Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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4 de dezembro de 2019

As Senhoras Mouzinho


A minha mãe, nascida e criada no Bairro das Flores (o que ela referia com todo o orgulho mas que era motivo de brincadeiras para os filhos, como se tal fosse uma fantasia dela, pois, nas nossas vidas aquele nome já não constava da giria tomarense) costumava dizer quando alguém mostrava dúvidas sobre a sua própria aparência, para a convencer do contrário, que não, que até estava muito bem:
- Ora essa, até estás capaz de ir à mostra às senhoras mozinhas!
Para mim aquilo era um "dito" da minha mãe, coisa antiga, de Tomar concerteza pois nunca o ouvira noutro lado qualquer, e estava acabado. 
Mas, deparei com este opúsculo de Amorim Rosa, do qual extraí o que vai abaixo. Afinal o Bairro das Flores existiu mesmo (quer dizer, ainda lá está mas - desculpe mãe, a incredulidade desta filha parva! - só agora eu confirmo o nome) que tinha como limite a norte " a linda estrada do Prado, por entre um túnel de folhagem verdejante das copadas árvores que a extremam", passando pelas encostas da Senhora da Piedade e da Anunciada Nova, e terminava como diz o autor "em apoteose, perante a trindade que foi pelos séculos fora, o farol que ilumina a senda do progresso da nossa querida terra" que seriam a Igreja, o Municipio e Gualdim Pais.
Fiquei também a saber que as senhoras Mouzinho tinham sido ilustres habitantes do bairro. E assim comprendi que, por ser dali, a minha mãe conhecera,  por tradição, o legado da importância das "senhoras mozinhas" (com a alteração lexical que o tempo sempre opera) na apresentação do outfit (isto é para mostrar que sou actual e sei actualizar) das tomarenses e dos tomarenses (mais outro sinal do mesmo). 
Está tudo explicado! (MFM)


A casa das senhoras Mouzinho, à direita.


«Na segunda metade do Sec.XIX viviam naquela casa duas jovens senhoras que, ricas, nobres e prendadas, constituiam o que se chama um bom partido - talvez o melhor partido da terra.
Mas, apesar da concorrência de pretendentes, as duas senhoras continuaram solteiras e solteiras morreram de provecta idade.
Na sua juventude, todo o moço ansiava por lhes ser apresentado e, conseguindo, e a muito custo, tal desideratum, vestia-se a primor para tão grata visita. E o mesmo sucedia com as damas; que ser visita das senhoras Mouzinhos, não era para todos; e era de tom, nessa época!
Por isso, durante muito tempo - e não sei se ainda existem reminiscências desse hábito, quando se via alguém, janota e aperaltado, soia dizer-se-lhe:
- Vais à amostra às senhoras Mouzinhos?...»

(Amorim Rosa, Uma volta pelo Bairro das Flores, palestra realizada na Sociedade Nabantina em 18.11.1961 )


                                               
 Uma das senhoras em causa , em destaque na imprensa, recebendo "srªs hespanholas a 
tocarem piano e cantarem admiravelmente" em sua casa. A Verdade, 16.08.1885



P.S- As senhoras Mouzinho eram ascendentes da mulher do dr. João Maria de Sousa, Maria Ezequiel de Sousa Mouzinho.

                                   
 

1 de dezembro de 2019

Portugal



Hoje é dia 1 de Dezembro. O dia em que os portugueses de 1640 decidiram recuperar a independência de Espanha, ao contrário de 60 anos antes em que, salvo poucas excepções, se lançaram quase nos braços daquele país. O que os fez mudar, o que os ligava ou deixava de ligar à pátria portuguesa. E hoje, como seria? Os portugueses gostam de Portugal, gostam de ser portugueses? 
Como acontece muitas vezes, quando não se sabe, cita-se! E eu, hoje, socorro-me de Eça de Queirós. Criou ele duas magistrais personagens de portugueses, daqueles que, desde A.Vieira precisam de um mundo para viver e um pedaço de terra, a sua, para morrer.
O cosmopolita Jacinto, de A Cidade e as Serras, nado e criado em Paris, homem de cultura, possuidor de tudo o que a ciência e técnica já descobrira no seu tempo, vivendo, no entanto, neurastécnico, a "sofrer de fartura", resgata-se encontrando a alegria de viver em Portugal, na sua serra, que lhe mata uma velhíssima fome e de onde brota o vinho, o vinho que lhe entra mais na alma que muito poema ou livro santo. 
A outra é Gonçalo Mendes Ramires, da obra A Ilustre Casa de Ramires, rapaz elegante, instruido, formado em Coimbra, com talentos literários (escreve uma monografia medieval sobre um antepassado seu), de fidalguia remontando aos godos mas ... sem meios. Meios que lhe permitam seguir os seus sonhos e alcançar a vida que pensa "ser vida". Para o conseguir, por cobardia, por insegurança, comete actos algo infâmes, mas, apesar disso, a generosidade, a simpatia, o heroismo, de que dispõe, conseguem triunfar e redimi-lo.
Espero que os dois trechos que aqui trago,  para além de abrir o apetite para quem nunca  leu as obras completas ou para quem não as lê há muito tempo, vos reconcilie (andamos sempre um pouco zangados com ela, não é?) com "a terra formosa de Portugal, tão cheia de graça amorável, que seja para sempre bendita entre as terras" (MFM)




