Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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11 de setembro de 2018

Saudades das Férias





- Vó, como é que se chama aquela terra, onde se vai à praça comer farturas, e quando se desce de Potalage se vê um castelo lá em cima? (M. 6anos)





                         
                     (Estrada de Paialvo, anos 20 e 50/60 do sec.XX, retiradas daqui)

1 de junho de 2018

Transitoriedades



Imagem retirada daqui

A Adega Cooperativa de Tomar fechou em 2011. Quem hoje por lá passar vê o que a imagem mostra, ou, talvez,  ainda maior degradação!

Segundo li, foi constituída em  1957 e iniciou actividade em 1965.

Antes, no ano de 1962, decorreu a compra do terreno onde foi construída. Era uma parte ínfima de uma enorme propriedade situada na encosta sobre a cidade, entre a estrada nacional (Algarvias) e o Alto do Piolhinho, chamada de O Telégrafo, precisamente por lá se ter situado o primeiro posto de telégrafo, que pertencera ao meu bisavô José do Coito e fora depois aumentada pelo meu avô João Mota.
É no diário deste último que podemos ver como, em apenas três episódios decorridos em quatro meses, se ficou, com erro de ortografia, a pensar na possível venda, se propôs o valor e se esperou pela habitual e inevitável resposta do Estado, para, finalmente, concretizar o negócio. Chegaram três conversas com o primo dr. (de espantar, se não fosse primo!), uma delas ao telefone, para se gizar o futuro local do edifício da Adega Cooperativa de Tomar.

E a história decorreu. Gloriosa, primeiro, triste depois, decadente, por fim, como todas as histórias. Sobram as ruínas e os papéis, a provarem a existência e a transitoriedade das coisas (MFM)








14 de fevereiro de 2018

Liberdade, liberdade

Nave dos Louco (1490-1500), Hieronymus Bosch




Nisto do projecto de lei sobre a eutanásia há, pelo menos, uma coisa que me agrada. Ao contrário dos ventos que ultimamente têm encaminhado tudo o que governa as nossas vidas, esta, e outra lei ainda, vão em sentido contrário – deixam-nos! É tão bom saber que pudemos! Desde criança que eu não sentia esta sensação de liberdade de “ter autorização”, já nem me lembrava de como era! Que maravilha haver um recreio no mundo da proibição instituída - de fumar, de comer, de beber, de ver, ler, falar o que vai contra o código aceite,etc,etc, - e onde nos é permitido escolher duas coisas: morrer  e levar o cão a almoçar fora!
Só espero que o vento não tome a direcção habitual e elas passem a ser obrigatórias, não por causa do morrer, que, isso, enfim, se o que há-se vir ao tarde vier ao cedo … , mas o resto? porque já o meu paizinho que sempre teve cães e os adorava, dizia – cães às refeições, nunca, que isso só os faz sofrer! (ele era reaccionário, eu sei). (MFM)


12 de fevereiro de 2018

Bom Carnaval (sem laranjadas)



                                                                 Carnaval no sec. XVI




Pieter Brueghel, o velho (1525-1569) Luta entre Carnaval e Quaresma (pormenor)



...para o carnaval não têm [os lisboetas] recreação nenhuma senão atirar laranjas azedas, e em especial nos dois últimos dias, de tal forma que nenhum gentil-homem sai fora de casa durante aqueles dias, acontecendo mortes de homens.  (Gianbattista Confalonieri , final sec.XVI)


Nota: De tal forma a violência marcava esses dias que, nos inícios do século XVII, Filipe III viu-se obrigado a proibir as «laranjadas e brigas de Entrudo». E, já agora, bom carnaval, para quem é de carnaval, para quem não é, uma terça feira de entrudo bem sossegadinha, como a que eu desejo para mim. (MFM)

18 de janeiro de 2018

Coisas que se dizem....


Coisas que se dizem ....

Se não fosse o mau gosto o que seria do amarelo?


Elizabeth Sonrel, Jeune fille en jaune


Jean-Honoré Fragonard, A Young Girl Reading.

