Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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11 de janeiro de 2018

As primas Pena


 William George Gillies (1898–1973) Sisters Emma and Janet



Do lado direito da casa do meu avô, nos Olivais, estendia-se, perpendicular à estrada, uma estreita faixa de terra, sem árvores nem poço, onde, no tempo próprio, crescia apenas algum cereal e pouco mais. Era a “fazenda das penas”. Ao contrário do que a imaginação possa imediatamente suscitar, este nome, por que era popularmente conhecida, não se devia à aridez do terreno nem a qualquer infortúnio ocorrido no local. Mas, muito simplesmente a ser aquela, muito propriamente dito e articulado, à maneira da minha avó, “a fazenda das primas Pena”. E as primas Pena eram o que o nome literalmente indica, primas nossas, de apelido Pena. Duas. Eram duas, as primas. Secas, solteironas e respeitáveis. Moravam em Assentis de onde eram naturais, últimos rebentos de um ramo velho da velha árvore de onde brotara igualmente o meu avô. De que forma aqueles velhos esgalhos tinham nascido e estavam articulados na antiga vergôntea de modo a chamarem-se primos, não sei dizer, não perguntei, não era costume perguntar-se tal coisa, ser-se primo era coisa natural por aquelas paragens e por aqueles tempos.

As primas Pena visitavam uma ou duas vezes por ano a sua propriedade, que traziam arrendada, e, de caminho, enquanto faziam horas para a camioneta de carreira, que também as trouxera, apareciam lá em casa. Graves, reverentes, corteses, vestidas adequadamente, como era adequadamente pequeno-burguês tudo o que diziam e faziam, em conformidade com todo aquele mundo a que pertenciam. A que pertencíamos. Trajavam sempre de casaco, mesmo no pino de Julho, curto, de mangas abaixo dos cotovelos, à francesa, traziam pendurada da mão ou do antebraço a célebre “mala-de-senhora”, e, quiçá, uns anos antes, o chapéu também lhes tivesse encimado a cabeça, embora, no meu tempo, trouxessem já o cabelo, onde a cabeleireira colocara os competentes rolos, enlacado na requerida permanente. Eram senhoras, portanto. Que se sentavam, observavam do crescimento das crianças, perguntavam dos achaques e informavam dos próprios, comentavam das sementeiras e colheitas, clima e ano agrícola em geral, e partiam. Eram assim as visitas das primas, como todas as outras.

Em 1974, depois da revolução e da formação dos novos partidos políticos, a minha avó, sempre atenta e informada, e, nesta época, mais do que nunca, tratou de nos fazer saber que um sobrinho das primas Pena se dedicava, agora, à política. Era ele o Dr. Rui Pena, do CDS.

Porque era jovem e ingrata e não dava a devida importância aquilo que devia, o que, hoje, nunca lamentarei o suficiente, também aquela informação não me despertou qualquer interesse. Ao longo da vida pública do senhor, quando o via na TV, ou ouvia falar dele, não me ocorreu, nunca, a levíssima, ténue, ligação familiar que pudéssemos ter. Mas, esta semana, ao saber da sua morte lembrei-me, logo, das primas Pena. Que coisa extraordinária nos traz a idade! Donde raio se levantam estes fumos desgraçados que nos toldam e exalam um cheiro tão antigo e tão presente, nos trazem tudo à memória e nos obrigam a penitenciar das nossas falhas? Como eles me evocam, agora, aquele fim de tempo que eu presenciei. Em que tudo encaixava e era previsível. Tempo onde tudo cabia. Até a subversão. Que só causava escândalo. Mais nada. (MFM)



Nota: À família enlutada do Dr. Rui Pena , pretexto deste pequena evocação, apresento as minhas condolências.

9 de janeiro de 2018

Vieira Guimarães, Camilo e eu

                             






Para os tomarenses actuais "Vieira Guimarães" é o nome de um edifício. A casa que o seu dono, dono também do mesmo nome, mandou edificar em 1922 (data nela inscrita). Pelos anos sessenta do século passado, a casa estava condenada por um PDM que queria Tomar desafogada e com grandes avenidas e que considerava o edifício um pastiche neo-manuelino de mau-gosto. Foi por essa época que eu a conheci, moribunda, cheia de rachas nas paredes e com escadas rangentes, trémulas quando se subia e baloiçantes quando se vinha para baixo. Mas, para além de tectos onde a falta de caliça, que tornava permanentemente o soalho arenoso,  deixava adivinhar os relevos decorativos de outros tempos, que me encantavam, o seu piso superior estava cheio de outras coisas que me faziam galgar as ditas escadas, sem me importar nada com os seus gemidos - os livros. E livros à-mão-de-semear, livres nas estantes, sem qualquer constrangimento. A Biblioteca Gulbenkian tinha esta modernidade que só dezenas de anos depois as bibliotecas públicas implementaram. Sei do que falo, a minha tristeza quando entrei pela primeira vez na biblioteca municipal e me mandaram procurar no ficheiro o livro que queria! Sabia eu lá! Eu ia à procura de livros, não de um livro! A Gulbenkian, essa, sim, mostrava-mos, exibia-os, com cheiro, cheiro a velho, o meu preferido, ou a novo ainda a cheirar a tinta, o cheiro, esse filtro indispensável nos livros! Foi ali que, aos dez anos, nas férias grandes, vinda da aula de natação na piscina, eu descobri duas grandes prateleiras de livros encadernados a vermelho. Retirado um, li "OBRAS" com o O inicial meio trespassado por um ramalhete. Aquele livro tinha então por título "O Bras"!? Conclui que sim. Retirei segundo, era também "O Bras". Seria continuação? Mas havia muitos mais!  Aquele autor só tinha livros com o mesmo título? Folheei um dos "Bras", afinal não era "bras" era " Obras  de ...", vi melhor,  aquele "O Bras", era a obra literária chamada de "o Bem e o Mal" que começava assim " apresento o sr. Ladislau Tibério Militão de Vila Cova". Comecei então, desta maneira, a ler Camilo Castelo Branco, continuei sempre e ainda não acabei! (MFM)





