Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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21 de outubro de 2013

A Prima Marquinhas e o Arroz Doce



Um membro da família, que era sobrinho, casou. A mãe e as tias haviam preparado as sobremesas: pão de ló e arroz doce. Os cozinhados com os produtos da capoeira, do ovil ou do cabril, eram da responsabilidade duma conceituada cozinheira vinda dos arredores.
Factos consumados, almoço servido, ingerido e cada qual serviu-se do pão de ló e do arroz doce decorado com canela, dispersos pela mesa em pequenos pratos. Toda a gente lhe prestou a devida homenagem. Os bis e os tris não precisam ser rogados. A mãe do noivo, como anfitriã e briosa em receber os seus convidados, deu conta que os pratos de arroz doce que se haviam preparado, não estavam todos na mesa. Há que traze-los. Na cozinha não estão. Abre a porta dum quarto e sente o aroma da canela. Espreita por baixo da cama que lá estava e...eureka! Quem os levou para lá, para o quarto dos noivos? Tinha sido a prima Marquinhas com a sua tão característica e obstinada ideia da poupança demasiada ou, talvez, para proporcionar aos noivos, antes de adormecerem, noites plenas de doçuras.
O arroz doce continuou, na mira da prima Marquinhas, a ser um manjar só para degustar. Para satisfazer o apetite, havia outras coisas mais económicas, tais como: batatas, feijão, couves mas com pouco azeite. Uns anos mais tarde, depois do casamento do sobrinho, aconteceu um episodio de pouca relevância mas que foi aproveitado durante alguns anos para complemento de apartes de alguns dichotes.
A prima Marquinhas festejava um aniversario na companhia duma irmã, duma cunhada, filho, sobrinhos e primos, numa estancia balnear onde foram veranear durante 15 dias. Depois da simples refeição do almoço, a prima Mariquinhas coloca na mesa uns tantos pratos com arroz doce e deles serve, com conto e medida, os participantes na refeição. Não houve os "parabéns a você" porque no meio social em que se vivia, a cantiga era desconhecida, a não ser os fados do Estêvão Amarante ou as cantigas da Mirita Casimiro. Os pratos onde o arroz foi servido, vão ficando vazios. A prima Marquinhas que tinha sentado a seu lado o sobrinho mais novo, pergunta-lhe em voz audível:
 - Queres mais?
E de imediato, em voz baixa:
-  Diz que não, diz que não, diz que não!
Continuando e memorizar a nossa querida prima e tia Marquinhas, que há muitos anos está com Deus, como era seu ardente desejo, e que me levava na charrete quando eu ia a pé com minha mãe a caminho de Cem Soldos para assistirmos à missa.
Não é uma memória de enaltecimento. É uma memória para caracterizar. E... assim, quando algum mendigo batia ao portão da casa e lhe parecia que era pessoa ainda com bastante capacidade para o trabalho, entregava-lhe uma vassoura rústica (vassoura feita de galhos) e mandava-o varrer todo o pátio. Depois do trabalho feito e inspeccionado, dava-lhe a moeda ou o  óbolo.(Ilídio Mota Teixeira)


As Contas, de José de Brito (1855-1946)



* Era minha tia-avó, irmã da outra,  e igualmente bem viva e muito presente na minha breve passagem por Porto da Lage, em criança.

É verdade tudo o que Ilídio diz, aliás, creio que não haverá na memória de todos os maiores de cinquenta anos, que alguma vez privaram com a tia, prima ou apenas sª D. Maria Mota, ser menos controverso do que a própria. Na sua definição entram unanimemente dois conceitos (as palavras variarão consoante a literacia e a delicadeza de quem as profere): parcimónia e fervor religioso.

Fui, como todos, vítima dos seus interrogatórios acerca do cumprimento das obrigações do culto católico, as confissões e comunhões em dia, as orações ao deitar e levantar, os jejuns dos dias obrigatórios, tudo era questionado quando não era observado ou sabido de fonte segura. Vi uma vez um congénere meu (também sobrinho-neto) rapaz espigadote, de cabelos compridos e calças à boca-de-sino, e em quem todas estes assuntos estavam tão presentes como a água no deserto, ser torturado (não, não ponho aspas, foi mesmo) por, às cinco da tarde de um domingo ter confessado (coitado, foi-lhe perguntado e era um inocente) “ainda” não ter ido à missa!

As hipóteses de “ainda” recuperar do delito foram-lhe apresentadas num raio de vinte quilómetros, a tia sabia os horários de todas as missas nos três concelhos limítrofes! É verdade que os transportes eram inexistentes, o que pouco importava pois o menino tinha boas pernas, ainda faltavam duas horas para a última missa, o sacrifício era bem visto aos olhos do Senhor e Ele havia de o ajudar!

Valeu ao pobre não se pôr a caminho de nenhures (ela dispunha-se a acompanhá-lo) ao fim de tarde de rigoroso domingo de Inverno, o meu avô, que, não obstante não ser menos rígido que a irmã na observância dos ritos religiosos, era pessoa prática e razoável – Chega Maria, já não há nada a fazer! O rapaz terá prometido não faltar a mais nenhuma missa o resto da sua vida (acredito que, pelo menos a uma foi, agradecer a Deus por ter sobrevivido) e deixaram-no ir. Mais tarde partiu para os Estados Unidos. Ainda hoje lá está. Penso que este episódio não terá nada a ver com isso.

Mas não são só estas as recordações que tenho da tia, melhor, estas são as minoritárias.

Recordo a ternura que sempre me demonstrou. Quando a avó adoecia e a tia Alice não se encontrava por perto, era ela que atravessava, de noite, a pontesinha de madeira e a horta, escuras, de lanterna na mão, e me vinha aconchegar à cama. Me dava um beijo de boa noite e me recomendava ao meu anjo da guarda. De manhã quando acordava, já lá a encontrava em casa, na cozinha, à minha espera de caneca de leite com café de cevada e pão com manteiga na mesa. Quando a garganta ou as dores nas pernas me afligiam, impunha-se o seu remédio de eleição: algodão encharcado em álcool! Para a primeira, o dito envolto num pano era amarrado ao meu pescoço e, imediatamente, a cabeça enfiada debaixo dos quilogramas dos cobertores de papa, “para não evaporar”. Funcionava “como a graça de Deus”. Quanto às pernas, friccionava-mas com toda a força com o bendito álcool, tapava-as, também de repente, com as calças de flanela do pijama e ala, cobertores de papa para cima! Parece que o álcool, os cobertores de papa e a rapidez de movimentos, eram, para a tia, o segredo da cura!

Duas ou três vezes fui mesmo “transferida” para casa da tia. E aí a coisa era bem mais divertida. Não havia escadas e a casa cheirava a cera e a flores. E lá existia a Anunciação, sua companheira de muitos anos, pessoa conversadora e simples, que limitava os rigores de culto ao mínimo exigido pela patroa, a quem contrariava e confrontava sem grandes cerimónias num tom de voz meio gritante a que a tia respondia sempre calmamente, baixinho. A disparidade do tom de vozes, aliado ao facto da tia, como todos os Mota, ser surda, tornava aqueles diálogos deliciosos de ouvir. Agora que penso nisso, recordo que assim como eram (e são, incluo-me) surdos, os Mota falavam baixo, com calma, sem exaltações mesmo quando indignados ou até encolerizados.

