Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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23 de julho de 2019

A Grandeza do Fim






Num sábado do último mês de Março vi a porta aberta e entrei. Pareceu-me estar tudo em pé de guerra, em vias de, se não é agora, nunca mais, e saquei do telemóvel. 
- Então, está a fazer uma reportagem? - ouvi.
Contei o que queria, quem era. Não era preciso, eu era conhecida, olá se era, tão conhecida que estava tudo zangado comigo!
Por causa do que  aqui escrevi! Escrevi mas que, o meu interlocutor e mais um outro que se aproximou logo de seguida, muito mais zangado ainda, não tinham lido! Mas tinham ouvido dizer!
Segundo eles eu tinha opinado sem ter ouvido as duas partes, as coisas não eram como eu dissera. Não custava nada ter ido falar com eles! E também não era preciso insultar! Eu tinha-os comparado ao Trump!
Pois se estavam ofendidos só me restava pedir desculpa, não era minha intenção. Até porque eu não conhecia os senhores, não sabia quem eram, muito menos sabia que estavam ligados ao clube, a que propósito haveria de os querer ofender? Parece-me que não acreditaram nesta parte. Lá tentei dizer que não era jornalista, que não tratava de factos, que ressalvara bem "que tinha ouvido dizer", que tudo era uma extrapolação acerca de um princípio que para mim era vital: a democracia! Acho que acreditaram nas minhas boas intenções mas não nos resultados, sempre foram dizendo: - é preciso cuidado com o que se escreve, as pessoas só lêm o que querem ler! Concordei. 
Mas já agora, que estávamos ali, queriam dizer o que se passara que eu iria, desde já, pôr tudo no seu lugar? Que não, ainda estava tudo muito fresco, talvez um dia.
Foi, pois, este, o intróito daquele encontro naquela manhã de sábado, com aqueles senhores que não me deram autorização para dizer os seus nomes, mas que estavam, muito solidariamente a ajudar um amigo que recebera ordem de despejo.
Segundo contaram, há vários anos já, que um portalegense (agora não sei se diga ou não o nome,  que merece é indubitável, mas que é melhor não, é) sobrecarrega os seus encargos pessoais com mais um que já ascende a milhares de euros: fazer face às despesas do clube, entre elas, pagar mensalmente a renda ao senhorio.Sem conseguir obter as necessárias receitas junto de outros sócios, ele sozinho se encarregou de garantir que a sociedade continuasse a ter uma sede! Acontecendo, porém,  que a proprietária do prédio quisesse reaver o espaço arrendado, não achou mais ninguém a quem intimar para o deixar limpo do que quem lhe pagava a renda! E assim se viu o pobre homem em trabalhos! E por isso, ali estavam os amigos a despejar e transportar os despojos do velho clube para duas salas da desocupada escola primária, cedidas pela Associação do Paço da Comenda que, por sua vez, as detém cedidas pela Câmara Municipal de Tomar.
E eis as razões que me aqui trouxeram: 1-pedir desculpa àqueles senhores (que, apesar de mostrarem o seu desagrado comigo, nunca deixaram de se mostrar corteses e me  autorizaram a tirar todas as fotografias que quis) por não me ter feito entender no texto que escrevi, embora continue a pensar o mesmo; 2-mostrar o desprendimento e generosidade de um homem, que não me consta que seja rico, em prol do património da história da sua terra;3- deixar aqui testemunhos do fim de uma era. (MFM)








 

























Nota: Este acontecimento exigia imediata "postagem", mas não me foi possível por razões pessoais, primeiro, e depois, por razões pessoais também, mas que se prendem com a tecnologia que, graças a sabe-se lá o quê, assim como morre, ressuscita, e, aqui deu nova vida a um telemóvel fazendo aparecer do nada estas fotos que eu já chorava (MFM)


12 de fevereiro de 2019

6 de fevereiro de 2019

A Propósito



Parábola da pediatra como não há outra 
ou de como a culinária pode ser xenófoba 
ou ainda 
de como este blog também tem uma história para contar a propósito dos tempos que correm.