                                                               


6 de janeiro de 2018

Dia de Reis



Reis Magos, Barro de Estremoz


Na véspera da Epifania costumam [os lisboetas] dar esmolas, cantar, tocar e fazer música toda a noite, cantando, a propósito dessa festa que se celebra, certas canções espirituais e outras profanas. Em particular, os pífaros e os trombones saem à rua durante essa noite, tocando pelas casas em busca de esmola. Como também faz no dia seguinte, outro tipo de gente. Contenta-se a gente baixa com isto, pendurando os três reis sobre as portas de todas as suas casas, e apesar de serem pinturas muito grosseiras, a sofreguidão de semelhante gente baixa é extraordinária neste dia. (Gianbattista Confalonieri , sec.XVI)





29 de dezembro de 2017

Última Folha



                                                                  BOM ANO 2018











Occidente Janeiro 1914

27 de dezembro de 2017

Remate!




         Nada mais apropriado para rematar este ano trágico!

       Ainda nem é dia de Reis, dirão. Para este povo é sempre, vistam-se e trasvistam-se os reis da               forma que as modas ditem!


Gravura alusiva ao Zé Povinho em "o dia de reis" na publicação O Antonio Maria de Rafael Bordalo Pinheiro

“Na passada quinta-feira, em plenário, os partidos discutiram e votaram um conjunto de alterações legislativas que, primeiro, acaba com o limite para os fundos angariados por partidos e que, segundo, permite aos partidos receberem o IVA de volta.
... Não vale a pena disfarçar: os partidos (PS, PSD, PCP, BE, PEV) legislaram em benefício próprio, amealhando milhões de euros à conta do Estado. E, para fugir ao escrutínio público, fizeram-no da forma mais opaca possível. O processo legislativo correu num grupo de trabalho que, por várias vezes, reuniu à porta fechada – algo excepcional no funcionamento da Assembleia da República. O agendamento da discussão/votação do projecto de lei foi feito em cima da hora, para não chamar à atenção e forçando até a retirada de outras iniciativas legislativas previamente agendadas. E, na exposição de motivos do projecto de lei apresentado à votação, não consta uma única referência às alterações que beneficiam os partidos – apenas se refere o reforço dos poderes da Entidade das Contas, dando a entender que o objectivo era somente esse. Só que, lá está, não foi bem assim. Nas palavras da ex-Presidente da Entidade das Contas (em declarações ao Expresso), “os partidos resolveram uns aos outros os problemas de cada um”, alterando leis orgânicas do Tribunal Constitucional, da Entidade das Contas, do financiamento político e dos partidos políticos. Mais claro era impossível.
Tudo isto foi premeditado. No conteúdo: a partir desta alteração legislativa, os partidos vão receber mais dinheiro, ficar isentos de impostos e resolver situações ainda a aguardar julgamento – tudo no valor de milhões de euros (.....)

                    
                         Alexandre Homem Cristo in Observador



20 de dezembro de 2017

Bom Natal

Natal em Portugal no sec. XVI



Natividade ou Adoração dos Pastores (séc. XVI- c. 1580).
Painel de azulejos atribuído a Marçal de Matos, Museu Nacional do Azulejo



 ....Costumam [os lisboetas] mandar aos amigos, na véspera de Natal, presentes de coisas doces, a que chamam consoada; e são em tanta quantidade e qualidade que não dá para acreditar. E mais açúcar, creio eu, se gasta em Lisboa naquele dia do que em muitas cidades de Itália durante um ano. Jejuam em qualquer outro dia, com excepção deste, pois tal noite é, por um hábito já antigo, e em qualquer mínima casa se encontrará uma mesa cheia desta variedade de coisas doces, das quais se continuará a comer em muitos lugares até à missa da meia-noite, a qual se diz observadamente em todas as igrejas, tanto com os religiosos, como nas paróquias, à qual vai quase toda a Lisboa, cada um onde lhe agrade, mas em particular às suas paróquias
 (Gianbattista Confalonieri , final sec.XVI*)

   Eu, final do ano de 2017, também mando aos meus amigos, permitam que assim considere os que me acompanham neste blog, os votos sinceros para que consigam, neste Natal, todos os presentes de coisas doces a que aspiram! (MFM)