Veloso Salgado (1864, 1945), Juventude 

Michael Steirnagle, 2010,  Yellow Dress 

William MacGregor Paxton (1869-1941), Girl with the Sea Beyond

Thomas Wilmer Dewing, 1888, Lady in Yellow 

Alfred Stevens,1867, In the Country 

Jan Toorop, 1901, the three girls, Marie, Lies and Nellie Volker van Waverveen.

Serge Ivanoff (1893-1983), Portrait of Simone Gentile in a Yellow Gown.


Gunnar Berndtson (1854-1895), 1889, The Mirror.

                                                                   

                                        .... mas não se entendem.


11 de janeiro de 2018

As primas Pena


 William George Gillies (1898–1973) Sisters Emma and Janet



Do lado direito da casa do meu avô, nos Olivais, estendia-se, perpendicular à estrada, uma estreita faixa de terra, sem árvores nem poço, onde, no tempo próprio, crescia apenas algum cereal e pouco mais. Era a “fazenda das penas”. Ao contrário do que a imaginação possa imediatamente suscitar, este nome, por que era popularmente conhecida, não se devia à aridez do terreno nem a qualquer infortúnio ocorrido no local. Mas, muito simplesmente a ser aquela, muito propriamente dito e articulado, à maneira da minha avó, “a fazenda das primas Pena”. E as primas Pena eram o que o nome literalmente indica, primas nossas, de apelido Pena. Duas. Eram duas, as primas. Secas, solteironas e respeitáveis. Moravam em Assentis de onde eram naturais, últimos rebentos de um ramo velho da velha árvore de onde brotara igualmente o meu avô. De que forma aqueles velhos esgalhos tinham nascido e estavam articulados na antiga vergôntea de modo a chamarem-se primos, não sei dizer, não perguntei, não era costume perguntar-se tal coisa, ser-se primo era coisa natural por aquelas paragens e por aqueles tempos.

As primas Pena visitavam uma ou duas vezes por ano a sua propriedade, que traziam arrendada, e, de caminho, enquanto faziam horas para a camioneta de carreira, que também as trouxera, apareciam lá em casa. Graves, reverentes, corteses, vestidas adequadamente, como era adequadamente pequeno-burguês tudo o que diziam e faziam, em conformidade com todo aquele mundo a que pertenciam. A que pertencíamos. Trajavam sempre de casaco, mesmo no pino de Julho, curto, de mangas abaixo dos cotovelos, à francesa, traziam pendurada da mão ou do antebraço a célebre “mala-de-senhora”, e, quiçá, uns anos antes, o chapéu também lhes tivesse encimado a cabeça, embora, no meu tempo, trouxessem já o cabelo, onde a cabeleireira colocara os competentes rolos, enlacado na requerida permanente. Eram senhoras, portanto. Que se sentavam, observavam do crescimento das crianças, perguntavam dos achaques e informavam dos próprios, comentavam das sementeiras e colheitas, clima e ano agrícola em geral, e partiam. Eram assim as visitas das primas, como todas as outras.

Em 1974, depois da revolução e da formação dos novos partidos políticos, a minha avó, sempre atenta e informada, e, nesta época, mais do que nunca, tratou de nos fazer saber que um sobrinho das primas Pena se dedicava, agora, à política. Era ele o Dr. Rui Pena, do CDS.

Porque era jovem e ingrata e não dava a devida importância aquilo que devia, o que, hoje, nunca lamentarei o suficiente, também aquela informação não me despertou qualquer interesse. Ao longo da vida pública do senhor, quando o via na TV, ou ouvia falar dele, não me ocorreu, nunca, a levíssima, ténue, ligação familiar que pudéssemos ter. Mas, esta semana, ao saber da sua morte lembrei-me, logo, das primas Pena. Que coisa extraordinária nos traz a idade! Donde raio se levantam estes fumos desgraçados que nos toldam e exalam um cheiro tão antigo e tão presente, nos trazem tudo à memória e nos obrigam a penitenciar das nossas falhas? Como eles me evocam, agora, aquele fim de tempo que eu presenciei. Em que tudo encaixava e era previsível. Tempo onde tudo cabia. Até a subversão. Que só causava escândalo. Mais nada. (MFM)



Nota: À família enlutada do Dr. Rui Pena , pretexto deste pequena evocação, apresento as minhas condolências.

