Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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17 de março de 2022

Melhor do que nós

 

Porque há pessoas que dizem o que pensamos das coisas melhor do que nós, do que eu de certeza.



12 de março de 2022

Apocalipse

 



" Peste, Guerra, Fome e Morte. O livro de São João de Patmos, “Apocalipse”, descreve-os por esta ordem, após quebrados quatro dos sete selos do pergaminho de Deus. Já Daniel havia profetizado o mesmo, e tudo se conjuga para um local, o Armagedão, onde as forças do bem e do mal têm a batalha final. Bem sei que pode parecer que acredito nesta história de forma literal. Mas não deixa de ser curioso que esta guerra se segue e sobrepõe à peste (covid). Embora, ....., eu seja pessimisticamente otimista sobre o desfecho da guerra, a sua continuação levará, sem dúvida, à escassez e à fome; falta a morte, para completar o quarteto fúnebre. E essa já por aí anda, com a peste e os bombardeamentos. Só não se perfilou ainda um Armagedão metafórico para a triagem entre justos e injustos."
                                                     
                                                                                          Henrique Monteiro- Expresso 11.03.2022

11 de março de 2022

A Memória

A memória, afinal é a sensação do passado… e toda sensação é uma ilusão.
Fernando Pessoa


Eram assim os talheres em Porto da Lage!
E eu tinha-me esquecido! Como é possível?

Não há nada mais relapso do que a memória. Atrevo-me mesmo a dizer que a memória é uma vigarista, uma emérita falsificadora de factos e de figuras.
Nelson Rodrigues


7 de março de 2022

Poema da Morte Aparente




Nos tempos em que acontecia o que está acontecendo agora,
e os homens pasmavam de isso ainda acontecer no tempo deles,
parecia-lhes a vida podre e reles
e suspiravam por viver agora.

A suspirar e a protestar morreram.
E agora, quando se abrem as covas,
encontram-se às vezes os dentes com que rangeram,
tão brancos como se as dentaduras fossem novas.

                                                                        (António Gedeão,1906-1997)

5 de março de 2022

Perplexidade





Oh Laurindinha,
 vem à janela.
Ver o teu amor,
que ele vai p'ra guerra.

Se ele vai pra guerra,
deixá-lo ir.
Ele é rapaz novo,
ele torna a vir.

                        (Popular)






Durante séculos, todos os séculos que nos precederam excepto os últimos setenta e cinco anos, a guerra fez parte da vida dos europeus ocidentais - era uma coisa tão real como qualquer outra que existia entre o nascimento e a morte de cada ser humano.  Contavam com ela, preparavam-se para ela, preveniam-se dela, rezavam para que não começasse, para que se mantivesse longe, para que acabasse. 

Depois, deixámo-nos disso, a paz passou a ser um direito, direito inquestionável como todos os que nos habituámos a desfrutar e todos aqueles que nos preparávamos para inventar. Passámos a ser pacifistas acreditando que tínhamos paz por causa disso, esquecendo que só a tínhamos devido aos lados contrários que mandam neste mundo possuírem cada um  armas atómicas. 

E não é que ignorássemos as guerras que ininterruptamente nasciam e continuavam sobre a Terra, as guerras "normais" dos nossos tempos, aquelas a que estamos habituados e sobre as quais temos sempre na ponta da língua as nossas abalizadas opiniões, as nossas verdades e os nossos culpados do costume. As guerras que têm como razão dissensões civis, regionais, religiosas ou étnicas que se costumam passar em locais remotos, nem sempre fisicamente longe, mas sobre os quais nada sabemos nem nos interessamos, até mesmo na Europa mas que já foram há mais de trinta anos, onde é que isso já vai, e eram nos Balcãs "entre eles" e "lá com eles". E aquelas que são causadas pela retaliação e invasão por parte de grandes potências devido a ataques que lhe foram feitos e as provenientes da eterna disputa de territórios de que a gente já nem se lembra de como principiaram, como entre a Palestina e Israel. 

Mas esta semana chegou a guerra. A Guerra porque sim, porque um império resolveu invadir injustamente um vizinho mais fraco que não alinhava consigo e cujo espaço ambicionava, como aconteceu nas duas guerras mundiais do sec. XX, como aconteceu com Napoleão e como sabemos ter acontecido ao recuarmos por essa história além. E ficámos sem palavras, sem justificações (os comentários do costume parecem gastos e sem sentido) porque as receitas velhas não se adequam.

Há dois anos a Pandemia deixou-nos chocados pela surpresa, tal o credo que professávamos com toda a fé, de que era uma questão de tempo até a ciência e o progresso tecnológico   nos fazerem vencer a própria morte.

Hoje, esta guerra que escapa a todas as explicações conhecidas, causa-nos, digo-o consciente do abalo que posso causar às almas sensíveis, mais perplexidade que horror. 

Talvez tenha chegado o tempo de abandonarmos as nossas verdades e recomeçarmos a ter dúvidas. (MFM)


23 de fevereiro de 2022

Despu(dor)



Senhor, já que a dor é nossa
E a fraqueza que ela tem,
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguém!

