Subindo-se o curso do ribeiro da Longra...desde a foz ...



Desta represa parte uma estreita vala, pela encosta duma elevação, que conduz a água que vai fazer rodar as mós duma moenga.
Observando-se os pormenores da sua construção, é de admitir sem dúvida, ter sido edificada há muitos anos e por quem tinha bons conhecimentos destas fontes energéticas; os frades da Ordem tinham-nos.
Continuando a subir e seguindo o curso do mesmo ribeiro, já muito próximo duma das suas nascentes, existe outro ressalto encimado com uma laje de pedra. Neste local funcionou há muito tempo uma pequena azenha que veio emprestar o nome à propriedade em que está inserida, bem como à mina e à fonte que lhe fornecia água.



A água que movia o moinhoto, brotava duma fenda num maciço rochoso no sopé dum pequeno monte e que era retida num grande reservatório, de grossas paredes de pedra e cal, fundo lajeado, durante a noite e parte do dia. Depois era encaminhada por uma vala até à azenha.
A Ordem, na procura de maior caudal, minou a rocha maciça numa extensão de cerca de dez metros em forma de túnel com dimensão para uma pessoa adulta de estatura normal, poder entrar de pé, de braços estendidos lateralmente e percorrê-la até ao fim.



A obra é digna de ser apreciada, não só pela sua utilidade como também pelo seu enquadramento paisagístico. Facejaram uma área do rochedo, delinearam a entrada e seguiram-na até ao fim, com uma ligeira curva, à força de picão e marreta.
Na minagem da fonte longos anos terão sido necessários para a realizar. Qual a data da sua execução? Era tradição popular dizer-se que é do tempo dos mouros, quando se desconhecia a idade dum monumento.
A completar a excelente obra que é a mina e o grande tanque, está outro mais pequeno, distante do maior cerca de trezentos metros, com as mesmas características de construção e que se destinava à rega dos terrenos vizinhos. A água para o abastecer era encaminhada por uma regadeira desde o tanque grande.

Há ainda que referenciar no âmbito das azenhas e nas mesmas terras, duas construções com alguma importância: uma casa de pedra e cal sem qualquer revestimento nas paredes, de cércea baixa, que terá sido utilizada para redil de ovelhas e outros animais. O último proprietário destruiu-o e vendeu a pedra: defronte desta casa havia duas ou três cerejeiras de grande porte que tiveram o mesmo destino. A outra construção é um muro de pedra solta em forma de L no terreno defronte do grande tanque; um dos lados encaminhava a água da fonte para o moinhoto, o outro impede o arrastamento das terras pelas águas das chuvas que no inverno descem das vertentes circundantes.(IMT)

23 de outubro de 2016

I Paço da Comenda

 I- Paço da Comenda





Pequena aldeia da freguesia da Madalena no Concelho de Tomar, a oito quilómetros desta cidade e dezoito de Torres Novas.

É servida por uma Estrada nacional e pela estação de   caminho-de-ferro da linha do Norte de Paialvo que em  tempo recuado servia a cidade de Tomar. Pela  povoação passa uma estrada muito antiga, agora     denominada de Estrada Real, que conduz à povoação de Fungalvaz e às cidades de Vila Nova de Ourém e  Leiria.    
As suas habitações mais antigas, de cércea muito baixa e espaços úteis de pequenas dimensões, foram os lares dos jornaleiros e suas famílias.


revisor de material
maquinista e fogueiro


Outras, mais recentes, já de cércea mais elevada são já propriedade de ferroviários que trabalhavam na via-férrea ou prestavam serviços na estação ou de modestos agricultores proprietários. 
O topónimo desta povoação está interligado com a Ordem de Cristo de Tomar. Ordem militar muito antiga, do séc. XIV que sucedeu à Ordem dos Templários,  implantada em Portugal pelo cavaleiro templário Gualdim Pais, no reinada de D. Afonso Henriques.
Esta ordem militar era senhora de numerosas e imensas comendas, entre as quais a Comenda da Beselga que, segundo informações do médico Dr. José Maria Sousa na sua obra “Thomar” editada em 1903, se estendia por toda a margem esquerda da ribeira da Beselga. Não informa os limites.

