Juan van der Hamen (1596-1631)
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Esta água foi nascer/Naquela encosta do monte/Para vir dar de beber/A quem passar pela fonte
Si hortum in biblioteca habes deerit nihil
7 de setembro de 2015
28 de agosto de 2015
Casamento em tempo de guerra.
Livro de Assentos de Casamentos da Paróquia da Madalena, Tomar 1650-1713. |
Quando o António Lopes, do Bregil e a Maria Dias, da Beselga, se recebem a 24 de Janeiro de 1655 na Ermida de Sta Margarida, não sei se tinham conhecimento que, um ano antes, a 26 de Janeiro de 1654, tinha sido assinada a capitulação holandesa no Brasil.
[O país estava em guerra desde 1640, procurando recuperar a independência perdida em 1580, a qual acabara por acontecer mercê dos alegados interesses que adviriam para Portugal da aproximação de portugueses e espanhóis. Mas, a partir de 1620, operara-se uma viragem na conjuntura económica e social. As classes populares, as únicas que tinham feito frente à união com Espanha desde sempre, açoitadas pela pobreza e pela fome nos campos, agravadas por constantes aumentos de impostos sobre os bens de primeira necessidade provocam agitação social no reino, sobretudo em Évora e no Algarve (1637-38). Esta agitação popular era acompanhada por uma insatisfação crescente por parte das elites. A crise comercial e militar no império português do oriente, com sucessivas perdas para os ingleses e holandeses, e a recessão e instabilidade no comércio do Atlântico (África e Brasil), afectava os seus rendimentos e esfumara-se o desejo, alimentado durante décadas, de transferir para Lisboa a capital da corte ibérica. A partir de 1621, o governo do conde-duque de Olivares, o ministro todo-poderoso de Filipe III, introduziu reformas de pendor centralista por toda a península, crescendo a vontade separatista em alguns círculos da aristocracia portuguesa, que acabaram por se unir em torno do duque de Bragança e promover o golpe palaciano de 1 de Dezembro de 1640 que restaurou formalmente a independência de Portugal e iniciou uma guerra que durou 28 anos.
Até 1659, a Espanha não deu grandes cuidados nas fronteiras terrestres, ocupada que estava na Europa Central com a chamada Guerra dos Trinta Anos e só a partir desta data a intensidade da luta armada aumentou consideravelmente, dando-se as grandes batalhas decisivas ainda hoje famosas e da qual se celebra este ano uma efeméride, a da Célebre Batalha de Montes Claros(1665).
Cerco holandês à cidade de Olinda- Atlas da América de John Olgiby, 1671 |
O mesmo não se passou com os territórios ultramarinos, os Holandeses que entretanto se tinham estabelecido em áreas que já tínhamos dominado permaneceram irredutíveis e hostis. Com a Holanda a guerra estender-se-á da América à Ásia. Em Africa conquistam Luanda, S. Tomé, territórios que recuperaremos em 1648.O mesmo acontecerá no Brasil de onde serão definitivamente expulsos em 1654. Para este facto muito contribuiu o apoio das populações locais. Sobretudo as brasileiras, que desde o inicio guardavam más recordações dos Holandeses seus competidores no comercio do tabaco e açúcar desde sempre vistos como os responsáveis pela quebra nos rendimentos. Mas, como compensação pelo reconhecimento da soberania portuguesa do Nordeste brasileiro, ex-Nova Holanda, Portugal aceitou as perdas na Ásia, comprometendo-se ainda a pagar oito milhões de Florins, equivalente a sessenta e três toneladas de ouro, valor pago em prestações, ao longo de quarenta anos (Segundo Tratado de Paz de Haia)].
Esperemos, no entanto, que António Lopes e Maria Dias, se não se mantiveram ignorantes das divergências dos grandes do seu mundo, pelo menos não tenham sido demasiado vitimas deles e tenham conseguido um pouco de sossego naqueles tempos conturbados. (MFM)
21 de agosto de 2015
As tardes são mortas.
O milho já parou de crescer nas grandes superfícies plantadas na várzea da ribeira. Não tarda será apanhado. O restolho deixado para trás será, talvez, limpo e o campo lavrado na próxima Primavera, para início do novo ciclo. Nunca se sabe. Desde que começou esta “industrialização” da cultura do milho, com recurso à junção das pequenas parcelas de terreno de diversos proprietários e ao sistema de rega por tubos, que é uma surpresa o que os promotores daquela faina decidirão no ano seguinte. Mistérios do negócio. É certo que os campos abandonados passaram a ser usados, nalguns casos com o sacrifício das velhas árvores, principalmente as seculares e veneráveis oliveiras que, parece, eram obstáculo às dimensões da maquinaria utilizada, a mesma das lezírias ribatejanas pois, parece também, o tal negócio não se compadece com adaptações às características da cada região. Resta saber se a imolação de culturas tradicionais, como a olivicultura ou a figueira, ao lucro fácil da cultura intensiva de regadio valerá a pena, numa terra com pouca água.Ouço dizer que, por aqui, os poços estão exauridos, mesmo os que não estão directamente a regar os milheirais, precisamente porque estes sorvem toda a água existente no solo.
Mas ela lá vai chegando para as poucas e pequenas hortas domésticas, enquanto as terras se movimentam a partir de Março, o que sempre dá um certo ar de vida agrícola que aquece a alma e acalma consciências de quem só pensa no curto prazo.
E os povos estão felizes, passeando-se a pé ou de bicicleta nestes fins de tarde de Agosto encalmado,com paragem no café da bomba de gasolina para o gelado e a cerveja, enquanto inspiram o aroma que a brisa quente arranca das espigas, vão mirando as gordas maçarocas verdes e não regressam às suas vidas nas cidades de cá ou de lá da fronteira.
Pela mesma hora, a esposa do senhor motorista do autocarro das escolas, como a própria se apresenta, percorre na sua motoreta as casas dos arredores oferecendo os bolinhos secos de mel ou limão. São deliciosos. Foi convidada a vendê-los nos Bons Sons, há de ter sido um êxito.