Retábulo da Natividade (séc. XVI), Museu Nacional Machado de Castro



Giovanni Battista Confalonieri (1561-1648), sacerdote romano, viveu em Lisboa  entre 1592 e 1596, como secretário de Fabio Biondi, delegado do Papa em  Portugal. Desta experiência, bem como de outra, vivida em 1594, quando viajou em pereginação com o núncio, a Santiago de Compostela, escreveu duas memórias. Em di alcune cose notabili occorse nel viaggio fatto da me Giovanni Battista Confalonieri, sacerdote romano, da Roma in Portogallo, narra, com pormenor, o itinerário entre Lisboa e o santuário galego, tecendo algumas observações sobre as localidades pelas quais passou, entre as quais Tomar. Na obra Della Grandezza e Magnificenza della Città di Lisbona, apresenta uma completa descrição da cidade de Lisboa, abordando aspectos como as condições naturais, a religião, a justiça, as actividades económicas, o poder político, a demografia e os costumes dos lisboetas. A extinta Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses editou pela primeira vez estas obras, traduzidas em português, a partir dos manuscritos existentes no Vaticano, em 2002. A Torre do Tombo, depositária dos livros e revistas remanescentes, editados por aquela Comissão, expõe-os e vende-os a preços muito convidativos, pena que sejam cada vez menos. Lá descobri o volume " Por Terras de Portugal no século XVI" que, além dos livrinhos de Confalonieri, contém um outro, também sobre uma viagem a Portugal cerca de 1575, de Bartolomé de Villalba y Estanã. Neles encontramos descrições deliciosas das visões daqueles olhares estrangeiros, de há mais de quatro séculos, sobre nós, portugueses, olhares esses que, ainda hoje, nalguns casos, se revelam certeiros a apontar-nos defeitos e qualidades que mantivemos. Nas pesquisas que fiz na net não encontrei comentários sobre esta obra, que não terá tido muita divulgação junto do grande público, tendo ficado, penso eu, restrita aos meios académicos. Mas está convertida na grafia actual, sendo, desta forma, de leitura acessível e, repito, muito aprazível de ler. Recomendo. (MFM)

15 de dezembro de 2017

Escolas de Primeiras Letras IV





E a República chega, cheia de vontade de acabar com o analfabetismo, o insuficiente número de escolas primárias e a deficiente preparação dos professores (tudo preocupações novas, como já vimos)! E assim, antes mesmo de publicar qualquer legislação sobre novas medidas (o novo Ministério da Instrução Pública, que desta vez veio para ficar, só é criado em 7 de Julho de 1913), o decreto de 8 de Outubro de 1910 trata de expulsar as Ordens religiosas do ensino e a doutrina católica das escolas do Estado, medidas que devem ter posto, de imediato, metade das criancinhas portuguesas a saber ler e papaguear A Egreja e a Questão Social  do Dr. Afonso Costa!
Bom, mas como o furor revolucionário não podia trazer só asneiras, também no mesmo decreto, se dá fim às praxes e privilégios da Universidade de Coimbra, passando, entre outras medidas, o uso de capa e batina a ser facultativo e os estudantes universitários a depender da justiça comum.






Mas a República traz, de facto, uma ideologia pedagógica e um sistema educativo inovador, impondo um ensino primário elementar gratuito e obrigatório de três anos, precedido de outro, complementar, de 2 anos (passando em 1919 os cinco anos a ser obrigatórios) e antecedido do ensino infantil para as crianças entre os quatro e os seis anos. Pena é que a implementação destas políticas fosse escassa, não abrangendo todo o país, ou fazendo-o, não obtivesse resultados muito satisfatórios.                 





Entre a República e o Estado Novo vigorou o que se designa Ditadura Nacional, já com a presença  de Salazar mas, assim chamado, por não haver legitimidade Constitucional. Formalidades. Foi nesta época, em 1928, criada a Escola Primária em Porto da Lage. A sua primeira professora foi uma senhora de Cem Soldos de nome Maria José Mourão. Era nora do primeiro lojista e taberneiro de Porto da Lage, Faustino dos Santos, casada com um filho deste, de quem enviuvou muito nova, continuando a viver com os sogros. Consta que era uma mulher muito do seu tempo, culta e cosmopolita, a única que lia jornais, fumava  e discutia de igual para igual com os homens. À noite, lá ia ela para o Grémio, depois do jantar, nos Invernos gelados dos anos trinta, de escalfeta na mão, ou esta seria transportada pela criada?, não me lembro bem da história que não importa para o caso, trocar impressões sobre o assunto do dia, com os senhores informados da terra. A sua atitude liberta (consta que recusou vários casamentos por considerar os candidatos uns labregos) não seria muito da simpatia das suas conterrâneas e, diz-se, foi devido a intrigas que acabou por ter que deixar, muito contrariada, o lugar em Porto da Lage, tendo ido leccionar para Carvalhos de Figueiredo, escola onde permaneceu muitos anos e acabou a sua vida profissional.


E o Estado Novo entra em acção. É durante este período, que, finalmente, se atinge a completa alfabetização das crianças portuguesas as quais, em 1960, já se encontravam praticamente todas escolarizadas, como podemos ver nos quadros abaixo.




Quadros retirados daqui 

Sobre essa época as pessoas da minha geração e mais velhas lembram-se de salas de aula como esta (que, no caso de Porto da Lage, ficava num edifício tipo   Plano dos_Centenários), que tinha na parede do quadro, em frente, uma cruz, a fotografia do "sr. Presidente do Conselho" sempre constante, e outra, que variou ao longo dos anos, a dos presidentes, a mim calhou-me a de Américo Thomaz, sentado, de grande fita traçada sobre o uniforme branco de almirante. Fundamentais, eram o quadro preto, que se alcançava através de um estrado, e os mapas: o do corpo humano, o de Portugal, com montanhas rios e seus afluentes, províncias e distritos, e o outro, o do "Portugal Insular e Ultramarino".

A mobília consistia na mesa da professora e nas carteiras, as minhas de dois lugares, nas quais encaixavam os tinteiros, que eu nunca vi pois já eram anacrónicos no meu tempo, então já se usavam as "canetas de tinta permanente", e essas mesmas, para mim, só no dia das "provas", pois as minhas professoras, todas modernaças, autorizavam as esferográficas no dia-a-dia.



























Aprendemos todos a ler por um livro icónico, o qual, juntamente com o da 3.ª classe, ainda  hoje se edita e vende, como pãesinhos quentes, tal a nostalgia que, parece, suscitam.