Virgem de Granada, de Fra Angelico (1387-1455)


Um casal com filhos, de quem sou muito próxima, vive há algum tempo em Itália. Por lá beneficia, como todos os residentes, do respectivo Serviço Nacional de Saúde cuja implementação, não sendo nacional mas regional, varia de qualidade segundo as regiões, sendo, na cidade a que me refiro, considerado excelente, o melhor do país. A cada família é atribuído um médico, o qual recebe os doentes no seu consultório, não existindo aparentemente diferença entre os particulares e os outros, as contas são feitas entre o Estado e o médico, o qual pode prescrever todos os exames e especialistas quando vir necessidade. Nesse caso, o doente só tem que ir à farmácia (sim, à farmácia!) e pedir para lhe marcarem o indicado. No prazo máximo de uma semana já estará no consultório do médico da especialidade ou a fazer o exame prescrito. À semelhança do médico de família é também atribuída a cada criança um pediatra, exactamente nos mesmos moldes.
Voltando à família em causa, esta viu-se aumentada com mais um elemento, a MT, que nasceu no inicio do Verão passado. Tal nascimento teve acompanhamento médico pré e pós parto, segundo a  mãe, fabuloso, tendo a menina passado a ter a mesma pediatra que os manos já tinham. Uma pediatra como não há outra, palavras da mãe com as quais, estou certa, todos os que me lêm irão concordar. A senhora, já considerada excelente à conta dos irmãos, reforçou a sua fama, e acho que também proveito, com a MT. Na consulta própria, penso, dos quatro meses, deu ela ordem para a bébé começar a comer sopas, enumerando o tipo de elementos que dela deviam fazer parte, como é costume. Fiada na sua experiência a mãe deu pouca atenção ao desfile de legumes e batata e cenouras e etc, e respectiva periodicidade, que a doutora ia enumerando, até que acordou da sua distracção ao ouvir – por fim, não se esqueça de ralar um pouco de parmasiano sobre o caldo. O quê, ralar queijo na sopa de um pouco mais que recém - nascido? Pensou a mãe para consigo, mas não retorquiu. Já conhece suficientemente bem os italianos!
E claro, o queijo ralado na sopa dos bébés italianos (coisa que a dita mãe averiguou ser hábito, não um devaneio da médica) passou a ser piada entre os tugas circundantes e tema de conversa no pátrio Natal seguinte; estava explicado porque aquela gente não passa sem o queijo, corre-lhe literalmente nas veias, juntamente com o leite materno, desde a mesma tenra idade!
E seguiu-se a consulta seguinte, a criança estava lindamente, auguri belíssima bambina, brava ragazza! toda a explosão italiana rompia da boca da exultante médica que, via-se, se envaidecia do seu contributo no feliz e visível resultado na criação de um bébé de catálogo – bochechas rosadas, olho azulado risonho, sorriso desdentado até às orelhas.
E seguiu-se a conversa, monólogo, conclusivo. A boa alimentação era tudo, via-se que a bambina comia tal e tal e tal, e mais o queijo e mais a farinha, etc. A tola da mãe (eu já lho disse!), constrangida com tantos complimenti não teve mão em si que não esclarecesse – pois que desculpasse a sr.ª doutora mas não sendo hábito português, de todo lhe esquecera o queijo, quanto à farinha, a mesma coisa, não costumávamos pôr farinha na sopa, logo, nunca pusera farinha na sopa da filha. – Como, a bambina não comia farinha!? Espantou-se.- Como é que ela conseguia comer a sopa sem queijo? Coisa insípida! Muito se admirava! - A menina comia só a farinha na papa, misturada com carne e legumes não! E, sim, gostava muito de sopa, mesmo sem queijo!-respondeu, já irritada, a mãe.
A médica suspirou, recostou-se na cadeira, mirou a interlocutora, procurou as palavras e falou calmamente (para quem desconhece, quando um italiano fica calmo depois da indignação, quando não grita, não se encoleriza, não insulta o interlocutor, o caso é grave, muito grave e ele está sério, muito sério).
Pois muita pena tinha ela, que aquela família, com tão belos filhos, gozando do privilégio de os criar em Itália, não aproveitasse devidamente a cultura deste belo país. Que não os criasse conforme a cultura italiana, ou que, pelo menos, não os alimentasse com os costumes italianos. A comida italiana era a melhor do mundo, a mais rica, a que fazia uso dos melhores ingredientes. Não havia agricultura como a italiana, capaz de produzir os melhores produtos, e o mesmo se podia dizer da carne e até do peixe. Quando os elogios chegaram ao peixe italiano, o ânimo da pobre e humilhada mãe portuguesa, já disposto a acreditar em todas as loas à magnífica Itália e a pisar todos os hábitos e costumes lusitanos como próprios de povo primitivo e ingrato, pois, naquela hora, aquele ânimo rebaixado levantou-se, nem foi por patriotismo, foi por puro amor à verdade – contou ela depois-  e retorquiu - Desculpe, mas quanto ao peixe não concordo. A Itália não tem peixe nem em qualidade nem em quantidade, nada que se compare a Portugal. Nós aqui nunca encontramos peixe bom, o pouco que há não presta. - Mas isso é uma questão alheia à Itália, o nosso peixe é bom, se agora se não pode comer é por causa dos imigrados do norte de África que se afogam no mar e por lá ficam a apodrecer! - respondeu a médica.
- E tu continuas a confiar os teus filhos a uma criatura que diz estas enormidades?- perguntei eu àquela mãe, fazendo minha a pergunta dos meus caros leitores e de toda a gente sensata em geral.
- E faço o quê? Vou procurar um italiano não nacionalista onde? Não existe. E depois, não há ninguém perfeito e ela é uma pediatra como não há outra. (MFM)

