Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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13 de dezembro de 2017

As Escolas de Primeiras Letras III





Aguarela de Roque Gameiro


Novas   dissensões  civis acontecem em Portugal durante e depois dos governos de Cabral, até que a Regeneração  vem trazer alguma serenidade e progresso ao país por um período de 18 anos.





Nos cerca de cinquenta anos que se sucedem até ao final da Monarquia, não deixam de haver reformas e contra-reformas no sistema educativo, muitas ideias pedagógicas são mesmo precursoras e inéditas mas raras vezes, ou nunca, saem do papel, devido, sempre, à pouca duração dos governos e ao facto de, querendo cada um mostrar-se melhor que o anterior, revogar a  reforma já iniciada e legislar logo outra, que não tem tempo para pôr em vigor. Era (?) assim. Destaca-se neste período a criação do primeiro ministério dedicado exclusivamente à Educação- o Ministério da Instrução Pública, sob a responsabilidade de D. António da Costa  mas que durou apenas dois meses, a criação do «Método de Leitura Repentina», por parte do poeta Castilho que deu bastante polémica  e a Cartilha Maternal que, pelo contrário, teve a aprovação nacional e que tornou o seu autor, João de Deus, também pelos seus dotes de poeta, um herói nacional.




             


























O número de analfabetos em Portugal em 1878 era de 82,4%. Na Suécia, pela mesma época, em 1881, era de 0,4%, na Noruega 0,08%, na Dinamarca 0,36%. A Alemanha apresentava 0,51%, a Inglaterra e a Escócia 1%. Todos estes países protestantes, o que leva Agostinho dos Santos, autor do livro Educação e Ensino, Porto 1911, no qual estes números são apresentados, a atribuir a responsabilidade da elevada taxa de analfabetismo, nos países católicos, à Companhia de Jesus. No entanto, nesses países e na mesma época, a taxa era bem menor do que em Portugal: 68% em Espanha, 42% em Itália, 38% na Áustria, 28% na Irlanda e 17% na Bélgica.





Nos anos setenta  do sec. XIX já a escola teria entrado nos hábitos dos meninos mais afortunadas da freguesia da Madalena, como nos indica o mapa seguinte. 


15.06.1879


Talvez alguns daqueles meninos tenham feito parte dos que fizeram exame no Concelho de Tomar em 1882 e,quem sabe, até mesmo, dos vinte e seis que foram aprovados e tanto orgulho deram à sua terra. De registar que, das 3 meninas submetidas a exame, todas passaram. Para que vejam!Se mais houvesse mais teriam sucesso!
                                                                                         6.08.1882

17.12 1882

Naquele  ano  de 1879 as aulas seriam na Madalena ou em Cem Soldos ? 
Nos finais do século as duas estavam a funcionar em simultâneo. O meu avô (nascido em 1892), frequentava a da Madalena para onde se dirigia, diariamente,  a pé, enquanto  a prima da sua idade, Ana (do lagar) ia, também todos os dias, mas  para Cem Soldos. Desconheço a razão, seria a "rede escolar" que dividia Porto da Lage ao meio, e ele, morador no centro, pertencia a uma escola diferente da dela, seria cada uma das escolas destinada a apenas um sexo, ou a vontade dos pais decidia? (MFM)


10.03.1885


                                                                                                                                (continua)

11 de dezembro de 2017

As Escolas de Primeiras Letras II



Partida do Principe Real para o Brasil, Henry L'Eveque, 1812

Os ventos de mudança, lançados pelos filósofos das luzes e concretizados, primeiro na independência dos Estados Unidos da América e depois, mais profundamente, na revolução Francesa, começaram a afectar Portugal. Se directamente tal só se apercebia na constante vigilância da polícia às ténues manifestações da maçonaria e a tudo o que Pina Manique considerasse “inimigos da Religião e da Coroa “, indirectamente, o nosso país vê-se envolvido nas tramas internacionais que derivaram daquela revolução e que, por fim, levam a família real a fugir para o Brasil, em 1807.
Neste contexto pode adivinhar-se como terá corrido a governação das escolas de primeiras letras neste “reino sem corte”. Como exemplo diga-se que, logo na primeira invasão francesa, Junot, para fazer ocupar o Castelo de Lisboa pelas suas tropas, manda  “despejar” de lá a Casa Pia (criada em 1780 para recolha de crianças abandonadas, às quais se ministrava o ensino básico de que temos vindo a falar, a algumas, “com qualidade” as outras cadeiras e o ensino de ofícios às outras) lançando 600 recolhidos na rua, completamente abandonados.
É de assinalar, neste período, em 1815,a criação de escolas nos quartéis, ideia supõe-se que impulsionada por Beresford, destinada a instruir os militares portugueses“ O Príncipe regente N.S….. é servido mandar estabelecer uma aula de ler, escrever e contar, em cada corpo de infantaria, caçadores, cavalaria e artilharia do seu exército, e na real guarda da polícia de Lisboa; a fim de que se aproveitem delas os indivíduos dos mencionados corpos, querendo eles, e igualmente seus filhos, assim como os habitantes das terras ou bairros em que os mesmos corpos tiverem os seus quartéis”.
Devido à escassez de professores o método de ensino utilizado nestas escolas seria o de ensino-mútuo“ ou “método lancaster” aplicado ao ensino de alunos dispostos em grandes, diremos mesmo, imensas,  classes. O êxito destas escolas foi enorme, de tal forma que nas localidades onde existiam, as “escolas civis” ficavam desertas.
Neste âmbito, para que o ensino ministrado tivesse a homogeneidade pretendida, foi criada a primeira escola de preparação de mestres em Portugal – a Escola Normal de Lisboa abriu em Belém em 1 de Março de 1816.