  Por esta informação a Povoação de Paço da Comenda está implantada na área da comenda da Beselga e o seu nome advém de paço (residência de pessoa nobre, casa senhorial) da Comenda, porque pertencia à Comenda da Beselga




Há uma casa de habitação numa área próxima do leito da ribeira que, pela qualidade de construção e arquitectura, local de edificação e terreno hortícola e que se destaca entre todas as que lhe estão próximas. Foi, como tudo indica, o paço da Comenda e, possivelmente, a residência de algum comendador.
Em data recente a Câmara Municipal de Tomar e Junta de Freguesia da Madalena deram nome, Largo do Comendador, ao pequeno espaço defronte deste edifício.(IMT)

N.A.- Comenda: porção de terras com que oficialmente se recompensavam serviços prestados por nobres, cavaleiros de ordens militares e eclesiásticos)

Fotografias de operários da CP retiradas daqui  (MFM)

21 de outubro de 2016

Apresentação

Os parágrafos que seguem abaixo são os que encerram o livrinho de Ilídio Mota Teixeira intitulado "Terras da minha memória". Naqueles, o autor faz um resumo e emite explicações sobre os dois grandes temas que aborda: os locais e paisagem do "lugar da sua origem e dos seus mais próximos antepassados" e as lembranças da sua tenra idade.
Decidi, no entanto, colocá-los já aqui, no inicio, como introdução, para que, desde já, saibamos o que nos espera, antes de começar a ler "o livrinho" e antecipemos, com avidez, os próximos "capítulos." Os restantes textos irão surgindo conforme a ordem estabelecida no livro.




Imagem retirada de "Ribeira da Beselga" de Óscar Mota
«...Neste despretensioso apontamento sobre Paço da Comenda, do açude com a sua levada e azenha, das motas e dos muros da várzea e da ribeira, da famosa mina da fonte do moinhoto, da pequena azenha do ribeiro da Longra, dos extintos lagares de azeite, do vivente olival, tenho como finalidade apoiar as minha memórias deste lugar da minha origem e dos meus mais próximos antepassados e também para despertar alguma curiosidade dos que habitam nestes lugares.




Ilídio, Dulcinda e Estela.
As lembranças da minha infância e puberdade dirigem-se aos que se seguem na via da continuidade para poderem arquitectar de algum modo o meu quotidiano no seio da família nesses tempos tão distantes com modo de viver tão diferente do actual. As carências eram muitas e as achegas inexistentes. No entanto recordo com encanto e muita saudade a minha infância a caçar ratos, a tentar pescar peixinhos da bela ribeira e no encantador ribeirinho da Longra, a fazer recados a correr, os mergulhos forçados no Agroal, a imaginar o menino Jesus e o S. Pedro a descerem pela chaminé da lareira coberta de fuligem e com uns pequenos orifícios no topo de saída, a cantar as lengalengas com as minhas irmãs, os açoites de minha mãe quando me ausentava para distâncias fora da sua vigilância, do som do pio dos mochos no olival ao anoitecer na Primavera, do som cadenciado das cigarras no início do Verão, da chegada das andorinhas a anunciarem a vinda da Primavera, do belo espectáculo da água clara da ribeira a cair do muro do açude sobre o fundo rochoso, o verdejar dos primeiros rebentos das videiras, o florido de rebentos de canas com as flores azuis e brancas das margens do ribeiro, das belichas de farinha de pão de trigo barradas com azeite, açúcar e canela quando minha mãe cozia pão ao Sábado para comermos durante a semana...» (IMT)


Desenho de Maria Keil




19 de outubro de 2016

Mais sobre Ilídio Mota Teixeira


 Quando Ilídio Mota Teixeira  completou oitenta e dois anos a sua filha Luísa  e a neta editaram um pequeno livro "a "graça" que lhe resolvemos dar na altura", para distribuição familiar, "livro de histórias compiladas que o convenci a escrever algures em 2012", conforme diz a filha. Foi antes, portanto, da sua colaboração no blog, pois, exclusivamente para este, “fez questão de  produzir  [outras] pequenas histórias que ele considerou serem mais apropriadas a quem as iria ler" (palavras dele, reproduzidas também pela Luísa).
Sorte nossa, ficámos a ganhar. Porque, com toda a generosidade, a família consentiu que todos nós tivéssemos acesso, agora, a mais umas preciosas pérolas saídas da memória, do talento e da sensibilidade do Ilídio.
Vamos, assim, a partir de hoje, deliciarmos-nos todos, estou certa, mais uma vez com mais estes apetitosos nacos de prosa cheios de sabedoria, encanto e amor à terra mãe, cuja qualidade já conhecemos.
Como resposta ao pedido que lhe fiz  para que nos fizesse a apresentação do trabalho do pai, a Luísa mandou-me isto: 
"... envio duas fotos dum pequeno e simples "memorial" que instalámos na pequena propriedade da Serrada, tendo como mote uma nogueira antiga. Uma última homenagem que quisemos fazer na terra que o viu nascer: Porto da Lage.
Os versos que inscrevemos na caldeira da árvore, são da autoria do nosso pai; os mesmos que ele redigiu no final deste livrinho. E mais não digo, porque me faltam as palavras quando me sobra a saudade".