4 de fevereiro de 2019

Recomendações, com a devida vénia




Encantada com duas coisas boas que achei que vos devia dar conta, vim a correr pô-las aqui, até porque uma delas, está mesmo, mesmo, a acabar.
E não é que me apercebi que é a primeira vez que aqui venho, este ano? Pois, andando com a  cabeça por outras paragens, nem de tal me apercebi. Suponho que não será muito agradável começar o ano fazendo recomendações. E, para mim, que não sou dada às ditas, parece-me até, assaz, deselegante. Dizer - olhem lá, não se esqueçam de ir: ver isto, ouvir aquilo, ou ouvir o (o artigo é indispensável, dá proximidade), ler o (outra vez o o), passear acolá, viajar acoli, etc, etc.. Não se esqueçam, olhem a culturasinha, não descurem, patati, patatá. Não é bem o meu estilo. Quem sou eu e o que faz de mim mentora de quem me lê? Ninguém. Espero que se tenha notado durante os anos que por aqui tenho andado. E, começar o ano com o contrário, está-me, passe a cocofonia,  a contrariar.
Bom, mas nada a fazer, que as excepções são para isso mesmo! 
Nas últimas semanas tenho acompanhado uma série de televisão que acho admirável, por todos os motivos, sendo o principal, um, que costumo achar execrável quando dou por ele, que é o de ensinar. O que eu aprendi sem me aperceber! porque não há, na série, nada que, directamente, mostre qualquer propósito didáctico. Afinal pedagogicamente exemplar então!? sim, porque não acredito que nada daquilo seja por acaso. Melhor do que eu, Ferreira Fernandes explica como, com o Baron Noir  "ficamos a conhecer um métier que tanto nos marca a vida" como ele, tão bem, faz notar. Se ainda o não fazem, vejam na RTP2 ou por outra via qualquer, desfrutem, como diz alguém que alguns de nós conhecem.





E a outra novidade que por aqui anda, desta feita, infelizmente, só em Lisboa, é uma nova exposição de Sorolla, "Terra Adentro" no MNAA. Eu sou suspeita, porque sou uma fã da sua luz solar e de toda a graça e esperança que a sua pintura me faz sentir, como já aqui o tenho mostrado. Mas Sorolla não deixa de ser um grande pintor, mostrando, nesta exposição,  uma faceta diferente daquela mais conhecida, a das paisagens marítimas, plenas  do branco dos vestidos das senhoras, das velas dos pescadores e das crianças a brincarem na praia. Desta feita pode ver-se o Sorolla das paisagens espanholas, onde a sua luz não deixa de estar dentro dos verdes das Astúrias, no deserto castanho de Castela ao sol do meio-dia, ou no branco caiado da Andaluzia. 
Fruam, igualmente, se puderem (MFM)








31 de dezembro de 2018

E lá vem outro, outra vez




RECEITA DE ANO NOVO






Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,

[..... ]

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.                                     

Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de Janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade


Que assim seja! É o que desejo para mim e, se não levarem a mal,  para vós também! (MFM)

21 de dezembro de 2018

Outra vez Natal

     Quem, melhor que a arte, diz o que sentimos? Aqui ficam palavras e obras de quem sabe, sobre o Natal.

“Adoração dos Pastores”, Gaspar Fróis Machado, 1777
Lisboa, Tipografia Régia, Tinta e papel,  Museu de Lamego

Natal                                     

Mais uma vez, cá vimos                                     
Festejar o teu novo nascimento,
Nós, que, parece, nos desiludimos
Do teu advento!
Cada vez o teu Reino é menos deste mundo!
Mas vimos, com as mãos cheias dos nossos pomos,
Festejar-te, — do fundo
Da miséria que somos.
Os que à chegada
Te vimos esperar com palmas, frutos, hinos,
Somos — não uma vez, mas cada —
Teus assassinos.
À tua mesa nos sentamos:
Teu sangue e corpo é que nos mata a sede e a fome;
Mas por trinta moedas te entregamos;
E por temor, negamos o teu nome.
Sob escárnios e ultrajes,
Ao vulgo te exibimos, que te aclame;
Te rojamos nas lajes;
Te cravejamos numa cruz infame.
Depois, a mesma cruz, a erguemos,
Como um farol de salvação,
Sobre as cidades em que ferve extremos
A nossa corrupção.
Os que em leilão a arrematamos
Como sagrada peça única,
Somos os que jogamos,
Para comércio, a tua túnica.
Tais somos, os que, por costume,
Vimos, mais uma vez,
Aquecer-nos ao lume
Que do teu frio e solidão nos dês.
Como é que ainda tens a infinita paciência
De voltar, — e te esqueces
De que a nossa indigência
Recusa Tudo que lhe ofereces?