Fernando Pessoa



Nos nossos dias a quadra acima é um anacronismo. Estou mesmo em crer que se o/a povinho/a woke não fosse ignorante e a conhecesse já a teria acrescentado ao index, a queimar nas anunciadas próximas fogueiras, por descriminação às lágrimas e maleitas expostas. Mas, porque acredito que ainda há gente como eu que foi criada a ter pudor de mostrar o sofrimento e a lamber as feridas, as do corpo e as outras, sózinha, aqui a deixo enquanto posso. (MFM)

26 de janeiro de 2022

Antecipei-me

 

Nota Preambular - Se têm mais que fazer não leiam o que segue. Esperem pelo próximo post que é, de certeza, melhor. Este não passa de uma chocha peça de diário que a autora achou por bem pôr aqui, para cumprir calendário.



No domingo fui votar. Nem sempre voto e não me arrependo nada de quando não o faço, mas desta vez queria fazê-lo e vendo todos à minha volta a cair que nem tordos mercê do vírus, pus-me a temer, supersticiosamente, que o desgraçado ainda me ia impedir de contribuir para salvar a Pátria agora que isso se me tinha metido na cabeça, que corri a ver se o fintava. Consegui, agora pode o dito atacar-me à vontade que a asneira, ou não, já está feita.
E lá estive na Cidade Universitária, calhou-me a secção de voto na Faculdade de Direito. Senti-me em festa. O que é a gente sair da rotina. Nesta minha vida, quase toda a votar, fi-lo apenas em três sítios. Uma monotonia tão grande que, aparte a primeira vez e o ano passado (em que me senti medievalmente empestada ou leprosa tal a enérgica -para ser simpática- patrulha higiénica a que fui, eu e todos, submetida-mantém a distância, agora não entra, já pode entrar, chegue-se para trás, lava as mãos, não toca em nada, ajuste a máscara, lava as mãos …), nunca me deixou recordações. Nem olhava à minha volta, punha a cruz (quando punha) e vinha-me embora. 
Desta vez, porque o lugar era outro e novo, porque o dia estava frio e lindo, o céu era o azul de Lisboa e a relva era verde, senti-me bem e reparei no que me rodeava. Todos conhecem a Faculdade de Direito de Lisboa, o hall de entrada do nosso presidente como ele já fez questão de mostrar ao país. É um edifício do Estado Novo (com um acrescento contemporâneo por detrás dele de valor arquitectónico assinalável que dá pena estar escondido) que, como todos as daquela época está construído de forma a a luz entrar magnificamente por ele dentro. Naquela manhã, então, estendia-se um tal esplendor de claridade por aqueles corredores largos afora que nem se dava conta dos quilómetros que se tinha que percorrer para alcançar, enfim, a mesa de voto pretendida. Lá, quase chegada, impunha-se a obrigatória e demorada fila. Não que houvesse qualquer obstáculo humano pelo caminho, a controleira fúria sanitária já está out e sabemos como este povo detesta estar fora de moda, acontece porém, como vi depois, que no voto antecipado há a acrescentar ao preenchimento do boletim de voto o metê-lo dentro do envelope branco, o qual segue para dentro de outro azul, que, por sua vez, se entrega na mesa onde  lhe é colocado no rosto a nossa identificação e só então toda esta gorda papelada se introduz directamente na urna, que permanece aberta, pois não cabe na ranhura. E, claro, isto leva o seu tempo, o pessoal, os votantes e o da mesa, já tem a sua idade, o boletim de voto tem vinte (vinte!) siglas apertadinhas, é necessário pôr os óculos, procurar o que se quer e esperar que se tenha escolhido o quadradinho certo. Se houve engano, antes a Covid, caneco! 
Bom, eu falo nos votantes, mas está errado, foi as votantes, aqui seria um sitio onde a gente da ideologia de género diria que só havia votantas. Mercê da seriação alfabética a minha secção, a anterior e a seguinte era formada por Marias. E assim sendo, dada a ostracização a que este belo nome foi lançado durante décadas, depois do seu largo domínio, e por as suas novas detentoras ainda não terem chegado à maioridade, os senhores calcularão a média de idade das Marias em presença. Mas a verdade é que, havendo embora muitas amparadas por familiares, outras com bengalas e duas em cadeiras de rodas, em geral estávamos bem. Capazes mesmo de andar num virote de fila para fila por culpa do excell. Eu por acaso acertei logo à primeira na minha secção de voto por, nas últimas eleições, já ter passado pelo meu único vexame em votações. Depois de uma vida a pensar que sabia o abecedário, de fazer parte de listas, de pautas de exames, de concursos, do diabo a sete, sei lá!, e portanto de estar convencida que o meu nome era anterior, alfabeticamente, ao do das Maria do Rosário não é que sou mandada embora, já de cartão de cidadão na mão pronto a entregar, de uma mesa de voto por o meu lugar não ser ali? Pois não era não senhora, a última pessoa daquela secção era a Maria do Rosário …. conforme estava escrito lá fora, não tinha eu lido? Pois tinha e por isso ali estava, o F era antes do R, não era? Mas qual R, o nome a seguir ao Maria era o D, não estava eu a ver? Mas qual D? o do? mas isso era uma preposição, não era um nome, tentei eu ainda, agarrando-me aos meus resquícios de gramática. Aí o senhor, benza-o Deus, não teimou, apenas arrumou, informou-me que o computador era assim que ordenava as pessoas. E eu, sem argumentos face a tal pesadíssimo facto, fui-me para onde pertencia. E aprendi. Desta vez já eu sabia que estava atrás de todas as M. do… ,até à Maria do Zorro, se a houvesse. Mas nem todas as minhas congéneres estavam sabedoras desta alteração civilizacional e daí andarem indignadíssimas, obrigadas a passar do início de uma fila para o fim de outra, num corrupio pela Faculdade de Direito. Diga-se que o sítio até nem era mal-azado para resolver o caso, podia-se mesmo ir ali à frente, a Letras, pedir ajuda técnica, não fosse ser domingo.