E lá está, na margem direita do ribeiro "da quinta", para quem o quiser ver ao vivo, um belo e genuíno tributo ao amor verdadeiro. Felicitações ao Ilídio, pela família que criou.





                                        Ao ribeirinho da minha infância
                                       Ribeirinho das duas pontes
                                      De verdes margens e canaviais
                                      A correr em suave bonança

                                      Ao canto dos grilos entre trigais
                                     Nas tuas águas também brinquei
                                     Com rústica cana, linha e anzol
                                    Barquinhos de papel também deitei
                                    A navegar balançando ao sol

13 de outubro de 2016

Mais uma machadada nas livrarias.




and how many times can a man turn his head

And pretend that he just doesn't see?





Mas, porque não?

se o Saramago teve um?

Este, pelo menos, tem imaginação!

Ah, era preciso saber escrever?

Tens a certeza? qual foi o último que sabia?

12 de outubro de 2016

Quinta de Porto da Lage II

Mas, e a estação? A estação estava "lá" desde 1864, não mexia, não tinha casas, gente?

Aparentemente, nos primeiros anos os funcionários dos caminhos de ferro ou não se radicaram em Porto da Lage ou não se fizeram acompanhar pelas famílias, pois só a partir de 1875 os registos paroquiais (o ultimo registo tinha ocorrido em 1819, em "Moinhos de Porto da Lage") nos dão conta de nascimentos de crianças relacionadas com trabalhadores de caminhos de ferro. Estes viveriam em casas anexas à estação ou nas casinhas das passagens de nível, sendo que em Dezembro de 1877, Mathilde vê a luz do dia  no edifício da estação, enquanto que apenas dois irmãosinhos, filhos de um casal de "fazendeiros", nascem na mesma década (ver quadro abaixo). Quanto às duas mortes ocorridas desde a inauguração da estação até 1880 trata-se de uma mulher guarda da passagem de nível e de uma criada da quinta. Na década seguinte nota-se já o contributo dos descendentes Sousa Rosa para o crescimento da população local e a ajuda que uma via de comunicação rápida e moderna traz aos pecados deste mundo: dois inocentes abandonados! Nas últimas décadas do século é nítido o acréscimo de nascimentos de ambos os lados, embora se comece a verificar o aumento dos habitantes "civis" face aos "ferroviários". Nota curiosa quanto às últimas mortes do século XIX em PL, todas elas violentas: a do chefe da estação atropelado por uma máquina descarrilada, a do guarda do Km 120 igualmente vítima de um comboio e a de Manuel Sousa Rosa Júnior, também atropelado mas por uma carroça, numa corrida destas, quando tentava saltar de uma carroça para outra (as famosas quadrigas de Porto da Lage e o Ben-Hur de Assentis! que segredos me reservas mais,terra do meu avô?).


Fonte: Registos Paroquiais da Freguesia da Madalena, Tomar, A.N.T.T.
                                   
 Da leitura dos registos paroquiais, duas situações, desde logo, se evidenciam. A primeira é a relação que se estabelece entre estes dois grupos populacionais. Observa-se que os "lavradores" ou os seus filhos são padrinhos dos filhos dos ferroviários mas o contrário não se verifica, o que significa que as pessoas se davam e procuravam estabelecer laços, embora não de forma igual, reproduzindo as relações tradicionais de quem tinha menos poder, económico ou social, procurar, junto dos grupos sociais "acima",  o apoio e o patrocínio para os seus filhos no caso de os pais lhes faltarem ou mesmo de ajuda para a sua educação ou empregos futuros. A outra situação observada é, com a entrada do novo século, o aparecimento de "pobres". Os assentos de baptismo tinham afixadas estampilhas de valor diferente, supondo-se que este variava de acordo com o rendimento familiar, e, no caso de não as terem, referia-se à margem - não paga por ser pobre ou, simplesmente, é pobre. Estas situações começam a verificar-se em Porto da Lage em assentos em que os sobrenomes não são hoje conhecidos e em que o pai é referido como jornaleiro ou fazendeiro. Serão portanto os novos pobres aqueles que trabalham na agricultura mas não detêm terra, trabalham por conta de outrem e usufruem de salários menores que os dos ferroviários, pois estes continuam a ter o selo aposto no assento de baptismo dos filhos.