[Na cidade, no jantar de celebração do 35.º aniversário de Jacinto]:




[Nas serras, quando Jacinto chega intempestivamente, sem ser esperado]:










[Na quinta os três amigos comentam a próxima chegada de Gonçalo, de Moçambique]:










26 de novembro de 2019

80 Anos!





A inveja é um pecado! Certo!

Mas esta vitalidade, energia e talento são o quê caramba?

hAPPY


Happy Birthday  Tina!

Muitos, muitos mais anos a mostrar esta força a uma humanidade cada vez mais pusilânime!

Rolling on, rolling on the river!  FOREVER!

Tomar


 O portodalagense João Maria de Sousa (1838-1905), autor de Notícia Descriptiva e Histórica da Cidade de Thomar, dá-nos, neste livro, uma visão muito clara e objectiva da cidade de Tomar do seu tempo. 
António da Silva Magalhães (Tomar 1834 -1897) é igualmente um cidadão interveniente na cidade, o seu primeiro fotógrafo (contemporâneo e amigo de Carlos Relvas), editor, proprietário e responsável do jornal “A Verdade” (1880-1916), fotografou a sua terra,  as suas gentes e o seu património.

Os textos de um e os registos fotográficos de outro são uma imprescindível e riquissima fonte de informação sobre Tomar no final do século XIX. 

Ao nascente d’esta parte da cidade corre o rio Nabão e a Levada que a separam do outro bairro; por esta levada deriva a agua que vae servir de motor a uma fabrica de moagens, a antigos lagares de azeite e á turbina que transmite o movimento ao dymnamo para a luz eleclrica




...por esta levada deriva a agua que vae servir de motor a uma fabrica de moagens, a antigos lagares de azeite 





Seguindo a margem do rio para o norte corre uma avenida, denominada Marquez de Thomar, arborisada e ajardinada que vae desembocar na Varzea Pequena; esta obra de construcção moderna alem de aformosear muito a cidade collocou-a em melhores condições hygienicas, fazendo desappárecer d'aquelle local os recantos do rio onde se depositavam lôdos e immundicies que eram prejudiciaes á saude publica.



A ponte, anterior, com " guardas que eram de alvenaria cobertas de lages" ....


 ......recantos do rio onde se depositavam lôdos e immundicies que eram prejudiciaes á saude publica...

....para o norte corre uma avenida, denominada Marquez de Thomar, arborisada e ajardinada que vae desembocar na Varzea Pequena....


Liga-os [ao bairro de além da ponte]uma ponte de pedra não se sabe ao certo se mandada construir se reedificar por D. Manoel, mas ê muito provável que fosse reedificada; [...]; a ponte está realmente bem construida, [...] galga por sobre a Levada e o rio em arcos de cantaria de uma solidez a toda a prova, pois tem sempre resistido sem o menor abalo ao impelo violento de grossas enchentes, que muitas vezes leem saltado por cima dela em escarceus formidáveis sem que d’isso se haja resentido.