Outra coisa que reparei, ali nas filas do corredor e depois cá fora na Alameda da Universidade, foi que o povo não perfilhou esta modernice de antecipações. Sensato como é, o povo desconfia. Num país onde nada se faz sem atrasos nem delações, não parece lá muito sério nem legal, muito menos português, fazer-se uma coisa, ainda por cima antecipando-a, com o pretexto de se facilitar a vida às pessoas. Esta razão, então, o povo achou que é um atentado à nacionalidade, mesmo à identidade portuguesa. Não se manifesta porque, lá está, é sereno, e porque, claro, não acreditou. A razão para as antecipações ainda está para se saber, mas o bom povo, de pé atrás, não alinhou. Como é que eu sei que o povo estava ausente? Vendo e ouvindo, ora essa. A populaça é transparente e não se esconde, onde está mostra dignamente a sua presença. E pelo menos aqui na Cidade Universitária não estava, isso vos garanto eu, mesmo que à primeira vista o parecesse. Dou um exemplo. No corredor, enquanto esperava vi uma senhora distintíssima muito alta e muito velha, de belos cabelos louros e capa de caxemira creme com gola de raposa, que dir-se-ia estar acompanhada, não propriamente pela empregada,  mas pela mulher que lá vai a casa fazer umas horas de limpeza por semana. Na conversa entre as duas, queixava-se esta última do frio enquanto tentava infrutiferamente juntar as duas bandas do esgaçado anoraque acolchoado sobre o peito, usando roupa que, com boa vontade, lhe terá servido três números abaixo há muito, muito tempo, e uns sapatos que o passar dos anos fizera confundir com os pés mostrando todas as protuberâncias destes. Mas nada mais errado do que confundir esta personagem com o pessoal doméstico da senhora da gola de pele, aposto com quem quiser que se trata de alguém que veio há cinquenta anos de Trás-os-Montes para Lisboa estudar Química e é agora professora emérita da Faculdade de Ciências. Ninguém como esta gente para mostrar que o hábito não faz o monge. Digo-vos eu que tenho experiência. Há anos deixei um colega sozinho a fazer as despesas de conversa com uma conhecidíssima sumidade ao tempo directora de uma Faculdade, porque não consegui parar de contar os buracos que as traças tinham feito na eslavaçada (aqui no sentido tomarense de ter sido lavada cem vezes mais do que a garantia permitia) e outrora branca T-shirt que a doutora trazia vestida.
Em suma, e concluindo, por toda a Cidade Universitária, por uma vez, a burguesia imperou. 
Passeou pelo relvado com carrinhos de bébé e com os avós, jogou à bola com a prole, sentou-se no chão, bebeu água da garrafa e comeu um bolo, tal qual os sindicalistas no Primeiro de Maio. Como é igual esta humanidade! Também casais do mesmo sexo, sozinhos ou trazendo à trela pequenos bull-dogs, tomavam sol deitados na relva (sobre isto vão-me desculpar mas tenho que fazer um parêntesis e desabafar, digam o que disserem, mesmo quem tem preconceitos guarda-os para si, já ninguém hostiliza e a maioria aceita, por isso é mesmo necessário os meninos fazerem tanta questão em mostrar quem são, pondo os pés nus dentro das sapatilhas, debaixo das calças curtíssimas a ponto de ficarem com os tornozelos tolhidos e roxos de frio? Pela vossa saúde cresçam que já têm idade para ter juízo, percebam que o resto do mundo quer lá saber com quem se deitam mas que fica arrepiado só de ver os vossos pés gelados e calcem lá umas meias quentinhas!). Até aquela burguesia que a gente não vê todos os dias, que se fecha em casa, ou anda sei lá, pelo estrangeiro, pelas quintas ou assim, apareceu. Depois, aquela que pasta pelo Corte Inglês, pelo CCB e Gulbenkian era aos montes. Veio de carro como não podia deixar de ser, adoram andar de carro pela cidade ao domingo quando “não anda ninguém”, engarrafaram toda a Alameda e viram-se gregos para arranjar lugar, deixaram a avó entrevada à porta da Faculdade de Psicologia com os miúdos que andaram para deixar cair a senhora, foram pôr o carro no Campo Grande e andaram mais a pé do que se tivessem vindo directamente das Avenidas Novas onde moram. Peripécias que fizeram o casal discutir o que, espero eu, não os tenha perturbado a ponto de confundir a Iniciativa Liberal com o Livre ou vice-versa. A propósito, nada do que eu disse indicia o sentido de voto. Que esta gente terá o mesmo berço (mais geração ou menos geração a diferenciá-los) é inegável, que está ligada às mais variadas fichas ideológicas também. Há os conservadores puros, os liberais puros, os assim-assim, os socialistas, a “esquerdalhada” que costuma ser filha de conservadores e pai de jovens conservadores, as tias fúteis, as tias caridosas e empenhadas socialmente, os católicos, os intelectuais, as intelectuais, que costumavam votar só esquerda, mas parece que agora já não é bem assim, etc, etc. Toda uma panóplia de gente que constitui uma fatia da sociedade portuguesa que, coitada, na generalidade, não faz mal a ninguém, mas que é a mais gozada e maltratada por todos, incluindo pelos seus próprios membros, como é o caso, por ser dela que emana todo o mal que nos atravessa. Mas, como o hipotético bem parece que também não tem  outro lugar de onde venha, que o Senhor inspire os escolhidos e nos guarde a todos nós. (MFM)

 









A sala do voto com o respectivo quadro
(todas têm um) alusivo aos fazedores
ou executores da Lei.