Quando fiz o meu exame da 4.ª classe, em Tomar na escola da Várzea Grande, foi também a tia que me acompanhou. Lá fomos, de carro com motorista, cortesia das ligações familiares da tia, enquanto as minhas colegas iam de camioneta da carreira. Recordo-me das suas palavas de incentivo antes de entrar na sala, eu deveria, claro, em primeiro lugar “confiar em Deus” mas também lembrar-me que “era muito inteligente”, portanto tudo correria bem.

Poucos elogios calaram tão fundo em mim como este, em toda a minha vida nunca me esqueci. Assim como sempre me lembrarei da merenda que a tia  me trouxe depois e que comi sentada num banco de pedra no recreio da escola, pão-de-leite com fiambre, um verdadeiro luxo à época.
Terá sido esta uma das últimas vezes que privei com ela. Depois de sair de PL via-a esporadicamente. Já adulta, visitei-a quando estava muito doente, dias antes de falecer. Voltei então a entrar na casa dos meus encantos de criança, o cheiro ainda lá estava à minha espera. E recordo a tia a dormir, com a cabeça descansada numa bela almofada branca bordejada com largas rendas engomadas, a face visível muito rosada e um enorme sorriso que só podia ser de felicidade. O mesmo sorriso que vi na cara do meu avô no momento que partiu.  De certeza que foram, os dois, para onde sempre aspiraram ir. (MFM)

17 de outubro de 2013

Esta água foi nascer naquela encosta do monte, para vir dar de beber a quem passar pela fonte



Dia sombrio, de Natal de 1950. O ilustre médico vereador da Câmara Municipal de Tomar, marcou este dia para a inauguração da obra pública de abastecimento de água mineral a Porto da Lage, sua muito bem querida aldeia natal. Eram convidados dois membros autárquicos, o presidente da junta da freguesia da Madalena e seus adjuntos, o pároco da mesma freguesia e mais algum elemento local que colaborara na obra. Ao grupo de convidados, juntou-se uma parte da população e um reduzido número de pessoas que tinham vindo comemorar o Natal.

.....implantada em terreno público, contíguo à ponte que atravessa a Ribeira....


A operação inauguração começa na fonte implantada em terreno público, contíguo à ponte que atravessa a Ribeira. O pároco é convidados a iniciar a cerimónia. Retira duma maleta, que o auxiliar transporta, os objectos necessários que compõem o ritual da bênção com água benta. Este cumprido, o promotor da obra acciona a torneira e a água esparge - se com abundância no fundo da pia.
....agradece aos beneméritos que não estão
presentes ...


Em seguida, com umas breves palavras, agradece aos beneméritos, que não estão presentes, a cedência do uso da água que vem lá de cima da mina do monte para dar de beber a quem passar pela fonte.
....A pia do fontanário destinada aos animais foi transformada
em vaso onde foi  plantado um salgueiro...
 Segue-se a inauguração do fontanário que está na berma da estrada, ao lado da Levada, no larguinho do armazém da CUF. É uma obra ligada à da fonte da ponte. Tem em um dos lados uma torneira e um apoio para as vasilhas e no lado oposto uma torneira e uma pia para os animais beberem.
Muito bem! Finalmente os animais são bem tratados. Beberão água mineral de boa qualidade, só que, há um "busílis", têm que pisar terreno privado e o dono veio reclamar o abuso ao promotor e convidados.
Grosseria autêntica, imperdoável.


Realizada a inauguração e incidente ultrapassado, segue-se a reunião no Grémio, sala de visitas incontornável e sempre franqueada a todos os visitantes desta aldeia familiar.
O vereador e promotor dirige mais umas palavras à assistência, refere-se com bastante mágoa ao incidente do fontanário e termina com um agradecimento à vinda dos convidados.



.....A água da mina do tempo dos mouros era e ainda é
de excelente qualidade...
O Presidente da junta da freguesia que estava entre a assistência, espera pela última palavra do orador e, pegando numa laranja de um prato que estava sobre a mesa de pingue-pongue, lança-a ao ar várias vezes como quem está a calcular o seu peso e qualidade e anuncia, em jeito de pregão: vai falar o Senhor presidente da Junta de Freguesia!
E disse umas tantas palavras soltas, olhando sempre para a laranja que tinha na mão.

A pia do fontanário destinada aos animais foi transformada em vaso onde foi plantado um salgueiro e o abastecimento da água mineral aos fontanários das duas povoações, Porto da Lage e Paço da Comenda, foi feito durante cerca de 30 anos.

A conduta em cano de fibrocimento foi-se deteriorando até que ficou inutilizado. A água da mina do tempo dos Mouros, como se dizia, era e ainda é de excelente qualidade.(Ilídio Mota Teixeira)





16 de outubro de 2013

O Luisinho das Flores



Espantando os pardais da seara, José Malhoa


Pelos anos de 1930 e 1940, era frequente aparecerem em Porto da Lage pequenos grupos nómadas, vagabundos, estropiados, vadios, indigentes. Os ciganos erguiam as tendas na margem da Ribeira, estacionavam a carroça, apascentavam os animais na relva da Ribeira e, por ali ficavam durante alguns dias. Os vagabundos aproveitavam o que o abrigo lhes oferecia. Os pedintes esmolavam de porta em porta, anunciando-se com rezas e lamúrias. Os vagabundos vagueavam durante o dia e desapareciam durante a noite.

Roque Gameiro, Ilustração das Pupilas do
Senhor Reitor
Desta gente anónima, sem eira nem beira, havia uma figura que se destacava pelas suas qualidades artísticas e conduta social. É o Luisinho das flores. Tinha 20 e poucos anos, estatura média, franzino, semblante afável e levemente formoso. Não pedia coisa alguma. Vendia os seus méritos de artista nato. Tocava maravilhosamente músicas populares com um pífaro feito de folha de Flandres, mais conhecido como pífaro de lata que era muito vulgarmente vendido em qualquer feira anual. Exibia-se a pedido de qualquer pessoa cobrando-se de uma moeda de 50 centavos em níquel. À sua aptidão natural para a harmonia dos sons, juntava-se a de esculpir em papel de cor as pétalas de uma flor, uma rosa ou um cravo, formava-a sem qualquer ferramenta de corte. Usava as unhas dos dedos das mãos. Pelo mesmo preço da tocata a solo, vendia a flor. Foi esta capacidade artística que lhe valeu o cognome, das flores. O diminutivo vinha da sua pouca idade e aparência física.



O Luisinho das flores, em um dia sem data registada, deixou de aparecer assim como a "velha do chá", o ex- soldado gaseado da guerra 14 e mesmo os ciganos. Ficaram na memória de alguém, para os bem recordar..(Ilídio Mota Teixeira).