Também um rapaz saído do nada, de cabelo de lã de ovelha suja e óculos, dá uns passos estremunhados no largo da estação. Se houvesse alguém para o ver, ali, a cozer-se com a parede, à procura da réstia de sombra, teria com certeza muita pena dele e procuraria ajudá-lo. Mas ninguém sai de casa a esta hora, se é que há alguém naquelas casas. E depois, vai-se a ver, a compaixão era escusada, o rapaz de cabelo de lã e calções, esfalfado debaixo da mochila, não passa, afinal, de um personagem a actuar no espectáculo a decorrer, este fim-de-semana, na região. O autocarro virá buscá-lo, e aos seus clones que descerão do comboio, e transportá-los a Cem Soldos onde entrarão em cena juntamente com mais uns milhares.
Muito antes de chegar à ponte já há carros estacionados. A fila engrossa no largo da ponte, e torna a estreitar na estrada da Beselga. Só automóveis à espera para serem atendidos na oficina. Não se vê vivalma. Lá de dentro ouve-se, por vezes, o ruído de uma peça a embater no chão, o som conhecido de uma ferramenta a cair ou um acelerar de motor. Não há vozes, tosses, assobios, ais ou uis, nada que soe a humano. Fico com a impressão que, se lá entrasse, depararia com carros com olhos pestanejantes, furgões barrigudos e com bigodes, guindastes sorridentes, todos em alegre convívio maquinal, a tratarem uns dos outros como se um hospital de automóveis se ocupasse, aqui, em Porto da Lage, do Faísca McQueen e dos seus amigos.
Nos Olivais, pouco antes (ou depois, de onde vimos nós?) da bomba, o lugar está solitário a esta hora. Cá fora apenas uma carrinha que, tudo indica, pertence ao dono. No interior, no canto entre as batatas e a prateleira dos enlatados um rapaz está sentado espapaçado atrás da ventoinha. Com a entrada de alguém mostra-se, todavia, prazenteiro e levanta-se muito afável. Parece contente por ter, finalmente, companhia. Difícil de passar, a tarde. Durante a manhã é um corrupio de carros a pararem, além dos avios de mercearia e frescos, há sempre quem queira sementes, plantas e flores. Só ao fim da tarde o movimento recomeça. - As tardes são mortas - diz, enquanto corta segunda melancia. Não, não foi o cliente que não gostou da primeira, foi ele, que faz questão de vender só coisa doce.(MFM)
20 de agosto de 2015
Porto da Lage -nascimento de uma povoação
A primeira imagem abaixo é um extracto da planta de localização da linha do caminho de ferro do Norte, elaborada cerca de 1860, no local correspondente à "Quinta de Porto da Lage", isto é, do lado direito da Ribeira da Beselga, num território mais ou menos contínuo (interrompido por "fazendas" de outros dois proprietários) sensivelmente entre as duas pontes existentes sobre aquela ribeira, hoje, em Porto da Lage.
Figura 1 |
A Figura 2 é uma imagem mais aproximada da anterior, agora com o local exacto onde surgiu a povoação de Porto da Lage. Repare-se como a Estrada de Coimbra, que ultrapassa a linha do caminho de ferro, proveniente de Paialvo, se vai rodear de casas até ao final do primeiro quartel do século XX, a maioria das quais se mantêm, mantendo-se igualmente o traçado da estrada, hoje em dia chamada de Rua Dr. Henrique Pereira da Mota (Figura 3).
Figura 2 |
Figura 3 |
Fig 3 - Imagem retirada daqui.
30 de maio de 2015
29 de maio de 2015
28 de maio de 2015
Beselga
O portodalagense Dr.João Maria de Sousa, como sabemos, escreveu Notícia
Descriptiva e Histórica da Cidade de Thomar, uma obra a todos os
títulos recomendável. Nela tomamos conhecimento, simultaneamente, da idade
histórica que o autor nos quer dar conhecimento, a história da cidade e seus
arredores desde a antiguidade, e também daquela, sua contemporânea, que para
nós é já também história, passados que são, agora, mais de cem anos desde
a edição do livro.
O último capítulo do livro trata de "três cidades antigas nas
imediações de Nabância”, todas elas, curiosamente, vizinhas de Porto da Lage.
Começo hoje a colocar aqui cópias destas últimas
páginas. Deliciem-se e, quem ainda o não fez, procure encontrar o livro e comprazer-se com o resto.
Dizem-me que é possível lê-lo na net, infelizmente não o consegui achar. De resto,
a não ser em alguma biblioteca pública ou alfarrabista é pouco provável encontrá-lo. (MFM)
22 de maio de 2015
Apeadeiro de Fungalvaz - 60 anos
Cidade de Tomar, 22.05.1955 |
Cidade de Tomar, 29.05.1955 |
Apeadeiro de Fungalvaz actualmente. Fotografia retirada daqui |
26 de abril de 2015
Henrique, o Primeiro.
Uma das "histórias" da origem de Porto da Lage que a tradição oral conta é que a estação de Paialvo ficou localizada no local onde está por o proprietário da Quinta de Porto da Lage ter oferecido a quinta, numa versão, ou parte da quinta, noutra, para que nesse terreno fosse erguida a estação, obtendo como contrapartida o cargo de chefe da mesma estação para o filho.
Nas pesquisas que fiz na REFER, nada encontrei sobre isso (1).
Archivo Pittoresco, 1858, pag. 265 |
Mas confirmo que Henrique Maria de Sousa, o tal filho de João Manuel de Sousa, foi chefe da estação de Paialvo. Parece mesmo que foi chefe antes sequer de haver estação, pois em 1 de Janeiro de 1864 foi baptizado Henrique, filho de Manuel Vieira Adão e Rosa de Jesus, do Corujo e o padrinho é, nem mais nem menos, este Henrique Maria de Sousa intitulado ali "chefe da estação de Paialvo", isto quando a linha do Norte, mais precisamente o troço Entroncamento - Soure, é inaugurado apenas em 22 de Maio desse ano! A propósito de baptismos, sugiro a quem se chama Henrique, na freguesia da Madalena, que investigue se na origem da escolha do seu nome não está este senhor que era danado, salvo seja, para ser padrinho de Henriques, os quais, por sua vez, terão sido padrinhos de outros afilhados e daí o nome se ter perpetuado na freguesia.