O ensino durante esse longo período, embora com uma matriz comum, terá variado ao longo dos anos e das zonas do então Portugal. Eu, por exemplo, só aprendi o Hino de Portugal, depois de ter aprendido outro ....Angola é nossa ..., e por isso esta é uma das poucas coisas da minha vida de que muito me orgulho, aprendi a escrever e ler português numa terra que o respeita e onde ainda hoje é adoptado tal qual como então! Também não me lembro de ter rezado nas aulas, mesmo em Porto da Lage. E, também aqui, tive uma professora, D.Branca Amendoeira, que não nos "deu" "O Estado da Índia" que constava do programa, porque "aquilo já não é nosso, para quê perder tempo", novidade que, contada à minha avó, feroz defensora do "Portugal do Minho a Timor", muito a escandalizou e a fez declarar "não esperar uma coisa dessas daquela senhora", o que me fez pensar no caso e passar a ver aquilo que seria apenas uma coisa a menos para aprender, como algo grave e transgressor, que nunca mais esqueci.
Outra coisa que revela o sentido prático desta senhora, além de nos deixar usar esferográfica, como já disse, foi não nos ensinar as "linhas de caminho de ferro", por "já não sair nos exames" o que me fez sentir, depois,  sempre um pouco inferiorizada face aos meus contemporâneos, pois impediu -me de fazer coro com eles, quando lamuriavam das coisas inúteis que o fascismo os obrigara a aprender, e eu, desse mal, não me poder queixar, na totalidade.

A escolaridade obrigatória era então ainda de quatro anos, só no ano seguinte passou a seis, fazíamos exame no final, os de Porto da Lage eram em Tomar, e, quem prosseguia os estudos, fazia exame de admissão ao liceu ou às escolas técnicas. Pessoas previdentes, os meus avós mandaram-me fazer os dois. Os documentos necessários para as respectivas candidaturas, que a minha avó teria de providenciar, estão descriminados abaixo, pela mão da própria D. Branca.









[Os jovens abaixo dos quarenta anos que leem isto, ou porque tropeçaram neste blog ou porque o fazem por obrigação  (atenção à herança!), fiquem sabendo o que era o papel selado (não descortinei a razão da meia-folha), que terminou em 1986. Quando acabou, sentiu-se tanto a sua falta que, ainda durante muito tempo, se mandava fazer tudo o que era requerimento ou carta oficial, no "papel azul de vinte e cinco linhas", seu parente pobre. Hábito entranhado, que ainda perdura em algumas das antigas colónias.]







A escolaridade obrigatória de seis anos que entrou em vigor em 1967 só foi alargada para nove anos em plena Democracia, em 1992.Actualmente, desde 2015, a "escolaridade obrigatória cessa" quando o aluno perfaz 18 anos ou completa o 12.º ano. 
Mais de duzentos anos passados depois que o Marquês se lembrou de chamar ao Estado a obrigação de educar os portugueses, esse ainda não é assunto pacifico nem pacificado. Vai governo e entra governo, se há assunto que os entretém é a educação! É pecha velha, há sempre alguma coisa a desfazer, há sempre alguém que transporta uma novidade! Mas, malgré tout, os portugueses conseguiram, passando através dos pingos de tanta inovação e desinovação, graças também aos professores, esses seres conservadores e inertes que persistem em ensinar o que lhes ensinaram, os portugueses, dizia, conseguiram ficar, finalmente, ao nível dos outros povos, o que significa que quando este povo percebe a razão de ser das coisas e vê que elas lhe trazem benefícios, vai atrás delas!(MFM)



Para quem se interessou por estes pequenos apontamentos sobre antiqualhas da história da educação em Portugal, recomendo este artigo e mais este  e esta página do blog restos de colecção, sem esquecer os livros que mencionei aqui 

13 de dezembro de 2017

As Escolas de Primeiras Letras III





Aguarela de Roque Gameiro


Novas   dissensões  civis acontecem em Portugal durante e depois dos governos de Cabral, até que a Regeneração  vem trazer alguma serenidade e progresso ao país por um período de 18 anos.





Nos cerca de cinquenta anos que se sucedem até ao final da Monarquia, não deixam de haver reformas e contra-reformas no sistema educativo, muitas ideias pedagógicas são mesmo precursoras e inéditas mas raras vezes, ou nunca, saem do papel, devido, sempre, à pouca duração dos governos e ao facto de, querendo cada um mostrar-se melhor que o anterior, revogar a  reforma já iniciada e legislar logo outra, que não tem tempo para pôr em vigor. Era (?) assim. Destaca-se neste período a criação do primeiro ministério dedicado exclusivamente à Educação- o Ministério da Instrução Pública, sob a responsabilidade de D. António da Costa  mas que durou apenas dois meses, a criação do «Método de Leitura Repentina», por parte do poeta Castilho que deu bastante polémica  e a Cartilha Maternal que, pelo contrário, teve a aprovação nacional e que tornou o seu autor, João de Deus, também pelos seus dotes de poeta, um herói nacional.




             


























O número de analfabetos em Portugal em 1878 era de 82,4%. Na Suécia, pela mesma época, em 1881, era de 0,4%, na Noruega 0,08%, na Dinamarca 0,36%. A Alemanha apresentava 0,51%, a Inglaterra e a Escócia 1%. Todos estes países protestantes, o que leva Agostinho dos Santos, autor do livro Educação e Ensino, Porto 1911, no qual estes números são apresentados, a atribuir a responsabilidade da elevada taxa de analfabetismo, nos países católicos, à Companhia de Jesus. No entanto, nesses países e na mesma época, a taxa era bem menor do que em Portugal: 68% em Espanha, 42% em Itália, 38% na Áustria, 28% na Irlanda e 17% na Bélgica.