Esta ponte soffreu ha alguns annos uma modificação: as guardas que eram de alvenaria cobertas de lages foram substituídas, para lhe dar maior largura, por grades de ferro e n'essa occasião foi removida não sabemos para onde a imagem em pedra de tamanho natural de Santo Estevão que se achava sobre a do lado do sul logo á entrada, vindo de Alem da Ponte; é verdade que ella ameaçava desabar, porque a crença popular de que o pó raspado das pernas do santo curava as sezões. tinha-lhfas por tal forma adelgaçado, que mal podiam já sustentar o tronco


a ponte está realmente bem construida, [...]  em arcos de cantaria de uma solidez a toda a prova, pois tem sempre resistido sem o menor abalo ao impelo violento de grossas enchentes [...]sem que d’isso se haja ressentido


As guardas que eram de alvenaria cobertas de lages foram substituídas, para lhe dar maior largura, por grades de ferro.


Ao norte e de encontro ao primeiro pégão da ponte eleva- se o açude que deriva as aguas para a Levada e quando estas são em maior abnndancia d elle se precipitam formando uma bonita cachoeira, cujo sussurrar monotono e continuo é como um acompanhamento em baixo do trinar agudo dos rouxinoes, que durante a primavera soltam melodiosos cantos pousados nas flexiveis vergonteas dos salgueiros e chorões, que de uma e outra margem se baloiçam sobre o rio, dando áquelle local em noites amenas de maio ou junho um tom de suave melancholia, que altrahe e enleva.


....formando uma bonita cachoeira, cujo sussurrar monotono e continuo é como um acompanhamento em baixo do trinar agudo dos rouxinoes ....



Transpondo esta ponte, do poente para o nascente, entra-se em uma rua denominada Marquez de Pombal (antiga rua Larga)









entra-se em uma rua denominada Marquez de Pombal (antiga rua Larga)
O segundo bairo denominado Alem da Ponte é menos regular que o primeiro, não deixando por isso de ter uma certa belleza; sobe por uma pequena elevação e ramifica se em tres direcções principaes.


              ... sobe por uma pequena elevação e ramifica se em tres direcções principaes.


logo à entrada e à direita estão os restos do antigo convento conhecido hoje pelo Convento de Santa Iria e ainda na muralha, que mergulha no rio, se vê em um nicho de pedra a imagem daquella santa; hoje aquelle convento está transformado, parte em casas de habitação e outra parte em uma fabrica de tecidos de lã; só resta d'elle intacta a capella, notável pelo seu porlico e sobre tudo por um retábulo em alto relevo, de muito valor artístico; .



logo à entrada e à direita estão os restos do antigo convento conhecido hoje pelo Convento de Santa Iria 
Logo adeante desta capella há um arco que ligava o convento antigo com a parte que posteriormente foi construída 

......há um arco que ligava o convento antigo com a parte......


e por debaixo d‘elle passa a estrada, que conduz ao cemiterio e à notável egreja de Santa Maria e vae para S. Pedro;



....a estrada, que conduz ao cemiterio e à notável egreja de Santa Maria. [seta indica o cemitério]













quasi defronte deste arco a rua Marquez de Pombal dá uma ramificação para a esquerda, que é a rua da Fabrica (antiga rua das Poças) e vae terminar na Fabrica de Fiação e Tecidos de Algodão, uma das melhores do nosso paiz;




um pouco adeante, ao subir uma pequena elevação bifurca-se, dando origem á rua de Santo André e á de S. Braz; a primeira assim chamada por ter ao cimo, em uma pequena eminência, uma capella com a invocação d’aquelle santo, a segunda porque tinha logo á entrada, ao lado esquerdo, outra capella dedicada a S. Braz, da qual já não restam vestígios alguns, tendo sido demolida para no seu local se edificarem casas de habitação.

O sentido da rua de Santo André indicado a verde e o da rua de S.Brás a laranja.

19 de novembro de 2019

O blog da avó




Estive outro dia a falar com um dos meus netos sobre o blog. A iniciativa foi dele, queria saber o que  fazia eu na net. Perante a sua reacção à palavra blog tive a certeza do que eu já desconfiava. Os blogs são uma coisa ultrapassada, pertencentes à pré-história da rede, assim como as disquetes o são para os computadores, fósseis, ninguém nascido neste século sabe o que são. Mas lá lhe expliquei e ele, rapaz esperto, fazendo transferências e adaptando para os interesses actuais e os seus em particular (é um youtuber em potência - fã de um tal unspekable - embora sem grandes perspectivas futuras próximas, coitado, devido às chamadas “restrições parentais”) percebeu. Leu posts, ele é um interessado por Porto da Lage, interroga-se porque é que as pessoas não arranjam as casas velhas em vez de fazerem novas, piores que as primeiras e, sobre isso, já delineou um plano de intervenção "para quando crescer" diz ele. Gostou do tema, apoiou-me. A sua cabeça, que ainda frequenta, parcialmente, o mundo das fadas, aceita com toda a naturalidade que uma avó alimente dinossauros. Mas a coisa mudou de figura depois de, de olhos brilhantes de entusiasmo, perguntar:
- Quantos seguidores tem, avó?
Seguidores? Desconheço, acho que nenhum. Aí é que já não, a cabecinha dele já não me conseguiu acompanhar. Como é possível que ninguém me siga e, a ser assim, para que serve o seu blog avó?