Pois este nosso "chefe da estação de Paialvo" terá permanecido no cargo até 1871, data em que deixa de ser mencionado desta forma nos registos paroquiais, voltando a ser "proprietário", como era designado antes, até 1883, último ano em que se ouve falar de Henrique Maria de Sousa na Madalena. Voltei a encontrá-lo em 1893, era ele "aspirante das alfândegas" e residente na cidade do Porto, numa escritura em que vende, juntamente com o irmão e as irmãs, uma casa em Porto da Lage, "perto da estação", a Faustino dos Santos de Porto Mendo. Nascera em 25.11.1838, constava como solteiro e foi o último descendente, a viver em Porto da Lage, do Desembargador Raimundo José de Sousa, era irmão do Dr.João Maria de Sousa (MFM)Actual Estação de Santa Apolónia, Archivo Pittoresco, 1866, pag. 1 |
(1) Como sabem, a antiga CP dividiu-se, numa destas iniciativas governamentais não sei de que governo, eles são sempre o mesmo, para fazer face aos novos tempos e aos novos desafios, deve ter sido isso, em duas empresas: a CP que gere os comboios e a REFER as restantes infraestruturas, as linhas e as estações genericamente. Quando dividiram "os trapos" dividiram tudo, incluindo os arquivos sendo que, segundo me dizem, a velha CP,quando tudo estava à sua guarda, tinha tudo organizado e disponível para consulta. Quando tentei saber onde procurar informações sobre a formação da Linha do Norte em geral, e da Estação de Paialvo em particular, a REFER apenas tinha no seu site uma alusão ao 150.º aniversário do inicio dos caminhos-de-ferro que ocorrera, salvo erro em 2006 e mais nenhuma referência histórica fosse a tempo ou a lugares. Como, pelo contrário, a CP exibia uma morada e horários de abertura ao público do seu arquivo, lá fui eu numa jornada que me ficou marcada na memória pelo esforço escalatório a que me obrigou. Ficando na Calçada do Duque e podendo eu lá chegar de duas formas, em vez de descer subi, e sendo a morada pretendida numa ponta, não deixei nenhum centímetro da calçada por ascender (não é galicismo, confirmei) naquela tarde de forte Verão. Chegando lá acima, contentíssima comigo como será de calcular e quase morta de cansaço, deparei-me com uma senhora muito simpática que, depois de me deixar sentar, me disse que o que eu queria existia sim senhor, mas já não estava na posse da CP, tudo seguira para a REFER, tanto quanto sabia estava num armazém na expo e não disponível ao público, contactos não tinha, mas alguém lá do arquivo tinha um e-mail de outro alguém que se transferira juntamente com o espólio e fez o favor de mo dar. O meu correio para o tal e-mail teve como resposta uma inquirição completa sobre a forma como eu o conseguira, coisa a que me recusei a responder; eu tenho-me por pessoa grata e quem me dá uma cadeira em certas circunstâncias da minha vida é como se desse o cavalo ao outro senhor que o trocava pelo reino. Passado este capítulo e tendo sido aceite que as minhas intenções não eram espiar as secretas maquinações da empresa, que eu nem sonhava existirem mas passei a suspeitar, quiseram saber ao que eu ia, ao que, depois de me mandarem esperar vários dias, responderam que não era ali. Então era onde? Deram-me as relações públicas. Que sim, iam tratar do caso, responderam as ditas relações, mais um mês, nenhuma resposta. Aquilo havia de ter tutela, pensei, fazem greves logo têm tutela, fui-me ao site do governo, descobri a Secretaria de Estado que havia de mandar alguma coisa nos senhores das linhas férreas e apresentei a devida queixa, anexando os mails do percurso da minha cruz ferroviária até àquele momento. Dia seguinte, um mail de uma senhora para eu ir à sede da REFER explicar o que queria. Disse-lhe que agradecia mas a minha vida não era aquela, tinha mais que fazer e o que eu queria estava por mais evidente. Iria, sim, mas ao local onde estivessem os documentos que eu desejava consultar. Eu que dissesse o que queria exactamente que ela ia buscar. Mas se eu não sabia exactamente o que havia, como lhe poderia pedir? -Então se a senhora não sabe o que quer porque é que nos anda a incomodar? Anexei o edificante diálogo e reenviei-o para o Secretário de Estado. À tarde, novo e-mail de outra senhora dizendo-me que teria à minha disposição para quando eu quisesse, tudo o que lhe fosse possível encontrar sobre a Estação de Paialvo. E assim cheguei à sede da REFER que, para quem não saiba, eu não sabia, fica no edifício da estação do Rossio, sim, aquele neo-manuelino, onde, para se entrar se precisa de ultrapassar cento e cinquenta seguranças e correspondentes "pórticos" (está muito além da minha compreensão o motivo de tanta segurança em certas empresas, sobretudo nas deficitárias, nem ouso imaginar do que se querem proteger) e lá me esperava em cima de uma secretária de uma senhora (penso que engenheira de obras, nada que tivesse a ver com arquivos), um maço de documentos referentes "ao alargamento da estação de Paialvo em 1929". Fora o que a boa-vontade da senhora conseguira. O processo, bastante completo, ia desde a publicação no diário do governo da necessidade da expropriação até à correspondência, um a um, com os expropriados e respectivas negociações. Notável na resiliência e persuasão é Ana de Sousa Rosa viúva de Manuel Escudeiro, que consegue, depois de meses batalhadores, que lhe paguem terrenos de mato, herdados do pai, ao preço de outros, agrícolas, com o argumento de que iriam servir para o mesmo. Felizmente este processo continha a planta original do troço da linha férrea entre os quilómetros 119 e 120 da linha do Norte, datada de 1859. Pedidas cópias, consegui aquela planta de localização que indica meticulosamente os terrenos por onde a linha virá a passar, entre os quais está indicada a Quinta de Porto da Lage e mais fazendas dispersas, pertencentes ao dono da quinta e a outros proprietários.
