Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

Si hortum in biblioteca habes deerit nihil
Todos os textos aqui publicados podem ser utilizados desde que se mencione a sua origem.

9 de janeiro de 2022

Opinião de um Portodalagense I

 


Mortalidade colateral (não-Covid) em 2021 (confirmação) 

H. Carmona da Mota  Janeiro 2022 



Previa-se para 2021 um valor da mortalidade colateral (não-Covid) entre 11040 e 11880; foi de 10751 (97,4% do mínimo). Valores por milhão de habitantes (pM)


FIG 1


Tal como provei, em 2020 a mortalidade colateral (não-Covid) não foi excessiva e, como previ, também tal não aconteceu em 2021; foi mesmo muito inferior à de 2020 e até à de 2019. Os doentes não-Covid sobreviveram e o SNS tem resistido; até agora. 


FIG.2

Nota: A figura 2 (que substituí por demasiado tosca) mostra as curvas dos valores históricos máximos (azul) (R2 = 0,9823) e mínimos (vermelho) (R2=0,9935).


O valor de 2021 foi inferior ao mínimo previsto tanto pela tendência (modelo de regressão quadrática) dos valores dos 13 anos anteriores como também ao que augurei, extrapolando dos valores mínimos históricos e assumindo que a mortalidade de 2021 seria baixa, dado que a de 2020 fora elevada (segunda tese). 

O valor previsto não foi mau mas não suficientemente exacto pelo que houve que reavaliar a validade do raciocínio (a tese), os métodos usados ou os processos de contagem. A atribuição da causa de morte a pessoas susceptíveis (muito velhas e doentes) é difícil – morreram por Covid ou infectadas pelo SARS-Cov2 ? 

Tudo serve de pretexto aos velhos para morrerem e, mesmo assim, dissimulam
Augura Agustina, O Mosteiro. 

Presumo que muitas mortes de velhos em lares (40% do total nos primeiros meses) tenham sido atribuídas à evolução fatal das doenças de base (atribuição muitas vezes feita pelos próprios lares) e que esse processo tenha vindo a ser corrigido. Auguro que provavelmente hipercorrigido com a massificação dos “testes” - mortes atribuídas à Covid por terem “testes” positivos; mortes que sempre teriam ocorrido – qualquer gota de água faz transbordar este co®po. 


FIG.3







FIG.4

 A ser assim, (Fig 3-4) o valor correcto da mortalidade colateral (não-Covid) de 2020 teria sido inferior (↓) ao oficial, aproximando-se do valor médio calculado pelo método da regressão (tendência) (Fig 5) ao passo que o de 2021 teria sido superior (↑), (Fig 4) aproximando-se do limiar previsto pelos dois métodos (Fig 1- 2).


FIG.5

 Por fim, há que ter em conta que estes valores são sempre referidos à população portuguesa cujo número, nos últimos 4 anos tem vindo a aumentar por efeito da naturalização (R2= 0,9564) com uma proporção de velhos muito inferior à portuguesa.


FIG. 6

FIG.7


É a minha terceira tese que prego não na porta da igreja do meu castelo de Wittenberg mas à Porta Férrea da minha Universidade de Coimbra. 

a) ter em conta a projecção da tendência histórica e não a média dos últimos 5 anos.

 b) ter em conta a alternância de anos bons com anos maus. 

c) ter em conta a dificuldade em, por vezes, distinguir causa de coincidência. 


E, afora este mudar-se cada dia, 

Outra mudança faz de mor espanto: 

Que não se muda já como soía. 

Camões



4 de janeiro de 2022

Inauguração do Ramal de Tomar -1928

                           

                                                              Os Trabalhos



Testes na ponte sobre a Ribeira da Beselga








                                                                         A Inauguração










Representação tomarense que foi a Belém convidar o Presidente da República para a inauguração.







Chegada do Presidente da República e da sua Comitiva aos Paços do Concelho de Tomar.