Nos anos setenta  do sec. XIX já a escola teria entrado nos hábitos dos meninos mais afortunadas da freguesia da Madalena, como nos indica o mapa seguinte. 


15.06.1879


Talvez alguns daqueles meninos tenham feito parte dos que fizeram exame no Concelho de Tomar em 1882 e,quem sabe, até mesmo, dos vinte e seis que foram aprovados e tanto orgulho deram à sua terra. De registar que, das 3 meninas submetidas a exame, todas passaram. Para que vejam!Se mais houvesse mais teriam sucesso!
                                                                                         6.08.1882

17.12 1882

Naquele  ano  de 1879 as aulas seriam na Madalena ou em Cem Soldos ? 
Nos finais do século as duas estavam a funcionar em simultâneo. O meu avô (nascido em 1892), frequentava a da Madalena para onde se dirigia, diariamente,  a pé, enquanto  a prima da sua idade, Ana (do lagar) ia, também todos os dias, mas  para Cem Soldos. Desconheço a razão, seria a "rede escolar" que dividia Porto da Lage ao meio, e ele, morador no centro, pertencia a uma escola diferente da dela, seria cada uma das escolas destinada a apenas um sexo, ou a vontade dos pais decidia? (MFM)


10.03.1885


                                                                                                                                (continua)

11 de dezembro de 2017

As Escolas de Primeiras Letras II



Partida do Principe Real para o Brasil, Henry L'Eveque, 1812

Os ventos de mudança, lançados pelos filósofos das luzes e concretizados, primeiro na independência dos Estados Unidos da América e depois, mais profundamente, na revolução Francesa, começaram a afectar Portugal. Se directamente tal só se apercebia na constante vigilância da polícia às ténues manifestações da maçonaria e a tudo o que Pina Manique considerasse “inimigos da Religião e da Coroa “, indirectamente, o nosso país vê-se envolvido nas tramas internacionais que derivaram daquela revolução e que, por fim, levam a família real a fugir para o Brasil, em 1807.
Neste contexto pode adivinhar-se como terá corrido a governação das escolas de primeiras letras neste “reino sem corte”. Como exemplo diga-se que, logo na primeira invasão francesa, Junot, para fazer ocupar o Castelo de Lisboa pelas suas tropas, manda  “despejar” de lá a Casa Pia (criada em 1780 para recolha de crianças abandonadas, às quais se ministrava o ensino básico de que temos vindo a falar, a algumas, “com qualidade” as outras cadeiras e o ensino de ofícios às outras) lançando 600 recolhidos na rua, completamente abandonados.
É de assinalar, neste período, em 1815,a criação de escolas nos quartéis, ideia supõe-se que impulsionada por Beresford, destinada a instruir os militares portugueses“ O Príncipe regente N.S….. é servido mandar estabelecer uma aula de ler, escrever e contar, em cada corpo de infantaria, caçadores, cavalaria e artilharia do seu exército, e na real guarda da polícia de Lisboa; a fim de que se aproveitem delas os indivíduos dos mencionados corpos, querendo eles, e igualmente seus filhos, assim como os habitantes das terras ou bairros em que os mesmos corpos tiverem os seus quartéis”.
Devido à escassez de professores o método de ensino utilizado nestas escolas seria o de ensino-mútuo“ ou “método lancaster” aplicado ao ensino de alunos dispostos em grandes, diremos mesmo, imensas,  classes. O êxito destas escolas foi enorme, de tal forma que nas localidades onde existiam, as “escolas civis” ficavam desertas.
Neste âmbito, para que o ensino ministrado tivesse a homogeneidade pretendida, foi criada a primeira escola de preparação de mestres em Portugal – a Escola Normal de Lisboa abriu em Belém em 1 de Março de 1816.


Aplicação do método de Lancaster, de Giovanni Migliara Confalonieri e Pellico


Em 1820 estala, e triunfa no Porto, a Revolução Liberal e logo na proclamação que a Junta do Reino dirigiu aos soldados no dia da revolução (24 de Setembro) se dizia: ‘”A religião santa de nossos pais ganhará mais brilhante esplendor, e a melhora dos costumes fruto também de uma iluminada instrução até hoje por desgraça abandonada, fará a nossa felicidade e das idades futuras»
e a constituição daqui saída  exara nos últimos capítulos:
 Artigo 237.Em todos os lugares do reino onde convier haverá escolas suficientemente dotadas em que se ensine a mocidade portuguesa de ambos os sexos a ler, / escrever e contar, e o catecismo das obrigações religiosas e civis.
 Artigo 238. Os actuais estabelecimentos de instrução pública serão novamente regulados e se criarão outros onde convier para o ensino das ciências e das artes. :
Artigo 239. É livre a todo o cidadão abrir aulas para o ensino público contanto que haja que responder pelo abuso desta liberdade nos casos e pela forma que a lei determinar.»

Mas estas ideias generosas não têm concretização. A Revolução não trouxe estabilidade e às invasões francesas e à ocupação inglesa sucederam-se 14 anos de lutas internas  permanentes, sendo os últimos 6 anos (de 1828 a 1834) de regresso ao absolutismo sob a égide e D. Miguel. Por este período assiste-se à redução das escolas de primeiras letras de 900 para 550, parece que por motivos económicos.