Pude concluir, desta minha aventura, que a Quinta não era a exclusiva proprietária dos terrenos na área onde se localiza a estação e, o que eu queria fundamentalmente saber, não havia qualquer malha urbana por ali. Apenas se pode ver uma edificação. Do processo de expropriação dos terrenos nada consegui, pelo que não pude confirmar se João Manuel de Sousa, o dono da Quinta de Porto da Lage teria oferecido algum pedaço daquela à Real Companhia dos Caminhos de Ferro, muito menos a troco de quê.
Pude concluir, desta minha aventura, que a Quinta não era a exclusiva proprietária dos terrenos na área onde se localiza a estação e, o que eu queria fundamentalmente saber, não havia qualquer malha urbana por ali. Apenas se pode ver uma edificação. Do processo de expropriação dos terrenos nada consegui, pelo que não pude confirmar se João Manuel de Sousa, o dono da Quinta de Porto da Lage teria oferecido algum pedaço daquela à Real Companhia dos Caminhos de Ferro, muito menos a troco de quê.
16 de abril de 2015
" Aranjuez Com Teu Amor "
O Concerto de Aranjuez de Joaquin Rodrigo é a obra musical espanhola mais interpretada em todo o mundo, particularmente o seu adagio que nos habituámos a ouvir nas ruas interpretado pelos grupos sul-americanos, sobretudo os incas peruanos que, debaixo dos chapéus e envoltos nos ponchos o fazem assobiar a partir das suas flautas. A minha versão preferida era a cantada por Amália Rodrigues em francês, gravada em 1967. Descobri agora uma versão portuguesa de David Mourão Ferreira. Para aqueles que, tal como eu, adoram Amália de todas as formas e feitios aqui fica. (MFM)
14 de abril de 2015
A Torre do Tombo e Todos Nós
Torre do Tombo actualmente, Alameda da Universidade, Lisboa |
Podem-me dizer que é “um nicho” específico
a que só alguns, também com interesses muito específicos, acedem. É verdade,
mas isso não tira nem põe à existência de cordialidade, disponibilidade,
gratuitidade e, já agora para terminarmos na rima, na humildade demonstrada por
todos os que lá trabalham e contactam com o público. “Senhores” do maior e mais
rico espólio arquivístico, no mundo, da história da lusofonia e, portugueses
como são, não seria de admirar que a presunção se apossasse daquela gente. Mas
não, são competentes, são académicos graduados, e são simples. Estranha e
perplexa combinação em Portugal. Não sei porque são assim, dizem-me que é uma
cultura que atravessou regimes. “Bem me
pareceu que aquela doutora não anda bem” comentou o Francisco, um dos guardas
da empresa de segurança, quando, há anos, nos primeiros dias de lá ir, lhe
entreguei uma carteira que encontrara perdida no bengaleiro “outra vez a esquecer-se das coisas, tenho
que lhe telefonar”. Perante o meu espanto, esclareceu – somos uma família aqui na Torre, está a ver
como a senhora me veio entregar a carteira?- outra pessoa, noutro sítio, ficava
com ela! Fiquei a saber, portanto, que “a Torre” tem também o mérito de
fazer a gente séria! A vontade de colaborar começa mesmo nos portões, com os
guardas. Pessoa que ali se dirija a querer saber quem é o avô que nunca
conheceu mas que a mãe dizia ser de …, a terra do avô que “se estabeleceu em Pernambuco em 1913, e foi de navio, tá vendo?”
ou o pai do avô que até comprou a terra que agora é necessário
vender mas o notário diz que não tem lá nada que prove e “eu então pensei como vocês têm aqui tudo guardado talvez me pudessem
desenrascar” ou o académico estrangeiro que sabe exactamente o que quer
consultar, todos são encaminhados e são-lhes tiradas as dúvidas, ali mesmo na
Torre, ou orientados para a repartição própria, em Lisboa ou no resto do país.
No que a mim diz respeito e aos
meus interesses, a genealogia e a história local, a Torre do Tombo está no “Top”
das instituições a que recorri e em que fui plenamente correspondida, não só pelo acervo que, naturalmente, contém,
como na prontidão e simpatia com que respondeu às minhas dúvidas (deixo o
eufemismo chamar “dúvidas” à minha santa ignorância).
O seu aspecto vetusto e sério, a sua fama de só conter pergaminhos e estar ao serviço de estudiosos que produzem grandes teses de nível mundial, talvez afastem as pessoas comuns que pensam que não há ali lugar para elas. Nada mais errado. Nunca ali vi distinções, cada um identifica-se com o seu nome. Diz o que quer, não tem que fazer menção do objectivo, se o faz é para clarificar e ser ajudado. Qualquer documento, desde que esteja autorizado e venha a público é entregue a qualquer pessoa que o requeira, o V. pesquisador da aldeia dos avós, lá no seu Minho, emocionou-se quando se viu com uma carta assinada por D.Teresa, mãe do nosso primeiro rei, nas mãos. Lê-la é que já não foi possível, paleografia é preciso já levar sabida. Mas a maioria dos documentos podem ser reproduzidos, o que, único reparo, não é propriamente acessível financeiramente. Mas, considerando que tudo o resto é gratuito talvez seja compreensível, atendendo a que outros serviços, como a Biblioteca Nacional, exigem pagamento de cartão anual de acesso.
A documentação existente na T.T é imensa e vem desde o sec.IX, porém compreende muito arquivo dos dois últimos séculos, como revistas e fotografias (todo o Século lá se encontra) que é fácil e gostosamente inteligível por toda a gente. Basta ir ao site, escolher e apresentar-se lá um dia. Quem o quiser fazer verá que é bem recebido e não se arrepende. Note-se que, por lá, ninguém me encomendou o sermão, nem sequer conhecem este blog, mas é com todo o gosto que digo estas palavras.
O seu aspecto vetusto e sério, a sua fama de só conter pergaminhos e estar ao serviço de estudiosos que produzem grandes teses de nível mundial, talvez afastem as pessoas comuns que pensam que não há ali lugar para elas. Nada mais errado. Nunca ali vi distinções, cada um identifica-se com o seu nome. Diz o que quer, não tem que fazer menção do objectivo, se o faz é para clarificar e ser ajudado. Qualquer documento, desde que esteja autorizado e venha a público é entregue a qualquer pessoa que o requeira, o V. pesquisador da aldeia dos avós, lá no seu Minho, emocionou-se quando se viu com uma carta assinada por D.Teresa, mãe do nosso primeiro rei, nas mãos. Lê-la é que já não foi possível, paleografia é preciso já levar sabida. Mas a maioria dos documentos podem ser reproduzidos, o que, único reparo, não é propriamente acessível financeiramente. Mas, considerando que tudo o resto é gratuito talvez seja compreensível, atendendo a que outros serviços, como a Biblioteca Nacional, exigem pagamento de cartão anual de acesso.