Aplicação do método de Lancaster, de Giovanni Migliara Confalonieri e Pellico


Em 1820 estala, e triunfa no Porto, a Revolução Liberal e logo na proclamação que a Junta do Reino dirigiu aos soldados no dia da revolução (24 de Setembro) se dizia: ‘”A religião santa de nossos pais ganhará mais brilhante esplendor, e a melhora dos costumes fruto também de uma iluminada instrução até hoje por desgraça abandonada, fará a nossa felicidade e das idades futuras»
e a constituição daqui saída  exara nos últimos capítulos:
 Artigo 237.Em todos os lugares do reino onde convier haverá escolas suficientemente dotadas em que se ensine a mocidade portuguesa de ambos os sexos a ler, / escrever e contar, e o catecismo das obrigações religiosas e civis.
 Artigo 238. Os actuais estabelecimentos de instrução pública serão novamente regulados e se criarão outros onde convier para o ensino das ciências e das artes. :
Artigo 239. É livre a todo o cidadão abrir aulas para o ensino público contanto que haja que responder pelo abuso desta liberdade nos casos e pela forma que a lei determinar.»

Mas estas ideias generosas não têm concretização. A Revolução não trouxe estabilidade e às invasões francesas e à ocupação inglesa sucederam-se 14 anos de lutas internas  permanentes, sendo os últimos 6 anos (de 1828 a 1834) de regresso ao absolutismo sob a égide e D. Miguel. Por este período assiste-se à redução das escolas de primeiras letras de 900 para 550, parece que por motivos económicos.

Porém, instalado o Liberalismo, o que se segue também não é animador, a situação politica é instável, governos sucedem-se a governos numa velocidade perturbadora.
No que diz respeito ao nosso ponto, destacam-se Rodrigo da Fonseca Magalhães, que governa de Julho a Novembro de 1835, o qual decreta que a instrução primária passaria a ser “administrada gratuitamente a todos os cidadãos em escolas públicas e o método  geralmente empregue o do ensino mútuo”,  os professores deveriam frequentar as Escolas Normais entretanto criadas, sendo também criada uma rede de escolas que abrangia todo o país, a cargo dos municípios, os quais também recrutariam os professores. Mas logo o ministro seguinte Luis da Silva Mouzinho de Albuquerque suspende tudo “ficando a educação e a instrução pública no pé em que se achava anteriormente”. Passos Manuel,  que entra em cena em 1836 saindo logo no ano seguinte, e  que ficou célebre por ter criado os liceus, altera a reforma de Rodrigo da Fonseca  no sentido de as escolas primárias e os professores voltarem a depender do estado, não fazendo referencia a gratuitidade da escolaridade.  
Nestes períodos, a obrigatoriedade da escolaridade é sempre omitida, no entanto, tanto Rodrigo da Fonseca como Passos Manuel apelam a que os pais de família enviem os filhos à escola a partir dos sete anos instigando as Câmaras Municipais e os párocos a recorrerem a todos os meios para convencerem a família desse dever.

E, pelos nossos lados, o que estava a acontecer, em termos escolares? Consegui apurar, apenas, que por volta de 1779, no Convento de Cristo, em "cumprimento da obrigação do mesmo Convento" se ensinava a ler, filosofia racional e latim, o que significa que lhe tinha sido imposta essa obrigação anteriormente. Desconheço se a então vila teria sido, desta forma, contemplada com a "rede pública" de ensino ou se haveria, pelo concelho, outras escolas de primeiras letras.

Mas em 1840, depara-se esta notícia encontrada nos Anais do Município de Tomar:



A

 Junta da Paróquia da Madalena pretende o estabelecimento de uma cadeira de primeiras letras no lugar de Cem Soldos, o mais populoso da freguesia, a qual pode ser utilizada pelos povos limítrofes da freguesia de S. Silvestre da Beselga.


Não consegui apurar se a Junta conseguiu o lugar e, se sim, se conseguiram alguém para se sentar na "cadeira"!


E chega a vez de Costa Cabral que, tomando o poder em 1842, se dispõe a acabar, em 1844, com o analfabetismo obrigando os pais e tutores a mandarem as crianças à escola, sob pena de, não o fazendo, ficarem sujeitos, primeiro a aviso, depois intimação, depois repreensão e por fim a multa. Mas as excepções permitidas a esta determinação eram tantas, incluindo àqueles que “por excessiva pobreza não os pudessem enviar à escola” que deveriam abranger a maior parte da população.


E precisamente em 1842, o Orçamento da Câmara Municipal de Tomar, no valor de 1886$301 réis , prevê a contratação de 1 médico e um cirurgião do partido e 6 professores primários, dos quais 1 na Madalena e 1 em Cem Soldos.

O que quer dizer que, por este ano, pelo menos, ao contrário de outros, antes e depois, competia aos municípios o recrutamento de professores. Saliente-se, também, o número de lugares criados o que me parece, para a época, uma medida de grande alcance, embora, também aqui, eu desconheça se foram ou não ocupados. (MFM)


                                                                                                                      (continua)

9 de dezembro de 2017

As Escolas de Primeiras Letras I




Panfleto anunciando o modo de apresentar denúncias e se fazer pagar por
elas, 2 de Agosto de 1771.