Porém, instalado o Liberalismo, o que se segue também não é animador, a situação politica é instável, governos sucedem-se a governos numa velocidade perturbadora.
No que diz respeito ao nosso ponto, destacam-se Rodrigo da Fonseca Magalhães, que governa de Julho a Novembro de 1835, o qual decreta que a instrução primária passaria a ser “administrada gratuitamente a todos os cidadãos em escolas públicas e o método  geralmente empregue o do ensino mútuo”,  os professores deveriam frequentar as Escolas Normais entretanto criadas, sendo também criada uma rede de escolas que abrangia todo o país, a cargo dos municípios, os quais também recrutariam os professores. Mas logo o ministro seguinte Luis da Silva Mouzinho de Albuquerque suspende tudo “ficando a educação e a instrução pública no pé em que se achava anteriormente”. Passos Manuel,  que entra em cena em 1836 saindo logo no ano seguinte, e  que ficou célebre por ter criado os liceus, altera a reforma de Rodrigo da Fonseca  no sentido de as escolas primárias e os professores voltarem a depender do estado, não fazendo referencia a gratuitidade da escolaridade.  
Nestes períodos, a obrigatoriedade da escolaridade é sempre omitida, no entanto, tanto Rodrigo da Fonseca como Passos Manuel apelam a que os pais de família enviem os filhos à escola a partir dos sete anos instigando as Câmaras Municipais e os párocos a recorrerem a todos os meios para convencerem a família desse dever.

E, pelos nossos lados, o que estava a acontecer, em termos escolares? Consegui apurar, apenas, que por volta de 1779, no Convento de Cristo, em "cumprimento da obrigação do mesmo Convento" se ensinava a ler, filosofia racional e latim, o que significa que lhe tinha sido imposta essa obrigação anteriormente. Desconheço se a então vila teria sido, desta forma, contemplada com a "rede pública" de ensino ou se haveria, pelo concelho, outras escolas de primeiras letras.

Mas em 1840, depara-se esta notícia encontrada nos Anais do Município de Tomar:



A

 Junta da Paróquia da Madalena pretende o estabelecimento de uma cadeira de primeiras letras no lugar de Cem Soldos, o mais populoso da freguesia, a qual pode ser utilizada pelos povos limítrofes da freguesia de S. Silvestre da Beselga.


Não consegui apurar se a Junta conseguiu o lugar e, se sim, se conseguiram alguém para se sentar na "cadeira"!


E chega a vez de Costa Cabral que, tomando o poder em 1842, se dispõe a acabar, em 1844, com o analfabetismo obrigando os pais e tutores a mandarem as crianças à escola, sob pena de, não o fazendo, ficarem sujeitos, primeiro a aviso, depois intimação, depois repreensão e por fim a multa. Mas as excepções permitidas a esta determinação eram tantas, incluindo àqueles que “por excessiva pobreza não os pudessem enviar à escola” que deveriam abranger a maior parte da população.


E precisamente em 1842, o Orçamento da Câmara Municipal de Tomar, no valor de 1886$301 réis , prevê a contratação de 1 médico e um cirurgião do partido e 6 professores primários, dos quais 1 na Madalena e 1 em Cem Soldos.

O que quer dizer que, por este ano, pelo menos, ao contrário de outros, antes e depois, competia aos municípios o recrutamento de professores. Saliente-se, também, o número de lugares criados o que me parece, para a época, uma medida de grande alcance, embora, também aqui, eu desconheça se foram ou não ocupados. (MFM)


                                                                                                                      (continua)

9 de dezembro de 2017

As Escolas de Primeiras Letras I




Panfleto anunciando o modo de apresentar denúncias e se fazer pagar por
elas, 2 de Agosto de 1771.



Em 1777 morre D. José e o Marquês de Pombal cai, isso mesmo, cai do esplendoroso cargo para onde se tinha auto erguido. E já vai tarde, mesmo muito tarde, digo eu que não gosto de tiranos de espécie nenhuma, por mais laureados de “bom estadistas” que sejam. Não há cá reorganização pós-terramoto, “Região Demarcada do Vinho do Porto”, retirada aos ingleses de privilégios mal negociados previamente, nem estímulo à indústria que valham os métodos esconsos de governar, a tortura, a carnificina e a crueldade em geral, motivadas pelo rancor, pelo ressentimento e pelo nepotismo. Para aqueles que consideram a morte dos Távolas e a expulsão de Jesuítas como “ajustes de contas” entre poderosos, aceitando os factos como forma do Marquês se afirmar e de retirar o país da “ nefasta influência” do ensino retrógrado da Companhia de Jesus, direi, quanto a este último ponto que, atrasado ou não, era o único ensino consistente que existia que não foi possível, por absoluta falta de gente preparada, substituir, e nos lançou ainda em pior situação e mais completa ignorância. Quanto ao resto, a vergasta do Marquês estendeu-se muito além dos poderosos, colectivamente, os povos, como os de Vila Real de Santo António e da Trafaria sentiram  morte pelo fogo e, individualmente, a arraia-miúda era posta a baloiçar, sem apelo, diariamente, nas forcas improvisadas, que as prisões só tinham lugar para fazer apodrecer a gente grande.

[permita-se-me, a propósito, declarar que, não fora o grande transtorno que me causaria haver agora trapalhadas na rotunda, pois transito por lá todos os dias, e passaria a ter 16 elementos (consta que tem 15) aquele grupo que pugna pela retirada de estátuas de figuras de que não gostam, e lá iríamos nós clamar por “deitar abaixo o Marquês”, coisa que, sem qualquer obstáculo, seria imediatamente ouvida e levada a cabo pelas instâncias próprias. Ou então não, também tenho que pensar no interesse nacional, pois para onde é que o povo iria depois pendurar-se para comemorar os futebóis? Estou num dilema, depois resolvo, vou deixar o caso para a minha aposentação - ah, ah, ah! (desculpem, private joke).]