A documentação existente na T.T é imensa e vem desde o sec.IX, porém compreende muito arquivo dos dois últimos séculos, como revistas e fotografias (todo o Século lá se encontra) que é fácil e gostosamente inteligível por toda a gente. Basta ir ao site, escolher e apresentar-se lá um dia. Quem o quiser fazer verá que é bem recebido e não se arrepende. Note-se que, por lá, ninguém me encomendou o sermão, nem sequer conhecem este blog, mas é com todo o gosto que digo estas palavras.
Quando, há meia dúzia de anos, quis
conhecer as minhas raízes sabia que não tinha onde as consultar, não havia
livro em livraria ou biblioteca, muito menos pesquisa na net que me valesse. Não
tinha “livros de linhagem”, avós, nem sequer pais vivos que me ajudassem com
memórias. Tinha um trabalho para fazer literalmente de raiz: ir às fontes. O
senso comum e o conhecimento razoável do funcionamento da administração pública
diziam-me que a “papelada” a consultar: certidões, de nascimento, casamento,
óbito, estaria algures. Passados os primeiros escolhos, tirar certidões dos
avós em Tomar (em Tomar é tudo sempre tão difícil – qual a finalidade, tem que saber o dia, senão nada feito, na altura
eu ainda ignorava que o dia que constava era de baptismo, eu só conhecia o de
aniversário, o nome exacto, agora não temos tempo, etc, etc,-
diga-se porém, em abono da verdade, que a atitude foi mudando, não
por mérito do serviço mas porque, francamente, os cansei, passe a vaidade), todos os passos
seguintes, quer em Santarém quer na TT, resultaram numa agradável surpresa.
Na época já muita região do país
tinha a informação sobre os assentos paroquiais on-line, e hoje cada vez há
mais. Infelizmente no distrito de Santarém nada está feito (descobri agora que
há unicamente três períodos da freguesia da Madalena, só essa, que existem na
net, coincidência ou não, correspondem, precisamente àqueles que eu, e outra
pessoa, pagámos para serem digitalizados !).Por razões desconhecidas toda a
informação relativa a paroquiais de Santarém foi integrada, em determinada
data, no arquivo distrital de Lisboa, motivo pelo qual a informação está na
Torre do Tombo e não no Arquivo Distrital de Santarém. Como deveria. Deveria
mas não me daria jeito nenhum. Foi assim que cheguei à Torre do Tombo. Diga-se
que os livros paroquiais podem ir até meados do sec.XVI –data em que passou a
ser obrigatório o registo escrito daqueles actos, o que, na maioria dos casos
não acontece devido a incidentes vários. A freguesia da Madalena é uma privilegiada
pois tem livros desde 1557, com pequenas interrupções de livros desaparecidos
no sec.XIX. Acontece que estão apenas acessíveis a consulta, através de
microfilmes, livros de casamentos a partir de 1600 e baptizados a partir de
1691. Os anteriores nem sequer podem ser digitalizados devido a mau estado. Segundo
informações não há orçamento oficial para proceder aos restauros, mas qualquer um
pode pagar os custos, se quiser, o que tem acontecido com associações, câmaras
municipais e juntas de freguesias, até particulares, noutros casos. Em Tomar, então vila,
existem livros de baptismos desde 1626 e casamentos desde 1779, com
interrupções por época das invasões francesas, que vão sendo reconstruídas
durante o século XIX (alguém que se tenha baptizado ou casado em período que
tenha coincidido com “a invasão do inimigo” arranja testemunhas e vai reconstituir
o acto). Em Ourém as coisas são muito piores, só existem livros após as
invasões, todos os livros anteriores, que estavam depositados em Leiria na Sé
Diocesal foram destruídos. Na freguesia de S.Silvestre da Beselga também só
existem livros desde 1830.
Ler estes livros é uma aventura, que,
como todas, pode ser maravilhosa e repleta de descobertas ou cheia de torturas desesperantes e mesmo sem saída, tudo depende do padre, prior, vigário, Deus o
tenha Consigo, que redigiu os assentos. A caligrafia, aquela coisa ancestral e
em desuso, é tudo. E não se pense que melhora com o decorrer dos séculos, nada
disso. Os gatafunhos dependem de cada um independentemente da época. Há um sr.
Prior em Tomar no final do século XIX em que as ameaças a lápis nas margens são
tão elucidativas que se pode concluir que só não foi assassinado por algum leitor futuro, por motivos óbvios. Por outro lado, é um regalo ler os assentos
de frei Amador de Sousa, em 1600 na Madalena. E os visitadores (aqueles
senhores que faziam inspecções, a mando do bispo, para saber se os livros
estavam nos conformes) faziam notar isso, lá pelo sec.XVIII um deles, em
Assentis, deixou a seguinte mensagem para a posteridade: “devia escrever bem, ou melhor, devia aprender a escrever”, é por estas
e outras que a religião católica é a minha religião preferida.