Que pena ter desapontado o meu menino! Nunca ele soubesse que a avó tem um blog! (MFM)





15 de novembro de 2019

Estalagem I



A estalagem existente em Porto da Lage de que já falámos aqui e aqui, que beneficiava do facto de se localizar à   beira da estrada real , e da qual  tão bem nos falou Ilídio Mota Teixeira  que defendia que aquela se localizara aqui, teria, eventualmente sido criada em 1747, quando da licença concedida pela Câmara de Tomar, a  Manuel da Silva, "de Porto da Laje, para usar da sua estalagem no forma do seu Regimento, e poder vender cevada a 240 réis o alqueire, e palha a 20 réis a joeira"

Porém, neste assento de baptismo de António, em 1717, verificamos que os pais, João Jorge e Joana da Silva, moravam na Estalagem de Manuel Vaz. Este Manuel Vaz, morador no Casal de S.Silvestre, localidade da  freguesia de S.Silvestre, seria, então, dono de uma estalagem. Mas onde se localizaria ela? Uma vez que o assento abaixo consta na freguesia da Madalena, a dita estalagem só poderia pertencer a esta freguesia. Daqui resulta que Manuel Vaz era proprietário de uma estalagem sim, mas na Madalena. De outros assentos ficamos a saber que Manuel Vaz era pessoa muito presente em Porto da Lage, sendo padrinho dos filhos dos poucos habitantes aí existentes, a partir de 1703. Concluo eu, portanto, e acho que não especulo muito, que a estalagem do nosso (só pode ser nosso, já falámos tanto dele que a intimidade está estabelecida) Manuel Vaz só pode ser a estalagem de Porto da Lage, até porque na freguesia não tenho noticia de existência de outra. Assim sendo, a estalagem é mais velha do que se pensava, talvez já existisse no sec.XVII, e a licença de 1747, dada a Manuel da Silva, seria uma nova licença, um up grade, segundo um novo Regimento, quem sabe. (MFM)




13 de novembro de 2019

Outros tempos na Antiguidade




Já lá vão cinco anos (cinco, confirmei agora!) que falei aqui sobre o meu irascível e profético professor de Físico-Química, nos anos idos em que frequentei o colégio.

Revejo-o agora! Lá está ele conforme o recordo, só o chapéu está a mais, relativamente à figura que se passeava na sala, em frente ao quadro, reflectindo sobre os males do mundo em geral, e da gente que tinha à sua frente, em particular. O seu interlocutor mostra um ar sorridente ao ouvi-lo. Sempre é padre, quiçá mesmo um frade, cumpre o seu ofício!

Mas como para me mostrar que nem tudo era mau, vejo, também,  abaixo, uma figura querida de avô bonacheirão, culto, permissivo, compreensivo mas rabugento, truculento mesmo, quando provocado. Um homem aparentemente tranquilo, apagado até, que se empolgava a reviver as guerras da antiguidade, as Púnicas, a primeira, a segunda e a terceira, com o grande Aníbal dum lado e Cipião o Africano, do outro, a desfilarem à nossa frente, à compita com a do Peloponeso, com o  enorme Péricles, governante como nunca houve nem haverá outro, a defender a sua cidade (atenção! eram cidades-estado) contra a poderosíssima Esparta, já para não falar das do inexcedível Alexandre que, com o seu cavalo Bucéfalo, que só a ele deixava montar, fundava um império! O ambiente das aulas de História Universal (chamava-se assim a disciplina, salvo erro) indiciava, por vezes, também, um pré estado de guerra. O professor, todo embrenhado nas suas descrições das marchas de Aníbal mais os elefantes e na triste e lamentável devastação de Cartago, e as alunas que, faça-se-lhes essa justiça, conseguiam estar atentas meia aula mas não todas na mesma meia hora, transformavam a sala num receptáculo de um cochichar sistemático no qual sobressaía a voz grossa do mestre. Se, por acaso (graças aos Céus não aconteceu muitas vezes e por isso estou aqui para contar), ele acordava do seu enlevo e se apercebia do zum-zum à volta, a sua paciência de touro manso, que nos ouvia sempre, perdoava e consolava até, quando os outros professores se queixavam (era o director do colégio feminino), a sua paciência, dizia eu, esfumava-se e os berros saíam-lhe vibrantes da garganta, ou, muito pior, víamos soltar inesperadamente, qual leão sorrateiro,  aquele corpanzil enorme do estrado abaixo e correr aos tabefes quem lhe parecesse que tinha a boca aberta. Tabefes? aquelas mãos  não davam tabefes (observem-nas na foto e imaginem!). Um valente chapadão, o único da minha vida, foi o que eu levei, a ponto de me saltarem as lágrimas. E lá fiquei, mais humilhada que dorida, e a dor não era pouca! Que nem um pobre cartaginês escravizado às mãos de qualquer centurião romano! (MFM)











