O Emigrante, José Malhoa

15 de outubro de 2013

A Velha do Chá




Pelos anos finais de 1930 e alguns de 1940*, aparecia em Porto da Lage uma senhora, de quem não se sabia a idade mas que não aparentava ser idosa. Vinha por períodos curtos com uma pequena trouxa à cabeça, de aspecto andrajoso e refugiava-se em qualquer recanto que lhe parecesse mais abrigado. De noite, acendia uma pequena fogueira com pequenos garavetos para se acompanhar e aquecer. Ali estava sentada, espevitando a pequena fogueira, balbuciando palavras imperceptíveis. Durante o dia mantinha-se no mesmo local, na mesma posição, a cozinhar, não se sabia o quê, em pequenos recipientes recolhidos de algum lado.
A boa gente de Porto da Lage conhecia-a por "velha do chá", baptismo que terá sido sugerido pelo chás variados que ela preparava e bebia.
A pobre senhora não importunava ninguém a esmolar. Quando se socorria de um auxílio, era sempre como um empréstimo; era um ovo, uma colher de açúcar, uma chávena de arroz. Quando se dirigia às pessoas para contrair empréstimo, usava de palavras e tom de voz que acreditassem o favor. Se não era atendida no seu pedido, que acontecia com frequência, lastimava-se com palavras de resignação.
Nestas tristes condições, esta pobre senhora por aqui viveu, vagabundando, durante alguns anos. Desconhecia-se a sua origem e a identidade. Não terá sido uma vagabunda qualquer. A sua fisionomia ainda delicada, comportamento e modo de se expressar, denunciavam alguma educação cuidada.
A história desta mulher fica por contar. É desconhecida. Seria dramática? Desditosa ou simplesmente uma vagabunda?(Ilídio Mota Teixeira)

As Papas, 1898, José Malhoa, 

* Ainda me lembro de a ver de pés descalços e pernas nuas, envolta em sacas de sarapilheira, cerca de 1966.(MFM)

14 de outubro de 2013

Flagrantes da Vida Real




A Taberna Vendia Leite à Medida








É verdade!… A mui antiga taberna da velhinha estalagem da Quinta de Porto da Lage, oferecia para venda duas bebidas, cada uma delas a mais antagónica: vinho tinto da região e leite mungido das vacas estabulada no pátio.
Os fregueses são diferentes mas são atendidos no mesmo balcão já muito negro, queimado pelo tempo e pelo vinho nele entornado ao longo de tantos anos. O tarro com leite ordenhado na tarde está no chão, debaixo do mesmo balcão, juntamente com garrafões de vinho, alguns cheios de vinho e outros vazios. O freguês, infante ou  dona, anuncia o que quer com a vasilha de que vai munido em cima do tal balcão. As medidas legais para servir os dois líquidos, estão juntinhas na prateleira que está por cima da pia de pedra mármore rosado.
O taberneiro, pessoa escolarizada do século XX, foi objectivo: satisfazia e complementava as refeições do dia; para o pequeno almoço da manhã, leite; para almoço e jantar da tarde, vinho da região. (Ilídio Mota Teixeira)

11 de outubro de 2013

O Xico Pirum




Diariamente  o Xico Santos, mais conhecido como Xico Pirum, guiava uma junta de vacas atreladas a uma galera, entre o cabeço da quinta e o forno de tijolo em Porto da Lage. O trabalho que fazia nunca se alterava. Era monótono e tranquilo. Ao ritmo do passo das vacas, partia das instalações do forno de tijolo, atravessava a povoação, a ponte sobre a ribeira, seguia pela frente da escola, do lagar e da casa do lagar. Na curva do moinho deixava a estrada, subia a ladeira da quinta até ao topo onde existira uma pequena casa que fora habitação do rendeiro e depois proprietário da Quinta da Belida. Nesse mesmo sitio havia sido descoberto um banco de argila. Chegando aí, o Xico Pirum escavava a barreira, com o auxílio de uma pá, lançava a argila para cima da galera. Depois era fazer percurso inverso e descarregar o barro junto ao forno. Este constante labor humilde e sem exigências, prolongou-se por tantos anos, quantos durou a cerâmica. Xico Pirum já fora do serviço de boieiro e com idade avançada, contava as suas desventuras com a polícia de trânsito, quando ia entregar alguma encomenda de tijolos a locais distantes e tinha que utilizar as estradas nacionais.
retirado daqui
As distâncias eram de alguns quilómetros, os animais andavam muito devagar e a ida e volta tinham que ser feitas no mesmo dia. Levava-se pasto de folhas de milho e pão de trigo ou de milho com algum conduto; toucinho de porco, petingas fritas, queijo de ovelha, bacalhau salgado e, manjar dos manjares, chouriço de carne magra de porco.
O Xico, contava ele, foi levar uma encomenda de tijolos lá para os lados de Tomar. Levantou-se de madrugada, muito antes do nascer do sol e pôs-se a caminho que, para ele e para as vacas, era bem conhecido. Quando se aproximava a íngreme ladeira de Cem Soldos, senta-se na boleia da galera, atravessa a vara de condução no colo e toca a passar pelas brasas, que o dia ainda vem longe, enquanto as vacas, muito lentamente vão subindo a ladeira; mas, azar dos azares, a Polícia de Trânsito, que não tinha trânsito para vigiar, estava especada no cimo da ladeira. Ora, segundo as leis do antigo Código Nacional das estradas, os boeiros ou condutores de bois, tinham que ir na sua frente e guiá-los  pela soga (corda ou correia atada aos chifres). O Xico vinha sentado atrás e a dormir. Código das estradas infringido, o polícia colhe os elementos contidos na licença camarária de trânsito e prescreve a multa. O Xico, na sua ingenuidade apela ao polícia, com coração de Marquês de Pombal, o perdão da multa, dizendo: as vacas quando chegassem ao topo da subida parariam para mijar, como fazem habitualmente, e eu acordava…e assim chegámos ao final da história das vacas que urinavam sempre que chegavam ao cimo da ladeira de Cem Soldos. O patrão do Xico pagou a multa de 50 escudos e foi-lhe descontando, semanalmente, 5 escudos na féria. O Xico, de peru nada tinha. O epíteto condizia melhor com  a pessoa do polícia que o multou, exibindo enfatuado uma autoridade de que fora investido, cobrando uma multa de valor superior ao valor da féria semanal do autuado. O Xico Pirum, como muitos outros Xicos que guiavam carroças de bois, de leis nada entendia e, muito menos, para que foram legisladas. Para ele, ir sentado na boleia da galera a dormir para compensar o sono interrompido às 4 ou 5 horas da madrugada, não continha qualquer prevaricação. Para o ordenador do serviço, pagar uma multa por um erro que não cometeu, não era justo. O Xico e a família com um pouco menos durante dez semanas não lhe causa qualquer preocupação. Continuará em paz e sossego a conduzir as vacas, a cavar o barro no alto da quinta, a transportá-lo para o forno de tijolo e a madrugar cedo para entregar tijolos em qualquer lugar.(Ilídio Mota Teixeira)



10 de outubro de 2013

Amor a Dar com Pau.




Ai credo!, José Malhoa


Um nosso conterrâneo estava mesmo com uma forte e violenta paixão. Para a acalmar, muniu-se de papel de carta perfumado que comprou na mercearia local, que fora aconselhado por peritos altamente colocados, sentou-se a uma tábua a servir de escrivaninha e, caligrafando o melhor que conseguia, inicia a missiva, transferindo para o papel que lhe vai no mais íntimo da alma e começa: menina Angélica, gosto muito de si…


Figura a Ler, José Malhoa

Mas por mais voltas que desse ao seu conhecimento, não havia meio de encontrar as palavras que exprimissem o seu profundo sentimento até que, na falta das ideias, aí vai: amo-a à cachaporra…e mais  algumas que não constam nos anais das gentes de Porto da Lage.
Também não consta nem constou que a carta tivesse obtido resposta positiva, o que não admirou; oferecer amor à mocada, por mais premissas que ofereça não agrada a qualquer mulher.(Ilídio Mota Teixeira)

9 de outubro de 2013

A Peregrinação dos Três Compadres




Retrocedendo aos anos de 1940, vamos assistir uma peripécia que foi contada por um dos participantes em jeito de queixume mas gozado por quem a ouviu e transmitiu mais tarde em jeito de anedota.
A hilaridade do episódio tem mais haver com a personalidade dos seus intervenientes do que com o seu conteúdo mas, aí vai: sábado de manhã, pelas oito horas de um dia qualquer, os três cunhados entre si, compadre António Rosa, compadre Manuel Augusto e compadre António da quinta vão a caminho de Tomar, na charrete do compadre Rosa.