Porto da Lage desempenhou, através da estação de caminhos de ferro, durante mais de sessenta anos, o papel importantíssimo de porta de entrada,  na cidade de Tomar e no interior centro do país, do que de novo acontecia pelo mundo em todos os aspectos. Por ela passaram as mercadorias e equipamentos destinados às novas indústrias, ao comércio, à agricultura, bem como as personalidades e as novidades culturais e científicas. De uns e outras fomos dando conta neste blog, com recurso às notícias existentes nos arquivos da imprensa local. Estou certa que pesquisas na imprensa nacional e em espólios fotográficos da época trarão acréscimos riquíssimos ao conhecimento do papel da Estação de Paialvo na vida económica-social da região de Tomar. Aos jovens estudantes de História, Sociologia,enfim Ciências Sociais em  geral que se interessam por história contemporânea e têm de apresentar a sua dissertação de final de curso, podem crer que tema mais inédito, inexplorado e com mais potencialidades é difícil de encontrar! Fica a ideia, completamente free!!
Mas Porto da Lage é mais do que "a estação". Esta é um capítulo da sua vida, mais um que se enquadra no seu nome - Porto- ponto de encontro de uma estrada com um curso de água. Este ponto de encontro e descanso de viajantes da estrada real, antes a estrada medieval, antes ainda a via romana, com a vetusta ribeira da Beselga, é o seu destino. 
Os estudiosos das vias de comunicação dizem que há locais que, pelas razões imperiosas da geografia-  localização, relevo, cursos de água,clima,etc, proporcionam e fazem confluir para si diversas vias tornando-os centros viários de pequenas áreas, regiões, países.  

Sem qualquer base científica, atrevo-me a especular que PL é um desses locais. Ao longo de séculos não se tornou uma verdadeira povoação,como as vizinhas Vales, Casal da Fonte, Paço, Porto Mendo, Cem Soldos.
Foi um local de passagem durante séculos, com habitantes residuais. Tornou-se maior durante um período de tempo, graças a uma família com muitos filhos que lá construiu casas para a maioria dos filhos mas que, quando estes partiram ficou, novamente, com  população residual.
Mas, repito,  Porto da Lage manteve, mantém, sempre a sua matriz: lugar de passagem.
Repare-se na actual bomba de combustível, com café, e no lugar de venda que se instalou ao lado! O centro de Porto da Lage deslocalizou-se (odeio esta palavra, mas cadê outra?) para aqui. De novo, toda a região vem comprar o pão,o leite, as sementes, os alfobres,  a Porto da Lage. Vem, sinal dos novos tempos, buscar dinheiro, pôr gasolina. Esperemos pelo sapateiro (com costureira, engomadeira, tatuador, tudo incluído como agora se usa), que funileiros parece que já não há em lado nenhum! Porto da Lage continua a ser central, um ponto de encontro. As outras, as aldeias, continuam lá, onde os antigos as puseram, Deus saberá porquê, mas os seus povos continuam a vir, abastecer-se, tomar café, beber um copo, trocar impressões, aqui, em Porto da Lage, onde não vive ninguém. (MFM)

6 de outubro de 2016

Quinta de Porto da Lage I



Continuando o tema do último post sobre a  Quinta de Porto da Lage trago hoje aqui a apresentação gráfica possível (quero dizer, dentro das minhas possibilidades- feita por mim!) da quinta, tendo como base os mapas por satélite google.
A primeira imagem representa o desenho do limite total da quinta e dos restantes terrenos propriedade de João Manuel de Sousa, este teria também terrenos do lado de "lá" da linha do caminho de ferro, que não estão aqui assinalados por não serem considerados importantes, neste caso.
A segunda é uma imagem aproximada de parte de terrenos da quinta e de outros, que deram origem à "parte urbana" de Porto da Lage.




Linha vermelha -contorno de parte da quinta; Linha amarela -contorno de outros terrenos de João Manuel de Sousa; A-terrenos comprados por Manuel de Sousa Rosa em 1883; B-terrenos comprados por Manuel de Sousa Rosa em 1895; C-outros terrenos; 1-casa de Manuel de Sousa Rosa Júnior construída em 1886; 2- casa de Augusto Mota construída em 1889; 5-taberna de Faustino dos Santos adquirida em 1893; 3- casa de Ana Sousa Rosa construída em 1898; 4- casa de António Sousa Rosa Júnior construída cerca de 1900.


