Panfleto anunciando o modo de apresentar denúncias e se fazer pagar por elas, 2 de Agosto de 1771. |
Em 1777 morre D. José e o Marquês
de Pombal cai, isso mesmo, cai do esplendoroso cargo para onde se tinha auto erguido.
E já vai tarde, mesmo muito tarde, digo eu que não gosto de tiranos de espécie
nenhuma, por mais laureados de “bom estadistas” que sejam. Não há cá reorganização
pós-terramoto, “Região Demarcada do Vinho do Porto”, retirada aos ingleses de privilégios
mal negociados previamente, nem estímulo à indústria que valham os métodos esconsos de governar, a tortura, a carnificina e a crueldade em geral, motivadas pelo rancor, pelo ressentimento e pelo
nepotismo. Para aqueles que consideram a morte dos Távolas e a expulsão de Jesuítas
como “ajustes de contas” entre poderosos, aceitando os factos como forma do
Marquês se afirmar e de retirar o país da “ nefasta influência” do ensino retrógrado da Companhia de Jesus,
direi, quanto a este último ponto que, atrasado ou não, era o único ensino
consistente que existia que não foi possível, por absoluta falta de gente
preparada, substituir, e nos lançou ainda em pior situação e mais completa
ignorância. Quanto ao resto, a vergasta do Marquês estendeu-se muito além dos
poderosos, colectivamente, os povos, como os de Vila Real de Santo António e da Trafaria sentiram morte pelo fogo e, individualmente, a arraia-miúda era posta a baloiçar, sem
apelo, diariamente, nas forcas improvisadas, que as prisões só tinham lugar
para fazer apodrecer a gente grande.
[permita-se-me, a propósito, declarar que, não fora o grande transtorno que me causaria haver agora trapalhadas
na rotunda, pois transito por lá todos os dias, e passaria a ter 16 elementos (consta
que tem 15) aquele grupo que pugna pela retirada de estátuas de figuras de que
não gostam, e lá iríamos nós clamar por “deitar abaixo o Marquês”, coisa
que, sem qualquer obstáculo, seria imediatamente ouvida e levada a cabo pelas instâncias próprias. Ou
então não, também tenho que pensar no interesse nacional, pois para onde é que o
povo iria depois pendurar-se para comemorar os futebóis? Estou num dilema, depois resolvo, vou
deixar o caso para a minha aposentação - ah, ah, ah! (desculpem, private joke).]
Yang girl reading, Jean-Honoré Fragonard, c. 1770 |
Com D.Maria I é aumentado o número
de cadeiras de Primeiras Letras e são
criadas as primeiras “escolas de meninas”
(dezoito em Lisboa que só foram plenamente concretizadas em 1815) mas a
dificuldade em recrutar mestres era crescente. Os nomeados eram poucos e alguns
recusavam-se a sair de Lisboa, um edital publicado pela mesa Censória de 15 de
Março de 1780 declara “ já passados seis
meses, que este Tribunal fez público em
Listas impressas, que se espalharão por todo o reino, o incomparável beneficio
que S.Magestade por sua Real Rezolução
de dezasseis de Agosto do ano passado, fez aos seus vassalos, creando
hum prudente numero de professore de Filosofia Racional, Rhetorica, Língua
Grega e Grammatica Latina e de mestres
de ler escrever e contar; E constando no mesmo Tribunal que muitos dos
sobreditos professores e mestres não tem tirado as suas cartas, quando o devião
fazer sem perda de tempo e conduzirem-se às suas respectivas terras, para as
quais forão nomeados, no que tem prejudicado gravissimamente ao Publico,
achando-se a mocidade sem professores e mestres que a ensine: manda a Real Meza que
todos os professores e mestres que se achão providos e nomeados para os
sobreditos empregos, dentro no tempo de sessenta dias, contados da data deste,
venhão tirar as cartas, para se hirem apresentar nos lugares que lhes forão
destinados e que não o fazendo se darão por vagas as suas cadeiras e escolas
para serem nellas providos outros professores e mestres”.
Decide-se, então, recorrer às
ordens religiosas para angariar mestres. No fim do ano de 1779 ‘foram citados os prelados Maiores de quazi
todas as Religiões [ordens religiosas] para nomearem doze até quinze de seus súbditos para Professores régios de
ler e escrever”.
Mas os pobres dos frades parece que
não tinham grande vocação para aturar meninos “nam sabião nada do que lhes mandavão ensinar e não tinhão paciencia
nem geito para semelhantes empregos” e alguns recusavam-se a ponto de os superiores
terem de empenhar a santa obediência para
os obrigar.