Leitura conseguida, não se fica só
a saber os nomes de pais ou avós, pode-se conhecer a categoria profissional dos pais e
padrinhos, percursos de vida (num casal, ao longo do nascimento dos vários filhos
pode perceber-se a mudança de morada ou mesmo de profissão), o relacionamento e a ambição familiar (quem é
padrinho de quem, se a pessoa importante da terra se os irmãos da mãe ou do
pai), como morreu, se teve ou não tempo de tomar os últimos sacramentos, se foi
enterrado dentro da igreja, no altar-mor, no adro. Se fez testamento, nalguns
casos o testamento está transcrito no óbito. Acompanha-se a vida de alguém, o
seu nascimento, o primeiro e segundo casamentos, o baptisado dos netos. Não me
esqueço da primeira vez que encontrei o batisado de uma criança filha de mãe
solteira e da minha alegria quando, folhas adiante, vi o casamento da mãe
acompanhado da legitimação da criança, na geração seguinte observei o casamento
desta. Este happy end enternece. Da mesma forma que deprime ler, nos óbitos,
páginas e páginas cheias de crianças, muitas sem nome. Enfronhar-mo-nos nestes
livros é mais do que entrar num romance, é conhecer os personagens e
construí-lo. É viver outra vida. Aconteceu-me percorrer Assentis, onde eu nunca
tinha ido, no sec.XXI e reconhecer o Casal do Pombo e o da Estrada e as Moreiras
Grandes e as Pequenas e tantos outros locais de onde eram provenientes as
gentes das minhas pesquisas. Quem ia comigo no carro duvidou da minha sanidade
mental perante as minhas exclamações de alegria do reencontro e explicações sobre quem e
quando ali nascera.
Esgotados os livros paroquiais, ou porque desapareceram ou porque se chegou ao limite possível, outra forma de se descobrir antepassados é através das Inquirições de Genere. Algo de precioso que aprendi na Torre do Tombo. A partir do estabelecimento da inquisição em Portugal, uma das suas funções era proceder a estas inquirições. Como o nome indica eram processos que se destinavam a inquirir, no caso, a família de alguém. Resumidamente, ninguém podia ter uma carreira eclesiástica, na “função pública” da época (magistrado, bacharel na chancelaria, etc) ou, muito menos ser funcionário da própria inquisição (familiar do santo ofício) se não provasse ser de sangue puro, sem qualquer mácula de mulatice ou judaísmo. Assim sendo, era necessário investigar a família. Estes processos geralmente muito bem instruídos fornecem informações, às vezes até aos bisavós dos inquiridos, com treslados de certidões de avós, tios-avós, etc, bem como sobre comportamentos e estatutos sociais. São ouvidas testemunhas que, consoante a capacidade literária do relator, nos podem dar uma visão mais ou menos boa dos modos de vida de duas ou três gerações, a avó guardava cabras, o pai era lavrador, o tio era capitão de milícias, etc.
Esgotados os livros paroquiais, ou porque desapareceram ou porque se chegou ao limite possível, outra forma de se descobrir antepassados é através das Inquirições de Genere. Algo de precioso que aprendi na Torre do Tombo. A partir do estabelecimento da inquisição em Portugal, uma das suas funções era proceder a estas inquirições. Como o nome indica eram processos que se destinavam a inquirir, no caso, a família de alguém. Resumidamente, ninguém podia ter uma carreira eclesiástica, na “função pública” da época (magistrado, bacharel na chancelaria, etc) ou, muito menos ser funcionário da própria inquisição (familiar do santo ofício) se não provasse ser de sangue puro, sem qualquer mácula de mulatice ou judaísmo. Assim sendo, era necessário investigar a família. Estes processos geralmente muito bem instruídos fornecem informações, às vezes até aos bisavós dos inquiridos, com treslados de certidões de avós, tios-avós, etc, bem como sobre comportamentos e estatutos sociais. São ouvidas testemunhas que, consoante a capacidade literária do relator, nos podem dar uma visão mais ou menos boa dos modos de vida de duas ou três gerações, a avó guardava cabras, o pai era lavrador, o tio era capitão de milícias, etc.
As inquirições de Genere
eclesiásticas encontravam-se distribuídas por quatro Câmaras Eclesiásticas:
Braga, Coimbra, Lisboa e Évora, hoje, respectivamente à guarda das
Universidades do Minho, Coimbra, Torre do Tombo e Universidade de Évora. A
Torre do Tombo tem um arquivo das pessoas sujeitas a inquirição por nome
próprio, por apelido e por freguesias de proveniência. A pesquisa por nome
próprio, a menos que se saiba à partida quem se vai investigar, pouco ajuda, a por
apelido ajuda um pouco se conhecermos sobrenomes dominantes na família e se
estes forem pouco comuns. Por exemplo, o apelido Escudeiro vim a verificar
pertencer sempre à mesma família e estar ligado à Madalena, Assentis ou
Beselga. A pesquisa por freguesias é, de longe, a mais produtiva. No meu caso,
quase todos os padres de Assentis, não digo que fossem meus antepassados, não
só dada a impossibilidade oficial da coisa mas também porque, estou certa, eram
castos e tementes a Deus, mas eram irmãos e primos de avoengos meus pelo que,
através deles, encontrei ascendentes.
Quanto
à freguesia da Madalena e outras em Tomar, em geral, é muito difícil saber onde
se encontram as inquirições de Genere dos padres lá nascidos. Sendo Tomar uma Vigararia
autónoma os pretendentes a clérigos não tinham que se “formar” obrigatoriamente numa
diocese sede, como acontecia em Torres Novas relativamente a Lisboa.
Outras inquirições são as
chamadas leituras de Bacharéis. Qualquer jovem formado em Coimbra que
pretendesse colocar-se ao serviço do rei lá fazia o seu requerimento e lá
submetia a família a inquirições. Aqui havia uma diferença em relação às outras inquirições, em princípio estava
vedada a carreira das leis a filhos de gente mecânica, isto é, que trabalhasse
com as mãos, camponeses ou artesãos, mesmo que fossem legítimos cristãos-velhos. Mas esta condição era transponível com requerimento ao rei, sendo então o bacharel filho de um sapateiro, por exemplo, colocado em início de carreira no ultramar,
Índia ou Brasil eram uma hipótese.
Por último, as habilitações para
familiar do santo ofício, as mais exigentes quanto a pureza de sangue, e para a
Ordem de Cristo também exigiam inquirições de Genere.