"Entrega da Bandeira ao glorioso Batalhão de Caçadores n.º2 e oposição da Medalha D'oiro de "Valor Militar" na mesma bandeira, que foi conferida a esta unidade pelos valorosos feitos no Combate de Ma
rraquéne.
"






    

Menú do Banquete oferecido ao Presidente. "Roubei-o" do grupo do facebook
denominado "Freguesia de Paialvo" que informa que teria pertencido ao
Dr. Carvalho Dias morador em Lisboa e com família nos Pousos, o qual seria um dos
convidados do repasto, alguém conheceu?


30 de dezembro de 2021

Bom Ano Novo



"Paisagem de Inverno com esquiadores e armadilhas de pássaros", Pieter Bruegel, o Velho


"O Inverno do nosso descontentamento foi convertido agora em glorioso Verão por este sol de York, e todas as nuvens que ameaçavam a nossa casa estão enterradas nas profundezas do Oceano ...." 

                                                                                                    Ricardo III, William Shakespeare


A paisagem, "fofinha" de bilhete postal, bela, harmoniosa e superiormente pintada, retrata, ao que li de viés não tendo coragem para chegar aos pormenores, a montagem de uma cruel forma de apanhar pássaros. O início da tirada de Ricardo III na peça com o mesmo nome de W. Shakespeare, aparentemente um feliz anúncio de futuros dias radiosos, não é mais do que a forma escarninha de aquele anunciar sim, mas que se prepara para semear a discórdia como modo de obter o poder. Dois exemplos de duas obras-primas que nos aparecem muitas vezes, retirados do contexto, a significar o contrário do que originalmente queriam dizer.Virá daí, também, o génio das obras de arte? De podermos, a partir delas, “fazer as leituras" que quisermos?

Mas a que se deve toda esta conversa, tão despropositada quanto o estafado termo “fazer leituras”? Deve-se a eu ter achado que ficava bem pôr aqui uma paisagem cheiinha de neve para vos desejar um Bom Ano de 2022, como contraponto ao calor que se lembrou de nos acompanhar neste fim de ano. E então, lá fui procurar esta pintura de que sempre gostei, mas que nunca tinha estudado e depois, uma coisa leva a outra… E pronto, foi assim! Aprofundar as coisas não dá geralmente bom resultado. Desculpem. E façam por ter um Ano Novo com saúde, sem se preocuparem em demasia, lá está, sem irem muito ao fundo das coisas.. (MFM)



28 de dezembro de 2021

Nada de Novo Debaixo do Céu

 

      Há trezentos anos certos reinava em Portugal El-rei D. João V, chegavam regularmente carregamentos de ouro do Brasil, construia-se o Convento de Mafra e a Gazeta de Lisboa anunciava o décimo  aniversário da Senhora Infante Dona Maria, filha de Suas Magestades, que Deus os guarde, por cujo motivo houve beija-mão e gala no Paço. Mas aquele periódico, que recomendo a quem, como eu está farta do presente e que soube agora, graças à clarividência e generosidade do sr. Almirante, que o futuro ainda não se realizou (sic), declarações que ainda me empurraram mais para outra dimensão não sei qual mas qualquer uma diferente da habitada por estes índigenas, parafraseando quem já cá não está e faz muita falta, pois dizia eu, a Gazeta também nos dá notícias, naquele longínquo 5 de Dezembro de 1721, da peste que assola a França e do modo como a Grã-Bretanha dela se precavê. Leiam no original que é melhor e mais pitoresco. Mas se quiserem ortografia mais actual (embora não muito) aqui vai um excerto que nos mostra que, com excepção dos avanços científicos, não inventámos nada, mesmo nada, em França até já havia um Vice todo diligente como se quer! Ao contrário, retrocedemos. Onde está a vossa velha capacidade de planear, oh ingleses? Onde está o novo formulário de preces, como exigem as multidões carentes? (MFM)