Mas, se um ano tu deixas de nascer,
Se de vez se nos cala a tua voz,
Se enfim por nós desistes de morrer,
Jesus recém-nascido!, o que será de nós?! 

José Régio, in 'Obra Completa'   




Postal de Natal, 1946

             Natal na Província

Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

Fernando Pessoa, in 'Poesias' 

A Fava

Espero que me calhe aquela fava                                           
Igreja da Arrentela, Seixal- Natividade, sec. XVIII
Que é costume meter no bolo-rei:
Quer dizer que o comi, que o partilhei
No Natal com quem mais o partilhava

Numa ordem das coisas cuja lei
De afectos e memória em nós se grava
Nalgum lugar da alma e que destrava
Tanta coisa sumida que, bem sei,

Pela sua presença cristaliza
Saudade e alegria em sons e brilhos,
Sabores, cores, luzes, estribilhos...
E até por quem nos falta então se irisa

Na mais pobre semente a intensa dança
De tempo adulto e tempo de criança.

Vasco Graça Moura, in 'O Retrato de Francisca Matroco e Outros Poemas' 


Wassily Kandinsky – Winter Landscape, 1911, Image via wikiart.org

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinícius de Moraes
in Poemas, sonetos e baladas (São Paulo: Gaveta, 1946)

Natal Chique                          



Retirado daqui 
Percorro o dia, que esmorece   
Nas ruas cheias de rumor; 
Minha alma vã desaparece 
Na muita pressa e pouco amor. 

Hoje é Natal. Comprei um anjo, 
Dos que anunciam no jornal; 
Mas houve um etéreo desarranjo 
E o efeito em casa saiu mal. 

                                                
                                                             Valeu-me um príncipe esfarrapado 
                                                             A quem dão coroas no meio disto, 
                                                              Um moço doente, desanimado... 
                                                              Só esse pobre me pareceu Cristo. 

                                                             Vitorino Nemésio, in 'Antologia Poética' 

Um Santo Natal para todos, mesmo do chique, senão poder ser do outro! (MFM)

11 de novembro de 2018

Dia do Armistício na Nossa Terra



Apesar de Tomar ter contribuído com grande número de homens para a guerra, através dos habitantes do concelho e do Regimento de infantaria aqui aquartelado, dizem-me que a Câmara Municipal de Tomar não levou a cabo qualquer iniciativa para os homenagear, nem tão pouco se associou às realizadas a nível nacional. A ser assim, é pena.
 Não tenho antepassados directos intervenientes nesta tragédia. A sua faixa etária encontrava-se acima e abaixo daquela que se viu obrigada a caminhar para a França e Flandres. Mas também na minha família as memórias da partida, das saudades, da angústia da falta de notícias, faziam parte do nosso património de lembranças, através de um sobrinho e afilhado do meu bisavô que partira logo com o primeiro contingente e só regressara (mas regressara!) quando tudo acabara. No espólio da minha avó encontrei correspondência entre o primo Raul e a família. Fui agora à procura dele nos boletins do CEP  e lá estava o segundo-sargento Raul do Coito que embarcou em Lisboa em 16 de Maio de 1917 e desembarcou na mesma cidade em 28 de Fevereiro de 1919. Quase dois anos de prova cujas reminiscências lhe devem ter alimentado o resto da vida.
Aqui deixo o boletim militar e dois cartões enviados à família, de um tomarense na Grande Guerra. Num deles manda a sua fotografia que considera fraca mas  "não lhe ser fácil adquirir coisa melhor" por ali, no outro, confessa à prima a quem escreve, estar "sempre ansioso pelas notícias da nossa terra".
É o contributo deste blog para o homenagear, como símbolo dos milhares que o acompanharam. Mas  é pouco, não chega, ele, e os outros, mereciam mais "da nossa terra".(MFM)













                                         
Verso da Fotografia







Verso da ilustração acima

Dia do Armistício


Comemora-se hoje o centenário do Dia do Armistício . Em Paris concentram-se hoje os grandes do mundo para comemorar a paz conseguida há cem anos na chamada Grande Guerra. Guerra que se alastrou por quatro longos anos, na qual Portugal só interveio no último ano, na Europa, mas foi o bastante, tal a tragédia que daí adveio, deixando marcas bem vincadas na maioria das famílias portuguesas.