9 de janeiro de 2018

Vieira Guimarães, Camilo e eu

                             






Para os tomarenses actuais "Vieira Guimarães" é o nome de um edifício. A casa que o seu dono, dono também do mesmo nome, mandou edificar em 1922 (data nela inscrita). Pelos anos sessenta do século passado, a casa estava condenada por um PDM que queria Tomar desafogada e com grandes avenidas e que considerava o edifício um pastiche neo-manuelino de mau-gosto. Foi por essa época que eu a conheci, moribunda, cheia de rachas nas paredes e com escadas rangentes, trémulas quando se subia e baloiçantes quando se vinha para baixo. Mas, para além de tectos onde a falta de caliça, que tornava permanentemente o soalho arenoso,  deixava adivinhar os relevos decorativos de outros tempos, que me encantavam, o seu piso superior estava cheio de outras coisas que me faziam galgar as ditas escadas, sem me importar nada com os seus gemidos - os livros. E livros à-mão-de-semear, livres nas estantes, sem qualquer constrangimento. A Biblioteca Gulbenkian tinha esta modernidade que só dezenas de anos depois as bibliotecas públicas implementaram. Sei do que falo, a minha tristeza quando entrei pela primeira vez na biblioteca municipal e me mandaram procurar no ficheiro o livro que queria! Sabia eu lá! Eu ia à procura de livros, não de um livro! A Gulbenkian, essa, sim, mostrava-mos, exibia-os, com cheiro, cheiro a velho, o meu preferido, ou a novo ainda a cheirar a tinta, o cheiro, esse filtro indispensável nos livros! Foi ali que, aos dez anos, nas férias grandes, vinda da aula de natação na piscina, eu descobri duas grandes prateleiras de livros encadernados a vermelho. Retirado um, li "OBRAS" com o O inicial meio trespassado por um ramalhete. Aquele livro tinha então por título "O Bras"!? Conclui que sim. Retirei segundo, era também "O Bras". Seria continuação? Mas havia muitos mais!  Aquele autor só tinha livros com o mesmo título? Folheei um dos "Bras", afinal não era "bras" era " Obras  de ...", vi melhor,  aquele "O Bras", era a obra literária chamada de "o Bem e o Mal" que começava assim " apresento o sr. Ladislau Tibério Militão de Vila Cova". Comecei então, desta maneira, a ler Camilo Castelo Branco, continuei sempre e ainda não acabei! (MFM)





                                                               


6 de janeiro de 2018

Dia de Reis



Reis Magos, Barro de Estremoz


Na véspera da Epifania costumam [os lisboetas] dar esmolas, cantar, tocar e fazer música toda a noite, cantando, a propósito dessa festa que se celebra, certas canções espirituais e outras profanas. Em particular, os pífaros e os trombones saem à rua durante essa noite, tocando pelas casas em busca de esmola. Como também faz no dia seguinte, outro tipo de gente. Contenta-se a gente baixa com isto, pendurando os três reis sobre as portas de todas as suas casas, e apesar de serem pinturas muito grosseiras, a sofreguidão de semelhante gente baixa é extraordinária neste dia. (Gianbattista Confalonieri , sec.XVI)





29 de dezembro de 2017

Última Folha



                                                                  BOM ANO 2018











Occidente Janeiro 1914

27 de dezembro de 2017

Remate!




         Nada mais apropriado para rematar este ano trágico!

       Ainda nem é dia de Reis, dirão. Para este povo é sempre, vistam-se e trasvistam-se os reis da               forma que as modas ditem!