Em 1777 morre D. José e o Marquês de Pombal cai, isso mesmo, cai do esplendoroso cargo para onde se tinha auto erguido. E já vai tarde, mesmo muito tarde, digo eu que não gosto de tiranos de espécie nenhuma, por mais laureados de “bom estadistas” que sejam. Não há cá reorganização pós-terramoto, “Região Demarcada do Vinho do Porto”, retirada aos ingleses de privilégios mal negociados previamente, nem estímulo à indústria que valham os métodos esconsos de governar, a tortura, a carnificina e a crueldade em geral, motivadas pelo rancor, pelo ressentimento e pelo nepotismo. Para aqueles que consideram a morte dos Távolas e a expulsão de Jesuítas como “ajustes de contas” entre poderosos, aceitando os factos como forma do Marquês se afirmar e de retirar o país da “ nefasta influência” do ensino retrógrado da Companhia de Jesus, direi, quanto a este último ponto que, atrasado ou não, era o único ensino consistente que existia que não foi possível, por absoluta falta de gente preparada, substituir, e nos lançou ainda em pior situação e mais completa ignorância. Quanto ao resto, a vergasta do Marquês estendeu-se muito além dos poderosos, colectivamente, os povos, como os de Vila Real de Santo António e da Trafaria sentiram  morte pelo fogo e, individualmente, a arraia-miúda era posta a baloiçar, sem apelo, diariamente, nas forcas improvisadas, que as prisões só tinham lugar para fazer apodrecer a gente grande.

[permita-se-me, a propósito, declarar que, não fora o grande transtorno que me causaria haver agora trapalhadas na rotunda, pois transito por lá todos os dias, e passaria a ter 16 elementos (consta que tem 15) aquele grupo que pugna pela retirada de estátuas de figuras de que não gostam, e lá iríamos nós clamar por “deitar abaixo o Marquês”, coisa que, sem qualquer obstáculo, seria imediatamente ouvida e levada a cabo pelas instâncias próprias. Ou então não, também tenho que pensar no interesse nacional, pois para onde é que o povo iria depois pendurar-se para comemorar os futebóis? Estou num dilema, depois resolvo, vou deixar o caso para a minha aposentação - ah, ah, ah! (desculpem, private joke).]



Yang girl reading, Jean-Honoré Fragonard, c. 1770

Com D.Maria I é aumentado o número de cadeiras de Primeiras Letras e são criadas as primeiras “escolas de meninas” (dezoito em Lisboa que só foram plenamente concretizadas em 1815) mas a dificuldade em recrutar mestres era crescente. Os nomeados eram poucos e alguns recusavam-se a sair de Lisboa, um edital publicado pela mesa Censória de 15 de Março de 1780 declara “ já passados seis meses,  que este Tribunal fez público em Listas impressas, que se espalharão por todo o reino, o incomparável beneficio que S.Magestade por sua Real Rezolução  de dezasseis de Agosto do ano passado, fez aos seus vassalos, creando hum prudente numero de professore de Filosofia Racional, Rhetorica, Língua Grega  e Grammatica Latina e de mestres de ler escrever e contar; E constando no mesmo Tribunal que muitos dos sobreditos professores e mestres não tem tirado as suas cartas, quando o devião fazer sem perda de tempo e conduzirem-se às suas respectivas terras, para as quais forão nomeados, no que tem prejudicado gravissimamente ao Publico, achando-se a mocidade sem professores e  mestres que a ensine: manda a Real Meza que todos os professores e mestres que se achão providos e nomeados para os sobreditos empregos, dentro no tempo de sessenta dias, contados da data deste, venhão tirar as cartas, para se hirem apresentar nos lugares que lhes forão destinados e que não o fazendo se darão por vagas as suas cadeiras e escolas para serem nellas providos outros professores e mestres”.






Decide-se, então, recorrer às ordens religiosas para angariar mestres. No fim do ano de 1779 ‘foram citados os prelados Maiores de quazi todas as Religiões [ordens religiosas] para nomearem doze até quinze de seus súbditos para Professores régios de ler e escrever”.  
Mas os pobres dos frades parece que não tinham grande vocação para aturar meninos “nam sabião nada do que lhes mandavão ensinar e não tinhão paciencia nem geito para semelhantes empregos” e alguns recusavam-se a ponto de os superiores terem de empenhar a santa obediência para os obrigar.
O presbítero Bento José de Sousa Farinha (1740-1820) também mestre, é um feroz crítico desta medida e do funcionamento das escolas em geral. Diz ele que “a mocidade” que pretendia saber ler “ se via obrigada a sahir da sua terra ou do seu lugar por calmas e frios. Para ir buscar o fradinho Leigo que está no Convento fora do povoado e longe delle”, o qual fradinho “nunca teve curiosidade de aprender nem paciencia para isso, e agora hum dia lhe nam aparece, outro lhe troca a doutrina em conversação, outro o manda a recados, e negócios mais do seu interesse”. Também o ensino da escrita e da ortografia se ressentiriam da ignorância de tal género de mestre, o qual, “alem de nam saber nada de Ortografia, e Lingoagem portugueza, nunca soube escrever nem aparar hua penna”, já que a caligrafia seria cultivada desde há pouco tempo no nosso país e quem nela fosse perito não iria “fazer se frade leigo” ou professor régio, havendo falta de bons calígrafos “noutros empregos mais proveitosos e descansados”. O ensino da aritmética, seria igualmente descurado. O professor não aprendera nunca ou já lhe esquecera a tabuada. Facto ainda agravado pela sua situação de religioso, visto que “ pelo seu voto de pobreza tem horror a contas, conhecimento e valor das moedas”
 Também o ensino do catecismo era, surpreendentemente votado ao desprezo. Sousa Farinha refere que o frade diz aos meninos que não é pregador e remete-os “ para os Sermões da sua Igreja trocando lhe por elles esta importantíssima lição, que he na verdade a de q’ a Mocidade anda mais pobre e necessitada remetendo-se os pais aos professores e estes aos parhocos, e os parhocos aos Pais e aos Professores” ficando os povos neste “jogo de empurra”, “numa fatal secura e esterilidade de doutrina, cheios de suprestiçoens e torpes erros de magica, e outras abuzões semelhantes.”