Fotografias retiradas daqui .

11 de novembro de 2019

Capela de S.Sebastião



Eu, o meu pai e a minha avó nascemos na mesma casa, consta que no mesmo quarto, da rua de S. Sebastião, em Tomar. É uma rua insignificante, estreita e curta, que passa quase despercebida logo à direita de quem entra na cidade pela estrada de Paialvo. Tem, por isso, inicio na rua da Graça, a nossa casa era a primeira deste lado fazendo esquina, e vem, ou vinha, morrer na Várzea Grande. E digo, vem ou vinha, porque a Várzea Grande tendo diminuído com o tempo, parece estar, no momento em que escrevo, novamente maior depois de terem demolido a antiga "messe dos oficiais" que por ali esteve pouco mais de cinquenta anos ao lado da igreja de S.Francisco, e que, durante esse tempo "tapou" as últimas casas, casas pobres e baixinhas, desta minha rua, que, agora, como dantes, se encontram desafogadas, com vistas, outra vez, para a Várzea.

                                                             


O nome da rua dever-se-ia a esta ir dar à capela de S.Sebastião? Não sei, sei é que era o lugar de culto da minha gente, que, pelo menos desde o fim do sec.XVII vivia por esta zona, o Alto da Pissarra,  pela Rua dos Arcos e Várzea Grande, e aqui vinham à missa e participavam nas festas religiosas, um dos meus antepassados celebrou mesmo nesta "ermida" o seu casamento, em 1780, com licença especial, "precedendo alvará de fazamento e especial licença do ilustre reverendo Ouvidor Geral e administrador da Prelazia Frey João Alves do Couto". A minha avó e a irmã contavam-me das imagens dos "santos" que lá existiam, uma das quais, de que me não me lembro o nome, estava entregue à minha tia que tinha a seu cargo lavar-lhe e passar a ferro as vestimentas de seda, veludos e rendas, coisa trabalhosa mas de que muito se envaidecia, uma vez por ano,  de forma a ficar toda catita para não sei que solenidades do calendário católico (quem dera ter estado mais atenta ou ter tomado notas!).
Esta capela ficava aproximadamente onde hoje se encontra a estação de caminho de ferro, numa alameda ao fundo da Várzea Grande (na fotografia abaixo contornei a vermelho o local provável), onde também se situavam um coreto e um jardinzinho dentro do qual "se levantava uma agulha de pedra", cujo significado tanto Alberto Pimentel como João Maria de Sousa ignoravam (ver abaixo extractos dos seus livros). 
Esta "agulha de pedra" já em 1712  era mencionada pelo Padre António Carvalho da Costa na sua Corografia Portuguesa, como o magnifico padrão da Várzea Grande  que é uma agulha sobre dez degraus com as quinas reais e no remate uma cruz sobre uma esfera.
A origem deste padrão, diz-nos Amorim Rosa (ver abaixo texto), estará no reconhecimento da Câmara de Tomar a Filipe III  por este rei ter decidido a favor daquela numa pendência mantida com a Ordem de Cristo. Actualmente, designado de padrão filipino, encontra-se no centro da Várzea Grande.(MFM)



Fotografia de Silva Magalhães c.1870


A vermelho o local onde se situaria a capela e o padrão filipino, em 1870


O mesmo local no inicio do século XX.