Gravura alusiva ao Zé Povinho em "o dia de reis" na publicação O Antonio Maria de Rafael Bordalo Pinheiro

“Na passada quinta-feira, em plenário, os partidos discutiram e votaram um conjunto de alterações legislativas que, primeiro, acaba com o limite para os fundos angariados por partidos e que, segundo, permite aos partidos receberem o IVA de volta.
... Não vale a pena disfarçar: os partidos (PS, PSD, PCP, BE, PEV) legislaram em benefício próprio, amealhando milhões de euros à conta do Estado. E, para fugir ao escrutínio público, fizeram-no da forma mais opaca possível. O processo legislativo correu num grupo de trabalho que, por várias vezes, reuniu à porta fechada – algo excepcional no funcionamento da Assembleia da República. O agendamento da discussão/votação do projecto de lei foi feito em cima da hora, para não chamar à atenção e forçando até a retirada de outras iniciativas legislativas previamente agendadas. E, na exposição de motivos do projecto de lei apresentado à votação, não consta uma única referência às alterações que beneficiam os partidos – apenas se refere o reforço dos poderes da Entidade das Contas, dando a entender que o objectivo era somente esse. Só que, lá está, não foi bem assim. Nas palavras da ex-Presidente da Entidade das Contas (em declarações ao Expresso), “os partidos resolveram uns aos outros os problemas de cada um”, alterando leis orgânicas do Tribunal Constitucional, da Entidade das Contas, do financiamento político e dos partidos políticos. Mais claro era impossível.
Tudo isto foi premeditado. No conteúdo: a partir desta alteração legislativa, os partidos vão receber mais dinheiro, ficar isentos de impostos e resolver situações ainda a aguardar julgamento – tudo no valor de milhões de euros (.....)

                    
                         Alexandre Homem Cristo in Observador



20 de dezembro de 2017

Bom Natal

Natal em Portugal no sec. XVI



Natividade ou Adoração dos Pastores (séc. XVI- c. 1580).
Painel de azulejos atribuído a Marçal de Matos, Museu Nacional do Azulejo



 ....Costumam [os lisboetas] mandar aos amigos, na véspera de Natal, presentes de coisas doces, a que chamam consoada; e são em tanta quantidade e qualidade que não dá para acreditar. E mais açúcar, creio eu, se gasta em Lisboa naquele dia do que em muitas cidades de Itália durante um ano. Jejuam em qualquer outro dia, com excepção deste, pois tal noite é, por um hábito já antigo, e em qualquer mínima casa se encontrará uma mesa cheia desta variedade de coisas doces, das quais se continuará a comer em muitos lugares até à missa da meia-noite, a qual se diz observadamente em todas as igrejas, tanto com os religiosos, como nas paróquias, à qual vai quase toda a Lisboa, cada um onde lhe agrade, mas em particular às suas paróquias
 (Gianbattista Confalonieri , final sec.XVI*)

   Eu, final do ano de 2017, também mando aos meus amigos, permitam que assim considere os que me acompanham neste blog, os votos sinceros para que consigam, neste Natal, todos os presentes de coisas doces a que aspiram! (MFM)

Retábulo da Natividade (séc. XVI), Museu Nacional Machado de Castro



Giovanni Battista Confalonieri (1561-1648), sacerdote romano, viveu em Lisboa  entre 1592 e 1596, como secretário de Fabio Biondi, delegado do Papa em  Portugal. Desta experiência, bem como de outra, vivida em 1594, quando viajou em pereginação com o núncio, a Santiago de Compostela, escreveu duas memórias. Em di alcune cose notabili occorse nel viaggio fatto da me Giovanni Battista Confalonieri, sacerdote romano, da Roma in Portogallo, narra, com pormenor, o itinerário entre Lisboa e o santuário galego, tecendo algumas observações sobre as localidades pelas quais passou, entre as quais Tomar. Na obra Della Grandezza e Magnificenza della Città di Lisbona, apresenta uma completa descrição da cidade de Lisboa, abordando aspectos como as condições naturais, a religião, a justiça, as actividades económicas, o poder político, a demografia e os costumes dos lisboetas. A extinta Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses editou pela primeira vez estas obras, traduzidas em português, a partir dos manuscritos existentes no Vaticano, em 2002. A Torre do Tombo, depositária dos livros e revistas remanescentes, editados por aquela Comissão, expõe-os e vende-os a preços muito convidativos, pena que sejam cada vez menos. Lá descobri o volume " Por Terras de Portugal no século XVI" que, além dos livrinhos de Confalonieri, contém um outro, também sobre uma viagem a Portugal cerca de 1575, de Bartolomé de Villalba y Estanã. Neles encontramos descrições deliciosas das visões daqueles olhares estrangeiros, de há mais de quatro séculos, sobre nós, portugueses, olhares esses que, ainda hoje, nalguns casos, se revelam certeiros a apontar-nos defeitos e qualidades que mantivemos. Nas pesquisas que fiz na net não encontrei comentários sobre esta obra, que não terá tido muita divulgação junto do grande público, tendo ficado, penso eu, restrita aos meios académicos. Mas está convertida na grafia actual, sendo, desta forma, de leitura acessível e, repito, muito aprazível de ler. Recomendo. (MFM)