Através desta figura podem ver-se as construções originais da quinta, o moinho e a casa de morada da quinta (casa dr. Sousa) que teriam outras pelo meio, como podemos ver  neste post . O edifício seguinte seria, novo ou aproveitamento de anterior, aquele onde se instalou a CUF na data ainda lá inscrita 1877?. Vieram depois, após a venda da quinta, as casa de Manuel Sousa Rosa Júnior (contou-me há anos a Isaura Rosa que a sua seria a primeira casa de PL, segundo lhe tinham dito no licenciamento de obras da Câmara Municipal, seria a primeira a ser licenciada?) e de Augusto Mota, que continuarão sós até 1893, data em que serão acompanhados pela taberna de Faustino dos Santos, a qual foi instalada numa construção pré- existente.
Estava, portanto, certo o Dicionário Postal e Chronographico do Reino de Portugal ao referir como três o número de fogos existentes em Porto da Lage em 1894. 
No inicio do século XX mais construções surgem: outras duas casas de filhos de MSR e a casa de Mendes Godinho construída no local (ou próximo) do Moinho, que será a única a não pertencer à família de MSR  em todo o território da antiga quinta, durante muitos anos.
Nesta década faz-se notar também em Porto da Lage um casal que vai tendo vários filhos - os Sousa Orfão, o qual, pela localização das casas actuais desta família, se deve ter instalado na zona denominada na figura como C.
A partir de meados da segunda década de XX assiste-se ao crescimento da povoação, a rua principal começa a tomar forma com a construção de casas destinadas à nova geração, filha dos donos das primeiras.





Anais do Município de Tomar de Amorim Rosa, vol. 1901-1925


"1906 - 4 de Outubro - a câmara deliberou proceder a pequenas reparações no caminho público de Porto da Lage (fls. 130)
1907 -7 de Fevereiro - o vereador João Mendes Godinho foi autorizado a proceder às reparações do caminho público de Porto da Lage (fls. 137)
1908 - 20 de Fevereiro - a câmara deliberou proceder à reparação do caminho público de Porto da Lage ao Paço até à quantia de 50$000 réis (fls.180)
1918 - 20 de Maio - a junta da Madalena pediu com urgência, a reparação da estrada que passa por dentro do lugar de Porto da Lage e que vai desde a estrada de macadame até à ribeira da Beselga. (fls. 443)"





Pelos anos trinta os baixos das casas já são, nalguns casos, destinados a comércio, a pequenas industrias (sapateiro, latoeiro) e serviços, enquanto se assiste à edificação de casas destinadas a arrendamento e ao alindamento das já existentes, integrando portões que ostentam letras com iniciais dos nomes dos proprietários e datas.

Em 1928 tem início o funcionamento do ensino primário, o que significará  não só a existência de crianças suficientes na localidade em idade escolar, como o reconhecimento da centralidade de Porto da Lage como um futuro centro educativo da freguesia. Apesar de, precisamente nesse ano, a estação de Paialvo ter deixado de ser a principal via de acesso a Tomar, não parece, no meu ponto de vista, que Porto da Lage tenha perdido algo da sua vitalidade e crescimento com esse facto. A fábrica do álcool e a consolidação da localidade como centro comercial da região, contribuíram, mais do que a estação, para o fulgor de Porto da Lage, de cuja  vida social já falaram como ninguém, neste blog, Dulcinda e Ilídio Teixeira, que durou até ao fim dos anos sessenta e que tanta nostalgia traz ainda a tanta gente. (MFM)
 ...continua ...

30 de setembro de 2016

Os Descendentes


Ainda a propósito do grande proprietário de Porto da Lage e arredores, no inicio do sec.XX - Manuel de Sousa Rosa-, publico hoje a lista dos descendentes dos seus sete filhos que mantiveram nas suas mãos, na sua maior parte, as propriedades do avô até aos anos oitenta do século vinte. O facto de dez dos seus netos terem casado entre si, e de alguns terem apenas um ou dois filhos terá impedido a dispersão das propriedades. Uma outra razão seria que, apesar de, dos dezasseis netos varões que atingiram a idade adulta, apenas três se terem dedicado exclusivamente à agricultura, os outros, ocupando-se embora do comércio, industrias, pequenos serviços ou de outras profissões, continuaram a manter as suas terras e a cultivá-las, com excepção, ao que me dizem, dos filhos dos filhos mais novos, João e António,  que, cedo, venderam as suas terras, embora a primos.

É na geração seguinte que tudo se altera. Apesar de nada coesa em termos de idades, a meia centena de bisnetos de Manuel de Sousa Rosa teria/tem  hoje entre 110 e 55 anos, esta geração tem como ponto comum, maioritariamente, o abandono da agricultura. Em suma, dedicam-se a negócios, exercem profissões liberais, são altos cargos da função pública ou de empresas, e, em número considerável, partem para África. É extraordinária esta demanda de África, que extrapola as colónias portuguesas. Ignoro o início desta diáspora mas sei que já se verificava em 1935, data em que o meu avô comprou a casa nos Olivais a uma prima (Gracinda, neta de António Sousa Rosa) que partia com a família para Moçambique.