22 de janeiro de 2022

Paialvo


Paialvo é um dos meus pontos de passagem quando vou de Lisboa para Porto da Lage. Se quero evitar a velha estrada ferozmente curvilínea de Torres Novas, o caminho mais aprazível, que junta a alguma planura solitária do Ribatejo  a beleza bucólica dos lugarzinhos de floridas casinhas bem arranjadas,  é aquele que passa por Atalaia, Carrazede e Paialvo. Como os caminhos escolhidas pelas antigas gerações demonstram, a passagem por Tomar é absolutamente dispensável.
Será essa razão pela qual apenas no sec. XIX, e apenas também por uma decisão administrativa,  as localidades  desta freguesia passaram a fazer parte do concelho de Tomar? Essa ou outra, o que me parece é que esta cidade e a ruralidade sob a sua administração (e aqui refiro-me a todo o concelho) não vivem exactamente no mesmo mundo,  tendo os mesmos interesses e auferindo das mesmas regalias. Por motivos que têm a ver com a resolução de problemas administrativos e civicos (serviços camarários e mandar os filhos à escola, por exemplo) as populações não urbanas do concelho de Tomar  recorrerem  à sede deste por obrigação. De resto, para trabalhar, adquirir outros bens e até para nascer  servem-se de concelhos vizinhos. Mercê do comboio, o Entroncamento é outro exemplo, e vias rodoviárias razoáveis inter-concelhos, outras cidades ficam mais à mão. E a cidade de Tomar não me parece que se esforce muito para inverter este estado de coisas e estreitar laços com as freguesias rurais. Não falando já noutros aspectos básicos, pensemos no turismo, com uma economia quase só assente neste, a câmara empenha-se fortemente na sua promoção  na cidade mas descura completamente os arredores que apresentam potencial que outros concelhos, sem Convento de Cristo como bandeira, aproveitariam sem pestanejar. Tenho lido casos como este ou ainda este ou mesmo a nossa ribeira da Beselga que tem merecido alguma atenção no concelho de Torres Novas mas que está completamente descurada no de Tomar, quanto aos seus interesses histórico e ambiental, o seu leito é um imenso canavial que impede a simples visibilidade, quanto mais alguma observação monumental ou paisagistica, salvo nos locais onde os particulares limpam. São estes e algumas juntas de freguesia, os únicos que ainda se esforçam por manter viva a história das suas terras, honra seja feita ao blog conhecerfreguesialémdaribeiratomar e a este site da junta de Paialvo e acredito que haja outros de que não tenho conhecimento. Só me resta pedir que não esmoreçam, continuem e que outros mais se lhes venham juntar. (MFM)



Aguarela de Fernando Perfeito de Magalhães Vilas Boas  publicada em "Pelou
rinhos Portugueses" do mesmo autor e de Vasco da Costa Salema.



Foto de tempos idos. Hoje em dia este monumento
está restaurado assim como se encontram bem
recuperadas as casas à sua volta .





Nesta e na foto anterior:vindimas e procissão nos anos trinta do Sec. XX em Paialvo.

Nota: Imagens retiradas da net, sem alusão a identificação de autor.

11 de janeiro de 2022

História de Encantar


Vou-vos contar uma história passada num país muito velho, improvável e pachorrento onde cada um trata da sua casa o melhor que pode, com limpeza, eficácia e rapidez, mas, no que diz respeito à coisa pública, se faz muito pouca coisa útil e quando se faz é com muito custo e demora porque "as coisas não são assim", "tudo tem a sua complexidade e precisa de ser estudado", é necessário que a ideia seja minha porque se for do vizinho não presta e é mais importante perder tempo a brigar com ele do que avançar com o que importa a todos, e as mais das vezes não há dinheiro e quando há, e depois de parte passar para os bolsos de quem não devia, é preciso atravessar pântanos de paroquianismo, drená-los, contentar cada abadia com um bocadinho do bolo e, por fim, constatar que as partes depois de somadas são uma manta de retalhos, curta e que não aquece ninguém. É, em suma, assim e pronto. Se queriam melhor não tivessem inventado O Milagre de Ourique, Alcácer-Quibir, o fado e quejandos. Ah, ia-me esquecendo, a populaça não é parva, sabe com o que conta, isto é, não conta com nada nem com ninguém que faça alguma coisa que seja para seu proveito. Por isso, ai de quem, Deus Nosso Senhor o defenda, faça algo que não corra mal, que, helas!, faça bem feito o que devia. Está desgraçado. Ou é herói ou sobe aos altares ou perde-se a si mesmo. Se não morrer, evidentemente, que não é coisa que se deseje a ninguém, mas que dá a garantia de se viver para sempre. Como sucedeu com o da história que segue. (MFM)

Era uma Vez ...