15 de dezembro de 2017

Escolas de Primeiras Letras IV





E a República chega, cheia de vontade de acabar com o analfabetismo, o insuficiente número de escolas primárias e a deficiente preparação dos professores (tudo preocupações novas, como já vimos)! E assim, antes mesmo de publicar qualquer legislação sobre novas medidas (o novo Ministério da Instrução Pública, que desta vez veio para ficar, só é criado em 7 de Julho de 1913), o decreto de 8 de Outubro de 1910 trata de expulsar as Ordens religiosas do ensino e a doutrina católica das escolas do Estado, medidas que devem ter posto, de imediato, metade das criancinhas portuguesas a saber ler e papaguear A Egreja e a Questão Social  do Dr. Afonso Costa!
Bom, mas como o furor revolucionário não podia trazer só asneiras, também no mesmo decreto, se dá fim às praxes e privilégios da Universidade de Coimbra, passando, entre outras medidas, o uso de capa e batina a ser facultativo e os estudantes universitários a depender da justiça comum.






Mas a República traz, de facto, uma ideologia pedagógica e um sistema educativo inovador, impondo um ensino primário elementar gratuito e obrigatório de três anos, precedido de outro, complementar, de 2 anos (passando em 1919 os cinco anos a ser obrigatórios) e antecedido do ensino infantil para as crianças entre os quatro e os seis anos. Pena é que a implementação destas políticas fosse escassa, não abrangendo todo o país, ou fazendo-o, não obtivesse resultados muito satisfatórios.                 





Entre a República e o Estado Novo vigorou o que se designa Ditadura Nacional, já com a presença  de Salazar mas, assim chamado, por não haver legitimidade Constitucional. Formalidades. Foi nesta época, em 1928, criada a Escola Primária em Porto da Lage. A sua primeira professora foi uma senhora de Cem Soldos de nome Maria José Mourão. Era nora do primeiro lojista e taberneiro de Porto da Lage, Faustino dos Santos, casada com um filho deste, de quem enviuvou muito nova, continuando a viver com os sogros. Consta que era uma mulher muito do seu tempo, culta e cosmopolita, a única que lia jornais, fumava  e discutia de igual para igual com os homens. À noite, lá ia ela para o Grémio, depois do jantar, nos Invernos gelados dos anos trinta, de escalfeta na mão, ou esta seria transportada pela criada?, não me lembro bem da história que não importa para o caso, trocar impressões sobre o assunto do dia, com os senhores informados da terra. A sua atitude liberta (consta que recusou vários casamentos por considerar os candidatos uns labregos) não seria muito da simpatia das suas conterrâneas e, diz-se, foi devido a intrigas que acabou por ter que deixar, muito contrariada, o lugar em Porto da Lage, tendo ido leccionar para Carvalhos de Figueiredo, escola onde permaneceu muitos anos e acabou a sua vida profissional.


E o Estado Novo entra em acção. É durante este período, que, finalmente, se atinge a completa alfabetização das crianças portuguesas as quais, em 1960, já se encontravam praticamente todas escolarizadas, como podemos ver nos quadros abaixo.




