Autoretrato de Carlos Reis |
Asas, de Carlos Reis. Exposto no Museu do mesmo em Torres Novas. |
João de Sousa Vasconcelos, o Chinês |
Esta água foi nascer/Naquela encosta do monte/Para vir dar de beber/A quem passar pela fonte
Autoretrato de Carlos Reis |
Asas, de Carlos Reis. Exposto no Museu do mesmo em Torres Novas. |
João de Sousa Vasconcelos, o Chinês |
Continuando o assunto do post anterior vejamos agora neste a forma prática da sua aplicação.
A Carta determina ainda que se transmite na irrevogável e pura venda toda a posse e domínio que nas referidas oliveiras tinha a Corporação para o arrematante, seus herdeiros e sucessores]?] as gozem, possuam e desfrutem como próprias.
Este negócio do Estado é o exemplo do que acontece quando os regimes mudam e, cheios de "generosidade" retiram bens a quem está, no momento, do lado errado da história. Fora assim em Portugal no Liberalismo com os bens das extintas ordens religiosas, os quais foram vendidos ao desbarato a capitalistas pouco preocupados em cultivar terras, deixando de fora quem efectivamente as cultivava. Foi assim no fim da União Soviética e no início de países ex-colónias onde, alimentada com os despojos do passado, nasceu de imediato uma classe de oligarcas, havendo pouco ou nenhum beníficio para as populações. Em Portugal, à nossa medida quase anã, passou-se o mesmo neste micro-mundo da expropriação dos bens religiosos, sendo exemplo uma pequena freguesia rural com incidência especial nas "oliveiras em terra".
Senão vejamos, expropriadas que foram as oliveiras, por uma razão ideológica que impedia que um "Culto" detivesse bens materiais (os outros acho que deixava) o que poderia o Estado fazer com elas? A medida que pareceria mais justa seria dá-las aos donos das terras onde estavam plantadas, por um lado porque o mais certo seria as ditas oliveiras lhes terem pertencido algum dia e terem sido oferecidas a um Santo ou Santa em paga de algum milagre e aí o papel do Estado seria o de as restituir ao dono inicial, que fora lesado pela "falsa doutrina" do clero que o enganara, pelo que ajudaria a reparar um erro e ficaria bem visto; por outro lado porque, em boa verdade, o Estado não perdia nada, as oliveiras nunca tinham sido suas e faria uma excelente figura. Esta medida teria sido uma boa forma de propaganda política.
Mas como é dos livros que o Estado não nasceu para dar nada a ninguém (nem, no caso do nosso, primar pela inteligência), dou de barato que não desse as oliveiras, mas que as vendesse aos mesmos de que falei atrás. Ninguém se escusaria a comprar, ninguém gosta de ter na sua propriedade algo que não é seu, de lá ver entrar quem não quer quando quer, ninguém, enfim, quer ter problemas escusados. Seria então criada uma tabela de preços por oliveira a que se juntaria a respectiva e competente conta de contribuição de registo e emolumentos, que cada cidadão proprietário de pequenos olivais pagaria todo contente e aliviado. E uma vez que o inventário estava feito, nada disto encareceria o processo, pelo contrário, pois se, suponhamos, fosse fixado 1$50 por oliveira, seriam arracadados na operação 24$00 a que se acrescentariam as taxas, aplicando a cada uma $09, seriam 1$62. O Estado ganharia então 25$62, face ao que ganhou na realidade com a arrematação - 20$59. Multipliquemos agora a diferença por todas as outras "oliveiras em terra" da Freguesia, depois do Concelho, do Pais. Façamos a mesmo exercício para outros bens e produtos análogos..., não, não vale a pena, You got the idea.
Não, o governo da República não tem que me agradecer a assessoria económica e política retroactiva, foi um gosto. Sou uma patriota (republicana até). Mas já não fomos a tempo. A especulação e a ganância já começaram. O Estado tratou de arranjar intermediários que farão o que ele poderia ter feito, mas pelo preço máximo, e perdendo dinheiro com isso.
Intermediários que fizeram o raciocínio simples e sensato que eu fiz. Que concretizaram o negócio ideal, um investimento limpo e sem riscos - compra-se sabendo haver clientes certos e dispostos a pagar tudo. Só quem não podia é que não se metia nele, só não via quem não queria - O Estado! Será que não via mesmo? (MFM)
*António Augusto Mota nasceu em Porto da Lage em 25 de Junho de 1897 filho de Augusto Pereira da Mota e Maria José de Sousa Rosa, de quem já temos falado neste blog. Foi uma figura social e economicamente proeminente em Porto da Lage, destacando-se a sua ligação à fábrica de Alcool.
Nota: Agradeço a H.C.M. a disponibilização dos documentos acima.
Artigo 62.º da Lei da Separação do Estado e das Igrejas |
Referem aqueles que a 13 de Outubro de 1911, os cidadãos António Mathias de Araújo, administrador do Concelho de Tomar, José Gomes dos Santos Regueira membro da Junta da Paróquia e José da Silva Pereira d'Albuquerque, Secretário da Comissão Concelhia de Inventário para os fins previstos no Artigo 62.º, compareceram "nos edificios denominados" Igreja de Santa Maria Madalena, Capela de Santa Marta e Capela de Santa Margarida, principiaram e arrolaram "o inventário da forma seguinte" ...
Descrevem depois todos os bens móveis existentes dentro dos tais "edifícios" e que constam das imagens abaixo (a abertura do link proporciona melhor leitura).