Há muitos, muitos anos, corria o ano XL do sec. XX, numa cidade atravesada por um bucólico riosinho e sombreada por altivo castelo, corriam há muito as obras na ponte "viam suceder-se os Invernos sem que os trabalhos lograssem convencer da sua própria conclusão....eram muitos e justificados os queixumes que de toda a parte nos chegaram pedindo-se remédio urgente para tão momentoso assunto pois ...ninguém ignorava os prejuízos e transtornos que tal estado de coisas causava à vida da cidade , designadamente ao comércio local e à importante freguesia de Santa Maria dos Olivais ..."

Estava assim a população aperreada num "pesado cativeiro" (ler abaixo) sem se poder movimentar devidamente entre as duas margens, quando um dia, perdão, uma noute, precisamente pelas nove horas de uma noite de Outono "parou junto dos taipais do lado norte da ponte um automóvel donde rapidamente se apeou o sr. Engenheiro Duarte Pacheco ilustre titular do Ministério das Obras Pública e Comunicações ....que  não se deteve em considerações estéreis procedendo logo à inauguração da ponte sobre cuja faixa de rodagem ainda se encontravam uma série de utensilios e de cantaria e ordenou portanto a destruição imediata dos tapumes  que há muito estavam pondo à prova a resignação dos tomarenses.... a boa nova correu célere e dentro de poucos minutos uma multidão entusiasmada invadiu a ponte ajudando - sabe Deus com que íntima satisfação - a arrancar a malfadada vedação que durante tanto tempo se afigurou à cidade como as peias de um pesado cativeiro ....E por fim ... toda a gente que tinha assistido empolgada à inauguração da ponte não pode evitar um movimento institivo de alegria e gratidão coroando tal acontecimento com uma expontanea e vibrante salva de palmas..."  (extractos retirados da notícia do jornal abaixo mencionado)

Eis, mais uma vez, o povo no seu melhor! Verdadeiro herdeiro daqueles que ajudaram e aplaudiram delirantemente quem matou o conde de Andeiro, Miguel de Vascondelos e, nos nossos dias, ....

A ponte depois das obras.

Eng. Duarte Pacheco  (1900-1943) "Pessoa
eminentemente prática e de acção cuja interessante
 personalidade se caracteriza por uma robusta
capacidade de  trabalho e por um dinamismo que há
muito o impuseram à consideração do país como um
dos primeiros ministros da Revolução Nacional ..."


 
Jornal "Cidade de Tomar" 6-10-1940



9 de janeiro de 2022

Opinião de um Portodalagense I

 


Mortalidade colateral (não-Covid) em 2021 (confirmação) 

H. Carmona da Mota  Janeiro 2022 



Previa-se para 2021 um valor da mortalidade colateral (não-Covid) entre 11040 e 11880; foi de 10751 (97,4% do mínimo). Valores por milhão de habitantes (pM)


FIG 1


Tal como provei, em 2020 a mortalidade colateral (não-Covid) não foi excessiva e, como previ, também tal não aconteceu em 2021; foi mesmo muito inferior à de 2020 e até à de 2019. Os doentes não-Covid sobreviveram e o SNS tem resistido; até agora. 


FIG.2

Nota: A figura 2 (que substituí por demasiado tosca) mostra as curvas dos valores históricos máximos (azul) (R2 = 0,9823) e mínimos (vermelho) (R2=0,9935).


O valor de 2021 foi inferior ao mínimo previsto tanto pela tendência (modelo de regressão quadrática) dos valores dos 13 anos anteriores como também ao que augurei, extrapolando dos valores mínimos históricos e assumindo que a mortalidade de 2021 seria baixa, dado que a de 2020 fora elevada (segunda tese). 

O valor previsto não foi mau mas não suficientemente exacto pelo que houve que reavaliar a validade do raciocínio (a tese), os métodos usados ou os processos de contagem. A atribuição da causa de morte a pessoas susceptíveis (muito velhas e doentes) é difícil – morreram por Covid ou infectadas pelo SARS-Cov2 ? 

Tudo serve de pretexto aos velhos para morrerem e, mesmo assim, dissimulam
Augura Agustina, O Mosteiro. 

Presumo que muitas mortes de velhos em lares (40% do total nos primeiros meses) tenham sido atribuídas à evolução fatal das doenças de base (atribuição muitas vezes feita pelos próprios lares) e que esse processo tenha vindo a ser corrigido. Auguro que provavelmente hipercorrigido com a massificação dos “testes” - mortes atribuídas à Covid por terem “testes” positivos; mortes que sempre teriam ocorrido – qualquer gota de água faz transbordar este co®po. 


FIG.3







FIG.4

 A ser assim, (Fig 3-4) o valor correcto da mortalidade colateral (não-Covid) de 2020 teria sido inferior (↓) ao oficial, aproximando-se do valor médio calculado pelo método da regressão (tendência) (Fig 5) ao passo que o de 2021 teria sido superior (↑), (Fig 4) aproximando-se do limiar previsto pelos dois métodos (Fig 1- 2).


FIG.5

 Por fim, há que ter em conta que estes valores são sempre referidos à população portuguesa cujo número, nos últimos 4 anos tem vindo a aumentar por efeito da naturalização (R2= 0,9564) com uma proporção de velhos muito inferior à portuguesa.