O padrão Filipino ainda no local anterior mas, aparentemente, já sem a capela de S.Sebastião.




Alberto Pimentel, "Portugal Pittoresco e Illustrado, A Extremadura Portuguesa, Primeira Parte, O Ribatejo", pag. 437. Empreza da História de Portugal, Lisboa, 1908




Extracto da pag. 12 de Noticia descriptiva e histórica da cidade de Thomar, 1903, de J.M.Sousa





Padre António Carvalho da Costa, Corografia Portuguesa, etc., 1712, Tomo III, pag.155 (extracto)

«Em 1562 a Ordem Franciscana do Convento de Santa Cita, que já tinha uma casa em Tomar, onde convalesciam os seus enfermos, porque era seu desejo edificar um Convento na vila, veio a conseguir licença régia e a cedência do terreno necessário na Várzea Grande, por parte da Câmara.
Todavia, como o então Grão Mestre da Ordem de Cristo se opôs à cedência do terreno, declarando que a Várzea Grande era propriedade da Ordem de Cristo, a Câmara não se conformou e levou a questão aos tribunais.
O processo arrastou-se por mais de um ano, até que em 15 de Maio de 1624, Filipe III decidiu a favor da Câmara, o que levou a edilidade, como reconhecimento do que entendeu ter sido “uma justa sentença”, a mandar erigir, em 25 de Novembro de 1627, um padrão (padrão filipino) ao meio do velho Rossio da vila, actualmente na zona central da Várzea Grande, para onde foi transferido há anos.
Os Franciscanos foram então autorizados a edificar o Convento, com a condição de não abandonarem o velho Convento de Santa Cita.
Iniciadas as obras em 1625 (e não 1628 conforme consta na lápide), o Convento de S. Francisco veio a ficar concluído em 1660, com a construção da torre, mandada fazer pelo reverendo padre Manuel Esperança, então ministro providencial…»

O Padrão Filipino na localização actual
Fotografias de fundo Silva Magalhães, Gabinete de Curiosidades de Tomar, identificadas e deste Blog.

30 de outubro de 2019

Estalagem



Entre Janeiro e Março de 1669, Cosme III de Médicis, Grão Duque da Toscana, faz uma viagem por  Portugal acompanhado por uma comitiva que incluía escritores, médicos, músicos, cozinheiros e um desenhador e arquitecto italiano de nome Pier Maria Baldi, encarregado de representar em aguarelas todos os locais onde fizessem uma paragem.Desta missão surgiram 34 pranchas, cujos originais pertencem à Biblioteca Medicea Laurenziana de Florença, com imagens que reproduzem parte da paisagem urbana e rural de Portugal no se. XVII.
Em 2013 a Fundação Mário Soares editou um catálogo destinado a acompanhar a exposição dos desenhos de Baldi que teve lugar no Centro Cultural João Soares, Cortes, Leiria. No catálogo, as imagens são acompanhadas por pequenos trechos retirados dos relatos dos viajantes, sendo o principal relator Lorenzo Magalotti.
A viagem tem inicio a 9 de Janeiro em Campo Maior, atravessa o Alentejo e segue para Lisboa, via Setúbal, Palmela e Montijo. Após longa estada na capital, os viajantes partem a 18 de Fevereiro para o Ribatejo, passando em Tomar a 21 onde, além do Convento de Cristo observam "a Vila está numa planície, os edifícios são muito bons, as ruas direitas, umas paralelas às outras de uma ponta à outra da vila, compridas e muito bem pavimentadas..."e Baldi tem ocasião de pintar duas vistas panorâmicas da vila e uma terceira do Convento de S. Francisco. Essa noite, como é hábito na caravana de viajantes, é passada numa estalagem "chegou-se tardíssimo para almoçar na Estalagem da Gaita, que são duas pobres casas no meio de uma charneca montanhosa, desabitada, pedregosa, estéril, que nos acompanhou todo o dia, embora de quando em vez se encontrassem alguns raros olivais." No dia seguinte prosseguem para Norte, e a 1 de Março a comitiva deixa Portugal, em Caminha, onde toma uma lancha com destino a Tui. (MFM)

Estalagem da  Gaita (Venda da Gaita)  (Pedrogão Grande) em "Viagem de Cosme de Médicis em Portugal no ano de 1669"