[e nós, neste fatídico sec.XXI a pensar que tínhamos inaugurado este discurso “do empurra”]

Tal situação era possível, segundo Sousa Farinha, pelo facto de não existir qualquer controlo real sobre o sistema de ensino. Escrevendo, em 1784, ainda sob a jurisdição da Real Mesa Censória, perguntava “ que cuidados” e “sentido” tinha ela posto sobre “a rezidencia, actividade, e zelo dos professores nas suas Aulas, e sobre a freqoencia, aplicação e progresso dos Discipulos? Quantas Aulas tem estado fechadas anos e anos, pagando se sempre por inteiro aos Professores? Quantos destes foram logo desde o principio reputados e havidos por inábeis, e por isso ninguém quis aprender com eles mas todavia conservados.”
E Sousa Farinha critica igualmente as instalações das escolas  “Tem a nossa Mocidade as suas escolas por tavernas,  por loges de barbeiros, por escritórios de escrivães e escreventes e até por cazas de jogo público continuo”.




O funcionamento deste sistema de ensino, inovador e inédito no mundo, não estava a começar lá de modo muito auspicioso. Não havia professores, começava por não haver candidatos pois, apesar dos requisitos serem mínimos, havia pouca gente habilitada e, aqueles que o estavam preferiam outras profissões mais bem remuneradas ou davam as suas próprias aulas particulares, por vezes clandestinas. Porém, havendo candidatos, nem sempre ocorriam as provas exigidas para os examinar por falta de quem o fizesse e quando, finalmente, havia um professor pronto, habilitado e provido num lugar, este, se lhe desse na cabeça, não se apresentava!

[Isto de ser Ministério de Educação, ou quem suas vezes fizer, chame-se Real Mesa Censória ou Junta da Directoria dos Estudos e Escolas, que passou a ser depois, nunca deve ter sido tarefa fácil!]

Mas o mau funcionamento não se devia só aos docentes, não! Então, como agora, sempre os dois outros lados do triângulo presentes a aguçar o dentinho para pôr areia na engrenagem!
Ora vejamos: Em 1792, Jerónimo Soares Barbosa, visitador das escolas de Coimbra, apresenta a “infrequência e negligência dos discípulos” como causa do seu “atrasamento”, segundo aquele, os pais encarariam a escola como um meio de terem os filhos ocupados sem se preocuparem com o aproveitamento [as coisas que se detectavam por aquelas épocas, credo!] Outros pais, pelo contrário, desejariam ver os filhos instruídos, mas, não sendo obrigados a pagar, era-lhes indiferente o número de anos que estivessem na escola. Havia também os pais que só mandavam à escola os filhos nos dias em que não lhes fizessem falta em casa para os ajudar.
 Por todos estes motivos, conclui o visitador, se verificava “a pouca aplicação da mocidade os poucos progressos que nela se notam depois de cinco, seis, sete, e mais anos de estudo nas escolas da comarca”. (MFM)

                                                                                                                           (continua)

7 de dezembro de 2017

As Escolas de Primeiras Letras



 O Alvará Régio de 28 de Junho de 1759 ao mesmo tempo que extinguia os estabelecimentos regulados pelos Jesuítas, criava as primeiras escolas gratuitas de Gramática Latina, de Grego e de Retórica.
Portugal foi, desta forma, dizem historiadores de educação, o primeiro país ocidental a organizar o ensino do Estado. O que não nos trouxe vantagem nenhuma prática mas confirma o nosso eterno papel para estar sempre “à frente” na arquitectura das coisas. Então, para fazer leis vanguardistas ninguém nos ganha, agora e sempre, o Senhor seja louvado!





Pombal, no sentido de toda a sua política, também centralizou e estatizou a política educativa, criando, no que diz respeito aos estudos menores, uma rede de escolas de Primeiras Letras (de ler, escrever e contar) distribuída pelo Continente, Ilhas, e as possessões de América, Ásia e África. Todos os professores, incluindo os das instituições de carácter institucional e os de estabelecimentos pertencentes à igreja católica tinham que ser examinados porque todos “ensinavam vassalos do rei”. Os mestres das escolas públicas, as "escolas régias", eram qualificados e nomeados mediante concurso público, os de ensino particular teriam de ter uma licença após exame realizado pela Real Mesa Censória, sob pena de sofrerem grandes multas e de cinco anos de degredo para Angola em caso de reincidência. Deixavam de ter papel no recrutamento e pagamento de professores os municípios que até aí instituíam os partidos a que aqueles se candidatavam.