Quadros retirados daqui 

Sobre essa época as pessoas da minha geração e mais velhas lembram-se de salas de aula como esta (que, no caso de Porto da Lage, ficava num edifício tipo   Plano dos_Centenários), que tinha na parede do quadro, em frente, uma cruz, a fotografia do "sr. Presidente do Conselho" sempre constante, e outra, que variou ao longo dos anos, a dos presidentes, a mim calhou-me a de Américo Thomaz, sentado, de grande fita traçada sobre o uniforme branco de almirante. Fundamentais, eram o quadro preto, que se alcançava através de um estrado, e os mapas: o do corpo humano, o de Portugal, com montanhas rios e seus afluentes, províncias e distritos, e o outro, o do "Portugal Insular e Ultramarino".

A mobília consistia na mesa da professora e nas carteiras, as minhas de dois lugares, nas quais encaixavam os tinteiros, que eu nunca vi pois já eram anacrónicos no meu tempo, então já se usavam as "canetas de tinta permanente", e essas mesmas, para mim, só no dia das "provas", pois as minhas professoras, todas modernaças, autorizavam as esferográficas no dia-a-dia.



























Aprendemos todos a ler por um livro icónico, o qual, juntamente com o da 3.ª classe, ainda  hoje se edita e vende, como pãesinhos quentes, tal a nostalgia que, parece, suscitam.







O ensino durante esse longo período, embora com uma matriz comum, terá variado ao longo dos anos e das zonas do então Portugal. Eu, por exemplo, só aprendi o Hino de Portugal, depois de ter aprendido outro ....Angola é nossa ..., e por isso esta é uma das poucas coisas da minha vida de que muito me orgulho, aprendi a escrever e ler português numa terra que o respeita e onde ainda hoje é adoptado tal qual como então! Também não me lembro de ter rezado nas aulas, mesmo em Porto da Lage. E, também aqui, tive uma professora, D.Branca Amendoeira, que não nos "deu" "O Estado da Índia" que constava do programa, porque "aquilo já não é nosso, para quê perder tempo", novidade que, contada à minha avó, feroz defensora do "Portugal do Minho a Timor", muito a escandalizou e a fez declarar "não esperar uma coisa dessas daquela senhora", o que me fez pensar no caso e passar a ver aquilo que seria apenas uma coisa a menos para aprender, como algo grave e transgressor, que nunca mais esqueci.
Outra coisa que revela o sentido prático desta senhora, além de nos deixar usar esferográfica, como já disse, foi não nos ensinar as "linhas de caminho de ferro", por "já não sair nos exames" o que me fez sentir, depois,  sempre um pouco inferiorizada face aos meus contemporâneos, pois impediu -me de fazer coro com eles, quando lamuriavam das coisas inúteis que o fascismo os obrigara a aprender, e eu, desse mal, não me poder queixar, na totalidade.

A escolaridade obrigatória era então ainda de quatro anos, só no ano seguinte passou a seis, fazíamos exame no final, os de Porto da Lage eram em Tomar, e, quem prosseguia os estudos, fazia exame de admissão ao liceu ou às escolas técnicas. Pessoas previdentes, os meus avós mandaram-me fazer os dois. Os documentos necessários para as respectivas candidaturas, que a minha avó teria de providenciar, estão descriminados abaixo, pela mão da própria D. Branca.









[Os jovens abaixo dos quarenta anos que leem isto, ou porque tropeçaram neste blog ou porque o fazem por obrigação  (atenção à herança!), fiquem sabendo o que era o papel selado (não descortinei a razão da meia-folha), que terminou em 1986. Quando acabou, sentiu-se tanto a sua falta que, ainda durante muito tempo, se mandava fazer tudo o que era requerimento ou carta oficial, no "papel azul de vinte e cinco linhas", seu parente pobre. Hábito entranhado, que ainda perdura em algumas das antigas colónias.]