....Quanto aos progressos da peste escreve Mons. de Quelús de Tarascon em data de 7 de Outubro que naquele distrito se não acham mais que algumas faíscas deste mal; e que está persuadido que se extinguiu de todo este veneno, que só havia dois ou três doentes em Salon o que ele atribui ao mau Regimento que tiveram; e que tinha mandado novamente expulsar as infecções das casas por meio de perfumes, que em Martigues havia três meses que tinham cessado as doenças e que tinha acabado a quarentena e que o mesmo tinha sucedido em Tarascon, por cuja razão se levantou o bloqueio e que se fez a vindima sem algum acidente mau, que em Aix devia acabar a quarentena em 10 do dito mês, que em Marselha tinha começado a sua; e Toulon faria brevemente o mesmo, com outros muitos lugares do seu termo, e que assim esperava ver restabelecida brevemente a boa saúde em toda a Provença, o que tudo confirma também Mons. Lebret em cartas de 3 e 6 de Outubro acrescentando as particularidades de que se acham sem doenças as vilas de .... .... Em Marvejois pelo parecer dos médicos está o mal na sua declinação porque se aumentava o número de convalescentes pois de 350 pessoas que estavam na enfermaria só cinco ou seis se achavam perigosas e de quatro até cinco (de Outubro) tinham só falecido três meninos. Na Abadia de Chanbom se tornou a acender esta epidemia falecendo o Prior em 24 horas e morreram depois dois monges, S.Genaix está muito mal e têm falecido neste lugar 40 pessoas. Em Mende desde 4 de setembro em que ali se declarou o contágio até 6 de outubro faleceram 182 pessoas em que entraram os dois últimos cônsules e tem havido dias em que adoeceram até 80 com bouboés e carbúnculos. As últimas cartas de Gevandan escritas em 23 de outubro referem que o contágio não é já tão violento naquela Comarca e que se espera que mediante o frio deste Inverno cessará totalmente o mal. Em Avinhão não é tão grande o estrago mas em razão das vindimas se dilatou o mal pelos campos vizinhos. O Vice-Legado mandou fazer uma quarentena geral que se começou com satisfação de todos os moradores, e se observa uma exacta vigilância, sendo ele mesmo quem vai por toda a parte dar as ordens necessárias.




.....El-rei querendo prevenir a comunicação do contágio nomeou a 20 deste mês (Outubro) um Tribunal composto dos membros do Conselho privado e dos médicos mais doutos desta cidade para ponderarem os meios mais convenientes de o evitar, e se expediram ordens para fabricar barracas na praia de Blackheath, junto a Greenwich, para se alojarem as tropas que devem impedir a comunicação com os Condados de Kent e de Essex, no caso que estas províncias, que são as mais vizinhas das costas de França, cheguem a padecer da desgraçada infecção. Este Tribunal se junta muitas vezes em conselho e tem proposto nele dar comissão a alguns cirurgiões e boticários para visitarem todos os corpos defuntos, em lugar das mulheres, que fazem esta função ao presente; e no caso que, não obstante todas as cautelas que se tomam, Deus seja servido afligir este reino com a calamidade da peste, se tem resoluto curar os infectos de um modo mui diferente do que até agora se usou na Europa, e em lugar de fechar ou tapar de pedra e cal as casas infectadas se levarão os doentes ao Piornal de Blackhear que é um sitio mui alto onde se armarão barracas para os curar e tratarão deles cirurgiões e boticários na forma de um Regimento feito no Colégio dos Médicos. Por ordem do Conselho se publicou um novo formulário de preces, que se deve ler em todas as Igrejas para implorar a Misericórdia de Deus para que nos preserve de semelhante castigo.







19 de dezembro de 2021

Feliz Natal



Agradeço-vos muito, a todos vós que não abandonaram este blog mesmo nas suas grandes ausências. Que o leram pela primeira vez ou releram a partir de todo o mundo, mesmo do "fim" do mundo (como é possível Santo Deus?) em número, por vezes, muito significativo. A todos um Feliz Natal com muita saúde, esperança e tranquilidade (o paradoxo actual é que a preocupação é redundante).

A foto deste ano, ao contrário do costume, é pessoal. A desculpa que arranjei  é que aquela conduziria a uma leitura de interesse geral, como se, querendo a gente, não fosse possível fazer leituras planetárias extraordinárias a partir de uma batata? Mesmo assim, cá fica a imagem da minha gente pequena na terra que o meu avô amanhou, sem mais leitura nenhuma. (MFM)

O chão é seguro e o céu  está limpo. Depois da sombra da
velha tília entramos, como sempre. 