Mas à 11.ª hora do 11.º dia do 11.º mês do ano de 1918 a Guerra acabou. E o mundo entrou num delírio de alegria, incluindo Lisboa, veja-se como:





A Ilustração Portuguesa de 18 de Dezembro de 1918

26 de outubro de 2018

S.Braz ou S.Paulo



Já agora, que estou em maré de descortinar (palavra que veio engrandecer ultimamente o nosso tão empobrecido léxico por razões militares localizadas muito próximo de Tomar) os desconsertos  da minha terra, cá vai mais um. E este em homenagem à minha avó Maria José, criatura anónima, séria, muito rigorosa, que lia tudo o que lhe aparecia à frente e tinha gosto em preservar memórias, coisas, e ... mais nada que vos interesse, era minha avó pronto, e eu aqui homenageio quem me apetece.
Pois essa minha avó, proprietária da edição original de Noticia descriptiva e histórica da cidade Thomar, de J.M.Sousa, sublinhou a lápis (porque o considerou muito importante, que ela não era pessoa para conspurcar um livro) as duas últimas linhas da pag. 66 e as cinco primeiras da página seguinte, desta forma:




E legendando a lápis, como se pode ver, ao cimo da segunda página " Estas casas a que se referem estas linhas sublinhadas pertencem a meu pae José do Coito (o pae deve-se à redacção ter acontecido antes do acordo de 1945, pois, para esta avó, erro ortográfico não era erro, era crime!).

As linhas em causa dizem textualmente, referindo-se a hospitais e albergues que viriam a integrar a confraria da Misericórdia instituída em 1510, "....tais como o de S.Braz, ao cimo da Rua da Graça, logo à entrada da villa para quem vinha pela estrada de Lisboa, cujas casas foram para esse fim deixadas em testamento por Constança Annes e que depois foram aforadas por 190 réis annuais e um frangão ou dez réis por ele, sendo feita a escritura no cartório do escrivão Gaspar Garro em 26 de abril de 1561."

E J.M.Sousa continua " O mesmo aconteceu com o hospital de S.Paulo, que ficava próximo a este, para o lado do Pé da Costa, em uma casa que ainda lá existe, com uma escada por fora uma varanda, a qual foi também aforada em 1561 a Simão Duarte, pedreiro, e passou depois para ....."

Da leitura destas linhas entende-se que o hospital de S.Braz ficava ao cimo da Rua da Graça, logo à entrada da villa para quem vinha pela estrada de Lisboa (a estrada de Lisboa, segundo J.M.Sousa passava em frente do Convento de S.Francisco e "vinha entrar na villa ao cimo da Rua da Graça", pag. 58 da obra citada), enquanto o hospital de S.Paulo, que ficava próximo a este, para o lado do Pé da Costa, em uma casa que ainda lá existe, com uma escada por fora uma varanda.

Afigura-se-me, portanto, não ser abusivo concluir, tal como a minha avó fez, que o hospital de S.Braz seria o que ficava ao cimo da rua da Graça e o de S.Paulo o que ficava para o lado do Pé da Costa, com uma escada por fora uma varanda.em uma casa que, felizmente e como a figura mostra,  ainda lá está.

"...o hospital de S.Paulo, que ficava para o lado do Pé da Costa, em uma casa que
 ainda lá existe, com uma  escada por fora uma varanda..."

Ora, não é isto que é divulgado nos roteiros turísticos e nos livros  recentes, sobre Tomar. O edifício da  imagem aparece sempre denominado como "Antigo hospital de S.Braz". Calculo que a origem deste engano (?) estará no livro "História de Tomar" de Amorim Rosa, o qual afirma (pag.87) que das gafarias e hospitais que se juntaram no tempo do Infante D.Henrique para fazer o hospital de Nossa Senhora da Graça constava o Hospital de S.Braz que dizem que estava na rua da Graça, e que, a seguir, na legenda do desenho desta casa (pag.88) refere "o antigo hospital de S.Braz, entre as Ruas de Pé da Costa de Cima e Rua da Graça, onde outrora findava a Várzea Grande". Se a Várzea Grande (vinda do lado esquerdo) terminava na rua da Graça, o referido hospital só podia ser o citado por J.M.Sousa. Não se percebe em que se fundamenta Amorim Rosa para dizer que o antigo hospital se situava entre as Ruas de Pé da Costa de Cima e Rua da Graça. A localização da casa da imagem pouco tem a ver com a Rua da Graça, se olharmos para a fotografia abaixo,  tirada antes do arranjo do largo da Cerca e do derrube de algumas casas, vimos que o edifício fica recuado em relação ao traçado que a rua da Graça tinha então e, aliás tem ainda, pois aquele fica situada no largo, não na rua referida. Concluindo, tanto J.M.Sousa como Amorim Rosa concordam que o Hospital de  S.Braz se localizava na Rua da Graça, só que este último, por um raciocínio confuso e que não fundamenta, entende que o hospital de S.Braz é o da figura, enquanto J.M.Sousa acha que é o outro, e ao da figura chama de S.Paulo. Não estou em condições de dizer qual dos dois tem razão, embora as apresentadas pelo avô (J.M.Sousa era avô de Amorim Rosa) me pareçam mais consistentes que as do neto. De qualquer forma, parece-me, pelo menos, haver motivos para dúvidas e, parece-me também, pelos dados expostos por ambos que bastará ir às fontes ver outra vez, e atribuir o nome correcto à casa, ou então, seria avisado que entidades com responsabilidades na historiografia se abstivessem de patrocinar declarações polémicas como esta. (MFM)