...a  oficina do Ferrador Zé Paulo para onde entram por um
largo portão [ em frente, depois da descida da chamada Estra-
da de Paialvo]
Vão em peregrinação ao mercado semanal que aí se realiza. O trajeto não é longo e o cavalo que atrelado é fogoso e bom trotador. Cerca de meia-hora depois estão a descer a ladeira que conduz à cidade. Ao fundo está a oficina do Ferrador Zé Paulo para onde entram por um largo portão e vão prender o animal, mesmo atrelado, a uma estaca ao fundo do pátio.





Daqui dirigem-se ao centro do acontecimento: Praça da República, um belo espaço enquadrado por um belo edifício do século XVI onde a câmara municipal está instalada, uma igreja do mesmo século, Igreja São João Baptista, e diversos estabelecimentos comerciais. No centro a estátua do templário Cavaleiro de Cristo Gualdim Pães, fundador do castelo e da cidade. Os produtos expostos para venda, agrícolas em geral, são variados e em pouca quantidade. Vêem-se ovos, galinhas, coelhos, queijinhos de leite de ovelha, couves, batatas, ervilhas, favas, feijão, grão de bico e uma ou outra peça de barro vermelho. Nas épocas dos granjeios das hortas e das vinhas, há molhinhos de Cebolinho, pés de couve e bacelo bravo. No mesmo dia havia também o mercado quotidiano que se situava nas traseiras do edifício da Câmara.
A Peregrinação dos compadres, de boa memória e que há muito tempo deixaram o convívio dos vivos, é rotineira. Observa-se o que está à venda, compra-se algum utensílio da loja de ferragens se for necessário, um funil no latoeiro ou um balde ou ainda um caneco, trocam-se umas opiniões com este ou aquele vendedor, encontra-se um amigo conhecido de longa data, trocam-se umas informações de interesse mútuo e surge o convite indispensável: uns copos de palhete na taberna da esquina da rua que conduz à praça. Vai uma rodada, vai outra que agora pago eu, mais uma  que agora é da minha conta e as conversas começam a ser prolongadas e amistosas. Os estômagos estão vazios e depressa os 11 graus do palhete sobem ao topo.

O mercado de Tomar no local a que se refere o autor no inicio do sec. XX, ainda sem a estátua de Gualdim Pais

Chega-se a hora de regressar a casa. Apertos de mão e até qualquer dia. Já no Zé Paulo, desprende-se o cavalo que está inquieto e quer regressar à palha, é guiado até ao início da ladeira que desceu na vinda. A subida é longa e cansativa. Quando se chega ao topo é necessário "dar de beber à sede", quer às pessoas quer aos animais. Para saciar, está lá o Elias, ponto estratégico, com paragem obrigatória, de longa tradição. Mais uma rodada para a cumprir e de novo a caminho. O compadre Rosa toma o seu lugar de condutor, rédeas na mão, cigarro barrigudo apagado colado ao lábio inferior canto da boca, rosto congestionado, pálpebras inferiores avermelhadas, alivia o travão, dá rédeas ao cavalo e aí vai caminho de casa. O compadre António da quinta, sem dizer uma palavra, um pouco ensonado, vai sentado ao seu lado. É sóbrio nas bebidas e comidas mas nestas circunstâncias excedeu-se um pouco. É  mais versado na agricultura que nos negócios de ocasião. A segunda etapa do regresso é percorrida mais facilmente. É sempre a descer, salvo uma subida. Entram em Porto da Lage, seguem na direcção da azenha e…. ponto final. Rédeas  no descanso, Um pé no estribo outro no chão e… o compadre Manel? Tinha ficado no Elias. Não teve tempo nem agilidade para subir à charrete. Chegou a casa algumas horas depois. Pelo caminho veio destilando os 11 volumes do palhete. (Ilídio Mota Teixeira) 






8 de outubro de 2013

Largo da Estação


Nas duas décadas de 1930 1940, este largo foi ao centro da actividade económica da pequena população que emergiu com chegada do comboio na segunda metade do século XIX.

À sua volta estabeleciam-se uma oficina de barbearia, um estabelecimento, bem amplo, com venda de produtos de mercearia, vinho, posto de correio e telefone, uma outra mercearia também muito bem implantada, uma farmácia com técnico farmacêutico permanente, um depósito-armazém de adubos e uma pequena loja de panos com um armazém de sal anexo.



Algumas casa do "largo" hoje.


O movimento que por aqui se fazia era de notar. Passageiros que chegavam e outros que partiam, mercadorias chegavam consignadas à destilaria do álcool, ao forno de tijolo ou cerâmica de barro vermelho, ao armazém do sal, ao depósito de adubos, um ou outro vagão com fardos de palha para alimento de animais. Da região do Pombal chegavam também vagões com desperdícios das serrações de madeira, para serem queimados nos fornos da padaria da cerâmica.

Das povoações vizinhas - Outeiros, do concelho de Torres Novas, vinham os peleiros com os saldos dos animais que não haviam conseguido colocar durante o mercado semanal de Tomar. Traziam cabritos, coelhos e galinhas. Quando conseguiam comprador, que não era fácil, matavam o animal, penduravam-no nas grades de ferro, esfolavam-no e tirava-lhe as vísceras, que davam aos cães que por ali vagueassem. Estes negociantes, geralmente rapazes entre os 15 e os 20 anos, deslocavam-se cavalgando asnos, de aldeia em aldeia, pregoando a compra de peles, ceras, metais, trapos, lãs e outras sucatas.


Largo da estação nos anos 80 (o mais antigo que consegui arranjar)
 


Ainda no largo da estação nos anos de 30, estacionava algumas vezes nas tardes de sábado, um automóvel dos anos de 20, que vinha de Tomar. Sobre banco de trás trazia um estrado de madeira com alguma carne de bovino. Quando chegava tocava uma corneta. Trazia uns ossos que temperavam muito bem a sopa de massa que se comia ao domingo.


Largo da Estação hoje.






Nos anos de 1943 e 1944, em pleno conflito mundial de 39/45, a estação de Paialvo teve movimento extra com candongueiros que vinham do Porto e outros que se dirigiam a Lisboa.