             


10 de dezembro de 2021

Opinião de um Portodalagense

Do Expresso:

   "A questão do aumento ou não da mortalidade não-covid desde o início da pandemia é abordada neste artigo pelo médico e professor de pediatria (reformado) do Hospital Pediátrico da Universidade de Coimbra Henrique Carmona da Mota"

        Expresso | Não houve mortalidade colateral (não covid) excessiva em Portugal no ano 2020


Imagem retirada do artigo.


5 de dezembro de 2021

Era um bocadinho de elevação moral se fizesse o favor.


                                                                       - Vende-se aqui?





10 de junho de 2021

Camões e Esta Raça de Gente.

 






Hoje é o Dia de Camões, das comunidades e não sei que mais. Antigamente era o dia da raça. Acabou-se com isso por razões estudadas mas com o que não se acabou, e foi pena, foi com certa raça de gente. Que continua e de que maneira!
Um caso relacionado com o nosso vate, já que hoje é o seu dia:
Um exemplar desta raça de gente  diz: «Nunca li "Os Lusíadas". Não glorifico e não acredito na epopeia portuguesa». A gente lê isto e identifica-se (acho que se diz assim) logo com o personagem, é claro que não se esperava que lesse, se para quem sabe ler e consegue pensar,  a dita obra já não é fácil, fará para ... . Adiante. Passemos à segunda asserção proferida. Que mais havia o rapaz de apregoar para vender o que quer que seja que põe no mercado? 
Eu, a dizer a verdade, ando pouco a par com as cantorias produzidas hoje em dia neste nosso país de rouxinóis mas sei que há, pelo menos, duas qualidades das ditas. Aquela que a gente, se não se acautela e sintoniza qualquer dos canais generalistas ao domingo à tarde, ouve, mesmo surda como eu, música que é sempre acompanhada por umas meninas cuja função não parece ser, à primeira vista, cantar, e que põe todos os presentes, parvamente, digo eu, a rodopiarem doidamente,  mas que os faz feliz, dizem eles. Que assim seja. 
E há a outra música, séria e preocupada, com quê não sei, mas eu também sei muito pouca coisa, que aparece nos “jornais de referência”, na RTP2 e no Cabo, sempre com um “discurso” explicativo da obra criada, que, invariavelmente, pretende … tem como objectivo …constrói ou desconstrói, agrega sempre quem deve agregar, denuncia quem deve denunciar, e por aí fora.
Ora, nem precisava de o dizer, o exemplar em presença toca esta última música. E está, evidentemente, a cavalgar a onda do momento – denigre a “epopeia portuguesa” até ao limite de não acreditar nela, como se fosse uma questão de fé (ok, há pessoas que não acreditam que o Homem foi à Lua, está bem acompanhado). Curiosamente, diz ele seguir as pisadas de quem, há quarenta anos, defendia o contrário do que ele defende (?), mas aí a criatura não consegue chegar. “Por este rio acima” de Fausto (que hoje em dia já tem nome completo como os outros mortais), foi feito numa época em que a luta de classes ainda imperava e, portanto, o povo, mesmo o “povo português” ainda era digno e motivador de admiração, não era colonizador, muito menos esclavagista. Então já se contestavam os heróis individuais (que pertenciam à nobreza e burguesia, exploradores do povo) mas o povo não, o povo, personificado por Fernão Mendes Pinto e pelas figuras populares de Gil Vicente, era o herói das descobertas (que também não se crucificavam), que se viam, tal como Camões, nos Lusíadas, as apresenta, como a gesta de um povo. Mas, isso, claro, só se sabe lendo. Esta raça de gente não precisa de ler nem conhecer o que outros, antes deles, fizeram. Cria, escreve, pinta, compõe, de raiz. Porque o mundo nasceu no mesmo dia que eles.

Mas tudo isto é fruta da época, esta moda vai passar, e desta raça de gente, vai, um dia destes emergir nova vaga que destronará a vigente, não necessariamente para melhor. Embora não se alcance que pior poderá ser, digo eu prosaicamente, e não me tenho por optimista. 

Mas, melhor que ninguém, o diz o poeta:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

                          Luís de Camões



2 de junho de 2021

La Chair Anglaise


 .