As Chancelarias régias, nas quais
constam os registos de mercês, doações e ofícios dos reis, podem levar-nos, também, a
conhecer as profissões ou bens de antepassados. No caso da freguesia da
Madalena, uma vez que as suas terras pertenciam à Ordem de Cristo, a leitura
dos respectivos fundos, que estão catalogados e existem em livros encadernados desde
o sec. XVII, dá-nos a conhecer os “proprietários” (foreiros ou rendeiros) das
terras das comendas. Foi desta forma que descobri o aforamento do Casal da Belida a
Diogo Álvares de Sousa por três vidas em 1651 e a confirmação ao neto em 1758 por
mais três vidas. Pode ser que, numa destas leituras, me surja, um dia, numa época longínqua, qualquer referência a Porto da Lage. (MFM)
6 de abril de 2015
O Bem e o Mal
A um homem bom e às vitimas do mal, que nos deixaram recentemente, Que descansem em Paz.
José da Silva Lopes, 1932-2015 |
Massacre no Quénia, 2.04.2015 |
«Adão e Eva tinham liberdade para fazer qualquer coisa que quisessem, excepto comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. (Génesis 2:16-17):Deus criou Adão e Eva para serem seres livres, capazes de tomar decisões, capazes de escolher entre o bem e o mal. Foi o acto de desobediência que abriu os olhos de Adão e Eva para o mal. O seu pecado de desobediência a Deus trouxe o pecado para as suas vidas e o mal para o mundo .»
Não quero saber se a culpa é da mente arbitral
Sei que conheci poucos que escolheram ser bons!
E outros tantos tão ocupados a tecer razões
que não sobra tempo para tomar decisões
e vão apequenando a contenda desigual
Até já não restar nada para julgar.2 de abril de 2015
Boa Páscoa
Este é um esboço de Domingos Sequeira, infelizmente numa reprodução muito má, que não deixa ver o que o original nos conta com toda a maestria.
Escolhi-o, apesar disso , por retratar as emoções das gentes depois da morte de Cristo.
A dor, a pena, o medo, a curiosidade, a indiferença, variam consoante os protagonistas. Mas a todos envolvem, com uma excepção, as trevas e a perturbação. Seguir-se-ão tempos nunca vividos antes.
Nos dias de hoje, a Humanidade volta a estar perturbada, de diferentes formas, nesta montanha de escuridão e de medo.
Que, ao momento do Calvário, suceda o da Ressurreição. Boa Páscoa. (MFM
27 de março de 2015
Cada Qual seu Pão Granjeia
... não há ódios mas estimas,
tem-se amor pela vida alheia,
todos são primos e primas.
Sem ambições,
cada qual seu pão granjeia, ...
(carregue para ouvir)
Jornal O Templário 25.05.1952 |
Agenda de João Pereira da Mota, 10.02.1957 |
25 de março de 2015
Nova Companhia
As companhias de viação, responsáveis pelos transportes Estação de Paialvo-Tomar, que tantos dissabores causavam aos passageiros, pelas disputas entre si, reuniram-se em 1892, conforme a notícia abaixo. Deste modo talvez se tenham passado a evitar os distúrbios e a intervenção das autoridades naqueles casos, porque, em outros, as "diligências do sr. administrador do concelho" ter-se-ão sempre continuado a fazer sentir, como podemos ver nas "gatunices" transcritas.
A nova companhia, chamada popularmente "a empresa" tinha a sua sede, nos inícios do século XX, na Rua Direita (da Várzea Grande), pouco mais ou menos em frente ao Teatro, no local onde existiu durante muitos anos uma bomba de gasolina e agora está um restaurante. Lembro-me de ouvir os mais velhos referirem-se ainda àquele local como "a empresa", chegas "à empresa" e viras à direita, ou "vai-me comprar um carro de linhas desta cor, tem de ser marca "Coração", à loja do sr. Tomás, ao lado da empresa".
A "empresa" fechou por falta de trabalho, em 1928, quando a estação de Tomar começou a operar. Grande ambição da cidade, a chegada do caminho de ferro trouxe uma significativa melhoria de acessos (até porque, como vimos, as estradas, quer a de Paialvo, quer a de Chão de Maçãs, mantiveram-se quase sempre em mau estado) mas teve o seu reverso no fim "da industria" de transportes de Paialvo que suportava uma economia própria e mantinha um grande número de famílias. Um jovem segeiro da companhia, cuja família de quatro filhos vivia razoavelmente com o salário do seu ofício, viu-se subitamente na miséria, da qual muito tarde se veio a recompor, devido ao fecho daquela. Era o meu avô materno. Os momentos de ruptura, mesmo das aparentemente benéficas (e até inevitáveis), fazem sempre as suas vítimas. (MFM)
10.07.1892 |
21.03.1897 |
Estação de Caminho de Ferro de Tomar, 1930 |
24 de março de 2015
Freguesia da Madalena 1873 -1876 casos e dados
As marcas acima, retiradas dos Anais do Municipio de Tomar, de Amorim Rosa, merecem-me as seguintes considerações:
- Este povo da Madalena,sendo rebelde, ou não elegia a Junta ou elegia-a mal (ou a não contento de quem a nomeava), portava-se um pouco melhor que o resto do concelho no que concerne ao respeito pelo sagrado matrimónio tendo as crianças dentro do dito. Quanto ao licenciamento dos animais temos conversado, aparte o sr. conde, o que só lhe ficava bem, o "povão" não deveria querer saber disso para nada, o que também não lhe ficava nada mal, pois não acredito que não tivesssem nem um porquinho para a matança anual. (MFM)
23 de março de 2015
António d'Oliveira e José do Telhado
Camilo, o grande Camilo Castelo Branco, que, por motivos lá da vida dele, passou algum tempo na cadeia, escreveu a propósito dos episódios e das pessoas que conheceu nesses dias o livro "Memórias do Cárcere". Diz ele no inicio do capítulo XXVI, o que dedica a José do Telhado - "Este nosso Portugal é um país em que nem pode ser-se salteador de fama, de estrondo, de feroz sublimidade! tudo aqui é pequeno: nem os ladrões chegam à craveira dos ladrões dos outros países!Todas as vocações morrem de garrote, quando se manifestam e apontam a extraordinários destinos. A Calábria é um desprezado retalho do mundo; mas tem dado salteadores de renome. Toda aquela Itália, tão rica, tão fértil de pintores, escultores, maestros, cantores, bailarinas, até em produzir quadrilhas de ladrões a bafejou o bom génio!.... [em Portugal] Apenas um salteador noviço vinga destramente os primeiros ensaios numa escalada sai a campo o administrador com os cabos, o alferes com o destacamento, o jornalismo com as suas lamúrias em defesa da propriedade, e a vocação do salteador gora-se nas mãos da justiça ... faltava o telégrafo para matar à nascença as iniciativas auspiciosas. Apenas lá das povoações serranas desce à vila ou cidade a nova de um roubo, o arame palpita de horror, e a cara do ladrão é para logo litografada na fantasia de todos os esbirros sertanejos. A civilização é a rasa da igualdade: desadora as distinções: é forçoso que os bandoleiros tenham os mesmos tamanhos, e roubem civilizadamente, urbanamente. Ladrão de encruzilhada, que traz o peito à bala e o bacamarte apontado ao inimigo, esse há-de ser o bode expiatório dos seus confrades, mais alumiados e aquecidos ao sol benéfico da civilização. Roubar industriozamente é engenho; saquear a ferro e fogo é roubo. Os daquela escola tropeçam nas honras, nos títulos, nos joelhos dos servis, que lhes rojam em venal humilhação; os outros, quando escorregam, acham-se encravados nos artigos 343, 349, 87, 433, 351, e mais cento e setenta artigos do código penal."