Yang girl reading, Jean-Honoré Fragonard, c. 1770

Com D.Maria I é aumentado o número de cadeiras de Primeiras Letras e são criadas as primeiras “escolas de meninas” (dezoito em Lisboa que só foram plenamente concretizadas em 1815) mas a dificuldade em recrutar mestres era crescente. Os nomeados eram poucos e alguns recusavam-se a sair de Lisboa, um edital publicado pela mesa Censória de 15 de Março de 1780 declara “ já passados seis meses,  que este Tribunal fez público em Listas impressas, que se espalharão por todo o reino, o incomparável beneficio que S.Magestade por sua Real Rezolução  de dezasseis de Agosto do ano passado, fez aos seus vassalos, creando hum prudente numero de professore de Filosofia Racional, Rhetorica, Língua Grega  e Grammatica Latina e de mestres de ler escrever e contar; E constando no mesmo Tribunal que muitos dos sobreditos professores e mestres não tem tirado as suas cartas, quando o devião fazer sem perda de tempo e conduzirem-se às suas respectivas terras, para as quais forão nomeados, no que tem prejudicado gravissimamente ao Publico, achando-se a mocidade sem professores e  mestres que a ensine: manda a Real Meza que todos os professores e mestres que se achão providos e nomeados para os sobreditos empregos, dentro no tempo de sessenta dias, contados da data deste, venhão tirar as cartas, para se hirem apresentar nos lugares que lhes forão destinados e que não o fazendo se darão por vagas as suas cadeiras e escolas para serem nellas providos outros professores e mestres”.






Decide-se, então, recorrer às ordens religiosas para angariar mestres. No fim do ano de 1779 ‘foram citados os prelados Maiores de quazi todas as Religiões [ordens religiosas] para nomearem doze até quinze de seus súbditos para Professores régios de ler e escrever”.  
Mas os pobres dos frades parece que não tinham grande vocação para aturar meninos “nam sabião nada do que lhes mandavão ensinar e não tinhão paciencia nem geito para semelhantes empregos” e alguns recusavam-se a ponto de os superiores terem de empenhar a santa obediência para os obrigar.
O presbítero Bento José de Sousa Farinha (1740-1820) também mestre, é um feroz crítico desta medida e do funcionamento das escolas em geral. Diz ele que “a mocidade” que pretendia saber ler “ se via obrigada a sahir da sua terra ou do seu lugar por calmas e frios. Para ir buscar o fradinho Leigo que está no Convento fora do povoado e longe delle”, o qual fradinho “nunca teve curiosidade de aprender nem paciencia para isso, e agora hum dia lhe nam aparece, outro lhe troca a doutrina em conversação, outro o manda a recados, e negócios mais do seu interesse”. Também o ensino da escrita e da ortografia se ressentiriam da ignorância de tal género de mestre, o qual, “alem de nam saber nada de Ortografia, e Lingoagem portugueza, nunca soube escrever nem aparar hua penna”, já que a caligrafia seria cultivada desde há pouco tempo no nosso país e quem nela fosse perito não iria “fazer se frade leigo” ou professor régio, havendo falta de bons calígrafos “noutros empregos mais proveitosos e descansados”. O ensino da aritmética, seria igualmente descurado. O professor não aprendera nunca ou já lhe esquecera a tabuada. Facto ainda agravado pela sua situação de religioso, visto que “ pelo seu voto de pobreza tem horror a contas, conhecimento e valor das moedas”
 Também o ensino do catecismo era, surpreendentemente votado ao desprezo. Sousa Farinha refere que o frade diz aos meninos que não é pregador e remete-os “ para os Sermões da sua Igreja trocando lhe por elles esta importantíssima lição, que he na verdade a de q’ a Mocidade anda mais pobre e necessitada remetendo-se os pais aos professores e estes aos parhocos, e os parhocos aos Pais e aos Professores” ficando os povos neste “jogo de empurra”, “numa fatal secura e esterilidade de doutrina, cheios de suprestiçoens e torpes erros de magica, e outras abuzões semelhantes.”

[e nós, neste fatídico sec.XXI a pensar que tínhamos inaugurado este discurso “do empurra”]

Tal situação era possível, segundo Sousa Farinha, pelo facto de não existir qualquer controlo real sobre o sistema de ensino. Escrevendo, em 1784, ainda sob a jurisdição da Real Mesa Censória, perguntava “ que cuidados” e “sentido” tinha ela posto sobre “a rezidencia, actividade, e zelo dos professores nas suas Aulas, e sobre a freqoencia, aplicação e progresso dos Discipulos? Quantas Aulas tem estado fechadas anos e anos, pagando se sempre por inteiro aos Professores? Quantos destes foram logo desde o principio reputados e havidos por inábeis, e por isso ninguém quis aprender com eles mas todavia conservados.”
E Sousa Farinha critica igualmente as instalações das escolas  “Tem a nossa Mocidade as suas escolas por tavernas,  por loges de barbeiros, por escritórios de escrivães e escreventes e até por cazas de jogo público continuo”.




O funcionamento deste sistema de ensino, inovador e inédito no mundo, não estava a começar lá de modo muito auspicioso. Não havia professores, começava por não haver candidatos pois, apesar dos requisitos serem mínimos, havia pouca gente habilitada e, aqueles que o estavam preferiam outras profissões mais bem remuneradas ou davam as suas próprias aulas particulares, por vezes clandestinas. Porém, havendo candidatos, nem sempre ocorriam as provas exigidas para os examinar por falta de quem o fizesse e quando, finalmente, havia um professor pronto, habilitado e provido num lugar, este, se lhe desse na cabeça, não se apresentava!