… Em Inglaterra os porcos engordam na ceva do arsénico. Que fibras de raça aquela! É que a carne dum bretão diverge muito da carnadura da restante Europa. O antropólogo Topinard observou que a mortandade nos hospitais ingleses, em seguimento às operações cirúrgicas, era muito menor que a dos hospitais franceses. O sábio Velpeau, consultado pela Academia de Medicina, respondeu que «la chair anglaise et la chair française n’etaient la même». E não dá a razão da diferença, porque a não sabia o grande biólogo. Eu, na observância do ditame do Espírito Santo, pela boca do Eclesiástico — «não escondas a tua sabedoria» —, elucidarei o sr. Velpeau. A razão, a científica é esta: emborcações de bebidas ácidas, e mormente de cerveja, combatem, como coadjuvantes do ácido fénico, a gangrena; ora, o inglês, abeberado de cerveja, é refractário à podridão dos hospitais. Como se vê, desta causa tão óbvia um antropólogo é capaz de espremer assunto para volumes recheados de coisas abstrusas sobre etnografia, climatologia, morfologia, mesologia, o diabo.

Além da cerveja, a fibrina do porco, saturado de arsénico, entretecida na fibrina do inglês seu compatriota, faz dele um Mitrídates para os sais de chumbo diluídos no vinho do Porto*.
O inglês não pode morrer por ingestão alcoólica. Se quer suicidar-se com instrumento líquido, tem de asfixiar-se, afogar-se no tonel como o lendário lord. Ele é imortal, absorvendo; e só pode morrer - absorvido. Estranho animal! E é senhor das águas e das melhores garrafeiras!
O destino, pela tuba sonorosa de Camões, disse ao inglês: Entre no reino d’água o rei do vinho. (Os Lusíadas, Canto VI)
Que litros de porto envenenado se calculam eficazes para degenerar um bretão até à dispepsia e às agonias da morte?

                                                               Camilo Castelo Branco, 1884

                                                                               Vinho do Porto, Processo de uma bestialidade inglesa 

                                                                   


* sais de chumbo diluídos no vinho do Porto – alusão irónica “a uma calúnia inventada por ingleses em 1849 [que defendia que este vinho era empeçonhado por acetato de chumbo e outros tóxicos anglicidas] na qual colaborou um certo barão Forrester”, conforme explica o autor.

28 de maio de 2021

As Mulheres e o Seu Inefável Fado de Defrontar Grunhos

 

...  seja lá onde for!


 



                                                                               ...





...

21 de abril de 2021

Silvestre e a Fundação da sua Freguesia da Beselga



S. Silvestre, 33.º Papa.

Amorim Rosa conta-nos que no reinado de D. João III, mais precisamente no regulamento de 4 de Março de 1530, se procedeu à reforma e reorganização paroquial do Isento de Tomar sendo criadas várias paróquias, com rendimentos próprios e pároco residente, entre elas a de Santa Maria Madalena na freguesia de Marmeleiro e Cem Soldos e a de S.Miguel de Porrais que incluía aquelas que viriam a ser as freguesias de Carregueiros e  S.Silvestre da Beselga. Acrescentava aquele autor não se saber em que data se autonomizara esta última freguesia, presumindo que só o teria sido no sec. XVIII.
Desconheço se esta dúvida se mantém ainda entre os académicos ou se já se descortinou a data precisa da fundação da freguesia (que já não é, faz parte daquela invenção altamente criativa da ...União de freguesias de ...) que tinha como patrono o Santo que foi Papa e cuja celebração litúrgica ocorre em 31 de Dezembro (lembram-se das corridas de S. Silvestre nas noites de fim de ano? são por causa dele). Abro aqui um parêntesis para fazer notar que não é por S. Silvestre ter sido o mais alto representante de Cristo na Terra, de ter a provecta idade de quem nasceu em 285 D.C. e de ter subido aos altares, que é tratado com mais aquelas no local de que é padroeiro. Não senhor, parece que por ali a proximidade afectiva impera, é tudo tu cá, tu lá, oh Silvestre, nada de distâncias, muito menos "distanciamentos", que no caso dele nem seriam precisos por já não habitar este mundo da peste há uns bons anos. Naquela conformidade, todas as cerimónias, títulos e deferências foram apagados, a fazer fé na tabuleta.