Igreja da Madalena |
Capela de Santa Marta - Marmeleiro |
Imagem de Sta Margarida. |
Aqui ficam para registo histórico os arcos da Ponte de Pedra de Porto da Lage. Eu nunca os tinha visto e não acredito que o volte a fazer. O lado a montante já não está muito visivel (é certo que a fotografia feita com telemóvel também não ajuda) tal a velocidade a que a vegetação cresce, não permitindo chegar mais perto, para voltar a tudo tapar. (MFM)
Só me faltava esta!
Foto tirada num alojamento de turismo rural algures em Itália, local onde ninguém soube dizer nada sobre os livros, bem fechados num armário envidraçado. |
Em 1580 Garcia da Orta foi julgado e condenado à fogueira por judaísmo. O já estar morto e enterrado desde 1568 não constituiu obstáculo à execucão da sentença. Foi-se à Sé de Goa, exumaram-se-lhe os restos mortais e ateou-se-lhes o fogo. Que, quando o exemplo urge e é preciso queimar a raiz, que ela arda e se purifique!
Lembrei-me deste facto, antigo de mais de 400 anos, ao ver a reacção que as fotos abaixo suscitaram numa publicação num site de velharias. Ardeu Tróia meus senhores! Os comentários foram de fazer gelar o sangue de uma boa pessoa, que era eu. Que, quanto aos outros, ardeu-lhes aquele líquido vermelho em cadeia ascensorial, cada vez mais fervente de comentário para comentário, em invenções de torturas retroactivas de todas as espécies contra os médicos que, em algum tempo, se atreveram a exercer "o trabalho de responsabilidade" de cigarro em punho. Uma comissão, já!, para apurar quem praticou tão nefandos crimes! E penas exemplares (muitos defendem antes, outros depois do apuramento dos factos) com lavaredas bem vivas que aqueçam e regozigem a alma de quem sofre com tamanhas iniquidades!
E depois de ler isto srs. drs. fiquei preocupada convosco e temerosa com o perigo que correis. Tende cuidado, eles "andem", "andem" mesmo aí! (MFM)
António Gedeão,1906-1997, Poesias Completas (1956-1967)
Moeda de 50$00 em prata editada em 1972 |
"Os Lusíadas em Jacarta
Por FJV, em 14.03.22
Uma das razões por que gosto de Os Lusíadas tem a ver com o halo de doidice que percorre o poema épico. O que ali está é um grupo de estouvados que vai pelo mundo fora a desafiar os deuses, os Elementos e a ordem das coisas – o que irrita muito as pessoas que deve irritar. Como poema, é uma construção quase perfeita; como leitura do mundo, é de um atrevimento notável. No sábado passado assinalámos os 450 anos sobre aquele momento em que o impressor António Gonçalves, a 12 de março 1572, em Lisboa, deve ter folheado o primeiro exemplar. Não abriu nenhum telejornal, claro, mas hoje gostava de vos falar de Danny Susanto (professor na Universitas Indonesia, em Jacarta) que falou de Camões e de Os Lusíadas num congresso sobre o tema; tudo online, organizado na Ásia, mas virtualmente em Ternate, no arquipélago das Molucas, lugar essencial dos roteiros camonianos – onde Camões teria começado (ninguém garante) o poema. Foi um belo dia para Danny Susanto: cumpriu um dos objectivos da sua vida – traduzir Os Lusíadas para indonésio. Saiu agora e está disponível. Um abraço para Jacarta."
Francisco José Viegas Da coluna diária do CM. em 14.03.2022
Marques de Oliveira, Rapariga na Praia |
"O povo não costuma perder a paciência, porque ela é o seu único bem".
Carlos Drummond de Andrade
Deve ser por isso que aceita sem mais:
O equinócio da Primavera
ocorreu, em Portugal continental e na Região Autónoma da Madeira, hoje, 20 de
março às 15:33 horas (menos 1 hora nos Açores), instante que marcou o início da
Primavera no hemisfério Norte.
Ah, que
bela manhã de Primavera!
Cheira a café com leite,
a sabonete,
a goivos, a sol novo, a vida nova!
A Rua canta!… sinos e pregões,
apitos e buzinas, vozes claras.
- “Gostas de mim?”
- “Gosto de ti”
e o céu cobre a Cidade com seu manto azul.Os eléctricos voam, transbordantes,a tilintar, a rir nas campainhas,
e os automóveis, como borboletas,
circulam, tontos, nas ruas sonoras.
No Tejo, os vaporzinhos de Cacilhas
brincam aos barcos grandes, às viagens,
e o pequeno comboio vai e vem,
como um brinquedo de menino rico.
Confundem-se nas árvores, ao sol,
folhas e asas, pássaros e flores.
É festa em cada rua. Em cada casa,
um canário a cantar, uma cortina,
um craveiro florido na janela.
Despejaram-se armários e gavetas,
frasquinhos de perfume…Toda a gente
foi para a rua de vestido novo,
de fato novo, de gravata nova,
e tudo canta, a Rua é uma canção.
Ah, que bela manhã de Primavera!
–“Gostas de mim?” — é o tema da canção.
–“Gostas de mim?” — pergunta-lhe ele a ela.
–“Gostas de mim?” — pergunta à flor o vento
e a flor ao rouxinol… — “Gostas de mim?”
–“Gostas de mim?”, “Gostas de mim?”
Cheira a goivos, a sol, a vida nova…
Ah, que bela
manhã de Primavera!
(Fernanda de Castro 1900-1994, in "Asa no Espaço", 1956)