(continuação, talvez seja bom reler o penúltimo episódio- nota do blog)
.....Só que já não ia a tempo (continuou ele como se nenhum tempo se tivesse passado), tinha caducado o alvará que me permitia ser inaugurador; como todos sabem, só podia valer, no máximo 100 anos, é como os casamentos.
A multidão suspirou uns imensos OHHHH e AHHH... aldrabão, mas não se percebeu o final. E ele continuou:
Ainda vim até ao marco tentar que me deixasse inaugurá-lo...
-Se estou há mais de cem anos para ser inaugurado, exijo uma banda e um Presidente, pelo menos, e claro, muito povo! DAQUI NÃO SAIO!
Fui pois até à capital tentar resolver o assunto nos ministérios.
Antes passei por casa, fui corrido por alguém que podia ser meu neto; que não me conhecia de lado nenhum, e que se eu era quem dizia ser, ainda me corria com mais gana, que a avó não se cansava de se queixar do marido que a tinha deixado sem sequer um “vou ali comprar cigarros”.
Dirigi-me então ao Ministério das Obras Públicas, um porteiro interpolou-me:
-Que deseja?
-Falar com o sr ministro, respondi.
-Tem audiência marcada?
-Mas é só para revalidar um alvará.
-Revalidações de alvarás não são aqui, talvez na Secretaria-Geral, isso fica na rua...
-Muito obrigado.
Ainda tentei demorar na esperança de me cruzar com o ministro... educadamente correu comigo.
Cá fora um guarda autuava o meu cocheiro por estacionamento indevido, e por o cavalo não usar fraldas; um cavalo que já vinha da monarquia, e queriam pôr-lhe fraldas? Não me contive e dei umas bengaladas no polícia. Fui preso. Pelo menos levaram-me à esquadra.
-Identificação?
-Fulano de tal, Ex-ministro das Obras Públicas do governo de Sua Majestade.
-AH-Ah-Ah, carregou numas teclas com letras e apontou-me para uma coisa que apresentava uma lista de ministros de Sua Majestade.
-O sr. é algum destes? Qual?
Apontei para o meu nome e ele rebolou a rir. Um polícia a rir-se daquela maneira desrespeitosa...
-Está a ver estes dois números debaixo do “seu” nome? Pois o primeiro indica-nos o seu nascimento, e o segundo, a data do seu falecimento. O sr, se é mesmo o sr. que diz ser, já faleceu.
-Pode lá ser, reconheço que andei pela província alguns anos, mas isso não é razão para ter falecido, para me darem por morto! E, fazendo as contas, até era bem vivo quando “me” faleceram. Presumo que a minha família tenha usado a faculdade legal de me declarar morto ao fim de 7 anos, na verdade esperaram bem mais.
-Olhe, quer que lhe seja honesto? Desampare-me a loja antes que o mande internar?
-Internar? Aonde? Eu só quero mesmo que me carimbem o alvará.
-Carimbo-lhe mas é a cara, ponha-se na rua.
E lá tive de sair, vejam como tratam um ex-ministro de Sua Majestade (felizmente não paguei a multa, agora usam uma moeda que desconheço; tenho de ir ao câmbio, mas primeiro tenho de ver se me pagam alguns contos de reis por conta).
Dirigi-me à tal rua supracitada em que ficaria a secretaria-geral, estava fechada, mas abriria daí a pouco; aproveitei para apreciar o trânsito, na verdade já quase se não viam carros de tracção animal. Pior, já nem cocheiros existiam; eram os próprios utentes que conduziam as carruagens; coisa mal pensada, as ruas estavam pejadas de carruagens paradas sem condutor. Se tivessem cocheiros, estes poderiam levá-las de regresso a suas casas enquanto os proprietários estivessem nos seus afazeres. Há deles que despendem mais de 10 horas diárias por Lisboa, vejam a quantas carruagens paradas isso corresponde; felizmente que já não têm cavalos; estariam a trabalhar?
Lá entrei, uma data de letreiros por cima de cada guichet, procurei, procurei mas nenhum vi que me parecesse corresponder às minhas necessidades, por falar nisso... não vou aqui falar nisso.
Escolhi um, quase ao acaso, na verdade escolhi-o por estar quase livre.
Esperei, esperei e por fim, lá apresentei o meu caso; a senhora que me atendeu, perguntou-me se já tinha assinado a declaração, que sem ela nenhum funcionário podia ser atendido. Bem tentei explicar-lhe que era só para poder inaugurar o marco.
Que teria de assinar uma declaração, tanto eu como o marco! (lm)
(continua)
(continua)