Adiante, voltando à data do inicio da freguesia, tendo ou não sido já encontrada certo é que, pelo que pesquisei  nos roteiros civis e nos religiosos, neles ainda consta a versão de Amorim Rosa.
Atrevo-me, portanto, a dar o meu contributo para a resolução desta questão que, não sendo de monta nem vá melhorar a vida de ninguém, sempre mostra que este blog também se ocupa de coisas sérias.

Vejamos então. Tanto quanto a caligrafia do Vigário Frei Simão Lousado me deixa perceber, fiquei a saber que no casamento ocorrido em 1567 na Igreja da Madalena entre António Fernandes e Margarida Jorge, filha de Jorge Anes e Margarida Vaz, já defunta, é referido que estes são moradores no lugar da  Ponte da Beselga, ao lado da Igreja de S. Silvestre, Freguesia de S. Miguel, sendo o celebrante o cura de S. Miguel.

Já em  24 de Outubro de 1574, casa-se João Roiz morador no lugar da Longra Freguesia de S.Silvestre e, em 2 de Novembro,  Catarina Gonçalves, moradora na mesma Freguesia de S. Silvestre, no casal da Ponte, casa com João Fernandes, sendo celebrante o cura da Igreja de S. Silvestre António Fernandes.

Verifica-se, assim, que algures entre 1567  e 1574 as coisas mudam quanto à denominação administrativa/religiosa do território onde se situa a Igreja de S. Silvestre e o lugar da Ponte, que deixa de ser Freguesia de S. Miguel (de Porrais?) e passa a ser Freguesia de S. Silvestre. Penso que fica assim esclarecido o período temporal da fundação da ex- Freguesia de S. Silvestre da Beselga. (MFM)





10 de abril de 2021

Santa Bárbara - protectora de tempestades, raios e trovões.


                     

Santa Bárbara (1736-40), Vieira Lusitano



Na secção especializada de uma grande superfície (também especializada):
- Oh menina desculpe, não estou a encontrar produto para tirar o caruncho, pode ajudar-me, por favor.
- Siga-me - dirige-se para uma prateleira onde se perfilam muitos frascos e latas - tem aqui, vários tipos, de diferente intensidade, consoante o local de onde quer fazer a remoção, e a vários preços.
- Mas isto são anti-fungos!
- Exactamente, para remover o bolor, que é o que a senhora pretende!- tem ela, pacientemente, a bondade de me recordar.
- Mas eu queria era remover, já que é assim que se diz, o caruncho.
- Oh minha senhora, caruncho e bolor são a mesma coisa!- Esclarece-me, sem perder a calma com a minha ignorância.


   --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------


De viagem numa "página" do face-book sobre Tomar encontro alusão a uma outra, que abro. Impressionada com o rigor, disciplina à séria mesmo, a que os membros daquele "grupo" são sujeitos proponho-me, logo, fazer parte do dito. Assim é que eu gosto: só fotos e curiosidades, sobretudo antigas, sobre Tomar, nada de "política", nada de "faltas de educação", sempre respeito "pelo outro", etc. etc. e quem prevaricar vai porta fora, digo eu, porque na linguagem do "grupo" , vou citar, "é removido de imediato". Reparo agora que o verbo remover me persegue, duas vezes no mesmo dia é obra, deve usar-se e eu andava distraída. Bom, lá trato de "aderir", sendo que a minha "adesão", vai depender de confirmação posterior, acho bem, e ainda de mais, de resposta a perguntas, acho lindamente, e seguem-se as tais. Não sei dizer quantas,  não passei desta:
- Diga se é, ou foi, natural de Tomar?
                                    --------
Procurei, a sério que procurei, recorri primeiro a livros, eu sou assim, do tempo do papel corro logo aos velhos hábitos, como sabem burro velho ... , não encontrei, fui à esclarecida Wikipédia, a mesma coisa. Não existe, portanto, Santo padroeiro para a questão em causa (quando já não tiveres palavras recorre ao juridiquês, alguém me ensinou), pelo só me resta Santa Bárbara - protectora de tempestades, raios e trovões.(MFM)