Situação curiosa é verificar que grande parte dos terrenos que ainda hoje estão na posse de descendentes de Manuel de Sousa Rosa pertencem precisamente aos "africanistas," aqueles que ainda hoje estão em África, foram depois para os Estados Unidos ou outros países ou já voltaram para Portugal! Porque não se desfazem das terras, quando os que estão mais perto o fazem? Talvez eles nos possam dizer.

Quanto à lista, decidi fazê-la, com a ajuda imprescindível da Dulcinda, respondendo às diversas questões de pessoas que sabem ser descendentes de  Manuel de Sousa Rosa, mas não sabem porquê, "a minha avó dizia que a avó dela era da quinta mas não sei como" ou que querem saber como é que são primas ou ainda são primas de ... Espero, por um lado, poder desta forma ajudar  os que me questionaram na busca das origens e dos parentes, e por outro, que os restantes  não considerem intromissiva a divulgação do seu nome e laços familiares. (MFM)





26 de setembro de 2016

"Os 9 maravilhosos filhos de Aurélio de Sousa Vasconcelos e de Maria José Mota, filhos da terra encantadora"




...."Queria pedir-lhe o favor de introduzir e juntar ao seu blog de Porto da Lage mais esta foto com os 9 maravilhosos filhos do chefe da estação de Porto da Lage Aurélio de Sousa Vasconcelos casado com a Maria José Mota, meus bisavós maternos pela via da minha avó Irene de Sousa Vasconcelos que figura na foto, a qual lhe mando para fazer o favor de introduzir no blog Porto da Lage. Pode ser?     O título a juntar à foto que vai em anexo pode ser precisamente os 9 maravilhosos filhos de Aurélio de Sousa Vasconcelos e de Maria José Mota, filhos da terra encantadora". Renato Paz


- Então não pode!? Com todo o gosto! Tenho a certeza que alguns dos que nos acompanham gostarão de recordar caras que conheceram, como eu recordo Helena, a saudosa prima Helena, como lhe chamávamos, casada com A.Miguel, casal grande amigo e companheiro dos meus pais nas andanças por Angola e pais do meu grande amigo de infância, o Horácio, que, vejo agora, herdou o nome de um dos tios.
Agradeço muito a contribuição que traz ao blog. Venha mais vezes, e que o seu exemplo seja seguido por outros, por todos os que têm coisas a dizer e a mostrar sobre Porto da Lage, as suas coisas, as suas gentes, de hoje, de ontem ou mesmo de amanhã, se quiserem e a imaginação também. Todos os contributos são bem-vindos. (MFM)





17 de setembro de 2016

Quinta de Porto da Lage *


Ao meu avô que aqui nasceu completam-se hoje 124 anos.

                                                                       Prólogo

A designação porto da Lagem aparece no século XVII associada ao seu moinho de fazer farinha. Sabe-se o nome do moleiro daquela época, da mulher, da data do baptismo dos filhos. O pequeno território, situado na margem direita da Ribeira da Beselga, ladeado  pela estrada real proveniente de Coimbra desde a ponte onde o Ribeiro da Longra desagua naquela Ribeira e o local onde a estrada se começava a afastar para Paialvo e deixava de ser termo de Tomar, tudo indica ser a base do que se passou a chamar no final do século XVIII, também, quinta de Porto da Lagem. 
De acordo com os registos paroquiais da freguesia da Madalena, no século XVIII verifica-se alguma vida social em Porto da Lage: os moleiros e família, os administradores e criados da “quinta” e mais, "os assistentes" e o pessoal de passagem pela estalagem que, sabemos, tem autorização de funcionamento em 1747 embora existisse antes. Assiste-se nesta época a grande confusão: indiferentemente se chama Quinta de Porto da Lage à propriedade de Manuel Pereira de Sousa – o Casal ou Quinta da Belida (ou Velida) - ou à Quinta de Porto da Lage ou moinho de Porto da Lage de Raimundo José de Sousa.