 Vinham em pequenos grupos nos comboios da madrugada, com uma ou duas malas de viagem para ocultarem as embalagens que traziam dentro. Abasteciam-se onde melhor lhes parecia e partiam no comboio que os levasse ao Porto. Algumas vezes eram perseguidos pelos fiscais da Intendência Geral de Abastecimentos que lhes aprendiam o que transportavam. O exercício da candonga era arriscado mas compensava. (Ilídio Mota Teixeira) 


7 de outubro de 2013

Baptisados de Portalegenses









Em 1.º dia do mês de Setembro  de seiscentos e noventa e sete anos baptisei e pus os santos óleos a Josepha filha de Joseph Lopes e de sua mulher Maria Lopes  moradores no Porto da Lagem, padrinhos Joseph Godinho Ribeiro por procuração de Luísa Roiz da Ribeira de Litém do Bispado de Leiria e por ser verdade fiz este assento que assinei dia mês ano supra

Frei António Amador




Em vinte e oito dias do mês de Abril do ano de setecentos e um   baptisei e pus os santos óleos a Manuel filho de Simão Roiz e de sua mulher Isabel Freire moradores no Porto da Lagem, padrinhos Manuel Gavião de Fungalvaz e Maria Freire de Carvalhal do Pombo, freguesia de Assentis, e por ser verdade fiz este assento que assinei dia mês ano supra

Frei António Amador

 Fonte: Assentos de Baptismo da Madalena, Fundo dos Registos Paroquiais da Torre do Tombo





29 de setembro de 2013

Tempo de Eleições - Evito Mais de Lá Voltar



Em tempo de eleições, o exemplo de um dia das ditas em Porto da Lage há quase 54 anos contado pelo eleitor João Pereira da Mota: ... ao passar à escola apareceu o meu irmão António e M. Rosa, deu-me uma lista e votei, evito mais de lá voltar ...


[Durante o Estado Novo realizaram-se eleições para as Juntas de Freguesia,  legislativas e presidenciais (estas até 1958).
Havia dois processos de recenseamento dos eleitores: a inscrição oficiosa, feita pelas comissões concelhias de recenseamento (compostas por elementos da União Nacional) com base nas indicações fornecidas pelos serviços públicos e que eram instruídas para “aumentar o número de eleitores de reconhecida idoneidade política” e a livre inscrição de eleitores, que era praticamente insignificante.
Podiam votar os homens maiores de 21 anos, chefes de família, que soubessem ler e escrever e contribuíssem com um determinado valor para o Estado, bem como um número muito restrito de mulheres que fossem chefes de família, tivessem curso geral dos liceus ou curso superior ou contribuíssem com uma determinada quantia para o Estado. Não podiam ser eleitores todos os que o Governo considerasse que “professassem ideias contrárias à existência de Portugal como Estado independente e à disciplina social e os que notoriamente carecessem de idoneidade moral”.
Os boletins de voto eram fabricados e distribuídos pelas candidaturas, não podendo haver qualquer tipo de diferenças entre eles. Assim, a oposição, nas eleições em que era permitida a sua candidatura, tinha de tentar averiguar como eram os boletins de voto da União Nacional para poder fabricar iguais. A simples diferença de milímetros na espessura do papel ou uma ténue diferença na tonalidade da cor era o suficiente para anular os boletins da oposição. Estes boletins eram distribuídos pelos eleitores por elementos das próprias candidaturas o que colocava entraves à oposição pois  não tendo acesso à cópia dos cadernos eleitorais não sabia quem estava ou não recenseado para poder distribuí-los.] (MFM)
Nota: As condições politicas e sociais em que se desenvolviam as eleições na época referida penso que são conhecidas de todos. Pretendeu-se aqui apenas dar um pequeno contributo para recordar o seu ordenamento legislativo e técnico; quem tiver a mesma curiosidade relativamente à Monarquia Constitucional e à  1.ª República, estes links apresentam excelentes resumos.

25 de setembro de 2013

Cristãos-Velhos e Porto da Lage


As habilitações de genere são posteriores ao Breve "Dudum charissimi in Christo" do papa Xisto V, de 25 de Janeiro de 1588, que proibia o provimento de benefícios em pessoas com ascendência de cristãos novos.

Francisco de Quevedo(1580-1645), orgulhoso
cristão-velho:
Yo te untaré mis obras con tocino/
 porque no me las muerdas,
 Ninguém, mesmo apresentado pelo bispo ou pelo Papa, podia tomar posse de um benefício dentro da diocese, sem se tornar previamente “habilitado”, ou seja, sem ser submetido a rigoroso inquérito cuja conclusão provasse que o próprio e a sua ascendência eram cristãos-velhos, sem mistura de judeu ou outra raça. Inquirições de genere eram pois inquéritos à ascendência que tinham por finalidade provar a limpeza de sangue dos candidatos a determinados cargos e que davam origem a processos. Nos candidatos à vida clerical a habilitação de genere era condição para o requerimento da primeira tonsura.  O processo de habilitação iniciava-se com a petição do habilitando dirigida ao bispo da sua diocese, onde constava a filiação, a naturalidade dos pais, os nomes e naturalidade dos avós paternos e maternos. Na altura o habilitando depositava na Câmara Eclesiástica, a quantia necessária para as despesas das diligências, sendo-lhe passado um recibo. Sendo necessário fazer diligências noutra diocese, o juiz das habilitações de genere enviava ao respectivo juiz ordinário, uma precatória ou requisitória de habilitação.

Para proceder às respectivas diligências, existia um juiz comissário que, com o seu secretário, se deslocava ordinariamente às freguesias de naturalidade dos inquiridos, dos seus pais e dos seus avós, com a finalidade de proceder ao inquérito. O comissário começava por abordar os párocos das freguesias dos inquiridos, encarregando-os de nela escolherem as testemunhas. O interrogatório era então feito àquelas testemunhas, em número de oito ou mais, idóneas e bem informadas. Os depoimentos eram jurados sobre os Santos Evangelhos e com declaração de pena de excomunhão contra os transgressores. Uma das normas impostas consistia em guardar segredo sobre as declarações prestadas. Os inquéritos obedeciam a seis quesitos. Destes, os cinco primeiros diziam respeito ao conhecimento dos indivíduos em causa e dos seus ascendentes – pais e avós paternos e maternos. No sexto, perguntava-se se eles foram sempre cristãos e limpos de sangue. Inquiria-se ainda se alguma dessas pessoas fora alguma vez penitenciada pelo Santo Ofício, se pagara finta lançada a gente hebraica, se cometera crime de heresia, se incorrera em infâmias e coisas semelhantes. Da instrução também faziam parte, as certidões de baptismo do habilitando e de seus ascendentes, as certidões de casamento dos pais e avós, podendo ainda constar as declarações dos ofícios dos pais e avós paternos e maternos, entre outros documentos.
A sentença dada em relação, confirmava a informação genealógica do habilitando. Se a quantia depositada excedesse as despesas das diligências, o depositante era reembolsado, assinando o recibo que ficava no processo.