Mas não se pense que a “oferta educativa” era universal, longe disso. A carta da Lei de 6 de Novembro de 1772 que tinha anexa a localização regional de cada estabelecimento, refere expressamente ser “impraticável “ uma rede nacional que “fosse de igual comodidade a todos os Povos, e a todos, e a cada hum dos particulares delles”. Aquela “oferta” tinha em conta o destino profissional e escolar dos futuros utentes.
Em primeiro lugar, dizia-se no preâmbulo da Carta, cumpria levar em conta que nem todos os súbditos se destinariam aos Estudos Maiores, isto é, à universidade. Do universo escolarizável haveria, desde logo, de excluir “os que são necessariamente empregados nos serviços rústicos, e nas Artes Fabris, que ministrarão o sustento dos povos e constituem os braços e mãos do Corpo Político”. A estes bastariam as “Instrucções dos Parocos”, isto é, explicação oral do catecismo, para os adultos e para as crianças, aos domingos e Dias Santos. A maior parte da população portuguesa permaneceria, pois, no interior de uma cultura oral e não escolar.
As outras pessoas hábeis para os estudos” teriam, por sua vez,“ os diversos destinos, que fazem uma grande desigualdade nas suas respectivas aplicações”. Sendo assim, a Carta admite bastar a alguns “que se contenhão nos exercícios de ler, escrever, e contar”. Outros que se reduzam “à precisa instrução da Língua latina”, de tal modo,” que somente se fará necessário habilitar-se para a Filologia o menor numero de outros Mancebos, que aspirão ás applícações daquelas Faculdades Académicas, que fazem figurar Homens nos Estados”. Estava desenhada a pirâmide pretendida!









O mapa anexo à Carta de Lei, instituía um total de 837 “professores e mestres”, aos quais foram juntados mais 88 em 1773. Deste total, 479 eram reservados a mestres de “ler, escrever e contar”, dos quais 107 se destinavam a Lisboa e “cabeças de comarca” e os restantes a outras localidades. Os “professores” eram os Professores Régios de Filosofia Racional, Retórica, Língua Grega e Gramática Latina.


As obrigações dos mestres de ler, escrever e contar consistiam, basicamente, no ensino da caligrafia (“a forma dos caracteres“) e da ortografia (as regras gerais da orthographia portugueza), bem como nos rudimentos da sintaxe, “para que os seus discípulos possão escrever correcta e ordenadamente”, e, no mínimo, “as quatro espécies de Aríthemetica simples”, ou seja, as quatro operações, para além da educação religiosa e social.
                                                                                                                                         (Continua)


Bibliografia:
Carvalho, Rómulo de, História do Ensino em Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1986.
Fernandes, Rogério, Os Caminhos do ABC-Sociedade Portuguesa e Ensino das Primeiras Letras, Porto Editora, Porto, 1994

3 de dezembro de 2017

Até um dia, com muitas saudades.





Dr. Matos, antigo professor CNA (recorte de foto
grafia retirada da página do facebook da AaaCNA)


Saudosista - Pessoa que tem um gosto exagerado por coisas ou momentos do passado; quem prefere valorizar coisas que já não existem. Sinónimo de passadista, caturra.
 (in dicionário on-line da língua portuguesa)

Que vos parece se eu, aqui, neste momento e neste preciso blog, declarar que não sou saudosista, dando por bom que saudosista é mesmo aquilo que diz lá em cima? Parece-vos estranho, achavam mesmo que eu era passadista e caturra? Pois não sou, ou serei só de certo modo. E não é que eu ache alguma coisa de mal em ter-se um gosto exagerado por coisas ou momentos do passado ou em valorizar coisas que já não existem.
Neste blog esforço-me por manter vivas coisas ou momentos do passado e em valorizar coisas que já não existem. Não significa que goste dessas coisas exageradamente ou sequer que, no limite, goste delas, significa que lhes dou valor, porque existiram independentemente dos meus gostos e valores pessoais, e que procuro que não caiam no esquecimento. E isto aplico-o tanto a este microcosmos a que, sabe-se lá porquê, me venho dedicando, como ao meu país e ao resto do mundo, na medida em que as minhas fracas possibilidades o permitam. Considero minha obrigação, enquanto ser minimamente vocacionado para entender a história, contribuir para, modestamente, não deixar morrer na cabeça dos meus concidadãos mais distraídos a memória de todos nós.
A mesma preocupação não tenho quanto à minha memória privada, aí não, não tenho especial culto do passado, sobretudo da adolescência. Por razões de estrita deferência e lealdade familiar colocaram-me, os meus avós, desnecessariamente num colégio particular, que lhes levou cabedais, que não sei até que ponto prejudicaram a economia doméstica, e não acrescentou nada à minha formação.
O colégio, que terá tido o seu período áureo, não discuto isso, era, no meu tempo, uma coisa anacrónica, comparativamente com o liceu que já então existia em Tomar. Não consigo arranjar para os sete anos que lá passei mais do que este verbo: passar. Passou o tempo, cresci, vivi o tempo que as raparigas dez ou vinte anos mais velhas que eu lá tinham vivido, e sobrevivi.  No rewards no regrets. Nada que deixasse saudades.
Não posso, no entanto, ser injusta. Os professores deixaram-me a imagem, de modo geral, de gente de muita cultura. Teriam as suas falhas, já aqui falei num, uma figura, outro, de filosofia, uma desgraça pedagógica, uma meada embaraçadissima onde era impossível encontrar-se o fio que nos levasse à matéria necessária aos exames, mas que contava as histórias mais mirabolantes e absurdas, a propósito de tudo e de nada, deixando instalar o caos nas aulas de tal forma se embrenhava no seu próprio discurso avassalador e entusiasmante, para quem o seguia. Era um poço de sabedoria, assim lhe prestássemos atenção! Eles sabiam tudo, de português a história, passando pelas línguas estrangeiras, toda a gente se pronunciava. Na universidade fiquei estupefacta com os pontapés na gramática e ignorância de alguns professores quando se ultrapassava o estrito conhecimento cientifico da sua cadeira. No colégio isso seria impensável. Com excepções, também assisti a nódoas, tive um professor de Matemática que, coisa inaudita e que nunca vi antes nem depois e muita aula de Matemática tive, dava Matemática por cábulas e ditava-as. Agarrava do seu papelinho, punha-se à frente do quadro e lia, às vezes fazia o favor de pôr no quadro coisas que copiava do papelinho. Eram mesmo papelinhos, semelhantes a guardanapos de papel. Coitado, a criatura estava ali por engano e não fazia ideia de coisa nenhuma, parece que era de Biologia ou Química, mas, ao que se ouvia dizer, mesmo na sua área era mausinho. Este senhor, que além do resto era autoritário, chato e irritadiço, um velho portanto, deveria ser um rapaz novo na época, digo eu agora pois, anos mais tarde, encontrei-o presidente de um Instituto Politécnico deste nosso amado Portugal. Não resisti a contar isto aqui.Ai este país de opereta!
Mas também tive o melhor professor de Matemática que é possível alguém ter tido. Daqueles que nos fazem apaixonar por aquela bela ciência! A gente explorava as funções, trigonométricas, exponenciais, logarítmicas, os seus domínios e contradomínios com o entusiasmo que Bartolomeu Dias não teve a passar o Cabo e com igual trunfo! E a análise combinatória e a Geometria analítica! Tudo era tão leve e apreensível! E um dia em que o teste correu mal a toda a gente e eu o encontrei na rua no dia seguinte, em que não tínhamos aula:  - O que é que vos aconteceu? Eh pá, nem dormi depois de ver os pontos! Ainda estava com esperança no seu! Mas até você! – E logo eu, sem piedade: - A culpa não pode ser nossa, não íamos errar todos!- Pois tem razão, não pode, não pode, tenho que ver o que falhou! Arrependi-me logo, tive pena dele- Deixe setor, a culpa não é sua! Riu-se – Decida-se, alguém tem de pagar por isto!
A sua alcunha era o 3cm, por causa da pouca altura, já se vê, mas para nós ele era carinhosamente o três, o maior, o mais humano, preocupado e melhor pedagogo com que me deparei.
Tenho saudades suas setore, vou ter sempre.
Soube hoje que morreu no passado dia 24 de Novembro. (MFM)