A escolaridade obrigatória de seis anos que entrou em vigor em 1967 só foi alargada para nove anos em plena Democracia, em 1992.Actualmente, desde 2015, a "escolaridade obrigatória cessa" quando o aluno perfaz 18 anos ou completa o 12.º ano. 
Mais de duzentos anos passados depois que o Marquês se lembrou de chamar ao Estado a obrigação de educar os portugueses, esse ainda não é assunto pacifico nem pacificado. Vai governo e entra governo, se há assunto que os entretém é a educação! É pecha velha, há sempre alguma coisa a desfazer, há sempre alguém que transporta uma novidade! Mas, malgré tout, os portugueses conseguiram, passando através dos pingos de tanta inovação e desinovação, graças também aos professores, esses seres conservadores e inertes que persistem em ensinar o que lhes ensinaram, os portugueses, dizia, conseguiram ficar, finalmente, ao nível dos outros povos, o que significa que quando este povo percebe a razão de ser das coisas e vê que elas lhe trazem benefícios, vai atrás delas!(MFM)



Para quem se interessou por estes pequenos apontamentos sobre antiqualhas da história da educação em Portugal, recomendo este artigo e mais este  e esta página do blog restos de colecção, sem esquecer os livros que mencionei aqui 

13 de dezembro de 2017

As Escolas de Primeiras Letras III





Aguarela de Roque Gameiro


Novas   dissensões  civis acontecem em Portugal durante e depois dos governos de Cabral, até que a Regeneração  vem trazer alguma serenidade e progresso ao país por um período de 18 anos.





Nos cerca de cinquenta anos que se sucedem até ao final da Monarquia, não deixam de haver reformas e contra-reformas no sistema educativo, muitas ideias pedagógicas são mesmo precursoras e inéditas mas raras vezes, ou nunca, saem do papel, devido, sempre, à pouca duração dos governos e ao facto de, querendo cada um mostrar-se melhor que o anterior, revogar a  reforma já iniciada e legislar logo outra, que não tem tempo para pôr em vigor. Era (?) assim. Destaca-se neste período a criação do primeiro ministério dedicado exclusivamente à Educação- o Ministério da Instrução Pública, sob a responsabilidade de D. António da Costa  mas que durou apenas dois meses, a criação do «Método de Leitura Repentina», por parte do poeta Castilho que deu bastante polémica  e a Cartilha Maternal que, pelo contrário, teve a aprovação nacional e que tornou o seu autor, João de Deus, também pelos seus dotes de poeta, um herói nacional.




             


























O número de analfabetos em Portugal em 1878 era de 82,4%. Na Suécia, pela mesma época, em 1881, era de 0,4%, na Noruega 0,08%, na Dinamarca 0,36%. A Alemanha apresentava 0,51%, a Inglaterra e a Escócia 1%. Todos estes países protestantes, o que leva Agostinho dos Santos, autor do livro Educação e Ensino, Porto 1911, no qual estes números são apresentados, a atribuir a responsabilidade da elevada taxa de analfabetismo, nos países católicos, à Companhia de Jesus. No entanto, nesses países e na mesma época, a taxa era bem menor do que em Portugal: 68% em Espanha, 42% em Itália, 38% na Áustria, 28% na Irlanda e 17% na Bélgica.





Nos anos setenta  do sec. XIX já a escola teria entrado nos hábitos dos meninos mais afortunadas da freguesia da Madalena, como nos indica o mapa seguinte. 


15.06.1879


Talvez alguns daqueles meninos tenham feito parte dos que fizeram exame no Concelho de Tomar em 1882 e,quem sabe, até mesmo, dos vinte e seis que foram aprovados e tanto orgulho deram à sua terra. De registar que, das 3 meninas submetidas a exame, todas passaram. Para que vejam!Se mais houvesse mais teriam sucesso!
                                                                                         6.08.1882

17.12 1882

Naquele  ano  de 1879 as aulas seriam na Madalena ou em Cem Soldos ? 
Nos finais do século as duas estavam a funcionar em simultâneo. O meu avô (nascido em 1892), frequentava a da Madalena para onde se dirigia, diariamente,  a pé, enquanto  a prima da sua idade, Ana (do lagar) ia, também todos os dias, mas  para Cem Soldos. Desconheço a razão, seria a "rede escolar" que dividia Porto da Lage ao meio, e ele, morador no centro, pertencia a uma escola diferente da dela, seria cada uma das escolas destinada a apenas um sexo, ou a vontade dos pais decidia? (MFM)


10.03.1885


                                                                                                                                (continua)