Os irmãos Manuel da Costa e Simão da Costa, candidatos a padres, moradores no Arcebispado de Lisboa “há muitos anos e naturais da Prelazia de Tomar, freguesia de Santa Maria Madalena”, filhos de Manuel Dias e Maria da Costa, moradores em Cem Soldos, netos paternos de Belchior Dias e Catarina João e maternos de Simão da Costa e Filipa Simoa, pedem que lhe seja feita a sua inquirição de genere em 20 de Dezembro de 1695. Nesta sequência é enviada uma carta precatória para Tomar, cujo juiz despacha no sentido de serem feitas diligências na Madalena. Em Cem Soldos são ouvidas dez testemunhas, incluindo um padre, não percebi se seria ou teria sido o pároco, embora a sua idade, 93 anos (pouco mais ou menos, como todos os interrogados) indique que já não estivesse em actividade, digo eu. Pois além do padre Matheus Nunes depõem Manuel Vaz, Manuel Lopes Mourão, Manuel Dias Carvalho, Manuel Gonçalves, todos eles de aproximadamente 62, 87, 72 e 60 anos , Grácia Nunes viúva, também com 93 anos “pouco mais ou menos”, João Lopes, homem solteiro que foi lavrador, com 90 anos “pouco mais ou menos” , António Lopes, António Jorge e António Nunes, todos trabalhadores com 44, 52 e 62 anos “pouco mais ou menos”, respectivamente. Todos se pronunciam sobre o grau de conhecimento que têm ou tiveram com os habilitantes, com os pais e com os quatro avós. A alguns conheceram de toda a vida de outros só ouviram falar. Do que conhecem garantem ser baptizado, cristão-velho sem mancha de judeu, mouro, mulato, mourisco ou de outra nação infecta das reprovadas em direito pela nossa Santa Fé Católica. De cada declaração é lavrado auto que é assinado com nome ou cruz.

No final do processo a sentença, emitida em finais de 1696, conclui pela limpeza de sangue dos dois manos que terão sido, esperemos que sim, dois saudáveis e felizes representantes da sua igreja, enquanto foram vivos. Depois …esperemos que também.

À semelhança dos irmãos Costa, em 1716 o padre Manuel Escudeiro, também de Cem Soldos, o padre Manuel Lopes Brandilanças em 1699,o padre  Manuel de Sousa em 1704 e o padre João de Sousa em 1714, todos os três de Assentis, foram sujeitos a inquirições de genere e a todos foi certificado que detinham a competente pureza de sangue. Todos eles pertencem a famílias - Costa, Escudeiro e Sousa – que, por sua vez, deram origem às gentes de Porto da Lage.   Manuel de Sousa Rosa é descendente directo dos pais de todos aqueles padres, à excepção dos Costa. Augusto Motta através do lado materno descende dos Sousa e dos Escudeiro e, do paterno, dos Costa. Mas, a bem da verdade eu já intuía, não precisava de tanta inquirição para saber que os que eu conheci só podiam ser “da boa e velha cepa” de cristãos velhos! (MFM)

O Padre António Vieira  lutou para acabar com a distinção entre cristãos-velhos e cristãos-novos,
 não o conseguindo. Curiosamente foi o Marquês de Pombal, inimigo dos jesuítas, que acabou com tal distinção
 em 1772.


                                                          
Bibliografia Consultada: ADVIS , boletim informativo do Arquivo Distrital de Viseu; site da Torre do Tombo

23 de setembro de 2013

Porto da Lage nas Estradas Romanas






Mapas constantes da publicação: "Subsídios para a Carta Arqueológica do Concelho de Tomar"
de Maria João Mêndia de Castro, Lisboa, 1973- Dissertação para a Licenciatura em História, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 

10 de setembro de 2013

Recordar é Matar Saudades 8

A diáspora portuguesa, na qual se insere, à sua medida, a portalegense, trouxe sempre o seu reverso – os torna-viagem mais os de fora arrastados por aqueles. É o caso que, desta vez, Dulcinda Teixeira nos conta. José Pereira da Mota, natural das Sobreiras onde nasce em 1908, filho de mãe portalegense, parte, rapaz novo, no final dos anos vinte do século passado à procura de vida melhor para a distante colónia de Moçambique. Por lá prospera e se liga por casamento a uma família de origem mauriciana. Por sua influência, um sobrinho da mulher vem frequentar o colégio em Tomar e assenta arraiais nas férias por Porto da Lage e Paço da Comenda. Parece que a simpatia e o desprendimento africanos encantam de modo geral os nativos, fascinam as raparigas, contendem as mães e provocam, por fim, casamento. O estudante moçambicano constitui então família com uma local e com ela regressa à terra de partida, com passagem por outros mundos. Por fim, a volta derradeira. José Pereira da Mota, a causa do rumo destas vidas, repousa, por vontade expressa, no cemitério de Cem Soldos.(MFM)


Quem era Luís Charles Dupont?

Luís Dupont com um grupo de PL em 1952

Se não estou em erro de memória nos finais do verão de 1948 chegou a Lisboa um jovem vindo de Moçambique com destino ao velho colégio Nun’Alvares em Tomar ainda situado na Av. Dr. Cândido Madureira, em frente ao hospital da Misericórdia.
Esse jovem era sobrinho da esposa de um senhor natural das Sobreiras, de seu nome José Pereira da Mota (filho de uma Brigida Rosa Motta, das Sobreiras e de um António Pereira, dos Gaios) o qual, muito jovem nos finais dos anos 20, emigrou para Moçambique. Sei que em rapaz tinha sido empregado na mercearia da tia Anita e do tio António da Quinta.
Ora o Luís Dupont ao chegar à Metrópole como ainda não havia aulas veio para casa da mãe de José Mota. Quando começou o ano lectivo foi interno para o Colégio e vinha nas férias para as Sobreiras.
O Luís era muito comunicativo, atencioso, vestia calção branco e camisa branca, tinha mesmo um ar de África e lá no Paço da Comenda havia uma ou duas raparigas que andavam encantadas com ele.
O Luís morou ainda, durante as férias, em casa de uma senhora D.Conceição que devia pesar mais de cem quilos e morava ao lado do José Alfaiate na estrada para Torres Novas e também nas águas furtadas da casa do Dr. Henrique Mota, por cima do Taxa, pai da Estela. Depois houve confusão entre as mães da Estela e da Lurdes Nunes e o Luís deixa aquela casa. Agora não sei se ele veio das Sobreiras para a casa da D. Conceição ou se foi das águas furtadas para a D. Conceição.
Aquela D. Conceição não era de cá, veio da freguesia das Olalhas concelho de Tomar, não sei como vieram aqui parar. O Quim Bernardo, seu neto, deve saber. A mãe do Quim era filha da D. Conceição. Não me lembro do Quim ser bebé, recordo-me de ele ser menino de três/ quatro anos a caminho de Paialvo no meio da mãe e da avó, íamos para a missa. Gentes de fora que vieram para a nossa terra por várias razões.
Em 1951 ou 1952 o Luís frequentava Medicina na Universidade em Coimbra e já namorava com a Lurdes cuja família se mudou para o Paço da Comenda, eu já pouco o via embora ele viesse aqui passar férias.
Formou-se em Medicina, casou e nasceu o primeiro filho, passados dois ou três meses foi para os EUA 5 anos com uma bolsa. Em 1964 regressou com a família a Lourenço Marques, nasceu lá a filha em 1967. O Luís e a Lurdes em Lourenço Marques foram muito meus amigos. Ele tinha consultório numa avenida da baixa. Quando eu podia ia lá um bocadinho conversar com a Lurdes.
Também em Lourenço Marques conheci os pais do Luís, os dois irmãos e a irmã. Conheci também o José Pereira da Mota de que falei atrás, a esposa, que era tia do Luís, irmã da mãe, e as três filhas. Enfim, conheci os Dupont todos. O pai do Luís era natural das ilhas Maurícias, a mãe era uma mistura de África com Ásia, pelo menos parecia-me. A esposa de José Mota era uma bonita mulher. Cabelos negros muito encaracolados, pele branca mimosa, com traços (nariz) africanos. O Luís em Lourenço Marques era mais mauriciano do que africano. Os filhos do Luís, o mais velho e o mais novo já tinham traços europeus. A filha que faleceu depois da mãe quinze anos, quem a conheceu aos vinte anos, diz que era uma beleza exótica. O filho do meio, o Tony, é o retrato vivo do pai. Tinha todo o orgulho em dizer “eu sou americano”. Nasceu em Boston, um ano depois da minha filha.
Os dois rapazes filhos do casal devem viver ainda no Porto. Casaram, descasaram, voltaram a casar, etc.
Em 1974 regressámos todos às origens. A família Dupont instalou-se na cidade do Porto. Quando eu regressei da África do Sul a Lurdes já estava doente tendo vindo a falecer vítima de câncer da mama, a mesma fatalidade que levou há 13 ou 14 anos a filha que deixou um bebé com um ano.
Em 1976 ainda vi os cinco em casa do Ilídio no Porto.
A doença do Luís agravou-se muito algum tempo depois de ter casado 2.ª vez com uma médica da Figueira da Foz. O Luís faleceu no princípio de 2012, diabetes ao mais alto grau.
A última vez que o vi foi há uns treze anos, no tribunal quando do divórcio de uns amigos nossos.
A estória do percurso do casal Dupont foi muito cheia de trabalho, nome, bem-estar, economicamente um sucesso, mas infelizmente não lhes faltaram doenças. (Dulcinda Mota Teixeira)

