Partida do Principe Real para o Brasil, Henry L'Eveque, 1812 |
Os ventos de mudança, lançados
pelos filósofos das luzes e concretizados, primeiro na independência dos
Estados Unidos da América e depois, mais profundamente, na revolução Francesa,
começaram a afectar Portugal. Se directamente tal só se apercebia na constante
vigilância da polícia às ténues manifestações da maçonaria e a tudo o que Pina
Manique considerasse “inimigos da Religião e da Coroa “, indirectamente, o nosso país vê-se
envolvido nas tramas internacionais que derivaram daquela revolução e que, por
fim, levam a família real a fugir para o Brasil, em 1807.
Neste contexto pode adivinhar-se
como terá corrido a governação das escolas de primeiras letras neste “reino sem
corte”. Como exemplo diga-se que, logo na primeira invasão francesa, Junot, para fazer ocupar o Castelo
de Lisboa pelas suas tropas, manda “despejar” de lá a Casa Pia (criada em 1780
para recolha de crianças abandonadas, às quais se ministrava o ensino básico de
que temos vindo a falar, a algumas, “com qualidade” as outras cadeiras e o
ensino de ofícios às outras) lançando 600 recolhidos na rua,
completamente abandonados.
É de assinalar, neste período, em 1815,a criação de escolas nos quartéis, ideia supõe-se que impulsionada por
Beresford, destinada a instruir os militares portugueses“ O Príncipe regente N.S….. é servido mandar
estabelecer uma aula de ler, escrever e contar, em cada corpo de infantaria,
caçadores, cavalaria e artilharia do seu exército, e na real guarda da polícia
de Lisboa; a fim de que se aproveitem delas os indivíduos dos mencionados
corpos, querendo eles, e igualmente seus filhos, assim como os habitantes das
terras ou bairros em que os mesmos corpos tiverem os seus quartéis”.
Devido à escassez de professores
o método de ensino utilizado nestas escolas seria o de ensino-mútuo“ ou
“método lancaster” aplicado ao ensino de alunos dispostos em grandes, diremos
mesmo, imensas, classes. O êxito destas escolas foi enorme, de tal forma que nas
localidades onde existiam, as “escolas civis” ficavam desertas.
Neste âmbito, para que o ensino
ministrado tivesse a homogeneidade pretendida, foi criada a primeira escola de
preparação de mestres em Portugal – a Escola Normal de Lisboa abriu em Belém em
1 de Março de 1816.
Aplicação do método de Lancaster, de Giovanni Migliara Confalonieri e Pellico |
Em 1820 estala, e triunfa no Porto, a Revolução Liberal e logo na
proclamação que a Junta do Reino dirigiu aos soldados no dia da
revolução (24 de Setembro) se dizia: ‘”A
religião santa de nossos pais ganhará mais brilhante esplendor, e a melhora dos
costumes fruto também de uma iluminada instrução até hoje por desgraça
abandonada, fará a nossa felicidade e das idades futuras»
e a constituição daqui saída exara nos últimos capítulos:
Artigo 237.Em todos os lugares do
reino onde convier haverá escolas suficientemente dotadas em que se ensine a
mocidade portuguesa de ambos os sexos a ler, / escrever e contar, e o catecismo
das obrigações religiosas e civis.
Artigo 238. Os actuais
estabelecimentos de instrução pública serão novamente regulados e se criarão
outros onde convier para o ensino das ciências e das artes. :
Artigo 239. É livre a todo o cidadão abrir aulas para o ensino público
contanto que haja que responder pelo abuso desta liberdade nos casos e pela
forma que a lei determinar.»
Mas estas ideias generosas não
têm concretização. A Revolução não trouxe estabilidade e às invasões francesas e à ocupação inglesa sucederam-se 14 anos de lutas internas permanentes, sendo os últimos 6 anos (de 1828 a 1834) de regresso ao
absolutismo sob a égide e D. Miguel. Por este período assiste-se à redução das
escolas de primeiras letras de 900 para 550, parece que por motivos económicos.
Porém, instalado o Liberalismo, o que se segue também não é animador,
a situação politica é instável, governos sucedem-se a governos numa velocidade
perturbadora.