2 de dezembro de 2017

Teias que se desfazem














As teias que nos construíram e nos agarravam para sempre,
 ainda há tão pouco tempo,
 a pouco e pouco vão-nos largando,
dando lugar a outras, desconhecidas
mas igualmente fortes

noutro lugar, noutro momento (MFM)

25 de setembro de 2017

Acabou o Arraial!


A semana passada, quando queria descarregar o vídeo abaixo, enganei-me e publiquei-o aqui. Só cá ficou por breves instantes, quando me apercebi do erro apaguei a postagem.
Os meus afectos particulares, aquilo que me interessa, aparte o relacionado directamente com "Porto da Lage," poucas vezes aqui têm aparecido.Mas, mal sabia eu como o meu engano podia ser premonitório.
João Ferreira Rosa morreu ontem. Era um grande fadista que eu admiro desde que me lembro.Mas era mais, era o inteireza em pessoa e chega. Pessoas daquelas de quem vale a pena gostar. 
Afinal,  digo-o com toda a humildade, e muita tristeza, é uma honra "postar" neste blog  João Ferreira Rosa! (MFM)





19 de setembro de 2017

Em Tempo de Eleições




Mateus José Alves, bacharel formado em Coimbra, ocupava despreocupadamente as suas manhãs passeando de caleche até S.João da Foz e as suas noites jogando bilhar no Clube enquanto discutia as vantagens da união ibérica e a pouca qualidade do parlamento português, quando o amor o assaltou. Pedida a menina ao cioso pai e ouvida a inesperada recusa, o infeliz Mateus percebeu, então, que não tinha modo de vida. Ser o filho regalado do sr. Macário Alves - merceeiro da cidade do Porto – que era também  mesário da ordem terceira de S.Francisco, tesoureiro do hospital do Carmo, de que era exclusivo fornecedor, irmão benfeitor da venerável ordem do terço, etc, etc, não o habilitava afinal a aspirar à mão da filha de um proprietário de Cabeceiras de Basto que protestava não a entregar a filho de especieiro, mas sim a alguém distinto que tivesse carreira que o engrandecesse.
Em vistas disso, tanto magicou o desconsolado amante à procura de carreira que o engrandecesse aos olhos do esperado futuro sogro, cotejando as suas habilitações com algo a que pudesse aspirar, que se achou capaz de ser deputado. Procurou, assim, no pai, as influências necessárias, o qual logo tratou de as arranjar, organizando lá em casa reunião com seis das principais predominâncias do ciclo eleitoral. Reunião que decorreu como segue (MFM).

« — Mateus, estes senhores vão arranjar votos para ti, com a condição de tu lá em Lisboa lhes arranjares umas coisitas que eles querem do governo.
— Tudo que humanamente se puder fazer —disse o bacharel. — Diga cada um dos meus nobres amigos o que pretende.
O mais grave dos seis, falou assim:
— Eu queria que o sr. doutor arranjasse uma comenda, ou uma coisa assim para meu primo António, que tem a loja da esquina da praça de Carlos Alberto, e já na outra eleição andei a trabalhar pelos históricos, ou que diabo são, e por fim de contas a comenda não veio.
— Conte seu primo António com a comenda; e V. Ex.a não quer nada? — disse o candidato.
— Eu só queria que o sr. doutor dissesse lá ao governo que mandasse cortar as árvoreque plantaram na praça e me tiram a vista à minha casa.
— Serão cortadas as árvores.
— Eu — disse o segundo — tenho um filho formado a comer-me há doze anos as meninas dos olhos, e queria que o sr. doutor lhe arranjasse um despacho para delegado.
— Pode dizer a seu filho que está despachado.
Falou o terceiro:
— Queria eu que V. Ex. fizesse com que a estrada em vez de passar em Guinfães, fizesse uma curva por trás da igreja de Ranhados, que me ia passar mesmo à porta.
— Nada mais fácil. Terá V. Ex.ª a estrada à porta. E o meu amigo que quer?
— Eu queria que se botasse a terra o conselho de saúde, sendo possível.
— É possível: logo que eu chegue a Lisboa o conselho de saúde há-de cair para nunca mais se  levantar.
O quinto disse que tinha uma questão de grande importância no supremo tribunal, depois que a perdera em todas as instâncias. O bacharel teve a paciência de escutar os direitos do demandista e lavrou logo o acórdão.
Finalmente, o sexto eleitor pediu a bagatela de um caminho de ferro a Mirandela, por Murça, onde ele tinha uma herdade e parentela que nunca vira por falta de comunicações.
Maravilhou-se Mateus da parcimónia das pretensões e animou-os a exigirem mais alguma cousa. Tomou assentos na sua carteira, e deu um abraço em cada um, quando todos à uma lhe disseram:
 — Está deputado o sr. dr. Mateus.