Camilo, lá, na nuvem etérea donde nos contemplam os génios, deve estar feliz por saber do desenvolvimento “da civilização” deste nosso Portugal, no 2.º milénio. Se vir televisão, Deus permita que não, seria mau sinal, verá que já não temos razões para nos envergonhar pois já os nossos “ ladrões chegam à craveira dos ladrões dos outros países!”---não através “dos bandoleiros, dos que dão o peito às balas” mas dos “seus confrades, mais alumiados e aquecidos ao sol benéfico da civilização …Os daquela escola [que] roubam industriosamente, tropeçam nas honras, nos títulos, nos joelhos dos servis, que lhes rojam em venal humilhação”, e que, ao que vemos, estão hoje também “encravados” nos artigos do código penal os quais, ao que oiço dizer, se mantêm, mais coisa menos coisa, os mesmos.
As duas imagens abaixo, de 1889 e 1898, dão notícia de dois casos daqueles que se encontravam encravados nos artigos 343, etc. do código penal,de alguma forma relacionados com a estação de Paialvo-Porto da Lage.
Quem foi degredado em 1863 e morreu em Xissa, Mucari (Malanje, Angola), foi José do Telhado (José Teixeira da Silva). Por lá foi negociante de borracha, cera e sobretudo marfim, tendo fama de homem severo mas sempre pronto a ajudar os mais necessitados. Ganhou prestigio, tendo mesmo servido de elo de ligação entre as autoridades portuguesas e os sobas locais. Quando faleceu, em 1875 com 57 anos, a população construiu um mausoléu na sua sepultura à qual, muitos anos depois, ainda fazia romagens.(MFM)
Imagens retiradas de Memória Digital de Tomar e do Blog Kuanza Sul.
O primeiro, um roubo efectuado precisamente na bilheteira da estação, por um carregador da dita, homem, pelos vistos, de génio assomadiço que não terá gostado, percebe-se porquê, da pena que lhe foi imposta. No segundo caso, o título "Prisão Importante" poderia antes ser "Azar que não lembra ao careca", pois já viram o que é um desgraçado matar outro (sim, desculpem, não sei quais as razões, mas, pela mostra, o assassínio foi um azar: o primeiro de muitos), conseguir apanhar o comboio, sair onde o diabo perdeu as botas (sim, dizem que era uma estação importante, mas o pobre, à semelhança da maioria dos portugueses destes três séculos decorridos, não sabia), depois, ir, sabe-se lá como, direito a Porto Mendo (percebam, o homem não saiu no Porto, não saiu em Coimbra, nem sequer em Espinho, onde poderia ser reconhecido, não, foi para Por-to-do-Men-do, Por-to do Men-do, quem conhece Por-to do Men-do??), e quando se julgava seguro, lá, no meio do nada, e, com a fome a apertar se abeira da alma com a cara mais bronca que encontrou, a pedir um naco de pão, não é que se lhe apresenta o n.º 50, desfardado, da policia de Santarém? Um guarda com memória, ainda por cima, e com vontade de mostrar serviço! Nunca se tinha visto azar assim, como o do Oliveira, em 19 séculos D.C. Tivesse este episódio ocorrido 30 anos antes, teria sensibilizado o nosso grande escritor e hoje estaria também integrado nas suas "memórias". Assim calhou-lhe ser só este blog a lamentá-lo. Mais um azar. Menos mal.Passe a imodéstia, sempre saiu da obscuridade.
Sem dúvida, acabou por ir parar ao degredo, lá para as Áfricas. A propósito de degredo, esta pena, em 1867, ano da abolição da pena de morte em Portugal, foi mantida, mau grado ser considerada condenável, como meio de obtenção de mão-de-obra. Em 1880, A Nova Reforma Penal procedeu à abolição de certas penas, como a expulsão definitiva do Reino, a perda dos direitos políticos, a pena de trabalhos públicos, a pena de degredo e a prisão perpétua. No entanto, o degredo foi sempre mantido, por, supostamente, não haver cadeias de alta segurança suficientes no Continente, até 1932, ano em que se abole, por decreto, o envio de condenados para Angola, sendo que só em 1954 a pena é riscada do Código Penal português.
31.03.1889 |
11.09.1898 |
Quem foi degredado em 1863 e morreu em Xissa, Mucari (Malanje, Angola), foi José do Telhado (José Teixeira da Silva). Por lá foi negociante de borracha, cera e sobretudo marfim, tendo fama de homem severo mas sempre pronto a ajudar os mais necessitados. Ganhou prestigio, tendo mesmo servido de elo de ligação entre as autoridades portuguesas e os sobas locais. Quando faleceu, em 1875 com 57 anos, a população construiu um mausoléu na sua sepultura à qual, muitos anos depois, ainda fazia romagens.(MFM)
A lápide reza assim De um Homem que nasceu obscuro nas Beiras e morreu homenageado pelo povo em Malanje. |
Estado da campa actualmente |
Imagens retiradas de Memória Digital de Tomar e do Blog Kuanza Sul.
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