A casa em questão, antes das obras da Cerca.








                               

Estas duas imagens (recortes de fotografias separadas) -imaginem-nas coladas-
foi o que consegui arranjar sobre a antiga casa a que a minha avó se refere e que
representariam, essas sim, o hospital de S.Braz, segundo J.M.Sousa.





Os edifícios localizados no mesmo local, agora.

E até um dia destes ....

24 de outubro de 2018

Casa dos Tectos







Tenho observado por aí, em folhetos turísticos em papel e na net, de que é exemplo este  site,   a casa dos tectos referida como um palácio do século XVII, afirmação que é tão mais curiosa  quando, no caso do site citado, dois parágrafos antes, se diz que o edifício no qual está instalado o Turismo " não é bem aquilo que parece" , pois, explicam "à primeira vista, olhando para os seus portais e janelas, parece-nos uma construção muito antiga, mas o edifício data apenas de 1940", o que significa que quem o diz sabe a diferença entre o que é verdadeiro e uma imitação! Eu quero querer que a informação de se catalogar como seiscentista a casa dos tectos decorre da ignorância e não do propósito de enganar turista, o que seria um crime, sendo que a ignorância, não o sendo, é, neste caso, pouco compreensível, tanto mais que, circulam pelo mesmo site, em roda-pé, alusões ao Instituto Politécnico de Tomar, ao Ministério da Cultura, IGESPAR, etc., entidades que, tanto quanto parece ao visitante desprevenido, devem ter alguma responsabilidade no que dizem e fazem e, portanto,  no que por ali aparece escrito (no site). Além de pouco compreensível, dizia eu, a ignorância é atentatória, já não digo da inteligência mas, pelo menos, da memória dos tomarenses! Não é preciso estar morto, é só preciso ter mais de cinquenta anos, para ter acompanhado o chamado palácio a “vestir-se” à sec.XVII!
Qualquer pessoa que tenha passado nos anos setenta ao cimo da Rua da Graça (eu sei que se chama Cândido Madureira, mas também sei que os tomarenses sabem ao que me refiro) lembram-se  não só de ver as eternas obras que serviriam para pintar os famigerados tectos, como de ouvir o “cântico” de uma oficina de cantoneiros, situada mesmo em frente do dito palácio, que trabalhou e trabalhou, durante anos e anos, para aparelhar a pedra (ao contrário da cantaria da casa do turismo que é, de facto, de outras épocas, esta foi “construída” de propósito) que veio a servir para decorar a fachada de uma casa, grande, é verdade, do tamanho, altura, comprimento, largura e com o mesmo número de janelas daquela que lá está, mas com uma fachada simples, com janelas de vidrinhos, ao gosto dos burgueses abastados do fim do sec.XIX,. Não será difícil saber a data exacta da construção da casa para quem quiser ser sério naquilo que vende a turistas, bastará procurar nos arquivos da Câmara, pois pertence a uma época relativamente recente, pouco mais de cem anos, em que tudo obedecia a licenças que estarão devidamente arquivadas.
Mas eu não venho dizer isto para corrigir ninguém nem, tão pouco, para educar os meus conterrâneos, há muito já, que perdi as ilusões da possibilidade de ensinar quem não quer. Eu não detenho verdade de tipo nenhum e a minha memória não é mais privilegiada do que a dos meus contemporâneos, sei tanto como eles e se estes ficam calados não será, com certeza, por burrice ou preguiça, é por terem chegado à mesma conclusão que eu.
A razão porque falo é porque ainda não abdiquei  de me lembrar -  e fazer pública essa memória – das pessoas.
A casa dos tectos ser ou não é do sec. XVII pouco me interessa, interessa-me sim, ser a obra de alguém que a idealizou. O sonho, ou a obsessão, de um homem cuja vida Camilo não desdenharia escrever. Conheci Augusto Gonçalves, que a Fortuna (a deusa e  aquilo com que prosaicamente identificamos a palavra) escolheu, era da criação do meu pai, do mesmo ano, vizinho de rua, colégio, tropa. A família materna do meu pai conhecia-lhe a tragédia do nascimento, embora, curiosamente, se tornasse filho adoptivo de um primo do meu avô paterno. Não sei se a a realização da obra chegou para o fazer feliz, mas quer o tenha ou não sido, sobretudo se o não foi, merecia, da posteridade, o reconhecimento por ser um de nós que, como diz o poeta, ouviu  Deus, sonhou e fez nascer a obra. Que existe, tem o seu valor artístico, utilidade, mas não faz referência ao seu autor (porque a criatura ultrapassou o criador?)! Tenho muita pena, porque não se homenageia quem se deve e, já agora, embora eu não tenha nada com isso, porque se segue a via mais fácil, mesmo economicamente, preferindo-se enveredar pela aldrabice, facilmente detectável, em vez de, dizendo a verdade, contar a historia de um homem e do seu sonho, como se faz noutros   lados, igualmente com edifícios revivalistas, e com bons proveitos. (MFM)