                                                                       ……….


                                                                        .........

A candidatura de Mateus José Alves foi um triunfo!
À hora em que o humilde cronista das glórias do bacharel Mateus escreve estas linhas, estouram em Campanhã, onde Macário tem uma fábrica de curtumes, centenares de foguetes, e tilintam vertiginosas as sinetas da igreja. Consta-me que na tenda de Macário todos mataram o bicho gratuitamente. Agora, resta-nos ver sair um Pombal detrás de uma ancoreta de jeropiga!»


Camilo Castelo Branco, Cenas Inocentes da Comédia Humana, 1863

22 de agosto de 2017

A Fonte



A Fonte, símbolo orgulhoso deste blog, remoçou! Estamos felizes com a sua nova juventude, que a conserve por muitos e bons!

Pois estava ela pouco mais ou menos (talvez mais para menos) como a nossa ilustre "capa" indica quando a alma caritativa, não sei se da Junta se da Câmara, resolveu pô-la bonita. Fez bem quem o decidiu, ora digam lá:



(Desculpem, mas a habilidade mais o imenso parqueamento automóvel à volta não permitiu melhor que isto.)


Eu confesso que aquele friso azul ribatejano é too much typicall cá para o meu gosto, e, talvez não reproduza exactamente o que era a fonte (ver foto abaixo dos anos 80 e outra mais recente) 





mas enfim, ninguém é perfeito e o saldo é positivo! Veja-se a extraordinária melhoria do lado interior (abaixo como era antes): foram arranjadas as lajes e  recolocado algures (talvez no chão) o inestético contador da água, 




deixando finalmente visível  a quadra que é, também, nosso apanágio:


E tudo em redor devidamente limpo, o pitoresco jardinzinho com os seus banquinhos caiados e o acesso à ribeira transitável. Gostei!



 Só um reparo, sr. Presidente (da Junta ou da Câmara, não sei qual o responsável pela obra) a História não se apaga, o passado permanece, prova é a existência da fonte. E depois, dar realce à data e às letras das placas posteriores e fazer por ignorar esta - Ao governo de Carmona Porto da Lage agradece - , não dará demasiado nas vistas e suscitará curiosidade? A demagogia tem o seu reverso, é prova de inteligência lembrarmos-nos disso. (MFM)




19 de julho de 2017

Ermida de Sta Margarida




Imagem de Sta Margarida existente na capela dos mesmo nome,
situada na localidade dos Gaios, Freguesia da Madalena, Tomar.


Amorim Rosa, na sua "História de Tomar" refere, ao enumerar as capelas existentes na Freguesia da Madalena em 1570, a "Ermida de Sta Margarida nos Gaios, termo da Comenda do Paúl".
Nas minhas pesquisas de baptizados e casamentos na Madalena, os registos mais antigos destes eventos realizados naquela ermida, que encontrei,  remetem-nos para 24 de Janeiro de 1654 e 5 de Setembro de 1657, ver abaixo,  o que não será de espantar pois aqueles Sacramentos eram celebrados habitualmente na Igreja Matriz e só sob "licença do Sr. Prelado" (como é dito no segundo casamento) eram excepcionalmente realizados fora daquela.
Nada sabemos sobre o edifício ou edifícios onde funcionou a capela  até àquele construído por volta dos anos 30 do século 20 o qual foi substituído pelo actual na década de oitenta do mesmo século. Segundo me disseram antigos paroquianos que, por sua vez, o ouviram a seus avós, a ermida que antecedeu a dos anos trinta era tão pequena e tão baixa que um homem em pé alcançava facilmente o tecto com uma mão, estendendo um braço. De igual modo ignoramos que tipo de imagens existiram ao longo dos anos no interior das diversas construções, embora todos se lembrem, desde sempre, da que representa o orago da capela, ninguém sabe exactamente a sua origem, correndo, no entanto, que teria sido, a última senhora da quinta que, tendo ficado viúva e deixado a quinta, a teria oferecido à capela. 
A ser esta oferta verdadeira não se conhece, no entanto, de que se senhora ou quinta se trata. Por aqui existiram a quinta da Belida e a de Porto da Lage e, nesta última, senhoras viúvas poderiam ter sido a do Desembargador Raimundo de Sousa, por volta de 1830, ou a mulher de João Manuel de Sousa, no final do sec.XIX, as quais foram, respectivamente, avó e mãe do célebre Dr. Sousa. A favor desta tese estará o facto de a  Quinta de Porto da Lage possuir no inicio do sec. XIX um oratório, onde teriam casado alguns filhos do Desembargador, o qual teria naturalmente algumas alfaias religiosas nas quais se incluiria a imagem de Santa Margarida. Será?
Nas pesquisas que efectuei na Biblioteca de Tomar nada encontrei sobre esta ou outras situações similares que digam respeito a inventário religioso do concelho. A própria imagem de Santa Margarida é ignorada e a que aqui consta foi tirada, com a qualidade visível, pela autora destas linhas que, debalde, procurou outra. Perdoe-se-me a ousadia e a imodéstia à conta da boa vontade e do serviço público que presto. Se, espero que não, um dia destes a santa desaparecer do altar e, simultâneamente, uma nova imagem setecentista surgir por aí num antiquário, pode ser que alguém, por acaso, vislumbre leves parecenças com esta e vá saber porquê. (MFM)