FIG. 6

FIG.7


É a minha terceira tese que prego não na porta da igreja do meu castelo de Wittenberg mas à Porta Férrea da minha Universidade de Coimbra. 

a) ter em conta a projecção da tendência histórica e não a média dos últimos 5 anos.

 b) ter em conta a alternância de anos bons com anos maus. 

c) ter em conta a dificuldade em, por vezes, distinguir causa de coincidência. 


E, afora este mudar-se cada dia, 

Outra mudança faz de mor espanto: 

Que não se muda já como soía. 

Camões



4 de janeiro de 2022

Inauguração do Ramal de Tomar -1928

                           

                                                              Os Trabalhos



Testes na ponte sobre a Ribeira da Beselga








                                                                         A Inauguração










Representação tomarense que foi a Belém convidar o Presidente da República para a inauguração.







Chegada do Presidente da República e da sua Comitiva aos Paços do Concelho de Tomar.







"Entrega da Bandeira ao glorioso Batalhão de Caçadores n.º2 e oposição da Medalha D'oiro de "Valor Militar" na mesma bandeira, que foi conferida a esta unidade pelos valorosos feitos no Combate de Ma
rraquéne.
"






    

Menú do Banquete oferecido ao Presidente. "Roubei-o" do grupo do facebook
denominado "Freguesia de Paialvo" que informa que teria pertencido ao
Dr. Carvalho Dias morador em Lisboa e com família nos Pousos, o qual seria um dos
convidados do repasto, alguém conheceu?


30 de dezembro de 2021

Bom Ano Novo



"Paisagem de Inverno com esquiadores e armadilhas de pássaros", Pieter Bruegel, o Velho


"O Inverno do nosso descontentamento foi convertido agora em glorioso Verão por este sol de York, e todas as nuvens que ameaçavam a nossa casa estão enterradas nas profundezas do Oceano ...." 

                                                                                                    Ricardo III, William Shakespeare


A paisagem, "fofinha" de bilhete postal, bela, harmoniosa e superiormente pintada, retrata, ao que li de viés não tendo coragem para chegar aos pormenores, a montagem de uma cruel forma de apanhar pássaros. O início da tirada de Ricardo III na peça com o mesmo nome de W. Shakespeare, aparentemente um feliz anúncio de futuros dias radiosos, não é mais do que a forma escarninha de aquele anunciar sim, mas que se prepara para semear a discórdia como modo de obter o poder. Dois exemplos de duas obras-primas que nos aparecem muitas vezes, retirados do contexto, a significar o contrário do que originalmente queriam dizer.Virá daí, também, o génio das obras de arte? De podermos, a partir delas, “fazer as leituras" que quisermos?

Mas a que se deve toda esta conversa, tão despropositada quanto o estafado termo “fazer leituras”? Deve-se a eu ter achado que ficava bem pôr aqui uma paisagem cheiinha de neve para vos desejar um Bom Ano de 2022, como contraponto ao calor que se lembrou de nos acompanhar neste fim de ano. E então, lá fui procurar esta pintura de que sempre gostei, mas que nunca tinha estudado e depois, uma coisa leva a outra… E pronto, foi assim! Aprofundar as coisas não dá geralmente bom resultado. Desculpem. E façam por ter um Ano Novo com saúde, sem se preocuparem em demasia, lá está, sem irem muito ao fundo das coisas.. (MFM)



28 de dezembro de 2021

Nada de Novo Debaixo do Céu

 

      Há trezentos anos certos reinava em Portugal El-rei D. João V, chegavam regularmente carregamentos de ouro do Brasil, construia-se o Convento de Mafra e a Gazeta de Lisboa anunciava o décimo  aniversário da Senhora Infante Dona Maria, filha de Suas Magestades, que Deus os guarde, por cujo motivo houve beija-mão e gala no Paço. Mas aquele periódico, que recomendo a quem, como eu está farta do presente e que soube agora, graças à clarividência e generosidade do sr. Almirante, que o futuro ainda não se realizou (sic), declarações que ainda me empurraram mais para outra dimensão não sei qual mas qualquer uma diferente da habitada por estes índigenas, parafraseando quem já cá não está e faz muita falta, pois dizia eu, a Gazeta também nos dá notícias, naquele longínquo 5 de Dezembro de 1721, da peste que assola a França e do modo como a Grã-Bretanha dela se precavê. Leiam no original que é melhor e mais pitoresco. Mas se quiserem ortografia mais actual (embora não muito) aqui vai um excerto que nos mostra que, com excepção dos avanços científicos, não inventámos nada, mesmo nada, em França até já havia um Vice todo diligente como se quer! Ao contrário, retrocedemos. Onde está a vossa velha capacidade de planear, oh ingleses? Onde está o novo formulário de preces, como exigem as multidões carentes? (MFM)