A casa mencionada, à esquerda a seguir ao Turismo, antes da intervenção na fachada.

22 de outubro de 2018

Roteiro Terrestre de Portugal



      João Baptista de Castro   é o autor da obra  Roteiro Terrestre de Portugal (1748)"em que se ensinão por jornadas e summarios não só os caminhos, e as distancias, que ha de Lisboa para as principaes terras das provincias deste reino, mas as derrotas por travessia de humas a outras povoações delle, ..." (sic)

Nesta conformidade, somos ensinados, entre muitas outras, das derrotas entre Lisboa e Tomar, em que, pela peyor estrada, das duas alternativas apresentadas, via Pernes, se ia de Paialvo a Tomar, parecendo-me que, neste caso, a estrada iria pelo Marmeleiro e não passaria por Porto da Lage.


 Capítulo e parágrafos retirados da obra citada


Já no Roteiro de Santarém para Coimbra, por outro caminho, de Santarém à Golegã, temos a certeza que entre Payalvo e Chaõ de maçãs se encontrava, pela estrada real,  antes da igreja de S. Silvestre (diz-nos o padre António Carvalho da Costa, 1712 - ver abaixo) a estalagem de Porto da Lage.


 Parágrafo retirado da obra citada


Extracto do mapa da Estremadura constante da obra assinalada.


Padre António Carvalho da Costa Corografia Portuguesa, etc. Tomo III, pag.174 (extracto)



19 de outubro de 2018

Nabantina e Gualdim Pais





« .... Ficou existindo sempre uma velha rivalidade entre a população das duas margens, facto que se justificaria aqui bastantemente por uma natural emulação entre o passado e o presente, mas que aliás é vulgar em outras cidades e villas.
...
Os thomarenses designam os habitantes de Além da Ponte pelo epitheto irónico de «hespanhoes» e ao bairro d'aquella margem dá o povo da cidade o nome de Hespanha, desdenhosamente. N'outro tempo a rivalidade era mais viva e fasanhuda. Havia frequentes conflictos, tiroteio de impropérios e  de pedradas.
Hoje ainda se armam alguns motins nocturnos, por causa das raparigas que trabalham na Real Fabrica de Fiação, situada na margem esquerda, e por causa do antagonismo das philarmonicas.
As operarias, que são das aldeias próximas, pernoitam durante a semana em Além da Ponte e só ao domingo vão a casa.
Rapazes da margem esquerda e rapazes da margem direita requestam-nas á porfia. D'esta concorrência amorosa resultam altercações, pugilatos, "pancadaria".
Os hespanhoes teem a sua philarmonica, que se intitula «Gualdim Paes».Os thomarenses teem outra philarmonica, que se chama «Nabantina». Custa-me não poder dizer, para evitar a pornographia, a designação popular de uma e outra philarmonica.
Quando os músicos da «Gualdim Paes» ou da «Nabantina» estão fardados, acham-se sempre em occasião próxima de se desfeitearem uns aos outros. O uniforme dá-lhes bravura.
Ha annos, encontrando-se as duas philarmonicas em uma festa na freguezia de S. Miguel de Carregueiros, pegaram-se uma com a outra e quem salvou a situação foi uma mulher de Thomar, que varreu a feira, pondo em debandada os bravos antagonistas. Esta mulher ainda hoje vive. Chamam-lhe, e com razão, «Padeira de Aljubarrota».
Fora da formatura, despida a farda, a rivalidade afroixa. Há rapazes de «Além da Ponte» que fazem parte da Philarmonica Nabantina, e rapazes da cidade alistados na Philarmonica Gualdim Paes..