                                                               I
                                                       Os Sousa 

Raimundo de Sousa, natural de Paião, hoje Figueira da Foz então Montemor-o-Velho, terá herdado a quinta ainda criança, tendo, no entanto, apenas passado a habitá-la por volta de 1780, já desembargador aposentado, quando se casa. Dos seus numerosos filhos será o mais novo, João Manuel de Sousa, nascido em 1798, o que vem a ficar com a quinta. 
De João Manuel conhece-se além das datas de nascimento e da morte (1871) que terá vivido com falta de dinheiro (as hipotecas e as dívidas em dinheiro à Misericórdia de Tomar provam-no) e terá mantido relação marital com uma rapariga dos Vales, Maria José (ou Maria da Piedade) de quem tem quatro filhos e com quem casa em 1861, data a partir da qual legitima os filhos (até então expostos). Desconhece-se porque não se casou antes e mais, por que só legitimou os filhos sendo estes já adultos. Será coincidência mas o certo é que, pouco depois do seu casamento, um cunhado, um tal Bacalhau irmão da agora mulher, lhe paga uma avultada hipoteca. Concluir que o pagamento desta dívida terá servido, também, para pagar a moralização da família é especulação que abonará pouco o carácter do senhor, que já Lá está há muitas décadas, pelo que ficaremos por aqui. Mas que a coisa está mal explicada está.
Dos quatro filhos é sobejamente conhecido João Maria de Sousa (n.1836), o médico e historiador, cujo nascimento a tradição atribui ter sido em Porto da Lage, o que eu acredito embora nenhum dos documentos relevantes da sua vida o ateste; consta como nascido em Tomar (o que fará sentido pois foi baptisado como exposto em S.João Baptista) no assento de casamento, e como nascido em Paialvo na certidão de óbito. O seu irmão Henrique será o primeiro chefe da estação de caminho-de-ferro de Paialvo, não tendo as duas irmãs, Maria da Conceição e Margarida da Glória, que se saiba, algo que se destaque nas suas vidas.
Após a morte de João Manuel, a viúva e três dos filhos continuam a morar em Porto da Lage, enquanto João Maria, casado, vive em Tomar, até que, em 1879, a família decide vender a quinta. Após a morte da mãe, que terá ocorrido cerca de 1893, tem-se notícia que Henrique é funcionário das alfândegas no Porto e as irmãs vivem em Coimbra, enquanto João Maria permanecerá em Tomar até à sua morte, que ocorrerá em 1905. Por essa época já terá acabado, de vez, a ligação da família Sousa a Porto da Lage. Por aqui viveram pouco mais de cem anos.

Jornal "Emancipação" -28.12.1879

                                                                II
                                                    Os Sousa Rosa

Em 1883  Manuel de Sousa Rosadono da Quinta da Belida,  compra uma propriedade rústica e urbana denominada Quinta de Porto da Lage, próxima à estação da via férrea de Paialvo, na freguesia da Madalena neste concelho [Tomar], que consta de terra de semeadura, vinha, uma morada de casas e diversas acomodações agrícolas e um moinho ou azenha na Ribeira, confrontando a Norte com António Gonçalves, Poente e Sul com estradas, Nascente ...  pagando um conto dezasseis mil seiscentos e trinta e dois réis aos vendedores e ficando com o encargo da hipoteca à Companhia Geral do Crédito Predial Português no valor de um conto, novecentos e oitenta e três mil trezentos e sessenta e dois réis.


Assinaturas do representante dos vendedores e do comprador, na escritura de compra e venda  da Quinta de Porto da Lage.