....Quanto aos progressos da peste escreve Mons. de Quelús de Tarascon em data de 7 de Outubro que naquele distrito se não acham mais que algumas faíscas deste mal; e que está persuadido que se extinguiu de todo este veneno, que só havia dois ou três doentes em Salon o que ele atribui ao mau Regimento que tiveram; e que tinha mandado novamente expulsar as infecções das casas por meio de perfumes, que em Martigues havia três meses que tinham cessado as doenças e que tinha acabado a quarentena e que o mesmo tinha sucedido em Tarascon, por cuja razão se levantou o bloqueio e que se fez a vindima sem algum acidente mau, que em Aix devia acabar a quarentena em 10 do dito mês, que em Marselha tinha começado a sua; e Toulon faria brevemente o mesmo, com outros muitos lugares do seu termo, e que assim esperava ver restabelecida brevemente a boa saúde em toda a Provença, o que tudo confirma também Mons. Lebret em cartas de 3 e 6 de Outubro acrescentando as particularidades de que se acham sem doenças as vilas de .... .... Em Marvejois pelo parecer dos médicos está o mal na sua declinação porque se aumentava o número de convalescentes pois de 350 pessoas que estavam na enfermaria só cinco ou seis se achavam perigosas e de quatro até cinco (de Outubro) tinham só falecido três meninos. Na Abadia de Chanbom se tornou a acender esta epidemia falecendo o Prior em 24 horas e morreram depois dois monges, S.Genaix está muito mal e têm falecido neste lugar 40 pessoas. Em Mende desde 4 de setembro em que ali se declarou o contágio até 6 de outubro faleceram 182 pessoas em que entraram os dois últimos cônsules e tem havido dias em que adoeceram até 80 com bouboés e carbúnculos. As últimas cartas de Gevandan escritas em 23 de outubro referem que o contágio não é já tão violento naquela Comarca e que se espera que mediante o frio deste Inverno cessará totalmente o mal. Em Avinhão não é tão grande o estrago mas em razão das vindimas se dilatou o mal pelos campos vizinhos. O Vice-Legado mandou fazer uma quarentena geral que se começou com satisfação de todos os moradores, e se observa uma exacta vigilância, sendo ele mesmo quem vai por toda a parte dar as ordens necessárias.




.....El-rei querendo prevenir a comunicação do contágio nomeou a 20 deste mês (Outubro) um Tribunal composto dos membros do Conselho privado e dos médicos mais doutos desta cidade para ponderarem os meios mais convenientes de o evitar, e se expediram ordens para fabricar barracas na praia de Blackheath, junto a Greenwich, para se alojarem as tropas que devem impedir a comunicação com os Condados de Kent e de Essex, no caso que estas províncias, que são as mais vizinhas das costas de França, cheguem a padecer da desgraçada infecção. Este Tribunal se junta muitas vezes em conselho e tem proposto nele dar comissão a alguns cirurgiões e boticários para visitarem todos os corpos defuntos, em lugar das mulheres, que fazem esta função ao presente; e no caso que, não obstante todas as cautelas que se tomam, Deus seja servido afligir este reino com a calamidade da peste, se tem resoluto curar os infectos de um modo mui diferente do que até agora se usou na Europa, e em lugar de fechar ou tapar de pedra e cal as casas infectadas se levarão os doentes ao Piornal de Blackhear que é um sitio mui alto onde se armarão barracas para os curar e tratarão deles cirurgiões e boticários na forma de um Regimento feito no Colégio dos Médicos. Por ordem do Conselho se publicou um novo formulário de preces, que se deve ler em todas as Igrejas para implorar a Misericórdia de Deus para que nos preserve de semelhante castigo.







19 de dezembro de 2021

Feliz Natal



Agradeço-vos muito, a todos vós que não abandonaram este blog mesmo nas suas grandes ausências. Que o leram pela primeira vez ou releram a partir de todo o mundo, mesmo do "fim" do mundo (como é possível Santo Deus?) em número, por vezes, muito significativo. A todos um Feliz Natal com muita saúde, esperança e tranquilidade (o paradoxo actual é que a preocupação é redundante).

A foto deste ano, ao contrário do costume, é pessoal. A desculpa que arranjei  é que aquela conduziria a uma leitura de interesse geral, como se, querendo a gente, não fosse possível fazer leituras planetárias extraordinárias a partir de uma batata? Mesmo assim, cá fica a imagem da minha gente pequena na terra que o meu avô amanhou, sem mais leitura nenhuma. (MFM)

O chão é seguro e o céu  está limpo. Depois da sombra da
velha tília entramos, como sempre. 


             


10 de dezembro de 2021

Opinião de um Portodalagense

Do Expresso:

   "A questão do aumento ou não da mortalidade não-covid desde o início da pandemia é abordada neste artigo pelo médico e professor de pediatria (reformado) do Hospital Pediátrico da Universidade de Coimbra Henrique Carmona da Mota"

        Expresso | Não houve mortalidade colateral (não covid) excessiva em Portugal no ano 2020


Imagem retirada do artigo.


5 de dezembro de 2021

Era um bocadinho de elevação moral se fizesse o favor.


                                                                       - Vende-se aqui?





10 de junho de 2021

Camões e Esta Raça de Gente.

