Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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11 de dezembro de 2017

As Escolas de Primeiras Letras II



Partida do Principe Real para o Brasil, Henry L'Eveque, 1812

Os ventos de mudança, lançados pelos filósofos das luzes e concretizados, primeiro na independência dos Estados Unidos da América e depois, mais profundamente, na revolução Francesa, começaram a afectar Portugal. Se directamente tal só se apercebia na constante vigilância da polícia às ténues manifestações da maçonaria e a tudo o que Pina Manique considerasse “inimigos da Religião e da Coroa “, indirectamente, o nosso país vê-se envolvido nas tramas internacionais que derivaram daquela revolução e que, por fim, levam a família real a fugir para o Brasil, em 1807.
Neste contexto pode adivinhar-se como terá corrido a governação das escolas de primeiras letras neste “reino sem corte”. Como exemplo diga-se que, logo na primeira invasão francesa, Junot, para fazer ocupar o Castelo de Lisboa pelas suas tropas, manda  “despejar” de lá a Casa Pia (criada em 1780 para recolha de crianças abandonadas, às quais se ministrava o ensino básico de que temos vindo a falar, a algumas, “com qualidade” as outras cadeiras e o ensino de ofícios às outras) lançando 600 recolhidos na rua, completamente abandonados.
É de assinalar, neste período, em 1815,a criação de escolas nos quartéis, ideia supõe-se que impulsionada por Beresford, destinada a instruir os militares portugueses“ O Príncipe regente N.S….. é servido mandar estabelecer uma aula de ler, escrever e contar, em cada corpo de infantaria, caçadores, cavalaria e artilharia do seu exército, e na real guarda da polícia de Lisboa; a fim de que se aproveitem delas os indivíduos dos mencionados corpos, querendo eles, e igualmente seus filhos, assim como os habitantes das terras ou bairros em que os mesmos corpos tiverem os seus quartéis”.
Devido à escassez de professores o método de ensino utilizado nestas escolas seria o de ensino-mútuo“ ou “método lancaster” aplicado ao ensino de alunos dispostos em grandes, diremos mesmo, imensas,  classes. O êxito destas escolas foi enorme, de tal forma que nas localidades onde existiam, as “escolas civis” ficavam desertas.
Neste âmbito, para que o ensino ministrado tivesse a homogeneidade pretendida, foi criada a primeira escola de preparação de mestres em Portugal – a Escola Normal de Lisboa abriu em Belém em 1 de Março de 1816.


Aplicação do método de Lancaster, de Giovanni Migliara Confalonieri e Pellico


Em 1820 estala, e triunfa no Porto, a Revolução Liberal e logo na proclamação que a Junta do Reino dirigiu aos soldados no dia da revolução (24 de Setembro) se dizia: ‘”A religião santa de nossos pais ganhará mais brilhante esplendor, e a melhora dos costumes fruto também de uma iluminada instrução até hoje por desgraça abandonada, fará a nossa felicidade e das idades futuras»
e a constituição daqui saída  exara nos últimos capítulos:
 Artigo 237.Em todos os lugares do reino onde convier haverá escolas suficientemente dotadas em que se ensine a mocidade portuguesa de ambos os sexos a ler, / escrever e contar, e o catecismo das obrigações religiosas e civis.
 Artigo 238. Os actuais estabelecimentos de instrução pública serão novamente regulados e se criarão outros onde convier para o ensino das ciências e das artes. :
Artigo 239. É livre a todo o cidadão abrir aulas para o ensino público contanto que haja que responder pelo abuso desta liberdade nos casos e pela forma que a lei determinar.»

Mas estas ideias generosas não têm concretização. A Revolução não trouxe estabilidade e às invasões francesas e à ocupação inglesa sucederam-se 14 anos de lutas internas  permanentes, sendo os últimos 6 anos (de 1828 a 1834) de regresso ao absolutismo sob a égide e D. Miguel. Por este período assiste-se à redução das escolas de primeiras letras de 900 para 550, parece que por motivos económicos.

Porém, instalado o Liberalismo, o que se segue também não é animador, a situação politica é instável, governos sucedem-se a governos numa velocidade perturbadora.
No que diz respeito ao nosso ponto, destacam-se Rodrigo da Fonseca Magalhães, que governa de Julho a Novembro de 1835, o qual decreta que a instrução primária passaria a ser “administrada gratuitamente a todos os cidadãos em escolas públicas e o método  geralmente empregue o do ensino mútuo”,  os professores deveriam frequentar as Escolas Normais entretanto criadas, sendo também criada uma rede de escolas que abrangia todo o país, a cargo dos municípios, os quais também recrutariam os professores. Mas logo o ministro seguinte Luis da Silva Mouzinho de Albuquerque suspende tudo “ficando a educação e a instrução pública no pé em que se achava anteriormente”. Passos Manuel,  que entra em cena em 1836 saindo logo no ano seguinte, e  que ficou célebre por ter criado os liceus, altera a reforma de Rodrigo da Fonseca  no sentido de as escolas primárias e os professores voltarem a depender do estado, não fazendo referencia a gratuitidade da escolaridade.  
Nestes períodos, a obrigatoriedade da escolaridade é sempre omitida, no entanto, tanto Rodrigo da Fonseca como Passos Manuel apelam a que os pais de família enviem os filhos à escola a partir dos sete anos instigando as Câmaras Municipais e os párocos a recorrerem a todos os meios para convencerem a família desse dever.

E, pelos nossos lados, o que estava a acontecer, em termos escolares? Consegui apurar, apenas, que por volta de 1779, no Convento de Cristo, em "cumprimento da obrigação do mesmo Convento" se ensinava a ler, filosofia racional e latim, o que significa que lhe tinha sido imposta essa obrigação anteriormente. Desconheço se a então vila teria sido, desta forma, contemplada com a "rede pública" de ensino ou se haveria, pelo concelho, outras escolas de primeiras letras.

Mas em 1840, depara-se esta notícia encontrada nos Anais do Município de Tomar:



A

 Junta da Paróquia da Madalena pretende o estabelecimento de uma cadeira de primeiras letras no lugar de Cem Soldos, o mais populoso da freguesia, a qual pode ser utilizada pelos povos limítrofes da freguesia de S. Silvestre da Beselga.


Não consegui apurar se a Junta conseguiu o lugar e, se sim, se conseguiram alguém para se sentar na "cadeira"!


E chega a vez de Costa Cabral que, tomando o poder em 1842, se dispõe a acabar, em 1844, com o analfabetismo obrigando os pais e tutores a mandarem as crianças à escola, sob pena de, não o fazendo, ficarem sujeitos, primeiro a aviso, depois intimação, depois repreensão e por fim a multa. Mas as excepções permitidas a esta determinação eram tantas, incluindo àqueles que “por excessiva pobreza não os pudessem enviar à escola” que deveriam abranger a maior parte da população.


E precisamente em 1842, o Orçamento da Câmara Municipal de Tomar, no valor de 1886$301 réis , prevê a contratação de 1 médico e um cirurgião do partido e 6 professores primários, dos quais 1 na Madalena e 1 em Cem Soldos.

O que quer dizer que, por este ano, pelo menos, ao contrário de outros, antes e depois, competia aos municípios o recrutamento de professores. Saliente-se, também, o número de lugares criados o que me parece, para a época, uma medida de grande alcance, embora, também aqui, eu desconheça se foram ou não ocupados. (MFM)


                                                                                                                      (continua)

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