     A propriedade rústica e urbana denominada Quinta de Porto da Lage, conforme consta da escritura que transcrevemos, para além de não ser um corpo, pois tem três números matriciais, também, pela forma como é caracterizada - "propriedade denominada quinta ...",não parece ser, "institucionalmente" uma quinta, antes se chamará assim por tradição e hábito. A "quinta" também é mais pequena do que se julgaria, pois alguns terrenos contíguos, embora do mesmo dono, não fazem parte dela. É o caso de uma terra de semeadura com árvores denominada a Carreira separada da quinta pela estrada, que Manuel de Sousa Rosa também compra  e que consta da mesma escritura da quinta. Igualmente a casa que, suponho, terá sido a antiga estalagem não integra a quinta, continua na posse dos Sousa e só será vendida a Faustino dos Santos em 1893 para que este nela instale uma taberna, permanecendo os antigos donos ainda com o pátio mas comprometendo-se a não o utilizar de forma a fazer concorrência ao negócio de Faustino! 
Outro caso é aquele em que, em 1884 um tal Bernardino dos Santos Carneiro, de Lisboa, comprara à família Sousa " um talho de terra de semeadura no sitio limite da Quinta de Porto da Lage em cujo terreno está construído um prédio com fábrica de destilação e adega e mais arrecadações que confronta a norte e poente com a estrada .... a nascente com o ribeiro".Esta propriedade (1)será também comprada, em 1895, por Manuel de Sousa Rosa e por um tal Sousa, da Beselga. 
Aquele Bernardino teria também vendido, a Manuel Mendes Godinho, um ano antes, o armazém que conhecemos hoje como "da União Fabril" o qual, atendendo à data que ainda ostenta, deverá ter sido comprado por si, Bernardino, cerca de 1877, à família Sousa, também ele não fazendo  parte da quinta, conforme está comprovado.
Estranhos contornos tinha a famigerada quinta!
Manuel de Sousa Rosa e a mulher são agora donos e senhores da chamada Quinta de Porto da Lage e de alguns terrenos adjacentes, da Quinta da Belida e de outras fazendas avulsas dispersas pelas Sobreiras, Gaios, Galegos,etc. São grandes lavradores à moda antiga, com grandes olivais e figueirais, terras de semeadura, vinhas e hortas na várzea da ribeira, mas será que os tempos ainda correm de feição para quem só depende da agricultura e pretende deixar este modo de vida aos filhos? O casal pensa que sim e quer ajudá-los proporcionando-lhes já os meios necessários enquanto são novos, pelo que em 1894 faz uma escritura de doação de parte dos seus bens, entre eles a quinta de Porto da Lage, a quatro dos seus sete filhos: Manuel, Maria José, António e João, sendo que os dois primeiros já viveriam na quinta desde 1886, no valor de 750 000 réis para cada um (420 000 euros?). Mas os seus planos saem gorados, afinal os tempos, e os planos dos filhos, já são outros.
O filho João, a quem calhara a “fatia” correspondente ao moinho, poucos meses depois vende  a sua parte ao irmão Manuel e ao sogro Manuel Mendes Godinho. O que terá pensado (e até dito!) o pai desta apressada vontade do filho se desfazer do que lhe fora oferecido, embora enterrado nos segredos do passado, pode imaginar-se! enfim, pelo menos a cidade de Tomar terá lucrado com o desplante (seria graças a isso que foi financiada aquela a que hoje se chama Casa dos Tectos?).
Contas feitas, a antiga quinta, e só essa, passa a estar, nos finais do sec.XIX, dividida entre Manuel de Sousa Rosa filho, Maria José casada com Augusto Mota e Manuel Mendes Godinho, cujo filho construirá o casarão cujas ruínas ainda são bem visíveis, presumindo-se que Manuel de Sousa Rosa tenha conservado ainda alguma parte, como a "morada de casas" pois será uma outra sua filha, Ana, quem as virá a possuir (doação posterior ou herança). As propriedades resultantes da divisão da quinta deverão ter sido, então, sujeitas a novos registos cadastrais, os quais, por sua vez, serão subdivididos na geração seguinte (só a parte de Augusto Mota terá sido dividida em outras quatro ou cinco partes), forma em que permanecem, acho eu, até hoje. A Quinta é uma memória.  Os descendentes de Manuel de Sousa Rosa, casando entre si, trocando e vendendo entre si, vão preservando, embora divididos, a maioria dos terrenos da antiga quinta até aos anos oitenta do sec. XX, período a partir do qual começaram a alienar os bens. Mais cem anos.                                               

                                                              Epílogo 

 ... ao contrário dos Sousa, que desapareceram da face de Porto da Lage, os descendentes dos Sousa Rosa, o sobrenome actual não importa, ainda se agitam por ali, em corpo ou em espírito, fixos ou nómadas, almas errantes estrebuchando, aflitas, à procura das raízes. Se alguém, depois de 2080, continuar esta história que diga o que lhes aconteceu. (MFM)

(1)- onde fica, quem sabe?

16 de agosto de 2016

Com Moscas há 150 anos


Este blog está às moscas já há algum tempo, é verdade. Mas não é para suprir ou penitenciar-me desse vazio, em que as ditas são metáfora na expressão, que por aqui passo hoje. É para me queixar delas, das próprias, em carne e osso, do insecto, que nos trespassa com seu estilete até ao cérebro, nestes dias em que os 40 graus nos deixaram e elas revivesceram, vindas sei eu lá de onde as moscas se escondem, quando a canícula parece ser, também para elas, insuportável. Findos os trópicos, chegadas as moscas! Não há sossego neste Verão incendiário!
Mas como em tudo, até para ouvir sobre ferroadas de moscas, é preferível deixar falar quem sabe, do assunto e da língua portuguesa, calo-me e deixo-vos com o Mestre. Que há precisamente 150 anos, a 16 de Agosto de 1866, sofrendo naquele ardentíssimo mês, do calor e das picadelas das moscas desejava ser elefante para em cada ruga do seu coiro as entalar e esmagar!
Deleitem-se com este belo naco da  maravilhosa prosa de Camilo Castelo Branco, o qual, tal como afirma sobre o Padre Manuel Bernardes, faz da língua portuguesa a mais graciosa do mundo. (MFM)







Uma pequena adenda, em exclusivo para os Mota: no mesmo dia em que Camilo, invectivava as moscas, este nosso avô festejaria o seu oitavo aniversário dando murros e bofetões às ditas que sobrevoavam naqueles tempos o Paço da Comenda?