À semelhança destas "duas pobres casas no meio de uma charneca montanhosa", em Porto da Lage, a estalagem também ficaria em nenhures," no meio de uMa charneca plana, quase um vale, no contraforte de umas pequenas elevações pedregosas  onde cresce o mato e raros zambujeiros e pinheiros bravos pontilham de algum verde a aridez do lugar. Dali avistei hoje, ao longe, alguns, poucos casais, e de cada um deles se elevava Fumo, sinal dos preparativos da ceia da família, que receberá os homens que recolhem a casa, cansados e fugidos da chuva, neste fim de dia de Inverno bravíssimo, em que a ribeira, cujo agitação tuMultuosa tão bem daqui se ouve,  já trespassou o seu leito duas vezes, segundo me disseram, inundando os campos e ceifando a vida a animais e a duas pobres almas, que o Senhor as tenha Consigo, etc, etc, *





*trecho de uma publicação que, inicialmente, alguém quis fazer crer ser do sec. XVIII e encontrada em lugar secreto, mas que, depois, se veio a descobrir ser apócrifo e inventado por uma criatura que tem a mania de se meter nestas coisas mas, completamente desajeitada (ou  pretensiosa), não resistiu a deixar por lá sinais que a vieram a denunciar.

28 de outubro de 2019

Descubra as Diferenças




Vendedor de Banha da Cobra em Lisboa, retirado daqui


À atenção da Liga dos Amigos dos Extintos Vendedores da Banha da Cobra (LAEVBaC), que eu proponho que se funde imediatamente, ou outra liga qualquer, que já exista, que se destine a defender a honra dos pobres que negociavam com o que sabiam, para sobreviver:

Na entrada de um centro comercial da capital, uma banca toda pronóstica (que saudades da minha querida madrinha Alice!), isto é, para quem é mais novo,  "toda armada" ao fashion do marketing actual, a condizer completamente com o ar "executivo" da respectiva vendedora, publicita uma instituição financeira. Passo por ela e, já afastada, oiço a voz irritada da vendedora:

- O senhor respeite-me, por favor, eu estou a vender um produto financeiro, não estou a vender banha da cobra! (MFM)






23 de outubro de 2019

Nicolau Dias



Em post anterior falei em Nicolau Dias, meu 11.º avô. Mostro agora como se desenvolveu a sua geração até chegar ao meu avô. Quatrocentos anos, onze gerações de homens e mulheres, descendentes directos, povoando as margens da Ribeira da Beselga!











Linha laranja: limite provável da comenda da Beselga; CN-Casal do Negro; CB-Casal da Belida


Nicolau Dias terá vivido, segundo os registos paroquiais, na Beselga, Ribeira, Além da Ribeira ou na Comenda do Saldanha, como era designada popularmente, ao tempo, a Comenda da Beselga, cujo comendador era frei António de Saldanha, a qual se estenderia por um território localizado predominantemente na margem esquerda da ribeira da Beselga, e numa estreita faixa da direita, entrando mesmo em Assentis. Nicolau terá nascido, quando muito, em 1530 (não teria mais de quarenta anos quando morreu pois tinha filhos muito pequenos e a viúva Benedita Mendes, voltou a casar em 1572, com Simão Luís, de São Silvestre,  e  tornou a ser mãe). 
Será, ele mesmo, um colono vindo de fora com destino a povoar estas terras abandonadas, ou já descenderá dos foreiros que amanhavam as terras da Comenda da Beselga, em 1504?
Até ao inicio do sec.XVI  as localidades referenciadas naquele território são Beselga, Ribeira ou Além da Ribeira, Casal do Negro, Paço ou Paço da Ribeira, no que diz respeito às situadas na freguesia da Madalena. As mais referidas, nos livros da Madalena, pertencentes à freguesia de S. Silvestre da Beselga (não há livros de assentos paroquiais desta freguesia), são a Ponte e o casal de S.Silvestre. 
Viviam também por ali com as suas famílias, Jerónimo Alves, o gaio e Pero Jorge filho de Jorge Anes galego, que poderão ter dado origem aos futuros casais dos Gaios e dos Galegos. Em 1574 Jorge Fernandes, de alcunha o frade,  morador na Beselga, casa com Catarina Jorge, belida de alcunha, e, em 1609 já surge a referência, num casamento, ao casal da velida. 
Hoje em dia, todas essas localidades ainda existem, com excepção dos casais do Negro e da Belida, que, embora desaparecidos, ainda estão identificados na memória das gentes. (MFM)