7 de abril de 2021

Há duzentos anos: Fim da Inquisição










As Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa (o primeiro parlamento português no sentido actual do termo, instituído na sequência da Revolução Liberal do Porto de 1820, para elaborar e aprovar uma Constituição) extinguiu, em 31 de Março de 1821, o Tribunal do Santo Ofício, comummente conhecido como Inquisição, quase 300 anos depois da sua instituição em Portugal, pela bula "Cum ad nihil magis", de 23 de maio de 1536, do Papa Paulo III.

Foi autor do projecto de Decreto de extinção o deputado Francisco Simões Margiochi de cuja intervenção realço o parágrafo em que o autor expressa o imperativo desejo que, lamentavelmente, o nosso país, em diferentes épocas, e muito do resto do nosso mundo,   mesmo hoje duzentos anos volvidos, continua a não ouvir: voltou a consentir-se na "inquisição" política e, mesmo a religiosa voltou:
“...Lembro mais a este Congresso que já que a Inquisição entrou em Portugal com o pretexto da Religião, e da fé; que jamais se consinta outro igual instituto, por mais plausível que seja o pretexto que o encubra: isto é, que se não substitua a Inquisição Religiosa por Inquisição Política.”

Para além desta extraordinária determinação, os deputados produziram outra, que não se lhe compara, que não terá passado, na altura, de uma mera decisão logística, embora polémica, mas que ainda hoje é vital para compreender trezentos anos da vida portuguesa. Quando surgiu a necessidade de determinar o que fazer ao espólio do Tribunal findo, muitos deputados foram da opinião que tudo deveria ser destruído, edificios, arquivos, processos, livros, tudo arrasado e queimado, para que nada restasse de tão sinistra memória. Mas imperou a opinião contrária, havia que preservar património e registos, precisamente para que o povo conservasse na lembrança e podesse conhecer, sempre, aquela época negra. E assim ficou consagrado, no artigo 4.º do Decreto, o fim a dar a tudo o que existisse nos Cartórios da Inquisição. Depois de deixar a Biblioteca Pública de Lisboa, transitou para a Torre do Tombo, onde ainda se encontra, a documentação de todos os Tribunais do Santo Ofício: Lisboa, Coimbra, Évora e Goa.
Dada a riquesa, organização e classificação de todo o arquivo daquele tribunal, que tinha definidos núcleos documentais muito precisos ( livros de delações, decretos de prisão, listas de autos de fé, registros de diligências, livros de correspondências, livros de presos,  etc.) este constitui, ironia da história, um legado inegualável, deixado aos vindouros pela Inquisição, sendo uma das fontes documentais imprecindiveis para o estudo do Portugal do Antigo Regime. Até aqui, no blog, devemos ao Santo Oficio e à sua capacidade de "arrumação" a disponibilidade de consulta dos processos dos seus funcionários, que nos permitiu conhecer gente, costumes e territórios que já nos estavam distantes no tempo.
Quanto aos edifícios, os célebres Palácios da Inquisição, também em 1821 as autoridades determinaram que ficariam abertos para que as populações pudessem com os seus olhos constatar as condições em que tinham sido presos e supliciados inúmeros desgraçados ao longo de três séculos. Porém, a vandalização a que foram, de imediato, sujeitos, fez com que esta pedagógica e generosa decisão fosse revogada, ficando os palácios a ser utilizados como instalações de serviços públicos. Ainda persistem nos nossos dias o de Coimbra, parcialmente, e o de Évora, enquanto o de Lisboa vítima de um incêndio em 1846, foi completamente destruído, encontrando-se hoje no mesmo lugar o Teatro D.Maria II. (MFM)

18 de março de 2021

O 15 de Março e Eu

 