3 de setembro de 2013

Recordar é Matar Saudades 7

                                           
                                                            Saída Para a Missa


... a manobra correu mal e lá vai tudo parar à ribeira.... *

Não sei ao certo que idade tinha um rapazinho que este ano completa 79 anos. Calculo que esta facto aconteceu em 1941 ou 1942. Seria Primavera porque a ribeira não levava muita água. Era Domingo, horas de sair de casa na charrette a caminho de Cem Soldos para participar na Missa das 9h 30m como foi habitual durante largos anos.
Quem queria ir à missa? Era a tia Anita Rosa Mota, mãe do sr. João Narciso e avó do Henrique António Narciso (teria talvez oito anos e tal). A senhora era casada com o meu tio António (da Quinta) pessoa muito cuidadosa com os animais e muito competente para conduzir um cavalo, macho ou uma junta de bois. Não sei dizer por que razão o tio António não tomou a seu cuidado preparar a charrette e o cavalo com os seus arreios para atrelar o animal. A casa de habitação tinha um pátio calcetado onde se atrelava o cavalo e as pessoas subiam para a charrette. Para sair, passavam por um túnel de baixo da casa, um espaço que vinha dar à estrada, fechado pelo portão. Contava, quem viu o acidente, que a avó e o neto vinham em cima da charrette quando saíram do portão. Ao lado da entrada segue a ribeira. Nesta data a Câmara ainda não tinha feito as obras que agora existem. Em frente do portão havia, do lado da ribeira, um murete com dois ou três metros de comprimento e 50 cm de altura. Penso que a charrette vinha de marcha atrás. A manobra correu mal e lá vai tudo parar à ribeira.
Lembro-me que quando cheguei lá a casa com a minha mãe, o Henrique estava embrulhado num cobertor com a cabeça molhada e a avó estava a ser tratada pelo irmão Henrique (médico) e tinha sangue na cabeça. Não me lembro de ver o tio António, nem sei se o cavalo ficou ferido e a charrette ficou inteira. Se o Henrique se lembra só ele pode corrigir-me. As pessoas (10) que ali moravam já todos faleceram, bem como os pais do Henrique que não moravam ali.
Quem teria sido o culpado da aventura frustrada só o neto, a avó e o marido da avó saberiam.
Lembras-te Henrique?  (Dulcinda Mota Teixeira)

* Pormenor retirado da ilustração daqui

2 de setembro de 2013

Recordar é Matar Saudades 6

                                Serenata a Fungalvaz

No inicio do Grémio a juventude masculina andava muito motivada com a cultura. Havia quem os estimulasse. Então, talvez por volta de 1935 ou 36 formaram um grupo de alunos de música. Violinos, guitarras, violas, cavaquinho e não sei que mais. Quando os futuros elementos da banda de Porto da Lage já sabiam arrancar os sons dos seus instrumentais combinaram ir uma noite até uma povoação que se chama Fungalvaz que dista daqui uns três quilómetros.
O que iam os jovens de Porto da Lage fazer a Fungalvaz de noite? Uma serenata às jovens de lá!
Mas correu muito mal! Os jovens de lá não aceitaram a visita dos vizinhos românticos. Correram-nos com pedras e paus.
Os nossos para lá foram estrada fora, no regresso vieram a corta-mato, camuflados com as hortas e vinhas. Um perdeu o arco do violino, outro estragou a guitarra. Chegaram a porto salvo arranhados e rotos.
Esses jovens hoje teriam cem anos, uns mais outros menos. O meu irmão este ano completava 90 anos, era dos mais novos, não sei se participou nesta serenata. O seu violino esteve intacto muitos anos em casa dos pais, levaram-no para o Porto e não sei que caminho levou.
Não sei as letras das canções desta época mas recordo-me de ouvir as minhas irmãs mais velhas cantarolar: “ A chita da minha blusa já não se usa…”, outra era a do Zé Ninguém …”Soldado lá das trincheiras, se vires o porta-bandeira …, outra ainda “…oh Ribatejo pai do meu Tejo, já te não vejo sempre a cantar…”
Ainda hoje quando há programas de canções de sempre volto à minha infância tão distante! (Dulcinda Mota Teixeira)


Fungalvaz by night (foto tirada da net). Haveria luar naquela noite?




30 de agosto de 2013

Recordar é Matar Saudades 5


                                                              Varejo Doutrinal




Escola Primária de Cem Soldos



Havia noutros tempos uma tradição praticada pela rapaziada de Cem Soldos. Já no alvorecer do sec. XX quando a minha mãe lá frequentava a escola primária – parece que a “mestra” era uma D. Júlia – contaria ela nove ou dez anos, à hora que as crianças grandes ou pequenas desciam a ladeira de regresso a casa a rapaziada local vinha para as terras mais elevadas frente à estrada e mandava pedras e torrões para fazer perseguição aos que não eram de lá. Isto manteve-se durante décadas.
Quando da doutrina de 1944 ainda mantinham essa antipática tradição. Ora aconteceu que a falecida Helena Leonardo era a mais alta do grupo e apanhou com um torrão nas costas.
A Helena participou o acontecido ao sr. Prior, ele ouviu e disse:
- Está bem!
Na aula da doutrina seguinte, já estávamos todos na sacristia quando chegou o sr. Prior com uma vara disfarçada com a batina.
- Olha lá menina, qual destes rapazes mandou o torrão?
A Helena apontou o tal rapaz. O sr. Prior chamou-o:
- Anda cá!
O rapaz levou uma sova com a vara que até fez xixi pelas pernas abaixo.
Se o rapaz ainda for vivo terá talvez 82 anos, será que ele ainda se lembra?
(Dulcinda Mota Teixeira)