No que diz respeito ao nosso
ponto, destacam-se Rodrigo da Fonseca Magalhães, que governa de Julho a Novembro
de 1835, o qual decreta que a instrução primária passaria a ser “administrada
gratuitamente a todos os cidadãos em escolas públicas e o método geralmente empregue o do ensino mútuo”, os professores deveriam frequentar as Escolas
Normais entretanto criadas, sendo também criada uma rede de escolas que abrangia todo
o país, a cargo dos municípios, os quais também recrutariam os professores. Mas logo o ministro seguinte Luis da Silva Mouzinho de Albuquerque suspende
tudo “ficando a educação e a instrução pública no pé em que se achava
anteriormente”. Passos Manuel, que entra
em cena em 1836 saindo logo no ano seguinte, e que ficou célebre por ter criado os liceus, altera
a reforma de Rodrigo da Fonseca no
sentido de as escolas primárias e os professores voltarem a depender do estado,
não fazendo referencia a gratuitidade da escolaridade.
Nestes períodos, a obrigatoriedade
da escolaridade é sempre omitida, no entanto, tanto Rodrigo da Fonseca como
Passos Manuel apelam a que os pais de família enviem os filhos à escola
a partir dos sete anos instigando as Câmaras Municipais e os párocos a recorrerem
a todos os meios para convencerem a família desse dever.
E, pelos nossos lados, o que estava a acontecer, em termos escolares? Consegui apurar, apenas, que por volta de 1779, no Convento de Cristo, em "cumprimento da obrigação do mesmo Convento" se ensinava a ler, filosofia racional e latim, o que significa que lhe tinha sido imposta essa obrigação anteriormente. Desconheço se a então vila teria sido, desta forma, contemplada com a "rede pública" de ensino ou se haveria, pelo concelho, outras escolas de primeiras letras.
Mas em 1840, depara-se esta notícia encontrada nos Anais do Município de Tomar:
A
|
Junta da Paróquia da Madalena pretende o
estabelecimento de uma cadeira de primeiras letras no lugar de Cem Soldos, o
mais populoso da freguesia, a qual pode ser utilizada pelos povos limítrofes da
freguesia de S. Silvestre da Beselga.
Não consegui apurar se a Junta conseguiu o lugar e, se sim, se conseguiram alguém para se sentar na "cadeira"!
E chega a vez de Costa Cabral que, tomando o poder em 1842, se dispõe a acabar, em 1844, com o analfabetismo obrigando os pais e tutores a mandarem as crianças à escola, sob pena de, não o fazendo, ficarem sujeitos, primeiro a aviso, depois intimação, depois repreensão e por fim a multa. Mas as excepções permitidas a esta determinação eram tantas, incluindo àqueles que “por excessiva pobreza não os pudessem enviar à escola” que deveriam abranger a maior parte da população.
E precisamente em 1842, o Orçamento da Câmara Municipal de Tomar, no valor de 1886$301 réis , prevê a contratação de 1 médico e um cirurgião do partido e 6 professores primários, dos quais 1 na Madalena e 1 em Cem Soldos.
O que quer dizer que, por este ano, pelo menos, ao contrário de outros, antes e depois, competia aos municípios o recrutamento de professores. Saliente-se, também, o número de lugares criados o que me parece, para a época, uma medida de grande alcance, embora, também aqui, eu desconheça se foram ou não ocupados. (MFM)
(continua)
E chega a vez de Costa Cabral que, tomando o poder em 1842, se dispõe a acabar, em 1844, com o analfabetismo obrigando os pais e tutores a mandarem as crianças à escola, sob pena de, não o fazendo, ficarem sujeitos, primeiro a aviso, depois intimação, depois repreensão e por fim a multa. Mas as excepções permitidas a esta determinação eram tantas, incluindo àqueles que “por excessiva pobreza não os pudessem enviar à escola” que deveriam abranger a maior parte da população.
E precisamente em 1842, o Orçamento da Câmara Municipal de Tomar, no valor de 1886$301 réis , prevê a contratação de 1 médico e um cirurgião do partido e 6 professores primários, dos quais 1 na Madalena e 1 em Cem Soldos.
O que quer dizer que, por este ano, pelo menos, ao contrário de outros, antes e depois, competia aos municípios o recrutamento de professores. Saliente-se, também, o número de lugares criados o que me parece, para a época, uma medida de grande alcance, embora, também aqui, eu desconheça se foram ou não ocupados. (MFM)
(continua)