Eu estava lá. E lembro-me. Da agitação, da pressa, da correria para embalar as coisas, do medo na cara dos adultos. Do meter dentro do carro, da viagem rápida, do encontro na “pousada” não só com a gente habitual que eu conhecia, a dos domingos na esplanada do clube, a do salão de baile, a que ia ao cinema, mas com muita mais, uma multidão como eu nunca tinha visto, que se apertava, que parecia não caber nos sítios, que nos deixava a nós crianças, submersas, lá em baixo, no meio das pernas altas deles, sem ver nada, sem nos ligarem nenhuma, mas ao mesmo tempo sempre a gritar por nós, sempre histéricos à nossa procura, a ralhar-nos para não nos afastarmos, e agarrarem-nos sôfregos depois de deixarem de nos ver durante dois minutos. Tudo tão diferente da liberdade habitual! Depois, à noite, o grande rebuliço da distribuição para dormir. Um corredor cheio de mulheres e crianças e alguém a enfiar uns e outros para dentro de quartos. Eu e uns tantos miúdos da minha idade ficámos num quarto cheio de colchões no chão, acompanhados por umas tantas mães, não sei se a minha estaria entre elas, talvez não, não me lembro do meu irmão nestas andanças e o mais provável é que ela ficasse com ele, sempre mais mariquinhas e agarrado a ela, apesar de mais velho. Coube-me como companheiro de colchão o Fernandinho, a quem devo a eterna recordação destes momentos históricos, não fosse o martírio da noite que partilhámos e acho que tudo se me teria varrido da mente. Tínhamos os mesmos quatro anos, mas, ao contrário de mim, o Fernandinho era baixinho e roliço, um cilindrozinho de carne que toda a noite rebolou atirando-me contra a parede. Seria porque o colchão, ou o soalho, estavam desnivelados ou porque a natureza da forma do Fernandinho a isso o obrigava, o certo é que eu acordei inúmeras vezes com um peso em cima de mim, peso a quem, eu, por achar não ser a ocasião propícia para recorrer a adultos, pontapeava e dava socos para afastar. Mas, tanto ele reincidiu e tanto eu retorqui que acabei por o fazer chorar. Logo uma mãe, a dele ou outra, o veio acalmar e o fez voltar a adormecer. E eu, cheia de desprezo, afinal ele não passava de um bébé gordo e chorão, continuei a defender-me ainda com mais convicção.
Com o tempo, embora não se falasse nisso, soubemos os motivos daquela nossa aventura antiga, lá longe, muitos quilómetros para norte, tinham acontecido coisas horríveis, tinha sido assassinada gente barbaramente e os nossos pais tinham temido que fosse uma questão de tempo até ser a nossa vez e tinham-se juntado num único local para melhor se defenderem. Não fora a nossa vez, mas ficara como precaução a existência de armas lá em casa, uma delas, a que mais me impressionava e me fazia não olhar, era uma com uma baioneta na ponta, imaginar o uso de uma coisa daquelas horrorizava-me mais do que qualquer outra arma que atirasse muitas balas.
Uma história que ligou sempre a minha família materna a estes acontecimentos foi a notícia que lhes chegou a Tomar, de que nós os quatro, pai, mãe e dois filhos tínhamos sido assassinados com uma morte brutal na qual se destacava a minha, “cortada às postas”. Choraram, puseram luto, mas evitaram que, enquanto houvesse esperanças, a notícia chegasse “aos pobres velhos” a Porto da Lage. Tinham recorrido ao homem do regime, o General Oliveira, para que confirmasse o ocorrido. Morrera, de facto, uma família naquelas circunstâncias, com apelido igual ao nosso e uma filha com o meu nome, mas, ficaram a saber, não éramos nós.
Voltando ao Fernandinho, apesar daquela nossa divergência, fomos sempre bons amigos e são bem diferentes as outras recordações que guardo dele. Como aquela de uma festa de aniversário, com ele de oito ou nove anos, de calções e camisa justa à sua barriga cheinha, gravata a emoldurar a cara redondinha, tal Bolinha da banda desenhada, a oferecer-me um embrulho lindo. Continha um guarda joias prateado e encarnado, de forro de veludo da mesma cor, que ainda conservo. A prova de um tempo que, às vezes, duvido que tenha existido. (MFM)


Foi aqui que nos refugiámos


A minha família e amigos, por esse tempo, eu a última criança à direita.