[Isto de ser Ministério de Educação, ou quem suas vezes fizer, chame-se Real Mesa Censória ou Junta da Directoria dos Estudos e Escolas, que passou a ser depois, nunca deve ter sido tarefa fácil!]

Mas o mau funcionamento não se devia só aos docentes, não! Então, como agora, sempre os dois outros lados do triângulo presentes a aguçar o dentinho para pôr areia na engrenagem!
Ora vejamos: Em 1792, Jerónimo Soares Barbosa, visitador das escolas de Coimbra, apresenta a “infrequência e negligência dos discípulos” como causa do seu “atrasamento”, segundo aquele, os pais encarariam a escola como um meio de terem os filhos ocupados sem se preocuparem com o aproveitamento [as coisas que se detectavam por aquelas épocas, credo!] Outros pais, pelo contrário, desejariam ver os filhos instruídos, mas, não sendo obrigados a pagar, era-lhes indiferente o número de anos que estivessem na escola. Havia também os pais que só mandavam à escola os filhos nos dias em que não lhes fizessem falta em casa para os ajudar.
 Por todos estes motivos, conclui o visitador, se verificava “a pouca aplicação da mocidade os poucos progressos que nela se notam depois de cinco, seis, sete, e mais anos de estudo nas escolas da comarca”. (MFM)

                                                                                                                           (continua)

7 de dezembro de 2017

As Escolas de Primeiras Letras



 O Alvará Régio de 28 de Junho de 1759 ao mesmo tempo que extinguia os estabelecimentos regulados pelos Jesuítas, criava as primeiras escolas gratuitas de Gramática Latina, de Grego e de Retórica.
Portugal foi, desta forma, dizem historiadores de educação, o primeiro país ocidental a organizar o ensino do Estado. O que não nos trouxe vantagem nenhuma prática mas confirma o nosso eterno papel para estar sempre “à frente” na arquitectura das coisas. Então, para fazer leis vanguardistas ninguém nos ganha, agora e sempre, o Senhor seja louvado!





Pombal, no sentido de toda a sua política, também centralizou e estatizou a política educativa, criando, no que diz respeito aos estudos menores, uma rede de escolas de Primeiras Letras (de ler, escrever e contar) distribuída pelo Continente, Ilhas, e as possessões de América, Ásia e África. Todos os professores, incluindo os das instituições de carácter institucional e os de estabelecimentos pertencentes à igreja católica tinham que ser examinados porque todos “ensinavam vassalos do rei”. Os mestres das escolas públicas, as "escolas régias", eram qualificados e nomeados mediante concurso público, os de ensino particular teriam de ter uma licença após exame realizado pela Real Mesa Censória, sob pena de sofrerem grandes multas e de cinco anos de degredo para Angola em caso de reincidência. Deixavam de ter papel no recrutamento e pagamento de professores os municípios que até aí instituíam os partidos a que aqueles se candidatavam.

Mas não se pense que a “oferta educativa” era universal, longe disso. A carta da Lei de 6 de Novembro de 1772 que tinha anexa a localização regional de cada estabelecimento, refere expressamente ser “impraticável “ uma rede nacional que “fosse de igual comodidade a todos os Povos, e a todos, e a cada hum dos particulares delles”. Aquela “oferta” tinha em conta o destino profissional e escolar dos futuros utentes.
Em primeiro lugar, dizia-se no preâmbulo da Carta, cumpria levar em conta que nem todos os súbditos se destinariam aos Estudos Maiores, isto é, à universidade. Do universo escolarizável haveria, desde logo, de excluir “os que são necessariamente empregados nos serviços rústicos, e nas Artes Fabris, que ministrarão o sustento dos povos e constituem os braços e mãos do Corpo Político”. A estes bastariam as “Instrucções dos Parocos”, isto é, explicação oral do catecismo, para os adultos e para as crianças, aos domingos e Dias Santos. A maior parte da população portuguesa permaneceria, pois, no interior de uma cultura oral e não escolar.
As outras pessoas hábeis para os estudos” teriam, por sua vez,“ os diversos destinos, que fazem uma grande desigualdade nas suas respectivas aplicações”. Sendo assim, a Carta admite bastar a alguns “que se contenhão nos exercícios de ler, escrever, e contar”. Outros que se reduzam “à precisa instrução da Língua latina”, de tal modo,” que somente se fará necessário habilitar-se para a Filologia o menor numero de outros Mancebos, que aspirão ás applícações daquelas Faculdades Académicas, que fazem figurar Homens nos Estados”. Estava desenhada a pirâmide pretendida!









O mapa anexo à Carta de Lei, instituía um total de 837 “professores e mestres”, aos quais foram juntados mais 88 em 1773. Deste total, 479 eram reservados a mestres de “ler, escrever e contar”, dos quais 107 se destinavam a Lisboa e “cabeças de comarca” e os restantes a outras localidades. Os “professores” eram os Professores Régios de Filosofia Racional, Retórica, Língua Grega e Gramática Latina.


As obrigações dos mestres de ler, escrever e contar consistiam, basicamente, no ensino da caligrafia (“a forma dos caracteres“) e da ortografia (as regras gerais da orthographia portugueza), bem como nos rudimentos da sintaxe, “para que os seus discípulos possão escrever correcta e ordenadamente”, e, no mínimo, “as quatro espécies de Aríthemetica simples”, ou seja, as quatro operações, para além da educação religiosa e social.
                                                                                                                                         (Continua)


Bibliografia:
Carvalho, Rómulo de, História do Ensino em Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1986.
Fernandes, Rogério, Os Caminhos do ABC-Sociedade Portuguesa e Ensino das Primeiras Letras, Porto Editora, Porto, 1994