29 de agosto de 2013

Recordar é Matar Saudades 4

                                                Comunhão do ano de 1944

Vou recordar o ano de 1944. As crianças dessa data eram: Marília Reis, Maria do Rosário Vasconcelos, Maria de Lurdes Nunes, Maria do Rosário Batista, Maria Helena Leonardo, Maria Filomena Narciso, Dulcinda Teixeira, penso que a Silvina e a Celeste Sousa também iam no grupo.
Rapazes: Henrique João, Henrique António, Mário Reis.
Ora este ranchinho ia todos os dias à tarde para Cem Soldos, quase 3 km, para a doutrina com o Prior.
Nesse ano havia um menino de Cem Soldos com sete anos, de nome António Mourão Corte Real que ia fazer a primeira comunhão.
A mãe do menino quis fazer a festa toda à sua custa. Ao aproximar-se o dia grande havia ensaios com a criançada. A senhora, mãe do menino, mandou vir não sei de onde alguns fatos de anjo para dar mais solenidade à festa.
Dois ou três dias antes havia montes e braçadas de verduras de mato para engalanar as portas e arcos da velha igreja de S. Sebastião (finais do sec. XVI) e atapetar as ruas da aldeia para passar a procissão (faz lembrar o João Villaret).
 Eram homens e rapazes com escadas para colocar as grinaldas verdes e as colchas adamascadas das famílias ricas de Cem Soldos. A igreja ficou muito bonita.
No dia da festa os pais do menino Corte Real serviram o pequeno-almoço depois da comunhão a todas as crianças presentes. Mais tarde, não sei a que horas, serviram o almoço: sopa e carne não sei de quê, muitos meninos e meninas comeram que se regalaram mas outros (eu) não apreciaram muito o banquete.

 retirado daqui
À tarde formou-se a procissão, os anjinhos de asas brancas, as raparigas da JACF, os seminaristas do seminário de Tomar, os homens da Confraria de capas vermelhas, o Prior e mais um ou dois padres, debaixo do pálio.
Foguetes e mais foguetes, uma menina a chorar por causa dos foguetes, etc.
Ora aconteceu que com os fatos de anjo de asas brancas veio um fato de S. João Batista destinado a um rapazinho filho de uma professora da terra.
O nosso Augustito Carmona da Mota nessa data teria 5 anos e a avó Conceição Carmona mandou, para o seu neto vestir, um fato de anjo de asas brancas. Quando as senhoras de Cem Soldos começaram a vestir os anjinhos, o filho da professora negou-se a vestir o fato de S. João Batista. As senhoras, então, resolveram, sem pedir opinião à mãe, vestir o Motinha de São João. O fato de anjo que era para o neto da D. Conceição Carmona vestiram-no a outra criança.


A D. Maria José Carmona da Mota quando viu o filho vestido de São João não fez escândalo porque era uma senhora. Chorou, protestou, desabafou com o marido: “ o meu filho ia vestido de palhaço”.
A festa acabou ao fim da tarde, julgo que era dia de Corpo de Deus. Nunca mais esqueci os pormenores deste dia.
Hoje ainda lá está a igreja com algumas alterações no altar, assim como em todas as igrejas depois do Concilio Vaticano II. O menino Corte Real faleceu novo, assim como os pais. A herdeira do menino vendeu a moradia cinzenta, no adro. Dos que em 1944 assistiram à festa já quase todos partiram e das crianças do grupo de Porto da Lage já partiram 2 raparigas e o resto estão com 75, 76, 77 e 80 anos.
Recordar é matar saudades.
9-07-2013 (Dulcinda Mota Teixeira)



28 de agosto de 2013

Recordar é Matar Saudades 3



                                                        O Padre Nicolau
                       
                                                                                              (continuação)
Em maio de 1954 a nossa freguesia foi percorrida pela imagem de N.S de Fátima, mas como a nossa casa tinha muitas janelas e poucas colchas eu tinha exposta uma toalha de linho bordada com motivos azuis. O prior observou e gostou.
Quando me encontrou pediu-me a toalha para mandar colocar no púlpito no dia 15 de agosto - a grande festa dele era o dia 15 de agosto, dia da Assunção de Nossa Senhora. Tive muito gosto em ouvir o sermão a olhar para a minha toalha. Já lá vão 59 anos e ainda a tenho. Não sei se a minha filha ou netos a mandarão para o contentor da Cruz Vermelha.
Lembro-me de ele ter uma empregada a quem chamavam “a panela”. O Prior andava saturado de a aturar não me lembro porquê e ela foi-se embora.
Mais tarde, já eu tinha uns vinte anos, o prior parou aqui à porta e falando com a minha mãe queixava-se de não ter quem o servisse. Eu, sabendo que ele não podia ouvir falar nela atrevi-me a propor-lhe “a panela”. Resposta:
- Menina, se quer ganhar o céu leve-a para sua casa!

Teve também a viver e a tomar conta do serviço da casa uma tia dele. Queixava-se que a tia para cozinhar galinha tinha que juntar vaca e para cozinhar vaca tinha que juntar galinha – ficava caro.
Quando tinha festas de igreja e convidava um ou dois padres para ajudarem, a tia cozinhava pouca comida, então sem a tia perceber pedia à esposa do médico para lhe fazer uma panela de sopa a título de oferta.

A localidade de Cem Soldos não tinha padaria. Ia para lá o pão da padaria do sr. Jorge e era o filho – Artur – que ia lá vender o pão. Nessa altura o Artur era rapazola e ia à porta do Prior entregar o pão. Então o Prior que tinha sempre assunto para brincar dizia-lhe:
- Quando fores à confissão a penitência consiste em comer pão duro. O pão macio sabe muito bem, tens que fazer sacrifícios.
Estas passagens do dia-a-dia nas aldeias passariam despercebidas se não fossem observadas por um padre. Uns achavam graça, outros nem tanto.
Havia até paroquianos que o acusavam de não ser igual para todos.
Quando o Manuel e eu nos casámos o meu sogro convidou o Prior Nicolau para ir a Lisboa realizar o nosso enlace na igreja de S. João de Deus, em plena praça de Londres. Foi um bocado complicado, os casamentos ao domingo. Aqui tinha que celebrar três missas e a viagem. Tentou demover o meu sogro, acabou por aceitar mas teve que falar a outro sacerdote para o substituir aqui. Não sei se o prior foi com o amigo Dr. Henrique se com alguém da minha família. Chegou a comentar que a igreja de S. João de Deus não era para padres da aldeia. Mas foi depois ao casamento do irmão do Manuel, voltou para casar a 1.º filha deles e em 1963 no dia 10 de junho foi batizada a minha filha.
Despedi-me dele quando fui para Lourenço Marques, ainda lhe enviei um cartão de boas festas. Quando eu fiz anos agradeceu e retribuiu as BF e cumprimentou pelo aniversário.
Não sei ao certo em que data o prior ao subir as escadas, 1.º andar, da sua residência se desequilibrou, caiu, veio pelas escadas e bateu com a cabeça num vaso. Foi para o hospital, do hospital para um lar e nunca mais recuperou. Eu estava em Moçambique.
Viveu não sei se três ou quatro anos sem consciência de quem era.
A notícia da sua morte em 1971 sensibilizou-me tanto como se fosse um elemento da família. Hoje, sempre que vou ao cemitério de Cem Soldos paro uns minutos junto da sua sepultura.

Paz à sua alma,

9.07-2013(Dulcinda Mota Teixeira)