O presbítero Bento José de Sousa
Farinha (1740-1820) também mestre, é um feroz crítico desta medida e do funcionamento das escolas em geral. Diz ele que “a mocidade” que pretendia saber ler “ se via obrigada a sahir da sua terra ou do
seu lugar por calmas e frios. Para ir buscar o fradinho Leigo que está no
Convento fora do povoado e longe delle”, o qual fradinho “nunca teve curiosidade de aprender nem
paciencia para isso, e agora hum dia lhe nam aparece, outro lhe troca a
doutrina em conversação, outro o manda a recados, e negócios mais do seu
interesse”. Também o ensino da escrita e da ortografia se ressentiriam da
ignorância de tal género de mestre, o qual, “alem de nam saber nada de Ortografia, e Lingoagem portugueza, nunca soube
escrever nem aparar hua penna”, já que a caligrafia seria cultivada desde
há pouco tempo no nosso país e quem nela fosse perito não iria “fazer se frade leigo” ou professor
régio, havendo falta de bons calígrafos “noutros
empregos mais proveitosos e descansados”. O ensino da aritmética, seria
igualmente descurado. O professor não aprendera nunca ou já lhe esquecera a
tabuada. Facto ainda agravado pela sua situação de religioso, visto que “ pelo seu voto de pobreza tem horror a
contas, conhecimento e valor das moedas”
Também o ensino do catecismo era, surpreendentemente
votado ao desprezo. Sousa Farinha refere que o frade diz aos meninos que não é pregador
e remete-os “ para os Sermões da sua
Igreja trocando lhe por elles esta importantíssima lição, que he na verdade a
de q’ a Mocidade anda mais pobre e necessitada remetendo-se os pais aos
professores e estes aos parhocos, e os parhocos aos Pais e aos Professores”
ficando os povos neste “jogo de empurra”, “numa fatal secura e esterilidade de
doutrina, cheios de suprestiçoens e torpes erros de magica, e outras abuzões
semelhantes.”
[e nós, neste fatídico sec.XXI a pensar que tínhamos inaugurado este discurso “do empurra”]
Tal situação era possível,
segundo Sousa Farinha, pelo facto de não existir qualquer controlo real sobre o
sistema de ensino. Escrevendo, em 1784, ainda sob a jurisdição da Real Mesa
Censória, perguntava “ que cuidados” e “sentido” tinha ela posto sobre “a rezidencia, actividade, e zelo dos
professores nas suas Aulas, e sobre a freqoencia, aplicação e progresso dos
Discipulos? Quantas Aulas tem estado fechadas anos e anos, pagando se sempre
por inteiro aos Professores? Quantos destes foram logo desde o principio
reputados e havidos por inábeis, e por isso ninguém quis aprender com eles mas
todavia conservados.”
E Sousa Farinha critica igualmente as instalações das
escolas “Tem a nossa Mocidade as suas escolas
por tavernas, por loges de barbeiros,
por escritórios de escrivães e escreventes e até por cazas de jogo público
continuo”.
O funcionamento deste sistema de
ensino, inovador e inédito no mundo, não estava a começar lá de modo muito auspicioso.
Não havia professores, começava por não haver candidatos pois, apesar dos
requisitos serem mínimos, havia pouca gente habilitada e, aqueles que o estavam preferiam outras profissões mais bem remuneradas ou davam as suas próprias aulas
particulares, por vezes clandestinas. Porém, havendo candidatos, nem sempre
ocorriam as provas exigidas para os examinar por falta de quem o fizesse e
quando, finalmente, havia um professor pronto, habilitado e provido num lugar,
este, se lhe desse na cabeça, não se apresentava!
[Isto de ser Ministério de
Educação, ou quem suas vezes fizer, chame-se Real Mesa Censória ou Junta
da Directoria dos Estudos e Escolas, que passou a ser depois, nunca deve ter sido tarefa
fácil!]
Mas o mau funcionamento não se
devia só aos docentes, não! Então, como agora, sempre os dois outros lados do
triângulo presentes a aguçar o dentinho para pôr areia na engrenagem!
Ora vejamos: Em 1792, Jerónimo
Soares Barbosa, visitador das escolas de Coimbra, apresenta a “infrequência e
negligência dos discípulos” como causa do seu “atrasamento”, segundo aquele, os
pais encarariam a escola como um meio de terem os filhos ocupados sem se preocuparem com o aproveitamento [as coisas que se detectavam por aquelas épocas, credo!] Outros
pais, pelo contrário, desejariam ver os filhos instruídos, mas, não sendo
obrigados a pagar, era-lhes indiferente o número de anos que estivessem na
escola. Havia também os pais que só mandavam à escola os filhos nos dias em que
não lhes fizessem falta em casa para os ajudar.
Por todos estes
motivos, conclui o visitador, se verificava “a
pouca aplicação da mocidade os poucos progressos que nela se notam depois de
cinco, seis, sete, e mais anos de estudo nas escolas da comarca”. (MFM)
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