30 de maio de 2017

Rapazinhos de há cem anos



                                                                   



E lá foram eles! Os nossos pobres  jovens compatriotas de há cem anos! Como escreveu o General Gomes da Costa:
Devemos todos inclinar-nos cheios de respeito e cheios de admiração diante deste pobre ‘gambúzio’, que meteram num navio com uma arma às costas, sem lhe dizerem para onde ia; que colocaram numa trincheira diante do ‘boche’, sem lhe dizerem por que se batia; que passou meses queimado pelo sol do fogo, enregelado pela neve, atascado em lama, encharcado, tiritando com frio, encolhido num buraco enquanto as granadas lhe estoiram em redor; carregando à baioneta quando o ‘boche’ avança e que, com uma perna partida, ou o crânio amachucado por uma bala, estendido no catre da ambulância, ao ver-nos, tinha uma alegria imensa no olhar, murmurando: - O nosso giniral! Aí vem o nosso giniral! - Oh meu giniral, agora ganhei a Cruz de Guerra? Pois não?” 

Todo o país, todas as famílias, têm histórias destes desgraçados, que  voltaram ou não, com ou sem Cruz de Guerra! 
Descobri um espantoso site que, graças ao trabalho árduo e generoso de meia dúzia de dedicados, apresenta a biografia de quase todos os que fizeram parte do Corpo Expedicionário Português e escolhi quatro de entre milhares. Todos eles nascidos na Madalena, todos embarcados no mesmo dia, 19 de Janeiro de 1917, em Lisboa para destino desconhecido, "sem lhes dizerem para onde iam", mas nem todos regressados, Faustino, do Porto Mendo, ficou, para sempre, nos campos da Bélgica.
António Ferreira e Francisco Sousa Rosa eram primos direitos do meu avô, um pelo lado paterno, outro materno. Juntos terão partilhado brincadeiras e trabalhos de infância entre o Paço e Porto da Lage, no tempo da sua inocência. E terão  contado e ouvido contar, depois, pela vida fora, os infortúnios,  os pesares, e mesmo as bravatas, criadas pelo medo e pela solidão, de rapazinhos ignorantes, de armas às costas, vítimas  das  incompreensíveis brincadeiras e caprichos dos poderosos. (MFM)











25 de maio de 2017

O dia da volta




Que dia melhor para voltar a estar convosco do que este - O Dia da Espiga!?
Desejo a  todos um ano folgado de um gordo ramalhete pleno de espigas, ramo de oliveira e bem colorido com papoilas e malmequeres. (MFM)

8 de janeiro de 2017

Obrigada Dr. Mário Soares.


Obrigada




Pela coragem, pelo amor à liberdade e pelo exemplo daquela qualidade tão pouco portuguesa que é a demonstração do amor à vida!

24 de dezembro de 2016

Natal

Neste tempo de incertezas, ou de certezas cada vez mais assustadoras, resta-nos a esperança e a memória, do que vivemos ou do que ansiámos ter vivido. 
Que se cumpra o BEM que aguardamos há dois mil anos é a prece habitual da época, mas nunca, como hoje, ela foi tão necessária. Junto-me assim, com toda a humildade, à oração comum e rogo para que consigamos permanecer unidos nos valores fraternos e solidários da nossa civilização e repudiemos o medo como o nosso pior inimigo.
No aconchego e inocência que a quadra suscita, não consegui arranjar nada mais eloquente do que o pequeno texto de Ilídio que aqui reponho. Que ele vos transporte à magia da vossa infância ou aos idílicos Natais com que alguma vez sonharam!

Um Bom Natal para todos. O melhor ano de 2017! M.F.M


....Natal quando o menino Jesus entra aqui em casa pela chaminé e vem deixar nos sapatos que lá deixamos uma simples peça de roupa ou um tosco brinquedo. 


Neste tempo as minhas duas irmãs mais velhas fazem uns doces de abóbora com farinha e outros de massa de pão distendida. 

Depois de fritos à lareira são polvilhados com algum açúcar e canela. Estas “iguarias” são preparadas na noite que antecede o dia de Natal. 





Na manhã seguinte é dia santificado vamos todos à missa menos o meu pai, que por norma, nunca vai a alguma. É oficiada na igreja de S. Silvestre, às nove horas, que fica perto se formos por atalhos.
Quando a missa termina, o padre dá o menino a beijar no pezinho. As pessoas vão em fila, um por um, dão o beijinho no pé do menino que o sacerdote limpa com um paninho impregnado de álcool e depositam uma moeda, nem todos, numa bandeja pousada numa mesa. Dizem as pessoas mais velhas para iludir os inocentes infantis que o dinheiro oferecido se destina à compra das prendas que o menino fará para vir depositar no sapatinho, no próximo Natal.
Não compreendo que haja todos os anos um menino Jesus. Os meninos só nascem uma vez. Perguntei à minha mãe mas não me respondeu(IMT)