(Alberto Pimentel, "Portugal Pittoresco e Illustrado, A Extremadura Portuguesa, Primeira Parte, O Ribatejo", pag. 423 a 452,. Empreza da História de Portugal, Lisboa, 1908



Assim descrevia em 1904, Alberto Pimentel, as relações, entre as gentes das duas margens do rio, em Tomar, e entre os músicos das duas filarmónicas: A Nabantina e a Gualdim Pais. Quem não se lembra de as ver desfilar debaixo de girândolas e foguetes no largo da estação de Paialvo a acolher personalidades, ou nas saudosas marches aux flambaux  ao cair do luar, aqui, neste blog, no final do sec.XIX ? Pois, elas são já centenárias, a Nabantina desde 1874, a Gualdim Pais sucessora da "Thomarense" desde 1877!

Nem na minha geração, nem sequer na de meus pais, se verificavam já episódios como os descritos. Mas lembro-me de ouvir falar neles aos velhos do meu tempo, como coisas de velhos dos tempos deles. Ainda os ouvi dizer, como graça, "para Espanha só depois de morto" (porque, diga-se para quem não é tomarense, em "espanha" se localizava o cemitério), quando já era "bem" e moderno morar-se em "além da ponte" e a cidade ameaçava estender-se maioritariamente para aquele lado, como depois se concretizou e com tal intensidade que a outra margem definha e quase morre, não fora o ter-se tornado numa montra de pechisbeque para turistas! Um fim de vida muito, muito triste. Pelo menos para mim!
Quanto às duas bandas, a coisa passava-se como o autor conta. As minhas duas avós, cada uma delas moradora na sua margem do rio, uma no Alto do Pissarra, a outra na Rua Larga (de além da ponte) depois republicanamente crismada de Marquês de Pombal, as duas circulavam sem qualquer obstáculo entre os bailes das duas colectividades. A avó materna, descendente de comerciantes e artífices, de além da ponte,  associados da Gualdim Pais, casou-se com um homem da Nabantina, e todos os homens da família, mesmo os da família dela, passaram a ser músicos desta última. A cidade era só uma, e as rivalidades das filarmónicas era um assunto lá delas, e, justamente, só quando estavam fardados!
Talvez por o meu avô ter sido dirigente da Nabantina (ainda lá continua, na galeria de retratos, no seu quadro de esquadria à banda, sempre me lembro de olhar e ter vontade de o ir endireitar, não fosse a altura que mo impede) a minha mãe, em 1974, esteve presente na cerimónia de celebração do centenário e eu acompanhei-a.
Foi uma cerimónia como tantas, com discursos, comoções, brincadeiras e banda a tocar solenemente,  num salão a transbordar de gente, já não me lembro bem da cronologia. Sei que, a dado momento, estavam sentados, na mesa de honra, entre outros, o dr. Fernando (Nini) Ferreira e o dr.  Manuel Guimarães que apresentava um livro do primeiro, sobre precisamente a homenageada, intitulado "Anais da Sociedade Banda Republicana Marcial Nabantina."




Depois das palavras da ordem sobre o autor e a obra, Manuel Guimarães termina anunciando que há meia dúzia de exemplares do livro, autografado pelo autor,  para oferecer. Seria contemplado quem fizesse  as melhores quadras, que teriam que conter obrigatoriamente o verso "e a Nabantina a tocar", e toda a assistência foi convidada  a concorrer.
Imediatamente, começa uma batalha verbal, sussurada, entre mãe (a minha) e filha, para que eu produzisse uma quadra, "coisa simples", "que não me custaria nada" pois, era garantido para a progenitora, " que íamos ganhar o livro", assim aparecesse a quadra.
Ora eu, que, hoje, concordo  com ela, não que a vitória estivesse certa, mas que não se estava a pedir nenhum poema, nenhuma obra de arte, mas apenas uma pequena graça que serviria para homenagear a Nabantina, não tinha, na época, nem idade nem cabeça, para alcançar essa leveza das coisas. Tudo era sério e tinha de ser perfeito. Fazer uma quadra? Eu não fazia quadras! Fazer qualquer coisa? Eu não fazia qualquer coisa, ou fazia ou não fazia! E, agarrada à arrogância da certeza e perfeição de tudo,  que é apanágio dos jovens, e dos  aborrecidos pior ainda, sim, porque eu era uma chata (em poucas coisas, é verdade, mas nessa era), mantive-me na minha. Mas a minha mãe tinha ainda a última cartada, e jogou, jogou aquela carta certeira que há-de existir sempre no baralho das mães, enquanto houver mães, a chantagem: - Muito bem, não fazes. Podíamos sair daqui com o livro. Era uma homenagem ao teu avô, que adorava a Nabantina e para quem seria um orgulho saber que a neta escrevera uma quadra sobre ela. Mas esse teu feitio de só fazeres o que queres e não pensares nos outros, só consegue dar desgostos a quem confia em ti!
E é preciso dizer o resultado? Lá levámos o livro para casa. (MFM)