 






Hoje é o Dia de Camões, das comunidades e não sei que mais. Antigamente era o dia da raça. Acabou-se com isso por razões estudadas mas com o que não se acabou, e foi pena, foi com certa raça de gente. Que continua e de que maneira!
Um caso relacionado com o nosso vate, já que hoje é o seu dia:
Um exemplar desta raça de gente  diz: «Nunca li "Os Lusíadas". Não glorifico e não acredito na epopeia portuguesa». A gente lê isto e identifica-se (acho que se diz assim) logo com o personagem, é claro que não se esperava que lesse, se para quem sabe ler e consegue pensar,  a dita obra já não é fácil, fará para ... . Adiante. Passemos à segunda asserção proferida. Que mais havia o rapaz de apregoar para vender o que quer que seja que põe no mercado? 
Eu, a dizer a verdade, ando pouco a par com as cantorias produzidas hoje em dia neste nosso país de rouxinóis mas sei que há, pelo menos, duas qualidades das ditas. Aquela que a gente, se não se acautela e sintoniza qualquer dos canais generalistas ao domingo à tarde, ouve, mesmo surda como eu, música que é sempre acompanhada por umas meninas cuja função não parece ser, à primeira vista, cantar, e que põe todos os presentes, parvamente, digo eu, a rodopiarem doidamente,  mas que os faz feliz, dizem eles. Que assim seja. 
E há a outra música, séria e preocupada, com quê não sei, mas eu também sei muito pouca coisa, que aparece nos “jornais de referência”, na RTP2 e no Cabo, sempre com um “discurso” explicativo da obra criada, que, invariavelmente, pretende … tem como objectivo …constrói ou desconstrói, agrega sempre quem deve agregar, denuncia quem deve denunciar, e por aí fora.
Ora, nem precisava de o dizer, o exemplar em presença toca esta última música. E está, evidentemente, a cavalgar a onda do momento – denigre a “epopeia portuguesa” até ao limite de não acreditar nela, como se fosse uma questão de fé (ok, há pessoas que não acreditam que o Homem foi à Lua, está bem acompanhado). Curiosamente, diz ele seguir as pisadas de quem, há quarenta anos, defendia o contrário do que ele defende (?), mas aí a criatura não consegue chegar. “Por este rio acima” de Fausto (que hoje em dia já tem nome completo como os outros mortais), foi feito numa época em que a luta de classes ainda imperava e, portanto, o povo, mesmo o “povo português” ainda era digno e motivador de admiração, não era colonizador, muito menos esclavagista. Então já se contestavam os heróis individuais (que pertenciam à nobreza e burguesia, exploradores do povo) mas o povo não, o povo, personificado por Fernão Mendes Pinto e pelas figuras populares de Gil Vicente, era o herói das descobertas (que também não se crucificavam), que se viam, tal como Camões, nos Lusíadas, as apresenta, como a gesta de um povo. Mas, isso, claro, só se sabe lendo. Esta raça de gente não precisa de ler nem conhecer o que outros, antes deles, fizeram. Cria, escreve, pinta, compõe, de raiz. Porque o mundo nasceu no mesmo dia que eles.

Mas tudo isto é fruta da época, esta moda vai passar, e desta raça de gente, vai, um dia destes emergir nova vaga que destronará a vigente, não necessariamente para melhor. Embora não se alcance que pior poderá ser, digo eu prosaicamente, e não me tenho por optimista. 

Mas, melhor que ninguém, o diz o poeta:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

                          Luís de Camões



2 de junho de 2021

La Chair Anglaise


 .




… Em Inglaterra os porcos engordam na ceva do arsénico. Que fibras de raça aquela! É que a carne dum bretão diverge muito da carnadura da restante Europa. O antropólogo Topinard observou que a mortandade nos hospitais ingleses, em seguimento às operações cirúrgicas, era muito menor que a dos hospitais franceses. O sábio Velpeau, consultado pela Academia de Medicina, respondeu que «la chair anglaise et la chair française n’etaient la même». E não dá a razão da diferença, porque a não sabia o grande biólogo. Eu, na observância do ditame do Espírito Santo, pela boca do Eclesiástico — «não escondas a tua sabedoria» —, elucidarei o sr. Velpeau. A razão, a científica é esta: emborcações de bebidas ácidas, e mormente de cerveja, combatem, como coadjuvantes do ácido fénico, a gangrena; ora, o inglês, abeberado de cerveja, é refractário à podridão dos hospitais. Como se vê, desta causa tão óbvia um antropólogo é capaz de espremer assunto para volumes recheados de coisas abstrusas sobre etnografia, climatologia, morfologia, mesologia, o diabo.

Além da cerveja, a fibrina do porco, saturado de arsénico, entretecida na fibrina do inglês seu compatriota, faz dele um Mitrídates para os sais de chumbo diluídos no vinho do Porto*.
O inglês não pode morrer por ingestão alcoólica. Se quer suicidar-se com instrumento líquido, tem de asfixiar-se, afogar-se no tonel como o lendário lord. Ele é imortal, absorvendo; e só pode morrer - absorvido. Estranho animal! E é senhor das águas e das melhores garrafeiras!
O destino, pela tuba sonorosa de Camões, disse ao inglês: Entre no reino d’água o rei do vinho. (Os Lusíadas, Canto VI)
Que litros de porto envenenado se calculam eficazes para degenerar um bretão até à dispepsia e às agonias da morte?

                                                               Camilo Castelo Branco, 1884

                                                                               Vinho do Porto, Processo de uma bestialidade inglesa 

                                                                   


* sais de chumbo diluídos no vinho do Porto – alusão irónica “a uma calúnia inventada por ingleses em 1849 [que defendia que este vinho era empeçonhado por acetato de chumbo e outros tóxicos anglicidas] na qual colaborou um certo barão Forrester”, conforme explica o autor.